596 - Ensino jurídico, sociedade e advérbios


ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES - Juiz de Direito 


A crise do ensino do direito é assunto de muitas discussões, tanto no âmbito acadêmico, quanto no seio da opinião pública. A área jurídica corresponde à segunda maior demanda acadêmica nacional e responde por 15% das matrículas do ensino superior. Nesse ano, chegamos à impressionante marca de 1.260 cursos espalhados pelo país, com uma oferta de 215 mil vagas, das quais mais da metade está concentrada na Região Sudeste.

São números superlativos e que demonstram o peso do profissional do direito na realidade institucional. Convém ressalvar que uma escola de direito tem, por exclusiva finalidade, formar bacharéis e não advogados. Um bacharel torna-se advogado apenas depois de sua aprovação no exame da OAB, o qual exige uma formação acadêmica minimamente qualificada do candidato.

Bem ao contrário daquilo que entende o atual ministro da educação, um economista que, quando resolve falar sobre a crise do ensino jurídico, seria melhor que ficasse calado. Pouparia sua ignorância da chacota alheia. Ou se inteirasse melhor do problema, já que não é do ramo. Ou, melhor ainda, que renunciasse ao cargo em prol de alguém com histórico de compromisso nas lides educativas.

É sabido que bacharéis mal formados multiplicam-se e a grande maioria dos diplomados jamais exercerá uma profissão jurídica, como professor-pesquisador, advogado, promotor, delegado, procurador, defensor ou magistrado. Eles irão engrossar as estatísticas do desemprego ou seguirão outros rumos profissionais. A disseminação e massificação das escolas de direito no cenário nacional contribuíram em muito para o desprestígio das leis e das profissões jurídicas, temperado ainda pelo academicismo, pedantismo verbal e apego ritualístico à noção de lei.

Nesse ponto, isso seria cômico, se não fosse trágico. Platão, na polis grega e, mais tarde, Cícero, na República Romana, pregavam um “governo de leis” no lugar de um “governo de homens”. E foi sob o “império da lei”, de alguns séculos para cá, depois dos movimentos constitucionalistas, que o Estado de Direito teve seu complexo e pesado edifício construído.

Se justamente são os profissionais do direito as pessoas capacitadas a protagonizar os destinos de uma cidade assentada no império da lei, quando eles foram mal formados, os fundamentos do Estado de Direito ficam seriamente ameaçados. No lugar da isonomia, da legalidade e da aplicação da justiça com independência, entrarão, pelas rachaduras das fundações desse edifício, a abusividade dos donos do poder, a arbitrariedade da ideologia, o despotismo da maioria, o capricho relativista vestido de direito subjetivo e a parcialidade das decisões judiciais.

Não é o melhor dos cenários sociais. Aquilo que a sociedade poderá vir a ter como direito repousará nas consciências desses profissionais. Logo, a formação acadêmica dos estudantes de direito não só interessa à sociedade, como é fundamental à própria experiência da mesma sociedade com o direito.

Diante da suspensão da criação de novos cursos de direito pelo MEC, a classe jurídica aguarda uma solução institucional, comentam os editoriais. Melhor que aguardar é assumir o protagonismo dessa inevitável mudança de paradigmas pedagógicos. E deixo aqui uma sugestão pedagógica, fruto de minha experiência como aluno graduado e pós-graduado, professor e pesquisador.

A crise do ensino jurídico sempre este mais ligada ao método do que ao conteúdo do direito transmitido. Rui Barbosa, na transição do Império para a República, já dizia que “o nosso método de ensino é um método de não aprender”. Um método baseado em aulas magistrais, exposições puramente teóricas, memorização de códigos, repetição de conteúdos legais e transmissão do conhecimento “oficial” do direito.

Em suma, uma metodologia de ensino que não forma um espírito crítico no estudante, potencializa a sedimentação da injustiça e reproduz a iniquidade estrutural existente entre os mais ricos e os mais pobres. Então, o verdadeiro problema a ser solucionado não é “o quê” ensinar, mas “como” ensinar. Afinal, “como” se ensina é “o quê” se ensina. Com respeito à divergência, é o que penso. 

André Gonçalves Fernandes é professor do IICS-CEU Escola de Direito e coordenador do IFE-Campinas (agfernandes@tjsp.jus.br).


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