606 – CNJ: A marcha da insensatez



 
ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES - Juiz de Direito

 

 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, por maioria de votos, a resolução 175/13, que assegura aos casais homossexuais o direito ao casamento civil, além da conversão da união estável em casamento diante de qualquer cartório. O fim da resolução seria o de garantir a efetividade administrativa de uma decisão jurisdicional: a decisão da ADPF 132, a qual reconheceu a legalidade das uniões estáveis homossexuais. É uma resolução que inova e deriva perigosamente para um viés cada vez mais acentuado deste órgão: a vontade de ser legislador, sem ser portador de um mandato democrático.

 

Ao CNJ compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes e da legalidade de seus atos administrativos, o que inclui as normas de serviço dos cartórios. Não existe previsão constitucional para o CNJ bancar o legislador. Sua atuação é clara e restrita ao fiel cumprimento do ordenamento jurídico, incluindo-se a interpretação que o STF confere a esse mesmo ordenamento.

 

Numa canetada, o CNJ, fundado no julgamento do RESP 1.183.378/RS pelo STJ, conferiu uma espécie de efeito vinculante desse julgamento, de maneira completamente despótica e de modo a impor aos cartórios o teor da dita resolução. Sem qualquer lastro na constituição ou mesmo na decisão da ADPF 132, porque a Constituição prevê somente o casamento civil entre homem e mulher e a ADPF 132 dispôs somente e tão somente sobre união estável.

 

Para que isso fosse possível, seria necessária uma emenda constitucional que modificasse o perfil heterossexual do matrimônio civil. Em suma, o CNJ extrapolou sua competência e deu mais um exemplo de arbitrariedade institucional. Na prática, salvo se a iniciativa do CNJ vier a ser questionada no STF, o casamento gay foi liberado no Brasil.

 

Como importante valor fundante antropológico e ético, o casamento tem seu regramento estabelecido pela Constituição, por ser a base da família, a qual, por sua vez, lastreia a sociedade. E, por isso, o casamento não é disciplinado por um mero órgão administrativo, que sequer é considerado como um dos poderes constitucionais e que, por intermédio de uma ordinária resolução, passou a interferir substancialmente na vida jurídica do cidadão.

 

A necessidade da intervenção do Poder Legislativo nesse delicado âmbito da vida social foi alertada, durante a votação, pela conselheira vencida – cujo bom senso não se deixou levar por postulados politicamente corretos – e pelo órgão do Ministério Público que, efetivamente, atuou como fiscal da lei.

 

No regime institucional de separação de poderes, cada poder tem uma atuação definida constitucionalmente e não existe o menor espaço para uma hipertrofia institucional de um órgão administrativo, como o CNJ, ainda mais quando resolve legislar. Quando assim o faz, usurpa a função alheia, nega vigência ao ordenamento legal e avança antidemocraticamente contra os direitos dos cidadãos. A prevalecer essa alucinação do CNJ, a mesma resolução que, hoje, “confere um direito”, pode, amanhã, “revogar o mesmo direito”.

 

A legislação sobre direito civil é privativa da União e compete ao STF a função de guardião e de intérprete final da Constituição. Como magistrado, preocupo-me com a crescente hipertrofia institucional do CNJ, que parece influenciado pela noção de neoconstitucionalismo que tomou conta do STF, cujo efeito mais claro, em ambos os órgãos, está em abrir uma larga senda para juízes legisladores.

 

Uma contradição para um regime que prevê justamente a separação harmoniosa de poderes e que beira a tirania institucional, porque não existe um mandato democrático para esse tipo de atuação. Na prática, a ideia de “constituição viva” do neoconstitucionalismo poderia ser melhor chamada de “democracia morta”. E, na prática, ao editar a resolução 175/13, o CNJ não sabe o mal que fez com o bem que julgava pretender proporcionar. Com respeito à divergência, é o que penso.

 

André Gonçalves Fernandes é juiz de Direito, professor do IICS-CEU Escola de Direito e coordenador do IFE-Campinas (agfernandes@tjsp.jus.br).


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