Danos materiais no regime do CDC são analisados no curso de Direito do Consumidor

O desembargador Francisco Eduardo Loureiro, vice-diretor da EPM, foi o palestrante da aula do último dia 14 do 5º Curso de especialização em Direito do Consumidor da EPM, que versou sobre o tema “Danos materiais do consumidor”. A exposição teve a participação do juiz Alexandre David Malfatti, coordenador do curso.

 

Inicialmente, o palestrante lembrou que não há como estudar o dano no regime do Código de Defesa do Consumidor sem antes passar pelo Direito comum, porque o microssistema do CDC “não trata das definições dos institutos do Direito Privado, nem apresenta os requisitos da responsabilidade civil; ele apenas dá um tratamento diferenciado a esses institutos”, explicou.

 

Ele recordou, a seguir, os três pressupostos da responsabilidade civil: comportamento antijurídico, dano decorrente desse comportamento e nexo de causalidade entre eles. E citou a obra Os novos paradigmas da responsabilidade civil, em que o autor, Anderson Schreiber, afirma que, até o final do século XX, a responsabilidade civil possuía alguns filtros de contenção, para evitar o excesso de demandas indenizatórias: a obrigatoriedade de se provar a culpa ou o dolo do agente, o nexo de causalidade e os danos.

 

Nesse contexto, destacou a ampliação dos danos indenizáveis a partir das décadas de 1970 e 1980, em especial após a Constituição Federal de 1988, quando houve um desenvolvimento extraordinário dos direitos da personalidade, relacionados a temas como transportes, internet, reprodução assistida e meio ambiente, que passaram a ser tutelados pelo ordenamento jurídico, gerando responsabilidade civil quando violados. “Com isso, nosso ordenamento jurídico tirou uma das travas que segurava a responsabilidade civil”, explicou.

 

Em relação ao aumento das demandas indenizatórias, ponderou que não existe propriamente uma “indústria da responsabilidade civil”, como muitos apregoam, em especial em relação ao dano moral, porque os direitos são tutelados pelo ordenamento jurídico. “Cabe aos tribunais e à doutrina propor e aos juízes aplicar e restringir, quando necessário, o abuso do direito de litigar”, frisou.

 

Na sequência, Francisco Loureiro passou a discorrer sobre o dano, lembrando que ele não pode ser confundido com o prejuízo, que é toda diminuição de patrimônio. “Só há dano quando o prejuízo é causado por comportamento antijurídico do agente”, frisou. E apresentou a conceituação baseada na teoria do interesse: “o dano é a lesão a um interesse juridicamente protegido pelo ordenamento jurídico, que abrange o dano material, o dano emergente, o lucro cessante e o dano extrapatrimonial. O que o Direito tutela, o dano vulnera”.

 

O palestrante mencionou também o princípio da reparação integral do dano, estabelecido no art. 994 Código Civil (“a indenização mede-se pela extensão do dano”). Mas recordou duas hipóteses em que o juiz pode reduzir equitativamente a indenização, aplicáveis ao CDC: a desproporção entre a gravidade da culpa e o dano provocado (art. 944) e a prática do ato ilícito por incapaz (art. 928).

 

Teoria do ilícito lucrativo

 

Francisco Loureiro observou que atualmente questiona-se no Tribunal se o princípio da reparação integral do dano é realmente o limite da indenização, porque há situações em que o dano da vítima é inferior ao lucro que teve o ofensor com a prática do ato ilícito. Mencionou, a propósito, a teoria do ilícito lucrativo, relacionada à situação em que a vantagem econômica do agente é maior do que o dano que ele causa. “Se eu condená-lo a indenizar somente o dano que causou, irei estimulá-lo a praticar novos ilícitos e a responsabilidade civil perderá uma de suas funções primordiais, que é a preventiva ou dissuasória”, ressaltou.

 

Ele observou que a teoria do ilícito lucrativo pode ser vista como uma exceção ao princípio da reparação integral do dano. “Essa teoria é discutida hoje na Alemanha e na França, e agora também no Brasil”, salientou. E acrescentou que algumas leis especiais já trabalham com essa ideia, como a Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96), em seu art. 210: “quando há violação a direito de marca, o credor escolhe se quer cobrar seu prejuízo; o lucro daquele que violou sua marca; ou o valor que receberia se tivesse licenciado sua marca”.

 

O palestrante ressaltou que a ideia do ilícito lucrativo vale para o Direito do Consumidor e para o dano moral, em que o juiz já leva em conta o grau de reprovabilidade do comportamento do agente, além do sofrimento causado à vítima. “Alguns falam em dano punitivo, mas o correto é dano preventivo”, frisou.

 

Francisco Loureiro explicou ainda que nem todo dano é indenizável, devendo, para isso, ser certo, e não hipotético ou eventual. “Para ser indenizável, o dano deve ter uma existência real ou uma probabilidade suficiente de existência futura”, ensinou. Em relação ao dano provável, lembrou que ele também é conhecido como perda de uma chance, indenizável somente “quando houver uma probabilidade concreta de que iria ocorrer e puder ser mensurada”.

 

Ele chamou a atenção também para a distinção entre a perda de uma chance e lucro cessante: “a perda de uma chance é um dano emergente. Ela já estava no meu patrimônio; o que perdi foi a probabilidade que já estava comigo de ter um ganho. O lucro cessante corresponde ao valor que meu patrimônio aumentaria se não tivesse havido o ato ilícito”.


Em relação ao lucro cessante, ponderou que o nome mais adequado seria acréscimo patrimonial, porque “é muito comum o raciocínio errado de que só cabe lucro cessante quando a vítima prova que já ganhava e que, em razão do ato ilícito, deixou de continuar ganhando naquele período. Mas é possível que a vítima tenha lucro cessante sem nunca ter tido um lucro passado”, explicou.


O palestrante discorreu ainda sobre os interesses positivos e negativos, dano futuro, questões relacionadas ao dano moral, critérios de ocorrência de juros de mora e dano material coletivo do consumidor, entre outras questões.


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