01/10/08: EPM realiza curso sobre alterações no procedimento do júri

EPM realiza curso sobre alterações no procedimento do júri


 

               

A Escola Paulista da Magistratura (EPM) promoveu, nos dias 25 e 30 de setembro, o curso Alterações no Procedimento do Júri (Lei 11.689/2008), destinado a magistrados, membros do Ministério Público, bacharéis em Direito e policiais. No dia 25, foi proferida por Antonio Carlos da Ponte – promotor de justiça do 1º Tribunal do Júri e vice-diretor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) – a palestra Modificações no Procedimento do Júri. No dia 30, a procuradora de justiça de São Paulo Eloísa de Souza Arruda foi quem ministrou a aula. Ela é professora-chefe do Departamento de Direito Penal e Processual Penal da PUC-SP e o tema que abordou foi Decisões e Quesitos no Júri. Prestigiaram o curso os desembargadores Antonio Rulli Junior, José Damião Pinheiro Machado Cogan e José Roberto Barbosa de Almeida.

 

               

              

 

O curso teve início com palavras do desembargador Antonio Rulli, diretor da EPM. “É um prazer muito grande para a EPM ter o conferencista desta noite, o doutor Antonio Carlos da Ponte, com sua grande experiência no Ministério Público e na docência.” O desembargador Machado Cogan, que é coordenador da Área de Direito Processual Penal da EPM, complementou-o, apontando o objetivo dos cursos que tem sido implementados na Escola: “O que nós temos feito aqui nada mais é do que procurar trazer as últimas atualizações e o que tem sido matéria de discussões ou pontos controvertidos.”

 

                       

                         

Antonio Carlos da Ponte iniciou sua palestra tecendo considerações e críticas ao modo como tem se operado as alterações legislativas no âmbito do Direito Penal e Processual Penal no Brasil. “Como não existe política de Estado em matéria de segurança pública, entendeu-se por bem adotar a linha da modificação constante da legislação.” Segundo Ponte, é possível que haja necessidade em breve de uma consolidação das leis penais, como a que ocorreu em 1932. O professor teme que, com tantas modificações, perca-se a noção de sistema. “Modificações pontuais na lei processual penal, sem o compromisso com o todo, trazem dificuldades. As alterações trazem sensação de segurança, de resolução dos problemas, mas, depois, verificamos que é um mero paliativo.”

 

Por outro lado, o promotor procurou demonstrar o lado positivo das alterações feitas no procedimento do júri. “O tribunal do júri consegue exteriorizar com muita clareza a noção do povo sobre justiça,” disse ele, com base no fato de que os jurados não precisam ter embasamento jurídico para proferirem sua decisão. Segundo Ponte, eles primeiro definem o que é justo e depois procuram o fundamento, o que é uma atuação oposta a que deve ser a do juiz.

 

O promotor explicou que o procedimento do júri é bifásico. Há a fase do 'juízo de acusação', que começa com o recebimento da denúncia ou queixa-crime e vai até a pronúncia do réu. Com a mudança da lei, ela agora deve ser concluída no prazo de 90 dias. “Tecnicamente, isso não é bom,” diz Ponte, que afirma que o período para término da instrução é muito relativo e que o prazo não deveria ser calculado aritmeticamente, devendo prevalecer, como antes, o princípio da razoabilidade.

 

A segunda fase é a do 'juízo de causa'. De acordo com o promotor, esta é a fase que mais sofreu alterações. Antes da lei, ela se iniciava com o libelo-crime acusatório e seguia até o julgamento em plenário. O libelo era a peça processual que sintetizava a acusação e tinha por base a pronúncia. Era também o instrumento pelo qual o rol de testemunhas era apresentado. O libelo-crime acusatório foi extinto. Ponte diz que ele funcionava como um delimitador da acusação e um indicador de como a quesitação (fase processual) deveria ser feita aos jurados no dia do julgamento. Hoje, a própria pronúncia procederia à delimitação, mas as partes, durante os debates em plenário, não podem fazer menção à ela, apesar de o juiz entregar uma cópia aos jurados. A fase do juízo de causa passou a ter início então quando promotor de justiça e defensor são instados a apresentarem o rol de testemunhas que deverão ser ouvidas em plenário e requererem eventuais diligências.

 

                                  

           

Outra alteração é a de que os jurados agora podem ter 18 anos. Antes era necessário que tivessem 21. Houve também um aumento no número de jurados convocados para a sessão de julgamento. Eram 21 e agora são 25. Deve haver pelo menos 15 jurados para que a sessão seja instalada. O tempo foi alterado para todas as fases dos debates em plenário: acusação, defesa, réplica e tréplica. Houve ainda uma mudança em relação aos apartes, que aconteciam espontaneamente no momento dos debates. O juiz agora deve descontar o tempo daquele que fez o aparte. O promotor pergunta: “Como o juiz vai controlar a quantidade de apartes?” E responte: “Talvez com um cronômetro.” Segundo ele, o aparte não precisaria ser regulamentado por lei, pois, sempre que havia excesso, o juiz assegurava a palavra a quem estava com ela. Segundo ele, “essa alteração não refletiu nada de novo e trouxe um monitoramento desnecessário, que, na prática, não se faz interessante”.

 

A leitura de peças em plenário também sofreu restrição. Hoje só se podem ler as peças que trazem provas produzidas por carta precatória ou cautelarmente. “Leitura de peças é cansativa, mas, em alguns casos, ela é fundamental,” diz o promotor, que aponta a 'dimensão da causa' como um fator a ser considerado: “Defensor e acusador não têm condições de trazer aos jurados um relato minucioso.” Mas reconhece que, em alguns casos, a leitura vinha cumprindo o obetivo único de deixar os jurados irritados.

 

De acordo com Antonio Carlos da Ponte – com o que o desembargador Machado Cogan concordou – a principal alteração da lei é o fim do protesto por novo júri. “Este era um instrumento da mais absoluta impunidade,” disse, apontando as raízes do instituto jurídico nas Ordenações Filipinas. Nas Ordenações, revogadas em 1830, havia previsão de pena de morte e de prisão perpétua. Para evitar injustiças, era possível a renovação do julgamento por meio do protesto. A figura do protesto vigorou em todas as legislações penais brasileiras desde as Ordenações, inclusive no Código Penal de 1940 e nas reformas de 1984.

 

Outro ponto abordado na aula foi a concentração de audiências que a mudança legislativa trouxe. Agora, em uma única audiência são ouvidas a vítima (se sobrevivente), as testemunhas de acusação e de defesa e o réu. Como são oito testemunhas de acusação e oito as de defesa, mais o réu, o juiz deve ouvir, no mínimo, 17 pessoas em um caso. Essa concentração visa a tornar o processo mais rápido, mas, de acordo com o promotor, alguns juízes têm feito a cisão. “O argumento é que a aplicação da norma se torna inviável.” Haveria uma dificuldade de manejo da pauta de audiências e de mantê-la em dia. Se marca-se apenas uma audiência e não comparece ninguém, perde-se o dia. Se marcam-se quatro audiências e todos comparecem, o juiz terá de ouvir 68 pessoas, o que é praticamente inviável.

 

              

 

O defensor pode concordar que as testemunhas de defesa sejam ouvidas sem que tenha comparecido nenhuma de acusação. Diz Ponte: “Parece-me que esse caminho não é o adequado! Dependendo do que for produzido como prova acusatória, a oitiva das testemunhas de defesa vai seguir um outro caminho.” O promotor nesse ponto zela pela ampla defesa e provoca os alunos: “Todos nós somos pessoas honestas, trabalhadores. Mas esse é o único crime que ninguém aqui pode dizer que jamais praticará (um crime doloso contra a vida). Nós somos sim capazes de matar em uma situação extremada.” Por outro lado, também se preocupa com a acusação e, por isso, acredita que o interrogatório do acusado deveria continuar sendo o primeiro. “Assim nós temos condições de ter um primeiro contato com a prova diante da visão daquele que é acusado da prática da infração. O interrogatório como está hoje acaba beneficiando o acusado.”

 

Houve ainda alterações na a lei no tocante à quesitação apresentada aos jurados no final do julgamento, por meio da qual se chega à condenação ou absolvição do réu. Agora as perguntas seguem uma ordem. A primeira diz respeito à prova da existência do fato. A segunda trata da autoria ou participação. A terceira pergunta é genérica – se o acusado deve ou não ser absolvido. Aqui Pontes apresenta uma preocupação e indaga: “Como a lei ordinária não tem o condão de desprezar o texto constitucional, compete ao juiz de direito eleger a tese absolvitória cabível ou que tenha sido suscitada pela defesa?” E continua: “Qual a finalidade da absolvição?”

 

O promotor diz que alguns professores sustentam que o quesito deve ser respondido de forma simples, tendo sido este o objetivo do legislador ao simplificar a pergunta. Mas ele é firme na posição contrária: “O conselho de sentença (grupo de jurados) deve apontar o porquê do acusado ser absolvido, deve desenvolver um juizo fundamentado. Parece-me que esse é o único caminho para que nós tenhamos a noção de que o júri não é uma loteria, de que o júri é um juizo fundado de um trabalho, de uma acusação, de uma defesa, que tem começo, meio, fim e exige técnica. O jurado vai julgar com bom senso, mas não pode se afastar de maneira nenhuma da lei.”

 

             

 

Procuradora de justiça ministra aula do dia 30/9

 

A procuradora de justiça e professora Eloísa de Souza Arruda, tão logo a Lei 11.689/2008 foi publicada, lançou um artigo a respeito das alterações processuais penais no tocante aos quesitos formulados aos jurados. Posteriormente, escreveu outro artigo com comentários gerais à lei. Por isso foi convidada pela EPM para ministrar no curso a palestra Decisões e Quesitos no Júri. A procuradora, no entanto, assim como o promotor de justiça Antonio Carlos da Porta, teceu comentários amplos à lei e por vezes demonstrou visões distintas da dele.

 

                                          

                

Segundo Eloísa Arruda, “as alterações todas envolvem concentração de atos procedimentais.” Ela falou sobre a preocupação principal da Comissão Pellegrini, responsável pela reforma da lei processual penal, que assim ficou conhecida por ser encabeçada pela professora e processualista Ada Pellegrini Grinover. “Quando a Comissão Pellegrini sentou-se para repensar as reformas, o primeiro ponto a ser tratado foi a questão da celeridade. Por isso, pensou-se num procedimento que fosse marcado pela concentração de atos e pela oralidade,” contou a procuradora.

 

Uma fase processual de defesa escrita foi instituída pela reforma e ela acontece logo no início da fase do juízo de acusação. Depois dela, segue-se a audiência – são ouvidas a vítima, se sobrevivente, as testemunhas de acusão, de defesa, eventuais peritos e, por último, o réu. Eloísa Arruda disse ser uma marca da professora Ada Pellegrini Grinover o fato da oitiva do réu estar situada como última na seqüência. Isso acontece também no rito sumário da lei dos Juizados Especiais, da qual Ada também participou da elaboração. Diz a procuradora que a intenção da professora “é frisar que o interrogatório é meio de defesa e não meio de prova.” Eloísa discorda. Para ela, o interrogatório tem a função mista de defesa e de prova.

 

Por outro lado, com o intuito de agilizar o processo, agora o júri pode acontecer sem a presença do réu. “Eu acho que o espírito do legislador foi mesmo o de agilizar a resposta penal aos crimes dolosos contra a vida,” disse Eloísa. “A Comissão Pellegrini identificou no procedimento do júri o que seriam as ‘usinas de prescrição’, ou seja, aquelas situações geradoras contumazes de prescrição. Uma delas era a ausência do réu.” Mas, de acordo com a procuradora, a ausência do réu em plenário traz desvantagens. “Quem já fez júri de cadeira vazia, como eu, sabe o que é isso. A presença do réu é muito simbólica para os jurados.” 

 

Outra questão abordada, que Eloísa considera polêmica, é a do uso das algemas em plenário, que foi vetado, salvo se absolutamente necessário para ordem dos trabalhos. A procuradora acredita que as conseqüências dessa regra podem não ser boas para o procedimento, pois, se necessário, alguém terá de solicitar a colocação de algemas no acusado, que, em princípio, chega ao plenário sempre desalgemado. A solicitação deve ser justificada e pode ser feita inclusive pelo próprio juiz. “Essa justificativa pode influenciar o ânimo dos jurados,” diz.

 

           

 

Quanto à regulação dos apartes nos debates, a procuradora brinca: “Acabaram com a nossa alegria! Os apartes são o tempero dos debates. Por vezes, você ganha o júri no aparte. O aparte inteligente é a beleza do júri.” A juíza crê que a regra não será respeitada e que isso pode vir a gerar nulidades processuais.

 

Chegando ao tema quesitos, Eloísa Arruda explicou que eles deverão ser formulados com base na peça processual da pronúncia e nas decisões posteriores que julgarem admissível a acusação. Há um artigo da lei que traz o roteiro dos questionários. A leitura deles pelo juiz, a ída dos jurados à sala secreta e a dinâmica da votação continuam as mesmas. Usam-se apenas as palavras sim e não. Mas a procuradora contou que a lei anterior gerava uma reclamação, pois, apesar de já haver a previsão de que a votação era sigilosa, com o fim de preservar os jurados, isso não era possível quando havia unanimidade na votação. “O 7 a 0 revelava o voto dos jurados,” disse a procuradora. De acordo com ela, a lei agora parece ter solucionado essa questão. Quando há resposta negativa de mais de três jurados a qualquer dos quesitos, o juiz  encerra a votação, o que implica na absolvição do acusado. Não é revelado quem votou, de modo que os jurados agora sim podem sentir-se protegidos.

 

Quase encerrando a aula, a procuradora falou a respeito do fim do protesto por novo júri – considerada a alteração mais importante trazida pela lei pelo promotor Antonio Carlos da Ponte e pelo desembargador José Damião Pinheiro Machado Cogan. Eloísa de Souza Arruda concorda com eles: “Já foi tarde!”

 












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