16/03/07: EPM inicia curso de Direito de Família e Sucessões com palestra de Guilherme Calmon Nogueira da Gama

Guilherme Calmon Nogueira da Gama profere aula magna do curso de Direito de Família e Sucessões

 

A palestra “Visão Panorâmica do Direito de Família”, proferida pelo juiz federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama, deu início, em 7 de março, ao 1º curso de pós-graduação lato sensu, especialização em Direito de Família e Sucessões, da EPM. A aula inaugural foi prestigiada pelos desembargadores Marcus Vinicius dos Santos Andrade, diretor da EPM, Benedito Silvério Ribeiro, coordenador da área de Direito Privado da EPM, e Antonio Carlos Mathias Coltro; e pelo juiz Marcio Antonio Boscaro, coordenador do curso.

  

O palestrante iniciou a aula magna discorrendo sobre o “novo perfil do Direito de Família”. Ele lembrou que o modelo de Direito de Família que havia antes da Constituição de 1988 e, principalmente a partir do início da vigência do Código Civil de 1916, era o da família tradicional, hierarquizada, baseada quase que exclusivamente no casamento. “Esse era o modelo que existia no começo do século XX, dentro de uma sociedade eminentemente agrária, com uma economia voltada para o campo, o que repercutia nas relações familiares.” Ele explicou que esse modelo foi, paulatinamente, evoluindo para outro fundado em uma pluralidade de sujeitos e de fontes e que tem por base conceitos democráticos e humanistas. “Há, ainda, um caráter funcional cada vez maior atribuído à família, no sentido de que ela deve promover a dignidade e a personalidade de seus integrantes”, acrescentou.

 

Guilherme Calmon lembrou que esse novo perfil do Direito de Família está inserido em uma idéia mais ampla que é a de uma nova feição do Direito Civil. “Essa nova feição está ligada não apenas a uma defesa da posição do indivíduo frente ao outro e diante do Estado, mas também a uma necessária intervenção do Estado no campo econômico”, salientou.

 

Nesse contexto, o palestrante discorreu sobre a estatização, como um dos fenômenos surgidos no Direito de Família. “O Estado passou a ter uma ingerência cada vez maior no âmbito das relações familiares, o que representou um reconhecimento, por parte do Estado, de direitos de entes que antes estavam excluídos de proteção, além da implantação de políticas públicas de proteção à família.”

 

Ele também citou como fenômenos ocorridos no Direito de Família: a retração do modelo de família, daquela com muitos integrantes para a família nuclear, constituída apenas pelo casal e pelos filhos; a repersonalização das relações familiares, com a priorização da pessoa humana e não do matrimônio; a democratização, que é aplicação do princípio da igualdade, especialmente material, no campo das relações familiares, fazendo com que a participação de todos os integrantes da família fosse cada vez mais valorizada, inclusive dos filhos, independentemente da origem; e a dessacralização do casamento, quando deixou de vigorar o princípio da insolubilidade do matrimônio.

 

Guilherme Calmon ressaltou que, a partir da Constituição Federal de 1988, em seus artigos 226 e 227, houve uma autêntica revolução no Direito de Família. “Não apenas as relações familiares, mas as relações privadas em geral, passaram a ser fundadas em alguns valores e princípios fundamentais, como o princípio da dignidade da pessoa humana e o da solidariedade social, que se tornaram fundamentais para nortear a interpretação das normas infraconstitucionais para aplicação nas situações concretas”, explicou o palestrante, citando também a despatrimonialização verificada no Direito de Família, quando passaram a ter mais importância valores como a formação da pessoa humana, o existencialismo e as relações familiares.

 

Outra idéia destacada pelo palestrante foi a da “função social da família”, expressa no novo Código Civil, que representou uma evolução da noção de “família instituição” para a de “família instrumento”. “De acordo com esse novo conceito, a família passou a ser vista como um instrumento de realização da personalidade e das potencialidades de seus integrantes. Se, antes, ela era servida, agora deve servir aos seus integrantes, principalmente aqueles mais vulneráveis, que são as crianças, os adolescentes e os idosos.”

 

Ele acrescentou que, com base nessa nova visão do Direito de Família, a legislação passou a prestigiar as autênticas relações familiares e não mais aquelas apenas formais, citando casos em que pode haver uma proteção maior para uma união estável do que para um casamento, quando há separação de fato. “A explicação para isso é que, nesse caso, a união estável está cumprindo sua função social, enquanto que o casamento existe apenas formalmente e já não cumpre essa função.”       

 

O palestrante discorreu também sobre o tratamento da questão da união estável no Código Civil de 2002, ponderando que ainda há um certo conteúdo discriminatório, inclusive por ter sido o tema tratado em parte separada da que trata do casamento. “Há um grande reconhecimento do legislador civil para a importância do casamento, visão que deve ser mantida, mas considero que deveria ter havido uma preocupação maior com os companheiros no Código de 2002, pois só temos cinco dispositivos no livro de Direito de Família tratando acerca da família fundada na união estável”, afirmou, ressaltando que a Constituição Federal de 1988 estabelece que a família merece proteção especial do Estado sem qualificá-la ou especificá-la e reconhece a união estável com uma espécie de família e merecedora de especial proteção do Estado. “Toda vez que houver uma tutela à família, essa família não é mais aquela apenas fundada no casamento e, conseqüentemente, outras famílias merecem proteção”, concluiu.



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