Audiências de custódia e prevenção do encarceramento e do uso de drogas são debatidas em seminário

Evento foi realizado no Fórum da Barra Funda.

 

Foi realizado ontem (30), no Fórum Criminal da Barra Funda, o seminário nacional Audiência de custódia, cuidado e inserção social na prevenção do encarceramento e do uso de drogas, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com o apoio do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Escola Paulista da Magistratura (EPM) e Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

        

Na parte da manhã, foi debatido o tema “O projeto das audiências de custódia e seu impacto para a política criminal e para a política de drogas”, com mesa­ composta pelo juiz do Departamento Técnico de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (Dipo) Marcos Vieira de Morais; pelo defensor público Vitore Maximiano; pelas promotoras de Justiça Fabiana Sabaine (MP-SP) e Luciana D’Assunção (MP-RN); e pelo representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC/Brasil), Rafael Franzini.

        

Marcos Vieira de Morais recordou as dificuldades iniciais de implantação das audiências de custódia, destacando o excesso de prisões provisórias. “O mais alarmante é que boa parte não era apenada com pena privativa de liberdade, portanto, a cautelar era mais gravosa que a própria pena”. Ele ressaltou também a sensibilização proporcionada pelas audiências de custódia na análise do caso concreto, com a percepção de que a solução vai além de uma política criminal. “A maioria dos presos possui baixa escolaridade, são moradores de rua ou dependentes químicos. É importante que se façam políticas sociais inclusivas e de saúde pública”, frisou.

        

Fabiana Sabaine apresentou uma contextualização da implantação das audiências de custódia na cidade de São Paulo, em fevereiro de 2015, lembrando que no ano anterior o País possuía a quarta maior população carcerária do mundo. “Havia ainda a necessidade de efetivação do Pacto de San José da Costa Rica (1969), ratificado pelo Brasil em 1992, que previa a apresentação do preso ao juiz sem demora”. Ela destacou ainda que, embora 80% dos crimes tenham relação direta ou indireta com o tráfico de drogas, não havia um projeto abrangente para o tratamento de dependentes. “Em razão do contato pessoal com o promotor, com o defensor e com juiz nas audiências de custódia, um número maior de pessoas presas em flagrantes sentem-se seguras para se declararem viciadas e manifestam interesse na realização de tratamento”, disse.

 

Vitore Maximiano exibiu um balanço do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), após pouco mais de um ano de concretização das audiências de custódia no País. “Em dezembro de 2016, em 18 estados foram realizadas 174 mil audiências, sendo que, em 48% dos casos, houve concessão de liberdade provisória”. Ele enfatizou também a necessidade de construção de políticas sociais e de saúde como resposta à cooptação de jovens pelo tráfico de drogas, e não apenas a repreensão. “As pessoas não têm espaço de moradia ou programas para o trabalho. Tudo isso, somado à desagregação familiar e, eventualmente, ao uso abusivo de drogas, gera uma combinação que pode ser bastante nociva”.

        

Luciana D’Assunção discorreu sobre o projeto Transformando destinos, implantado no Rio Grande do Norte, que propõe o alinhamento de profissionais que atuam no enfrentamento do uso de drogas, como uma forma de avaliar a complexidade do fenômeno. “A ação de combate ao tráfico de drogas tem que transcender o mero voluntarismo ou uma ação pontual. Ela deve ficar arraigada dentro de um sistema que dure e avance”, frisou.

        

No período da tarde, os trabalhos foram abertos por Rafael Franzini, que destacou a importância das audiências de custódia para o descongestionamento do sistema prisional brasileiro. No dia anterior, ele assistiu a uma audiência e se disse impressionado com o tratamento dispensado pelo juiz Marcos Vieira de Morais a um jovem infrator, salientando assim a importância do contato entre o magistrado e o preso, o que, de acordo com ele, “humaniza a audiência”.

        

O corregedor-geral da Justiça, desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, representando o presidente do TJSP, ressaltou a importância do seminário promovido pela Fiocruz e lembrou a  resistência de alguns setores, que se posicionaram contra as audiências de custódia por ocasião de sua implantação, mas que hoje consideram a iniciativa fundamental para o sistema de Justiça em todo o Brasil. “A importância dela é amparar, por meio da Defensoria Pública, Ministério Público e Judiciário, aquele ser humano que não precisa ficar preso, fazendo-se, assim, justiça”, afirmou.

        

O coordenador executivo do Programa Institucional Álcool, Crack e outras Drogas, da Fundação Oswaldo Cruz, Francisco Netto, lembrou que a história da saúde pública do Brasil se confunde com a da Fiocruz, que comemora 117 anos e já há algum tempo desenvolve estudos sobre o consumo de drogas e álcool, com a criação do Projeto Redes, implantado em 55 municípios do País e que atende a pessoas de grande vulnerabilidade social.

        

Integraram a mesa o juiz diretor do Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães, Paulo Eduardo de Almeida Sorci; o presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, Mauro Aranha; o coordenador de Reintegração Social da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), Mauro Bittencourt; o defensor público-geral do Estado de São Paulo, Davi Eduardo Depiné Filho; e o desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, conselheiro da EPM, representando o diretor da Escola.

        

Em seguida, foi formada mesa para apresentação do primeiro painel, denominado “Uma experiência de parceria para inclusão social dos egressos de audiência de custódia: TJSP, Coordenação de Reintegração Social e Cidadania (Ceapis) e o Projeto Redes”, coordenado pelo representante da UNDOC, Rafael Fanzini, com as presenças do juiz do Dipo Paulo de Abreu Lorenzino; Marilia Caponi, Lucas Seara e Helena Rodrigues, do Projeto Redes/Fiocruz; e Marcia Antonieto, da Ceapis.

        

Com dez anos de carreira e dois integrando a equipe de juízes do Dipo que preside as audiências de custódia, Lorenzino explicou os requisitos necessários para a decretação da prisão preventiva, uma das possiblidades existentes quando da apresentação da pessoa à frente do juiz, nas 24 horas subsequentes à sua prisão em flagrante, para a audiência de custódia. A outra possibilidade é que ele responda ao processo em liberdade. Antigamente chegava às mãos do juiz os autos da prisão em flagrante para que ele analisasse. Agora, chegam juntos o papel e a pessoa presa, uma diferença fundamental para o magistrado decidir.

 

Lorenzino lembrou a definição do quadro apresentado pelo juiz Antonio Maria Patiño Zorz, responsável pela equipe de juízes que atua nas audiências de custódia: “agora os autos têm voz”.  “Aqueles autos que eu recebia antes agora vêm acompanhados de uma pessoa. Isso mudou muitos dos paradigmas a meus olhos”, disse. O magistrado expôs um perfil de grande parte das pessoas presas por consumo ou tráfico que chegam às audiências de custódia. “Alguns deles foram apresentados à minha frente reiteradas vezes, por crimes cometidos pelo mesmo motivo: a droga. Ele será preso e, durante o período que estiver preso, não vai ser tratado; são pessoas vulneráveis. É importante que exista uma rede de apoio para que essas pessoas, muitas da quais em situação de rua, possam receber uma assistência que as retire do quadro de vulnerabilidade em que se encontram e não voltem a delinquir.”

        

A assistente social Marcia Antonietto, da Ceapis – órgão da Secretaria Estadual da Administração Penitenciária –, lembrou que desde o início das audiências de custódia existe a parceria com o TJSP, quando o juiz Patiño Zorz procurou a SAP e solicitou a presença da Ceapis no projeto que se iniciava. Ela ressaltou que o objetivo primordial é focar no ser humano, para que ele não volte a delinquir e seja reintegrado à sociedade. Mas, infelizmente, segundo ela, “a maioria recebe o primeiro atendimento e não retorna”.

        

Helena Rodrigues explicou sobre o Projeto Redes/Fiocruz, que busca, por meio da criação de rede de apoio com a utilização de políticas públicas estaduais e municipais, a inserção social do usuário de crack.

        

O evento foi encerrado com a participação de professores e técnicos de organizações e universidades, que discorreram sobre o tema “Desafios da cidadania para usuários de drogas em situação de vulnerabilidade social egressos das audiências de custódia”. Compuseram a mesa o professor Mauricio Fiore, mestre em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap); Mercedes Guarnieri, do projetoRedes/Fiocruz; o psiquiatra Guilherme Messas, da Faculdade de Medicina da Santa Casa; o sociólogo Roberto Dutra Torres Jr., doutor pela Universidade Humboldt, da Alemanha, e mestre em Políticas Sociais da Universidade do Norte Fluminense; e o psiquiatra Leon Garcia, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.

        

Cada um deles contou suas experiências com usuários crônicos de substâncias psicoativas, especialmente o crack. E a conclusão sobre a questão, comum a todos os participantes, é de que o seminário foi de suma importância para que sejam traçadas políticas públicas visando à construção ou aprimoramento de uma rede de apoio para o tratamento de usuários de crack e outras drogas, evitando, assim, o encarceramento desnecessário de muitas dessas pessoas. Ao final, foi aberto espaço para perguntas do público que acompanhou o evento.

 

FB e RP (texto) / FB e KS (fotos)


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