Controle concentrado da constitucionalidade e legitimidade do STF são analisados no curso de Direito Processual Civil

Renato Siqueira De Pretto foi o palestrante.

 

A aula do último dia 26 do 8º Curso de especialização em Direito Processual da EPM foi dedicada à análise do tema Controle concentrado da constitucionalidade e legitimidade do Supremo Tribunal Federal”. A preleção foi feita pelo juiz Renato Siqueira De Pretto, coordenador do Núcleo Regional da EPM em Campinas, com a participação do juiz Gilson Delgado Miranda, coordenador do curso.

 

O palestrante ocupou-se inicialmente das premissas da noção teórica conhecida como neoconstitucionalismo ou pós-positivismo, base ou fundamento da interpretação feita adiante sobre o tema da aula. Para o entendimento dessa noção teórica, recuou à sua ideia basilar na história do Direito, precisamente ao artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que traz as duas premissas fundamentais do constitucionalismo no Estado moderno: a garantia de direitos e a separação de poderes. Renato De Pretto ajuntou um terceiro termo fundamental a essas premissas, a legitimidade de poderes. “Esse terceiro termo é contemporâneo, porque não basta mais a mera garantia de direitos fundamentais e da separação de poderes. Além desses elementos, é necessário que tenhamos uma legitimidade democrática de quem realmente vai assegurar direitos”, esclareceu.

 

Ele falou, adiante, sobre as cinco pilastras do neoconstitucionalismo. A primeira delas, a força normativa e a valorização dos princípios, vetores recentes, derivadas da Constituição Federal. “Não é que não houvesse valoração de princípios na Constituição de 1924; a novidade é que, com a Constituição de 1988, os princípios passam a ter normatividade”, ensinou. E para ilustrar sua afirmação, lembrou o caráter político e retórico dos princípios na Constituição do Império, em que um princípio como o da isonomia (igualdade) andava em disjunção, por exemplo, com o regime escravocrata. “Hoje, desrespeitar um princípio é a mesma coisa que desrespeitar uma regra”, concluiu.

 

O expositor enumerou, a seguir, o segundo pressuposto do neoconstitucionalismo, qual seja, o uso dos métodos abertos de raciocínio. Neste ponto, comentou as relações entre a questão de controle concentrado de constitucionalidade e o novo Código de Processo Civil. Lembrou, nesse sentido, que a força normativa dos princípios está positivada no artigo 8º do   novo CPC, que preconiza os métodos abertos de raciocínio para a resolução de conflitos, entre os quais, por exemplo, a ponderação, inscrita no artigo 8º do diploma processual, que reza: “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.”

 

Renato De Pretto levantou, nesse ponto, uma objeção ao método aberto de resolução de conflitos, a de como combater a insegurança jurídica derivada de seu emprego pelo Judiciário. Em resposta a essa inquietação, observou que a salvaguarda da certeza jurídica acha-se no artigo 489, que trata da chamada fundamentação exaustiva das manifestações judiciais na sentença de mérito.

 

O terceiro requisito da aplicação neoconstitucional do Direito foi o da reaproximação entre o Direito e a Ética. O professor demonstrou como essa raiz constitucional influenciou o novo diploma processual civil, em seus artigos 5º e 6º, que preconizam, respectivamente, o espírito da boa-fé e o da cooperação entre os sujeitos processuais para a obtenção de decisão de mérito justa e efetiva.

 

O penúltimo alicerce do neoconstitucionalismo comentado foi a ideia da constitucionalização do Direito ou eficácia horizontal dos direitos fundamentais, expressa já no artigo 1° do novo CPC e constitutiva, por exemplo, da própria razão do tratamento da matéria constitucional em um curso de direito processual civil. Renato de Pretto explicou que a eficácia horizontal dos direitos fundamentais significa a aplicação dos direitos fundamentais mesmo na relação entre particulares.

 

O último pressuposto do neoconstitucionalismo mencionado foi a questão da judicialização da política e das relações sociais, relacionada à criação e construção do Direito pelo Poder Judiciário, quando provocado. “Esta questão é manifesta na atividade do STF, em casos difíceis já decididos, como o da aplicação do Direito em casos de interrupção da gravidez de feto anencefálico, uniões homoafetivas, pesquisas de célula-tronco ou da recusa da transfusão de sangue em pacientes Testemunhas de Jeová”, asseverou.

 

Problemas práticos do neoconstitucionalismo e do controle de constitucionalidade

 

Renato De Pretto também discorreu sobre as mudanças operadas pelo Legislativo no texto constitucional desde a sua edição, em 1988, no que tange aos poderes outorgados ao STF, suas decisões e legitimidade para o controle concentrado de constitucionalidade. Nesta perspectiva, afirmou que o neoconstitucionalismo trouxe uma “ampliação tremenda” da judicialização, verificando-se um aumento de trezentas vezes quanto ao número de ações a partir de 1988. Entretanto, ponderou que o aparato jurídico não cresceu na mesma proporção, fato que impõe grandes desafios à atividade judicante brasileira. “Para vencê-los, uma das apostas é o novo CPC”, vislumbrou.

 

O palestrante também comentou outro problema derivado da aplicação neoconstitucional do Direito, tendo desenvolvido uma reflexão crítica à chamada pan-constitucionalização em todas as esferas judiciárias. “Com a pan-constitucionalização, perdemos um pouco a autonomia, a independência das outras matérias ou ramos de Direito que sofreram esse influxo”.

 

O expositor discorreu finalmente sobre a premissas de um juízo reflexivo ou crítico sobre os poderes atribuídos ao STF em matéria de Direito Processual Civil, com enfoque na chamada reação legislativa ou ativismo congressual, diante do que definiu como a ideia de juristocracia, do Poder Judiciário como detentor da última e única palavra. “Essa reação legislativa se fundamenta, em primeiro lugar, na ideia de que o efeito vinculante não é aplicável ao Legislativo. De fato, na função típica legislativa, uma lei considerada inconstitucional hoje, amanhã, mesmo se reeditada, pode não ser, porque pode mudar os princípios”, ponderou.

 

Por fim, sustentou que uma manifestação adversa do Legislativo diante de uma decisão do STF pode ser salutar, e que a legitimidade democrática do STF não significa que seja o detentor da única interpretação. “Ele pode ser detentor da última palavra em um processo, mas jamais o único”, ponderou. E para ilustrar sua assertiva, falou sobre a edição da Emenda Constitucional nº 96/2017, que passou a não considerar cruéis “as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais”, na contracorrente de decisão anterior do STF em duas ADIs impetradas contra leis estaduais que as autorizavam.

 

ES (texto)


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