Legislação sobre organizações criminosas é estudada no curso de Direito Processual Penal

Aula foi ministrada por Guilherme Nucci.

 

O tema “Organizações criminosas – Meios de investigação – Procedimento” foi discutido na aula do último dia 29 do 8º Curso de especialização em Direito Processual Penal pelo desembargador Guilherme de Souza Nucci, com a participação do juiz Carlos Alberto Corrêa de Almeida Oliveira, coordenador do curso. A aula também deu início ao curso Temas atuais de Direito Processual Penal III, ministrado a distância.

 

O palestrante comentou detalhadamente aspectos éticos e práticos da aplicação da Lei nº 12.850/2013, que criou a figura penal da organização criminosa, definiu os meios de coleta de prova em seu âmbito e os procedimentos para a sua efetivação.

 

Ele observou, preliminarmente, que não se vislumbrava, à época da edição da lei, o alcance que ela está tendo atualmente, o que só ocorre porque “quem a está aplicando está exagerando, abusando da capacidade de interpretação”. De acordo com a análise do professor, os próprios membros do Congresso que a editaram não esperavam um uso tão elástico do instituto da colaboração premiada – ora em evidência no cenário da investigação dos crimes contra a ordem pública – e tanta abertura para que a sociedade conhecesse o lado corrupto do poder político.

 

“A vantagem que ela tem, em primeiro lugar, é ter criado um crime de organização criminosa e trazer uma definição dele (artigo 1º, parágrafo 1º), que não havia no ordenamento jurídico brasileiro”. Ele lembrou os defeitos da Lei nº 9.034/95 (Lei do Crime Organizado), que não tinha uma definição de sua própria matéria. Referida normativa apresentava um juiz inquisidor no artigo 3º, que coletava provas e as escondia no cofre, às quais somente ele e as partes envolvidas no processo tinham acesso controlado.

 

“A única possibilidade de uso dessa lei era a possibilidade de prender o acusado pela formação de quadrilha ou bando, figuras tomadas de empréstimo ao artigo 288 do Código Penal para simbolizar o crime organizado. Por essas e outras razões, ela ficou completamente esquecida, e foi revogada expressamente pela Lei nº 12.850/2013”, observou Guilherme Nucci.

 

Além da clareza quanto à definição do tipo penal e dos meios para a obtenção de provas, o palestrante também louvou o alinhamento da normativa com o disposto em tratados e convenções internacionais, como a Convenção de Palermo, no que concerne ao objeto, à forma das organizações criminosas e à conceituação de infrações, como o tráfico de pessoas.

 

Um dos aspectos da lei criticados pelo expositor foi a restrição da aplicação do conceito de organização criminosa aos crimes cuja pena seja superior a quatro anos (parágrafo 1º do artigo 1º), o que deixa de fora de seu enquadramento os crimes não qualificados de furto e receptação, por exemplo, cujas penas são inferiores a quatro anos. Ele lembrou, nesse sentido, que o maior crime organizado nos anos 1970-80, combatido pela juíza Denise Frossard, no Rio de Janeiro, era a dominância de uma organização criminosa estruturada em torno da contravenção penal do jogo do bicho, então associado a assassinatos de rivais e ao cultivo e tráfico de drogas. “Não precisava dessa limitação de pena, e é por isso que não a compreendo”, justificou Guilherme Nucci. Entretanto, lembrou que a maioria dos crimes mais relevantes, como a corrupção, tem pena superior a quatro anos, razão pela qual, apesar da limitação, a lei está fluindo.

 

Meios de investigação e coleta de provas da organização criminosa

 

De acordo com o professor, a busca dos meios de prova no âmbito da lei nº 12.850/2013, elencados no artigo 3º, já alcançou bastante amplitude, como no caso da ação controlada, definida como “a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada”, para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz. Também destacou a colaboração premiada, “não porque novidade, já que prevista anteriormente na Lei de Lavagem de Capitais, no crime de extorsão mediante sequestro, na Lei de Proteção às Testemunhas, na Lei de Drogas, mas porque ela trouxe um novo procedimento, um como fazer”.

 

Entretanto, Guilherme Nucci assinalou a necessidade de descoberta coletiva da medida justa e lícita da delação premiada. Em sua opinião, a falha da normativa é não dizer com toda clareza que o acordo de delação nela prevista destina-se exclusivamente à destruição de organização criminosa e não para a apuração de outros crimes, como a lavagem de capitais, que tem regramento próprio, como tem ocorrido em alguns casos.

 

Um aspecto prático dos meios de obtenção de prova comentado foi a infiltração, por policiais, em atividade de investigação, previsto no inciso VII do dispositivo. De acordo com Guilherme Nucci, ainda subsiste um temor razoável entre os policiais para colocar esse meio de obtenção de prova em prática diante da indefinição dos limites do infiltrado. Ele lembrou nesse sentido, a previsão de impunibilidade da “prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa”. (parágrafo único do artigo 13). Mas observou que esses crimes eventuais praticados pelo agente estão situados em uma zona difusa e, nesse sentido, levantou uma questão crucial: “e se o policial infiltrado for desafiado a matar uma pessoa para provar lealdade, sob o risco de ele próprio ser morto?”.

 

ES (texto)


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