Responsabilidade civil no transporte aéreo é analisada em curso da EPM

Marco Fábio Morsello profere palestra acerca
da responsabilidade civil no transporte aéreo


No dia 28 de novembro, o juiz Marco Fábio Morsello proferiu a palestra “Responsabilidade do transportador. A Responsabilidade civil no transporte aéreo”, dentro da programação do curso “A responsabilidade civil à luz do Direito contemporâneo. Aspectos controvertidos”, coordenado pelo palestrante.
 
  Autor da obra “Responsabilidade civil no transporte aéreo”, Marco Fábio Morsello observou, inicialmente, que existem vários diplomas regulando o setor: “Para regular o transporte aéreo internacional, temos o Sistema de Varsóvia, recentemente substituído pela Convenção de Montreal. Para o transporte doméstico, temos o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/86)”.
 
  Em seguida, discorreu sobre a evolução dessa regulamentação lembrando que, no início do século XX, a atividade de transporte aéreo era, essencialmente, aventureira e as companhias eram dirigidas pelo Estado. “Havia a perspectiva de proteção ao setor, ainda em formação, e não ao usuário, uma vez que vigorava a ‘ordem pública de direção’ do Estado e não a de proteção, como existe hoje. E, em última análise, o Estado seria o responsável pela indenização, caso houvesse dano ao usuário”, salientou.
 
  O Sistema de Varsóvia
 
  Em relação ao Sistema da Convenção de Varsóvia, recordou que ele foi editado, em 1929, com o objetivo de uniformizar a regulamentação internacional do setor. “O Sistema de Varsóvia tinha como cerne a indenização célere, mas limitada (US$ 8.300, na época, nos casos de morte ou lesão corporal), patamar-limite superável, tão-somente, quando houvesse dolo ou culpa grave. Cabia ao usuário o ônus da prova, que, na prática, era muito difícil, razão pela qual a jurisprudência francesa acabou mitigando o rigorismo da culpa grave”, salientou.
 
  Ele lembrou que, com o término da Segunda Guerra Mundial, teve início a massificação do transporte aéreo e o conseqüente aumento do turismo internacional, especialmente de cidadãos norte-americanos. Com isso, passou a haver um clamor social para a atualização dos valores indenizatórios do Sistema de Varsóvia, acentuado após a divulgação de acidentes. Entre eles, citou um ocorrido nas Montanhas Rochosas, que vitimou os passageiros de um avião que fazia a rota Paris-Seattle, com escala em Nova York: “Na mesma aeronave, havia usuários com dois tipos de contrato: doméstico, para aqueles que iam de Nova York a Seattle, e internacional, para os que vinham de Paris. As famílias daqueles que possuíam contrato internacional, regido pelo Sistema de Varsóvia, receberam indenização dez vezes menor do que a daqueles que possuíam contrato doméstico”.
 
  De acordo com o palestrante, em virtude dessa crescente pressão social e do aumento da preocupação com as vítimas, verificada durante o governo Kennedy, os EUA acabaram denunciando, em 1965, a Convenção de Varsóvia. A alegação para isso foi de que não havia proteção suficiente para o cidadão norte-americano nas viagens internacionais, pois os valores indenizatórios eram ínfimos. “Essa conduta representou o primeiro cisma do Sistema de Varsóvia. Diante da importância dos EUA para o setor – ainda hoje, respondem por quase 30% do movimento de transporte aéreo internacional –, foi celebrado, em 1966, o Acordo de Montreal, válido, apenas, para vôos originários ou com escalas nos EUA”, afirmou, acrescentando que o acordo aumentou para US$ 75.000 o limite de indenização, nos casos de morte ou lesão corporal. “Com isso, caiu por terra a pretendida uniformidade, pois esse valor era quatro vezes superior ao limite estabelecido para os vôos originários dos outros países”, ponderou.


  A Convenção de Montreal 

  O palestrante lembrou que, além dessa reação dos EUA, houve outras, entre elas: a da Itália, em 1983, quando foram julgados inconstitucionais os preceitos de Varsóvia; a das companhias aéreas japonesas, em 1992; e a da Austrália, em 1994. Observou que, embora esses fatos demonstrassem a crise do Sistema de Varsóvia, somente em 1999, foi constatado seu colapso. “Em uma reunião realizada em Montreal (Canadá), pela Organização de Aviação Civil Internacional (OACI) (International Civil Aviation Organization), órgão da ONU, foi constatada a necessidade de se criar novo diploma para salvaguardar os direitos da vítima. Assim, entrou em vigor, em novembro de 2003, a Convenção de Montreal, ratificada por 30 países”.
 
  Ele salientou que a nova legislação só entrou em vigor, no Brasil, recentemente, após ser promulgada pelo Decreto 5.910, de 27 de setembro de 2006. Nesse sentido, ressaltou que ela só pode ser aplicada quando ratificada pelos países de origem e de destino do vôo. Caso contrário, vale o Sistema de Varsóvia. “Isso constitui um dos maiores entraves para os operadores do Direito que lidam com o transporte aéreo”, afirmou, revelando que, segundo o site da OACI, 81 países ratificaram a Convenção de Montreal, de um total de 192 países pertencentes à ONU.
 
  Entre as inovações da Convenção de Montreal, destacou a criação do sistema dúplice de responsabilidade: “Nos casos de morte ou lesão corporal, a responsabilidade do transportador é considerada objetiva até o limite de US$ 120.000. Na parte que superar esse valor, é subjetiva e não há limite”, explicou. Também citou a modificação do critério de avaliação, no caso do extravio de bagagens: “Agora o sistema equivale a US$ 1.200, por passageiro, não sendo mais analisado o peso e o volume da bagagem”.


  Transporte aéreo doméstico
 
  Ao tratar do transporte aéreo doméstico, citou o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/86), segundo o qual o contrato será doméstico apenas quando os pontos de origem, intermediários e de destino estiverem no território nacional. “Na prática, podemos ter, na mesma aeronave, passageiros regidos por contratos de transporte doméstico e internacional”. Ele explicou que o Código estipula responsabilidade limitada, no caso de morte. Além disso, a indenização em relação a danos causados a terceiros na superfície é proporcional ao peso da aeronave, o que é influenciado, inclusive, pela quantidade de combustível no momento do acidente.
 
  Acrescentou que também é aplicado o Código de Defesa do Consumidor, que estipula que a indenização não pode ser previamente limitada nas relações de consumo. Para a solução da antinomia, citou alguns critérios aplicáveis, entre eles, o da especialidade. Nesse sentido, discorreu sobre a teoria da “Segmentação Horizontal”, segundo a qual os direitos do consumidor são aplicados pela função e não pelo objeto. “Aplicando essa teoria, quando houver relação de consumo, haverá preponderância do CDC diante de diplomas de outros ramos do Direito. Entretanto, conforme normas constitucionais, o Brasil deve respeitar os tratados internacionais – desde que não haja obstrução do direito fundamental do consumidor”, explicou.
 
  Em relação ao Novo Código Civil, lembrou que ele também estabelece o respeito aos tratados internacionais, mas determina que estes não poderão obstruir suas normas. “O novo Código Civil não fixa limites, no transporte de pessoas, nos casos de morte ou lesão corporal, pois vem no sentido do sistema de defesa do consumidor e da proeminência da proteção à pessoa humana, prevendo reparação do dano de acordo com sua extensão”, explicou.
 
  Entre principais problemas enfrentados, citou a questão do atraso, que, segundo o Código Brasileiro de Aeronáutica, somente é indenizável a partir de quatro horas. Sobre esse aspecto, recordou a natureza jurídica do transporte aéreo, lembrando que o motivo determinante de sua contratação é a celeridade: “Na percepção social do transporte aéreo, a celeridade é um elemento primordial, superado, apenas, pela segurança. O atraso é a não-chegada, no horário divulgado, ao local de destino, razão pela qual o critério das quatro horas constitui vantagem abusiva para os transportadores”, ponderou.
 
  Nesse sentido, mencionou o princípio da boa-fé objetiva, presente no Novo Código Civil: “Os transportadores têm olvidado a teoria contratual moderna, esquecendo que existe, a despeito da força-maior, o dever de assistência. Isso é que é boa-fé objetiva! Ela impõe, aos contratantes, o conceito de que não são rivais, mas colaboradores, devendo levar em conta a justa expectativa da outra parte. E dá azo ao nascedouro dos deveres anexos ou laterais: ampla informação, esclarecimento, assistência. O não cumprimento desses deveres, por si só, já é hipótese de inadimplemento e enseja a reparação do dano”.
 

Direitos do passageiro
 
  No final de sua exposição, Marco Fábio Morsello chamou a atenção para a necessidade de se formular um estatuto de direitos do passageiro, no Brasil: “É preciso criar, com urgência, um estatuto, que especifique:
 a) patamar mínimo de indenização, sem prejuízo de uma indenização a maior, no caso de overbooking (aceitação, pelo transportador, de reservas em quantidade superior à capacidade da aeronave);
 b) informação prévia e esclarecedora do transportador de fato e daquele contratual, no code-sharing (acordo pelo qual dois ou mais transportadores vendem assentos de um mesmo vôo, que é efetuado, de fato, apenas por um deles);
 c) início do dever de assistência, no caso de atraso em vôo, em, no máximo, uma hora;
 d) controle cotidiano da atividade aeronáutica, por parte dos órgãos competentes, com a aplicação de punições;
 e) que o dano à pessoa não possa ser previamente limitado, sob pena de se vulnerar a própria finalidade da responsabilidade civil, que é sua função amplamente compensatória.”


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