EPM promove o curso ‘Democracia e privacidade – problemas atuais – Brasil e Itália’

Direito à privacidade e ao esquecimento foram analisados.

 

Com palestras do ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e do professor italiano Sandro Di Minco, teve início ontem (16) o curso Democracia e privacidade – problemas atuais – Brasil e Itália da EPM. A mesa de abertura teve a participação dos desembargadores Antonio Carlos Villen, diretor da Escola; Carlos Alberto Garbi e Luciana Almeida Prado Bresciani, coordenadores do curso.

 

Antonio Carlos Villen saudou os palestrantes e coordenadores do curso, salientando que basta lembrar alguns fatos recentes ocorridos nas Américas e na Europa para se ter uma ideia da importância dos temas em debate. “A privacidade parece cada vez mais vulnerável no mundo atual, e temos crises no sistema representativo em diversos países. São problemas sérios, e ainda não sabemos a extensão que poderão alcançar”, ressaltou.

 

Carlos Garbi explicou que o curso tem o propósito de estreitar as relações com a Universidade de Camerino, conveniada com a EPM, para possibilitar um intercâmbio de ideias sobre os assuntos mais importantes da atualidade do Direito. “Esperamos que essa primeira iniciativa possa frutificar nos próximos meses, para ampliarmos nossos conhecimentos”, frisou.

 

Iniciando as exposições, o ministro Luís Felipe Salomão discorreu sobre o tema “O direito à privacidade e o direito ao esquecimento à luz da jurisprudência dos tribunais superiores”. Ele observou que os temas podem ser abordados sob o aspecto da gestão do Judiciário, que é a utilização da tecnologia na prática, ou por meio da análise dos direitos da personalidade e dos avanços tecnológicos, com base nos precedentes dos tribunais.

 

Ele apresentou um panorama histórico da evolução dos direitos da personalidade, desde a Grécia antiga e o Direito Romano até a época atual, da “sociedade do espetáculo” ou “da hiperinformação”, conceituada pelo filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), em que não há mais fronteiras entre o público e o privado, com a exposição na internet e nas redes sociais. E explicou que o direito da personalidade é um gênero, do qual decorrem a honra, a intimidade, imagem, direito de expressão e informação, entre outros. “A nota comum é o consenso ético sobre o mundo ideal, ou como estabelecem o Código Civil e diversos diplomas, o direito à vida digna”, frisou.

 

Para ilustrar a abrangência do tema, o ministro citou algumas questões apreciadas recentemente pelo STJ, entre elas obsolescência programada, transplante, “barriga de aluguel”, reprodução in vitro, Bioética, eutanásia, registro civil transexual (independentemente de cirurgia), casamento e adoção casal homoafetivo, esterilização humana e superindividamento. E adiantou outras que poderão chegar ao Judiciário, como a responsabilidade civil por drones ou por veículos não tripulados.

 

Ao falar sobre a colidência de direitos, observou que a grande maioria da doutrina considera que não há hierarquia entre direitos de natureza constitucional, devendo ser considerados o interesse público e a razoabilidade para decidir o caso concreto. Quanto aos conflitos de direitos no plano infraconstitucional, citou alguns critérios utilizados, como o compromisso ético com a informação verossímil, para distinguir notícia e crítica; a necessidade da contemporaneidade da informação e da avaliação dos limites entre as esferas pública, íntima e privada das pessoas públicas; a vedação ao aproveitamento econômico da imagem da pessoa, sem consentimento; e a possibilidade de utilização da imagem de pessoa pública ou notória, mesmo sem consentimento, em alguns casos, desde que não haja exploração comercial.

 

Luís Felipe Salomão recordou que o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) estabeleceu que a responsabilidade civil por publicações na internet é subjetiva dos provedores, exigindo-se ordem judicial para a retirada de conteúdos, com exceção da divulgação sem autorização de conteúdos violadores da intimidade, em que basta a notificação e o aponte do material ilícito.

 

Nesse contexto, destacou três questões ainda não consolidadas na jurisprudência do STJ: a diferenciação entre provedor de conteúdo em geral, que tem ou não tem controle sobre material disponibilizado, pois se não tiver controle, a responsabilização surge somente após a notificação; a forma de notificação, administrativa ou judicial; e a necessidade ou não de indicação das URLs (páginas em estão os conteúdos ofensivos).

 

Em relação ao direito ao esquecimento, lembrou que já existem alguns julgados no Brasil, sendo que o STJ apreciou dois casos que envolviam programas de televisão. E citou o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.

 

Por fim, apresentou alguns casos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do STJ envolvendo diferentes questionamentos acerca da responsabilidade civil.

 

Direito ao esquecimento na jurisprudência italiana e europeia

 

Na sequência, o professor Sandro Di Minco proferiu a palestra “O direito à privacidade e o direito ao esquecimento à luz da jurisprudência europeia e italiana”. Ele ponderou inicialmente que os casos apresentados pelo ministro Luis Felipe Salomão provavelmente teriam uma solução análoga no Judiciário europeu e no italiano.

 

O palestrante também salientou a importância do tema, e mencionou o “paradoxo da privacidade”, citando o professor italiano Stefano Rodotà (1933-2017), que considerava que, embora o direito à privacidade possa parecer algo que levaria ao isolamento, sua afirmação concreta possibilita ao indivíduo a sua plena expressão na sociedade, de maneira que suas escolhas não possam ser utilizadas para discriminá-lo.

 

Ele destacou que a proteção aos dados pessoais está em evolução na União Europeia, informando a recente aprovação de um novo regulamento a respeito, que entrará em vigor em 2018. “Apesar de vivermos o momento histórico em que os dados pessoais são mais expostos a riscos, na Europa, do ponto de vista jurídico formal, há uma elevação do reconhecimento do direito à proteção desses dados”, ressaltou, acrescentando que esse direito é considerado fundamental pela Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia.

 

O professor esclareceu que, de acordo com a nova regulamentação, bem como com a atual, os dados pessoais devem ser tratados segundo o princípio de lealdade para finalidade determinada, razão pela qual as cortes europeias e nacionais e as autoridades administrativas de garantia de proteção de dados reconheceram o direito ao esquecimento, embora ele não esteja expressamente previsto no ordenamento jurídico europeu.

 

Ele explicou que o direito ao esquecimento não é um direito autônomo, mas um corolário de direitos fundamentais, informando que em geral as decisões sobre a questão apresentam um equilíbrio entre o direito ao esquecimento e a liberdade de expressão e de imprensa.

 

Sandro Di Minco lembrou que existem dois caminhos para exercer o direito ao esquecimento para conteúdos da internet: requisitar a remoção da informação no site de origem ou a sua desindexação nos mecanismos de busca. E chamou a atenção para a diversidade das decisões, citando dois julgados das cortes italianas, um determinando o cancelamento da informação no site de origem, e outro negando o pedido, com base no interesse público do direito à informação. Complementou dizendo que existem quatro tendências de aplicação: o direito ao esquecimento pleno (remoção da informação); o atenuado (desindexação nos buscadores); o direito de retificação; e o não reconhecimento ao direito, ilustrando com vários julgados.

 

Participaram também do evento os desembargadores Francisco Eduardo Loureiro, vice-diretor da EPM; Dácio Tadeu Viviani Nicolau, Miguel Angelo Brandi Júnior e Ricardo Cintra Torres de Carvalho, coordenador da Área de Direito Urbanístico e Meio Ambiente da EPM; os juízes Airton Pinheiro de Castro, Danielle Martins Cardoso e Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira; e as professoras Maria Cristina de Cicco e Elza Antonia Pereira da Cunha Boiteux, palestrantes do curso; entre outras autoridades e profissionais.

 

MA (texto) / EA e MA (fotos)


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