Princípios das práticas restaurativas são definidos no 1º Simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa

Princípios das práticas restaurativas são definidos em documento

durante o 1º Simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa


Nos dias 28, 29 e 30 de abril foi realizado, na cidade de Araçatuba, Estado de São Paulo, o “1º Simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa – O braço da cultura de paz na Justiça” (www.justicarestaurativa.com), que reuniu profissionais de diversas áreas, com predomínio da área jurídica, oriundos de diferentes pontos do país.
 
  O evento foi organizado com recursos da própria sociedade civil, com apoio da Unesco, e teve ampla participação do público. O objetivo do simpósio foi esclarecer o conceito jurídico das práticas e dos procedimentos restaurativos, bem como proporcionar um debate interdisciplinar de tais temas, como meio de promoção e construção de uma cultura de paz.
 
  Carta de Araçatuba 

  Ao final do encontro, foi elaborada a “Carta de Araçatuba”, documento que busca alinhavar, pela primeira vez no Brasil, um consenso mínimo acerca dos princípios da justiça restaurativa entre aqueles que vêm estudando e implementando as práticas restaurativas em território nacional. 

  A “Carta de Araçatuba” possibilita uma referência clara às experiências de procedimentos restaurativos que começam a brotar no Brasil, bem como instiga reflexões e questionamentos sobre a validade e eficácia desta nova forma de se fazer justiça, que se caracteriza como uma via de efetiva pacificação das relações sociais. A “Carta” antecede o amplo debate que deverá ocorrer em junho, durante o Congresso Internacional sobre Práticas Restaurativas, que será realizado em Brasília, com organização da Secretaria da Reforma do Judiciário. Veja abaixo a íntegra do documento: 

    Carta de Araçatuba – Princípios de Justiça Restaurativa (*) 

  Acreditamos que o século XXI pode ser o século da justiça e da paz no planeta, que a violência, as guerras e toda sorte de perturbações à vida humana e ao meio ambiente a que temos estado expostos são fruto de valores e práticas culturais e, como tal, podem ser transformadas. Acreditamos que o poder de mudança está ao alcance de cada pessoa, de cada grupo, de cada instituição que se disponha a respeitar a vida e a dignidade humana. 

  Acreditamos que o modo violento como se exerce o poder, em todos os campos do relacionamento humano, pode ser pacífico, mudando-se os valores segundo os quais compreendemos e as práticas com as quais fazemos justiça em nossas relações interpessoais e institucionais. 

  Reformular nossa concepção de justiça é, portanto, uma escolha ética imprescindível na construção de uma sociedade democrática que respeite os direitos humanos e pratique a cultura de paz. Essa nova concepção de justiça está em construção no mundo e propõe que, muito mais que culpabilização, punição e retaliações do passado, passemos a nos preocupar com a restauração das relações pessoais, com a reparação dos danos  de todos aqueles que foram afetados, com o presente e com o futuro. 

  Acreditamos que só desse modo será possível resistir às diversas modalidades de violência que contaminam o mundo sem realimentar sua corrente de propagação. Acreditamos que, por isso, será necessário recomendar que cada pessoa, família, comunidade e instituição promovam reflexões e diálogos acerca dos temas da justiça e da paz, em especial acerca das alternativas para implementar valores e práticas restaurativas. 

  Acreditamos que estas mudanças devem ser paulatinas e que, portanto não podem prescindir do modelo institucional de justiça tal como hoje estabelecido, sobretudo das garantias penais e processuais asseguradas constitucionalmente a todos aqueles que têm contra si acusações de práticas de atos considerados como infracionais.  

Acreditamos, ainda, que as práticas restaurativas não implicam uma maximização da área de incidência do direito penal, mas, pelo contrário, uma reformulação do modo como encaramos a resolução dos conflitos. 

  As práticas restaurativas preconizam um encontro entre a pessoa que causou um dano a outrem e aquela que o sofreu, com a participação eventualmente de pessoas que lhe darão suporte, caso assim o desejarem, inclusive de advogados, assistentes sociais, psicólogos ou  profissionais de  outras áreas. Pautada pelo entendimento de que o envolvimento da comunidade é fundamental para a restauração das relações de modo não violento, o encontro é a oportunidade dos afetados  pelo ato de compartilharem suas experiências e atenderem suas necessidades, procurando chegar a um acordo.  

Desta forma, entendemos que as práticas restaurativas que pretendemos passem a fazer parte do modo de consecução da justiça entre nós  se norteiem pelos seguintes princípios: 

   plena informação sobre as práticas restaurativas anteriormente à participação e os procedimentos em que se envolverão os participantes;
 autonomia e voluntariedade para participação das práticas restaurativas,
 em todas as suas fases;
 respeito mútuo entre os participantes do encontro;
 co-responsabilidade ativa dos participantes;
 atenção à pessoa que sofreu o dano e atendimento de suas necessidades, com consideração às possibilidades da pessoa que o causou;
 envolvimento da comunidade pautada pelos princípios da solidariedade e cooperação;
 atenção às diferenças  sócio-econômicas e culturais entre os participantes;
 atenção às peculiaridades sócio-culturais locais e ao pluralismo cultural;
 garantia do direito à dignidade dos participantes; 
 promoção de relações equânimes e não hierárquicas;
 expressão participativa sob a égide do Estado Democrático de Direito;
 facilitação por pessoa devidamente capacitada em procedimentos restaurativos;
 observância do princípio da legalidade quanto ao direito material;
direito ao sigilo e confidencialidade de todas as informações referentes ao processo restaurativo;
 integração com a rede de assistência social em todos os níveis da federação;
interação com o Sistema de Justiça.  

Araçatuba, 30 de abril de 2005 

  (*) Redação elaborada pelos integrantes do I Simpósito Brasileiro de Justiça Restaurativa – o  Braço da Cultura de Paz na Justiça realizado na cidade de Araçatuba, Estado de São Paulo - Brasil, nos dias 28, 29 e 30 de abril de 2005.


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