Curso de Direito Penal inicia módulo de Direito Penal Econômico

 

Luciano Anderson de Souza foi o palestrante. 

 

Com a aula “Delimitação e evolução do Direito Penal Econômico”, ministrada pelo professor Luciano Anderson de Souza, teve início no último dia 22 o Módulo III, “Direito Penal Econômico”, do 6º Curso de especialização em Direito Penal da EPM. A aula teve a participação do coordenador do curso, juiz Ulisses Augusto Pascolati Junior.

 

Inicialmente, Luciano de Souza citou a incipiente tutela da economia pelo Direito Penal na época da Grécia, Roma antiga e Idade Média. Citou, por exemplo, punição com pena de morte por falsificação de moedas na Grécia antiga; pena de morte por alta de preços não autorizada pelo poder central e vedação de comercialização de grãos regulamentados, também punido com pena de morte na Roma antiga. Esclareceu, contudo, que são exemplos pontuais que apenas aproximam Direito Penal e Economia.

 

O professor lembrou que a intervenção do Direito Penal na Economia passou a ser mais frequente com o desenvolvimento econômico no contexto do Liberalismo, culminando no momento do pós-Iluminismo com a edição do Sherman Act, em 1890, nos Estados Unidos, tida como a primeira legislação antitruste do mundo, com normas penais voltadas à proteção da livre concorrência. “É a partir daí que podemos falar claramente em normas penais econômicas de proteção ao sistema econômico liberal”, ponderou. Ele enfatizou que essa primeira legislação estabeleceu não só punição a pessoas físicas por crimes econômicos, mas também a pessoas jurídicas.

 

Nesse contexto, o professor observou que desde a antiguidade até a Idade Moderna houve um período de casuísmo legislativo no Direito Penal Econômico, sem nenhuma razão sistêmica; um início de razão sistêmica no século XIX, de proteção ao liberalismo; e uma consagração plena do Direito Penal Econômico enquanto subsistema penal no início do século XX para a promoção do welfare state, com produção enorme e incessante de normas do Direito Penal Econômico.

 

Luciano de Souza lembrou episódios históricos, desde a Primeira Guerra Mundial, que geraram escassez e grande crise econômica e, nesse cenário, em que o Estado precisava de controle, ocorreu a produção de cerca de 40 mil disposições penais econômicas. Ele mencionou também o intervencionismo estatal com a Constituição de Weimar, na Alemanha, em 1919, período de agravamento da crise econômica, culminando com a crise de 1929.

 

O professor expôs a seguir a teoria da associação diferencial, desenvolvida por Edwin Sutherland, que foi o primeiro autor a estudar os delitos praticados por empresários, desconstruindo as teorias que apontam fatores biológicos ou psíquicos como causa da criminalidade. Enfatizou que Sutherland demonstrou que o crime também pode ser fruto de determinados contextos sociais favoráveis à violação da lei, e que isso não é privilégio dos pobres. Citou como exemplo o ato de sonegar impostos ou o uso de determinadas técnicas para dominar o mercado, que, no contexto do empresário, o autor do crime pode entender como algo normal, apresentando suas justificativas.

 

O palestrante esclareceu que Sutherland cunhou a expressão crime do colarinho branco e fez um estudo minucioso voltado para a criminalidade nas 100 maiores empresas norte-americanas.

 

Ele recordou que a Crise do Petróleo dos anos 1970 abalou fortemente a economia norte-americana e a economia mundial, com o modelo existencialista dando sinais de desgaste, surgindo, então, a política do neoliberalismo, com a desregulamentação, o corte de qualquer tipo de assistencialismo e a privatização em massa, entre outras medidas decorrentes da diminuição do controle estatal. Lembrou que, em consequência, em 2001 e 2002 surgiram os maiores escândalos financeiros, fruto de falta de controle do Estado, a partir de fraudes bilionárias nos balancetes, perpetradas por empresas que tinham grande valorização na bolsa de valores, com lucros monumentais, mas que não eram verdadeiros.  

 

O professor ressaltou que a partir daí houve nova necessidade de controle por parte do Estado, sendo editada nos Estados Unidos, em 2002, a Lei Sarbanes-Oxley, apelidada de Sarbox, que visa garantir a criação de mecanismos de auditoria e segurança confiáveis nas empresas, e que foi reconhecida como a mais dura legislação penal de todos os tempos. Ela estabelece a obrigação de os chefes do setor financeiro subscreverem os balancetes contábeis, com previsão de pena de 20 anos de prisão, se for constatado que o balancete não era verdadeiro.

 

Ele lembrou que houve influência da Constituição de Weimar na Constituição Federal do Brasil de 1934, mas somente em 1939 surgiu a primeira regra penal econômica brasileira, com a figura do crime contra a economia popular. Ele ressaltou que a profusão de leis penais econômicas no Brasil ocorreu nos anos 1990, com a Lei 8.078/90 que tipificou os crimes contra o consumidor e também as leis editadas em seguida, que tipificaram crimes contra a ordem tributária, a Lei de Lavagem de Dinheiro, entre outras, observando que com isso o Direito Penal Econômico no Brasil passou a estar pari passu com a realidade internacional.

 

Luciano de Souza demonstrou a fragilidade de diversos conceitos de Direito Penal Econômico, criados no âmbito internacional e ponderou que para interpretar a norma penal econômica é preciso saber se ela é legítima. Ele esclareceu que o primeiro critério de verificação de legitimidade de um tipo penal é o bem jurídico tutelado. “Se não identificarmos o bem jurídico tutelado, que é o caríssimo interesse social, imprescindível para a convivência pacífica dos indivíduos, que não pode ser tutelado de modo menos gravoso, não temos uma incriminação válida”, frisou.

 

O professor esclareceu que o bem jurídico tutelado no caso do Direito Penal Econômico é a ordem econômica, “identificada no respeito à estrutura de produção, distribuição e circulação de riquezas”. E explicou que o crime no Direito Penal Econômico é aquele que, “a princípio, vulnera de maneira imediata ou potencial o interesse dessa sistemática econômica.” E ponderou que, embora não seja perfeita, essa definição permite identificar como crimes econômicos válidos interesses voltados contra as regras protetivas do mercado de capitais, da livre concorrência e do consumidor, até porque o consumidor é o beneficiário último de uma concorrência normal, no mercado livre.

 

Ele acrescentou que é por essa razão que o Direito Penal Tributário não faz parte do Direito Penal Econômico, assim como o Direito Penal Ambiental, porque o bem jurídico tutelado é outro, assim como quando se tutela a administração pública.

 

O palestrante observou ainda que muitas vezes há dificuldade de se identificar o bem jurídico ordem econômica. “O Direito Penal Econômico hoje é construído com o crime de perigo abstrato, com normas penais em branco e acessoriedade administrativa”.

 

Nesse sentido, ponderou que o maior problema no Direito Penal Econômico é o crime de perigo abstrato (Leis 7.492/86, 8.077/90 e 8.078/90), que é o perigo presumido pelo legislador. “É de ofensividade por definição duvidosa. Muitas vezes, é o interesse administrativo tutelado de maneira antecipatória. Crime de perigo abstrato significa antecipação da tutela penal. Antes que se constate qualquer lesividade, o legislador já está proibindo a conduta”, enfatizou.

 

Por fim, ponderou que os Estados Unidos são os potencializadores da expansão desenfreada do Direito Penal Econômico e que o pragmatismo norte-americano quer responsabilizar pessoas jurídicas, criar posições de garantia, para que sempre haja um responsável, com o aumento do dever de garantia, para conseguir contornar o problema pragmático (de ausência de pessoas culpáveis). Assim, esclareceu que numa empresa enorme, muitas vezes não se sabe quem é o autor do crime, pois cada um faz uma parte que, isolada, não é necessariamente crime; então, estabelecem-se crimes omissivos e, se não se sabe a quem punir, pune-se a pessoa jurídica.

 

RF (texto)


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