EPM realiza a palestra ‘Transição ambiental e Direito Administrativo’

Professor italiano Fabrizio Fracchia foi o expositor.
 
A Escola Paulista da Magistratura (EPM) promoveu no último dia 8 a palestra Transição ambiental e Direito Administrativo, ministrada pelo professor Fabrizio Fracchia, docente da Universidade Bocconi, de Milão (Itália).

O diretor da EPM, desembargador Gilson Delgado Miranda, fez a abertura do evento. Ele agradeceu a participação de todos, em especial do palestrante e do desembargador Ricardo Cintra Torres de Carvalho, presidente da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo e coordenador do evento e da área de Direito Ambiental da EPM. Ele destacou a intenção da escola de promover o intercâmbio com professores e pesquisadores brasileiros e estrangeiros e convidou todos para participarem do seminário Litígios globais, meio ambiente e cidadania internacional, que a EPM realizará em março, em parceria com as escolas nacionais da magistratura da França, Itália, Espanha e Portugal.

A mesa de abertura também foi composta pelo juiz Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, assessor da Presidência de Direito Público e coordenador da área de Produções Científicas da EPM, que conduziu os debates; e pelo professor Vitor Rhein Schirato, docente do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), que fez a apresentação do tema e do palestrante.

O professor Vitor Rhein Schirato salientou que o professor Fabrizio Fracchia é um dos principais docentes de Direito Administrativo da Itália e enfatizou a importância do tema. Ele explicou que a transição ambiental e energética é a mudança da matriz energética baseada no carbono, suja e pouco sustentável, para uma matriz limpa e sustentável. Ressaltou que esse processo implica uma série de arranjos no Direito Administrativo, porque envolve questões como restrições da polícia administrativa, instrumentos de fomento público, cumprimento de metas, políticas públicas e outras ações governamentais e demanda uma articulação institucional coordenada pelo Estado, mas também implantada pelo setor privado. 

Vitor Rhein salientou que no Brasil há bons exemplos de transição energética, informando que até 2010 a matriz energética do país era formada por mais de 95% de energia hidrelétrica, que é considerada limpa, mas causa enorme impacto ambiental, e atualmente ela representa 83%, tendo sido substituída por energia eólica e solar. Entretanto, ponderou o Brasil ainda está em um estágio de transição muito “recortado” sem um plano que possa perpassar transversalmente a sociedade. “Tivemos uma transição energética exitosa nos últimos 15 anos, mas ainda estamos começando a falar em transição ambiental e a experiência europeia de articulação transversal pode ser muito interessante para nós. Precisamos entender a transição energética como algo transversal, que depende de instrumentos clássicos do Direito Administrativo bem articulados, fundamentados e estruturados e é isso que o Brasil ainda precisa caminhar para aprender e implantar”, frisou.
 
Direito das relações intergeracionais
 
Fabrizio Fracchia esclareceu inicialmente que a transição ambiental envolve uma variedade de atores, incluindo a administração pública, e abrange diversas questões, como a transição ecológica, energética, digital e sanitária. Acrescentou que ela é uma resposta a uma crise da modernidade, da qual as pessoas são simultaneamente protagonistas e vítimas.

Apontou como exemplo paradigmático a transição ecológica, que envolve não apenas o relacionamento das pessoas com o meio ambiente, mas também desafios de estruturação do mercado e da sociedade em geral, bem como a profundidade intergeracional das escolhas e seus impactos no desenvolvimento econômico, questões que precisam ser consideradas pelos juristas. Destacou também a transição digital, gerida pela administração pública e apresentada como uma oportunidade ou um risco, que suscita debates sobre aspectos jurídicos, teóricos, culturais e éticos e envolve questões como a inteligência artificial.

Em relação à resposta jurídica à transição ambiental, observou que são catalogados os efeitos que ela pode produzir, mas falta uma noção jurídica aplicável, a definição de um regime específico sujeito à transição ambiental, bem como seus limites e implicações com outros sistemas sociais, como a economia e a ciência. “É indispensável que o Direito se ocupe da transição, ao menos por duas razões: o impacto da transição sobre a Justiça, que só pode ser solucionado pelo jurista, e o fato de que só o Direito pode estruturar expectativa”, ponderou, citando Niklas Luhmann (1927 - 1998). “Outros sistemas podem tematizar o mesmo problema, mas só o Direito, através de um código jurídico, binário, legítimo e legal pode garantir que as decisões tomadas, por exemplo, pela administração pública sejam aceitas, ainda que não sejam partilhadas”, complementou.

O palestrante enfatizou a necessidade de um paradigma teórico capaz de exprimir a relevância da transição para o resultado. Apontou como primeira parte da definição a forma jurídica da função que desenha essa atividade no decurso de sua realização, abrangendo atos, leis, decisões administrativas e outras atividades e sujeitos públicos e privados. O professor observou que essa definição não indica como a função deve ser desempenhada e como devem ser geridos os interesses juridicamente relevantes, muitas vezes conflitantes, questões que devem ser objeto da segunda parte da definição.

Entre os aspectos que devem ser incluídos nesse paradigma teórico, elencou a noção da transição como instrumento para uma mudança estrutural da sociedade; a explicitação dos diversos aspectos que envolvem a transição a longo prazo e não apenas do resultado almejado; os interesses das gerações futuras e a interligação com outros problemas da modernidade. Como “última peça da construção teórica”, citou a necessidade de verificar se a transição ambiental pode ser objeto de um conjunto específico de regras. “Considero que esse novo setor do Direito, em particular do Direito Administrativo, é o Direito das relações intergeracionais, que se ocupa das escolhas de decisões que impactarão as gerações futuras e tem como pilares a responsabilidade e o desenvolvimento sustentável”, asseverou.

Fabrizio Fracchia destacou que a segunda parte da definição jurídica de transição ambiental é um cumprimento de deveres intergeracionais, que consistem nos deveres frente às gerações futuras, definidos por um conjunto específico de regras. Por fim, ressaltou a importância das ferramentas teóricas desenvolvidas pelo Direito Ambiental, frisando que podem ser transladadas para o Direito das relações intergeracionais. 

Participaram também do evento os desembargadores Wanderley José Federighi, conselheiro da EPM; José Maria Câmara Junior, Luís Fernando Nishi e Oscild de Lima Júnior; o desembargador do Tribunal de Justiça de Rondônia Miguel Monico Neto, a desembargadora federal Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o ministro aposentado Sidnei Agostinho Beneti, o juiz Alvaro Luiz Valery Mirra, coordenador da área de Direito Ambiental da EPM; as juízas assessoras da Presidência de Direito Público Aline Aparecida de Miranda, Carolina de Figueiredo Dorlhiac Nogueira e Carolina Martins Clemencio Duprat Cardoso e os juízes José Tadeu Picolo Zanoni e Rafael Tocantins Maltez, entre outros magistrados, servidores, advogados e outros profissionais.

MA (texto e fotos)


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