José Manuel de Arruda Alvim Netto ministra aula na EPM
No dia 28 de abril, o desembargador José Manuel de Arruda Alvim Netto proferiu a palestra “Presunções relativas e absolutas em matéria registral”, na EPM. A aula fez parte da programação do 1º curso de pós-graduação lato sensu, especialização em Direito Notarial e Registral Imobiliário, e teve a participação do desembargador Ricardo Henry Marques Dip e dos juízes Tânia Mara Ahualli, coordenadora do curso e da área de Registros Públicos da EPM, e Luís Paulo Aliende Ribeiro, professor assistente.
Ele lembrou que, no Brasil, o registro de imóveis gera uma presunção relativa (admite prova em contrário) – com exceção do registro “Torrens”, em que a presunção é absoluta (não admite prova em contrário). Ele observou que isso não acontece nos países em que o registro tem fé pública, como a Alemanha, citando o “princípio da abstração”, exclusivo ao Direito alemão: “É preciso lavrar um documento específico para ser registrado – o que se denomina, genuinamente, um contrato real. Com isso, o registro abstrai do negócio obrigacional e contenta-se, exclusivamente, com esse documento, que é lavrado no registro e levado a registro. Isso pretende dar uma segurança e uma confiabilidade maiores ao registro do que temos no Brasil, porque, conforme apontado por um autor alemão, na década de 1930, ‘o registro não mente nunca’”.
O palestrante explicou que, tradicionalmente, no Direito brasileiro, a propriedade gera uma “presunção de titularidade” em nome daquele que está registrado. “Pode haver uma situação real ou legítima de propriedade que não tenha sido transferida para aquele cujo nome está registrado. Com isso, o real proprietário terá que anular esse registro para mudar sua titularidade”, observou.
Ele acrescentou que o mecanismo proporcionado pela Lei de Registros Públicos “fortalece” a situação de direito obrigacional gerada pelo compromisso de compra e venda. “A situação de direito real é mais protegida do que a de direito obrigacional: em uma alienação de uma locação, aquele que adquire não é obrigado a respeitar a locação. Mas se houver cláusula contratual estabelecendo a necessidade de respeitar a locação existente e isso for objeto de averbação, isso prevalece, ou seja, pelo fato de agregar publicidade a essa situação obrigacional, aquele adquirente fica obrigado a respeitar a locação”, explicou.
Indagado se a usucapião seria uma presunção absoluta, ponderou que não haveria como se cogitar de presunção nesse caso: “A usucapião é uma aquisição originária. Se alguém tem uma usucapião e isso estiver consumado, ele é o primeiro proprietário”, explicou.
Direito de propriedade
José Manuel de Arruda Alvim Netto recordou, ainda, a mudança de entendimento em relação à propriedade, lembrando que, para a maioria da doutrina brasileira e de diversos países, o direito de propriedade sempre foi absoluto, sendo associado ao direito de liberdade, mas essa ideia foi corroída por diversos acontecimentos, sofrendo, inclusive, a influência da Igreja.
Ele lembrou que duas constituições foram inovadoras, nesse sentido: a mexicana, de 1917, que estabeleceu, em seu art. 27, que o poder público poderá intervir sempre em situações proprietárias facultativas do bem comum e, com maior repercussão, a de Weimar, de 1919, citando seu art. 153 (art. 14 atual): “a propriedade obriga”. “Isso quer dizer que a propriedade tem que ser exercida com consideração da sociedade e respeitabilidade aos diversos bens sociais, principalmente os interesses difusos”, ressaltou.
Observou, ainda, que o próprio exercício do direito de propriedade mudou, sendo aceito, atualmente, que ele cria deveres e que não se pode “abusar” desse direito, citando o art. 1.228, parágrafo 2º, do Código Civil, que estabelece que ele não pode afetar interesses de outrem. “O direito de propriedade passou a ser bastante delimitado”, observou.
A função social da propriedade
Ao falar sobre a função social da propriedade, mencionou um acórdão do TJSP relatado pelo desembargador José Osório. “A questão central era saber se é possível ler a função social da propriedade para inviabilizar a reivindicatória do direito do proprietário para beneficiar os favelados com grande tempo de favela”, recordou, ponderando que, nesse caso, haveria uma insuficiência normativa ou ‘deteorização’ da aplicação do direito em função da aplicação direta da função. “Há situações que estão precária ou insuficientemente reguladas pelo direito infraconstitucional e, na minha opinião, o juiz teria o direito e o dever de completar essa definição”, afirmou.
Ele observou que a Lei 10.257/2001 (Estatuto das Cidades) determina qual seria o plano da propriedade urbana na sua função social. “Isso decorre do art. 182, parágrafo 4º da Constituição, e do art. 39 da Lei 10.257/2001, que estabelece que a propriedade urbana desempenha sua função social quando for obediente ao regramento do Estatuto das Cidades e à legislação consequente, como o plano diretor e o zoneamento”, explicou.
Nesse contexto, ressaltou que o “grande endereço social” do Estatuto das Cidades é consertar situações altamente precárias. Ele citou as três redações do item 28 do art. 167 da Lei no 6.015/73, que modificaram os instrumentos proporcionados pelo Estatuto para a regularização fundiária. “Houve uma alteração do dispositivo que estabelecia que só era possível registrar a usucapião se obediente às regras de urbanização. Com a modificação, foi dispensada essa exigência. Posteriormente, houve nova alteração, restabelecendo a necessidade de obediência. Considero que o legislador percebeu o alto custo que representaria para a administração – inclusive com a necessidade de articulações entre prefeituras e particulares – para ‘remendar’ vastas regiões da cidade, evitando, assim, a consolidação de situações que agridem o urbanismo”, concluiu.