EPM inicia ciclo de palestras “Questões controvertidas no Direito de Família”
Com exposições do desembargador Ênio Santarelli Zuliani e da professora Débora Gozzo, teve início, no dia 7 de junho, o ciclo de palestras “Questões controvertidas no Direito de Família”. O evento teve a participação do desembargador Benedito Silvério Ribeiro, coordenador do ciclo e da área de Direito Privado da EPM.
Na abertura dos trabalhos, o desembargador Silvério Ribeiro lembrou que o ciclo consiste de cinco aulas, com dois palestrantes em cada dia. “Convidamos os professores mais renomados para discutir as questões pendentes dessa área de Direito de Família, que tem sofrido tantas transformações”, salientou.
Investigação de paternidade
Iniciando as palestras, a professora Débora Gozzo discorreu sobre a investigação da paternidade, salientando a importância de se conhecer a própria origem e saber quem são seus pais biológicos. “As pessoas que não conhecem seus pais biológicos, como aquelas que foram adotadas, têm uma ânsia muito grande de saber quem são seus genitores – independentemente do fato de quererem ou não algo – e isso deve ser levado em consideração”, ponderou, lembrando que a paternidade não envolve apenas o pai, tendo em vista a reprodução assistida.
Ela observou que o ordenamento jurídico brasileiro tem agido no sentido de garantir que a pessoa tenha sua dignidade assegurada, citando observação de um de seus alunos: “o direito a saber sobre a paternidade tem a ver com a cidadania”.
A professora recordou que o Código de 1916 previa a filiação “legítima” e a “ilegítima”, mas, atualmente, existe a filiação “matrimonial” e a “não matrimonial”, que abarca as demais relações, inclusive as extra-matrimoniais. Nesse sentido, lembrou que a possibilidade de reconhecimento de filho adulterino foi prevista, pela primeira vez, com o Decreto Lei 4.737/42. “Com esse decreto, começamos a ter uma flexibilização em termos de reconhecimento daquele que era considerado filho ilegítimo”, salientou acrescentando que esse decreto foi substituído pela Lei 883/49, vigente até a entrada em vigor do Código Civil de 2002.
Recordou, ainda, que a Lei 6.515/77 (“Lei do Divórcio”), em seu art. 51, acrescentou um parágrafo ao art. 1º da Lei 883/49: “Ainda na vigência do casamento qualquer dos cônjuges poderá reconhecer o filho havido fora do matrimônio, em testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho, e, nessa parte, irrevogável”, observando que a doutrina e o Judiciário entenderam que o artigo se referia apenas ao filho adulterino, não incluindo o filho incestuoso. “Com a Constituição de 1988, todos passaram a ter direito ao conhecimento de seus pais e ao reconhecimento jurídico dessa paternidade, independentemente do fato de os pais serem casados ou de terem parentesco próximo”, explicou.
Outro ponto destacado foi o advento da Lei 8.560/92, surgida após o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Ela salientou que essa lei trouxe novas possibilidades de estabelecimento da paternidade – inclusive a indicação, pela mãe, do “suposto pai”. “Essa lei foi importante por facilitar a aquisição do status de filho e, também, por possibilitar ao pai ou à mãe o estabelecimento de um vínculo de parentesco entre eles”, ressaltou, frisando, porém, que há limites para o direito ao conhecimento da ascendência, uma vez que a mãe não pode ser obrigada a declinar o nome do “suposto pai”.
Em relação às provas, salientou que há diversas formas de se comprovar a paternidade. “As pessoas pensam apenas no exame de DNA, que tem 99,9% de certeza de que a pessoa é o pai (inclusão), mas há outras formas, de menor custo, como o exame de HLA, que tem 98% de certeza de que a pessoa não é o genitor (exclusão), além da análise de fotografias, provas documentais, testemunhais e outras”, explicou.
Débora Gozzo citou, também, a possibilidade de se propor uma ação de filiação, quando ambos os genitores são falecidos ou um é absolutamente incapaz e o outro é ausente. “Existem várias formas para se ter no registro o nome do pai e da mãe no registro, mas é preciso levar em conta sempre o melhor interesse do filho”, concluiu.
Imutabilidade e flexibilização da coisa julgada e paternidade sócio-afetiva
Em seguida, o desembargador Ênio Zuliani discorreu sobre a imutabilidade e flexibilização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade, recordando que o principal efeito do reconhecimento da paternidade é o registro de filiação, na forma do art. 1616 do Código Civil.
Ele citou decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, do último dia 2 de junho, que admitiu o direito de um jovem de exigir um teste de DNA do suposto pai para reconhecimento de paternidade, embora esse direito estivesse precluso, uma vez que a sentença havia transitado em julgado e não havia sido interposta, a tempo, a ação rescisória (Recurso Extraordinário 363.889).
O desembargador explicou que essa decisão do STF abriu a possibilidade de se reabrir a ação da investigação de paternidade, julgada improcedente, com trânsito em julgado, em virtude da inovação da tecnologia do exame de DNA. “Essa decisão ganha importância extraordinária, porque vem contra uma tendência que vinha se instalando no STJ, de se negar a repropositura dessa ação, sob pena de se trazer insegurança para as relações conflituosas – o que pode ser verificado em, pelo menos, cinco julgados da corte”, salientou.
Ele recordou que somente haverá coisa julgada material nas ações de investigação e contestação de paternidade em virtude de sentenças emitidas em processos que se formaram com provas documentais, periciais e, principalmente, o exame genético, de DNA. “Caso contrário, deverá ser admitida a ação rescisória com base em documento novo (exame de DNA), anotando-se que o prazo para a ação rescisória conta-se da data em que o interessado teve conhecimento da técnica do exame de DNA”.
Nesse sentido, lembrou a posição do professor Barbosa Moreira, segundo a qual, desde que se obtenha o exame de DNA no prazo da ação rescisória, será possível propor a ação rescisória com base em documento novo (art. 485, VII, do CPC). “Em relação à data em que se inicia a contagem do prazo decadencial de dois anos, há um entendimento de que esse prazo é contado a partir da data em que o interessado obtém o laudo, posição do professor Barbosa Moreira, que considero bem razoável”, ponderou.
Paternidade sócio-afetiva
Na sequência, discorreu sobre a paternidade nas relações sócio-afetivas e suas consequências, citando as ações em que se procura revogar o “registro à brasileira” (registro de filhos de outros relacionamentos). “O filho ou a criança não é uma jóia que se pede de volta ou um retrato que se rasga com o fim de um relacionamento, mas uma coisa séria, e esse registro ficou inserido em sua personalidade. Assim, ela não pode perder esse status civil em virtude de desavenças dos maiores”, ponderou.
Ele explicou que essa revogação só pode ser concedida em caso de erro ou de outro vício comprometedor da vontade, mas não cabe em caso de arrependimento. “A relação sócio-afetiva é o desenvolvimento de uma afeição e de uma relação filial que consagra os traços da paternidade como se biológica fosse e, considero, superior até, porque aquele que registrou, educou e cuidou da criança é o verdadeiro pai”, salientou, frisando que, para sentenciar, o juiz deve sempre buscar extrair da relação sócio-afetiva o que atende ao interesse da criança. “Não adianta discutirmos o Direito de Família se não lembrarmos que todo esse contexto existe e é formado com base em um princípio geral que é o melhor interesse da criança”, concluiu.