O direito à intimidade confrontado com o direito à livre expressão

A polêmica sobre os limites não demarcados entre a esfera privada e a esfera pública, o direito à salvaguarda da intimidade, em contraponto com o direito à informação de fatos relevantes, ou até meramente curiosos, da vida de personalidades do meio político ou artístico-intelectual tem ocupado espaço significativo na mídia brasileira nos últimos meses.

 

Os múltiplos aspectos jurídicos desta questão foram analisados, nesta terça-feira (18), no curso Temas controvertidos de direitos humanos da EPM. A aula, sob o título “A tutela do direito à intimidade e a polêmica das biografias não autorizadas”, foi ministrada pela advogada Joana Zylbersztajn, chefe de gabinete da Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, mestre e doutora pela USP, e teve a participação da juíza Camila de Jesus Mello Gonçalves, uma das coordenadoras do curso.

 

Inicialmente, Joana Zylbersztajn definiu sua exposição como  levantamento e debate sobre alguns elementos conceituais do capítulo constitucional das garantias e direitos fundamentais. “A liberdade de expressão, interpretada por algumas correntes de pensamento como o maior dos princípios constitucionais, pode violar, em muitos casos concretos, e de maneira irreparável, o direito à dignidade, à intimidade, à preservação de bens materiais e imateriais, individuais e coletivos. A colisão de direitos fundamentais com outras esferas do Direito existe em diversas situações cotidianas e a função do juiz é decidir os casos concretos, e não abstratos”. Para ilustrar, mencionou as hipóteses do direito à manifestação em um parque em confronto com o direito à preservação do meio ambiente, diante do risco de devastação da flora e depredação de prédios públicos; o direito à manifestação na Avenida Paulista em confronto com o direito à saúde e à vida, diante do impedimento do tráfego de ambulâncias no entorno.

 

A seguir, a palestrante discorreu sobre as diversas formas de censura, as prévias ou posteriores, as de conteúdo e de forma. Em seu entendimento, “qualquer limite ao princípio da liberdade de expressão caracteriza a censura. E a censura é proibida pela Constituição.” A professora explicitou, ainda, a diferença entre censura pública, caracterizada pelo controle arbitrário do Estado ao que deve ou não ser publicado, de cunho moral ou político (imposição do “bom gosto” oficial para a promoção de interesses dominantes),  e a censura privada, caracterizada pelo controle legal do indivíduo sobre informações falsas ou verdadeiras atinentes à sua intimidade. “A questão da liberdade de expressão e mecanismos de controle, como a regulação da mídia, há de ser tratada com ampla participação democrática para não abrir brechas e flertar com a censura”.

 

No que tange à estrita expressão de ideias, a professora afirmou que “muitas vezes está contaminada pela violação de outros direitos fundamentais, como é o caso de veiculação de conteúdos discriminatórios racistas, homofóbicos, contra idosos, etc.” Relatou o caso da ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal contra a Rede TV perante a 2ª Vara Federal de São Paulo, cujo objeto, vencedor, foi a suspensão da exibição do programa Tarde quente, apresentado por João Kléber, e substituição temporária por programas em defesa dos direitos humanos. No mesmo diapasão, trouxe à baila, o caso do pastor Sérgio von Helder, que chutou a imagem de Nossa Senhora de Aparecida no programa Despertar da fé, da Rede Record, em outubro de 1995, acontecimento que provocou forte repercussão em grande parte da sociedade brasileira.

 

Finalmente, a aula versou sobre o direito à liberdade da expressão escrita nas biografias, em contraposição ao direito à intimidade do biografado, cujos paradigmas são as biografias de personalidades do meio artístico e intelectual brasileiro, algumas retiradas de circulação por decisões judiciais amparadas nos artigos 20 e 21 do Código Civil.

 

A palestrante citou o caso da biografia Roberto Carlos em detalhes, escrita por Paulo César de Araújo. O cantor biografado conseguiu proibi-la, com uma ação na Justiça, sob alegação de invasão de privacidade. Citou, ainda, a condenação em danos morais e a retirada de circulação de biografia Na toca dos leões – a história da W/Brasil, escrita por Fernando Moraes, obtida por decisão judicial em ação ajuizada na 7ª Vara Cível de Goiânia pelo deputado federal Ronaldo Caiado, mencionado na obra de forma negativa.

 

A polêmica das biografias impressas não autorizadas é objeto da ação direta de inconstitucionalidade, em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF), ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), em que se questiona os artigos 20 e 21 do Código Civil, que impede a publicação das biografias sem a anuência prévia dos biografados ou de seus herdeiros.

 

“Na seara das múltiplas indagações oriundas do confronto entre o princípio fundamental da liberdade de expressão e o direito à intimidade, é importante não ter respostas e assumir a necessidade da continuidade do debate, pois agrega processos participativos para a criação de parâmetros e garantias”, concluiu a palestrante.


ES (texto e fotos)


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