José Roberto Bedaque discorre sobre sentença e coisa julgada

No dia 21 de setembro, o desembargador José Roberto dos Santos Bedaque (foto), coordenador do curso e da área de Direito Processual Civil da EPM, proferiu a palestraSentença e coisa julgada”. A aula fez parte da programação do Módulo II, “Aspectos fundamentais do processo de conhecimento”, do 5º curso de pós-graduação lato sensu, especialização em Direito Processual Civil, da Escola.

   
Inicialmente, lembrou que, antes da recente Reforma Processual Civil, quando estavam delimitados os processos de conhecimento, cautelar e de execução, a sentença era definida como o ato que extinguia o processo de conhecimento, exteriorizando o ato de cognição do magistrado. “Entretanto, a Lei 11.232/05 aboliu a execução de sentença como um processo autônomo – uma das inovações do Código de Processo Civil de 1973 – e instituiu o ‘processo sincrético’, que abrange as fases de cognição e de execução. Com isso, a sentença deixou de ser o ato que põe fim ao processo. Para adequar seu conceito ao novo sistema, optou-se pela conceituação do ato decisório não mais pelos efeitos que causa, mas pelo conteúdo, sendo definida pelo legislador como o ato que implica algumas das situações previstas nos arts. 267 e 269 do CPC”, explicou.
 

 

Ele ressaltou que, com essas modificações, não existe mais um conceito preciso de sentença e chamou a atenção para os reflexos dessa controvérsia no sistema recursal: “A polêmica em relação ao conceito de sentença e as dúvidas que surgiram fizeram com que chegássemos quase ao sistema do ‘recurso indiferente’, que é o sistema do Direito Processo Civil alemão, em que quase tudo resulta em recursos”, ressaltou, frisando a necessidade de se admitir com mais amplitude, o princípio da fungibilidade recursal.

 

Nesse contexto, ponderou que não adianta alterar a legislação se não se modificar a mentalidade de seus aplicadores: “Essas mudanças no Código não estão obedecendo a um rigor científico desejável e, em razão disso, estão gerando aquilo não havia antes, porque, após 30 anos de vigência do Código, tínhamos segurança a respeito de determinados conceitos e idéias. Além de não trazerem os resultados práticos desejados, as alterações do CPC geraram insegurança jurídica, o que significa controvérsia e recursos”, ressaltou.

Em seguida, o palestrante discorreu sobre a classificação de sentença – também controversa –, lembrando que muitos processualistas consideraram insuficiente a classificação ternária (declaratória, constitutiva e condenatória). “Além dessas três, teríamos, ainda, a ‘sentença mandamental’ e a ‘executiva lato sensu’ ou, simplesmente, ‘executiva”, explicou.

 

Ele ponderou que a melhor forma de se classificar uma sentença é associar o ato decisório ao problema de direito material que ele resolve: “A sentença declaratória tem a finalidade de eliminar uma ‘incerteza objetiva’ em relação à existência ou inexistência de uma relação jurídica, o que ocorre quando alguém se considera titular de algum direito, que é questionado por outrem”, explicou, citando, como exemplos, as ações de reconhecimento de paternidade e de usucapião.

 

Em relação à sentença constitutiva, explicou que ela é necessária quando alguém pretende modificar uma situação jurídica, extinguindo-a ou criando uma situação nova ou, simplesmente, alterando determinados aspectos do direito material: “Nesse caso, se pretende o reconhecimento de um fato e a declaração de um direito a uma modificação jurídica, sendo que essa  declaração já produz, automaticamente, o resultado prático desejado”, explicou, citando, como exemplo, a ação de separação de corpos.

 

O palestrante acrescentou que ambas têm, em comum, o fato de terem a aptidão para produzirem, por si mesmas, o efeito desejado: “A eficácia é resultado automático da cognição exteriorizada na sentença, porque, em razão da natureza do direito reconhecido nas sentenças declaratórias e constitutivas, elas independem de qualquer atividade complementar”, explicou.

 

Ele lembrou que isso não ocorre na situação de inadimplemento de uma obrigação, em que o credor pede, em juízo, uma tutela jurisdicional destinada à satisfação do direito obrigacional (prestação de dar, fazer ou não fazer). “Nesse caso, a satisfação depende de atos complementares – colaboração ou cumprimento espontâneo do réu ou a realização de atos coercitivos. Essa fase executiva, antes feita em um processo autônomo, passou a ser  realizada no mesmo processo. Com isso, deixou de existir a ‘sentença condenatória’, e passou a existir a ‘sentença executiva’, que abrange a fase executiva. Entretanto, essa modificação conceitual não eliminou a necessidade de se realizarem os atos complementares,  porque o problema não está na sentença, mas no direito sobre o que essa sentença recai e na dificuldade que existe para se resolver o problema”, ressaltou, recordando que o único óbice eliminado com a Reforma Processual Civil foi a citação, necessária no extinto processo de execução, salientando, porém, que isso poderia ter sido feito sem as demais alterações.

 

Em relação à sentença mandamental, proferida no mandado de segurança, explicou que ela tem como característica a ‘ordem’, que não existiria na condenatória. “Porém, para que essa ordem seja cumprida, é preciso prever sanções”, observou, acrescentando que o não cumprimento da sentença mandamental constitui crime de desobediência.

Coisa julgada

Em seguida, José Roberto Bedaque discorreu sobre a coisa julgada, recordando que ela diz respeito à qualidade de imutabilidade da sentença, obtida após o trânsito em julgado. “Para que se alcance a segurança jurídica, valor que deve acompanhar as decisões judiciais, o legislador as torna imutáveis, a partir de determinado momento”, explicou, acrescentando que toda a sociedade está sujeita à decisão judicial, por ser tratar de um ato estatal, mas a imutabilidade atinge apenas aqueles que são partes no processo. “A garantia da imutabilidade é daquele que ‘ganha’ a ação, que é aquele que pode exigir seu cumprimento”, observou. 

 

Nesse contexto, destacou a sentença erga omnes proferida em ações de estado, lembrando que são aquelas que versam sobre as características que constituem a personalidade jurídica de alguém – estado individual ou físico (juridicamente relevante, no sentido de influir no estado civil), civil ou político. Como exemplo, citou a ação de reconhecimento de paternidade: “Nesse caso, a imutabilidade atinge a todos os parentes da pessoa, uma vez que não podem alegar não serem partes da ação, porque não tinham legitimidade para integrar o pólo passivo da demanda no momento em que foi interposta”, explicou.

 

No final de sua exposição, José Roberto Bedaque mencionou a possibilidade de relativização ou flexibilização da coisa julgada, ponderando que se trata de uma questão extremamente complicada, em relação aos seus prós e contras: “Se, por um lado, pode parecer razoável para corrigir certas ‘injustiças’ que transitaram em julgado, por outro lado, quais seriam os limites para sua aplicação? Esse é o perigo de se admitir a flexibilização da coisa julgada”, concluiu.

 

 

 

 


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