Núcleo de Estudos em Direito Urbanístico debate ocupação e desocupação de prédios urbanos

Encontro reuniu especialistas de diversos setores

 

Os magistrados integrantes do Núcleo de Estudos em Direito Urbanístico da EPM reuniram-se no dia 23 de maio para discutirem o tema “Ocupação e desocupação de prédios urbanos”, com mediação da juíza Alexandra Fuchs de Araújo, coordenadora do Núcleo.

 

Iniciando as exposições, a mediadora de conflitos fundiários Maria Fartos Terlizzi, integrante da Comissão de Análise de Empreendimentos de Habitação de Interesse Social da Secretaria da Habitação (Caehis/Sehab) da Prefeitura de São Paulo, informou que na capital paulista há 445 mil domicílios em favelas, um déficit de 474 mil moradias e cerca de 1,2 milhão de famílias necessitando de readequação de suas moradias. Ela acrescentou que o Município mantém 28 mil famílias em aluguel social, o que gera despesa de 154 milhões de reais ao ano e representa 40% do orçamento da Sehab.

 

A expositora observou que são instaurados mais de 1.500 processos de reintegração de posse por mês, sendo que muitas das famílias envolvidas não têm acesso à Justiça e buscam a Defensoria Pública, que não dá conta de toda a demanda. Ela explicou que a coerção policial para a desocupação em geral é motivada pela ausência de informações e de diálogo, citando o caso de São Mateus, em que centenas de famílias foram despejadas e não sabiam que haveria a reintegração. Acrescentou que até há pouco tempo não havia dados sistematizados sobre a situação, mas a partir do episódio de São Mateus foi criado o Núcleo de Mediação de Conflitos Fundiários da Prefeitura de São Paulo. E informou que, segundo dados do Núcleo, de fevereiro de 2019, há conflitos em 284 áreas, envolvendo 55.500 famílias (cerca de 200 mil pessoas) em algum processo de desocupação involuntária.

 

Márcia Terlizzi esclareceu que cerca de metade dos imóveis ocupados irregularmente são particulares e pouco menos da metade são públicos. E que edifícios constituem cerca de 25% dos imóveis e são ocupados por 10% das famílias, enquanto terrenos representam 62% dos imóveis e são ocupados por 87% das famílias, sendo o restante casas e outros tipos de imóveis. Ela explicou que algumas ocupações são organizadas e vinculadas a movimentos ou a associações de moradores e outras ocorrem sem lideranças formais. E que em geral têm como objetivos a luta por moradia e o fortalecimento da política habitacional; a busca de soluções imediatas envolvendo recursos públicos; e estratégias de subsistência, havendo ainda algumas ligadas ao crime organizado.

 

O promotor de Justiça Marcus Vinícius Monteiro dos Santos lembrou que em 2015 havia aproximadamente 16 mil moradores de rua e atualmente a Prefeitura refere que há cerca de 20 mil, mas entidades não governamentais apontam 25 a 30 mil. Ele salientou que o atual plano diretor estratégico ampliou bastante o número de zonas especiais de interesse social (zeis), mas em geral os autores não comunicam ao Poder Judiciário que o imóvel está em uma delas e que qualquer intervenção no território deve ser em favor do morador. “É sempre importante levantar o zoneamento para encontrar a solução mais adequada”, ressaltou.

 

Ele lembrou que muitas ações de despejo ocorrem por dificuldades financeiras e geram aumento das ocupações, porque quando simplesmente se retira a pessoa de um imóvel, ela invade outro e haverá outra ação judicial. Ele salientou a importância de a Prefeitura fiscalizar se os proprietários cumprem a função social da propriedade. E observou que em muitos casos eles não cumprem e ainda conseguem liminar para despejar famílias que passaram a ocupá-lo. “Devemos pensar se nas ações de reintegração de posse deve-se ou não abrir a discussão para uma análise da função social da propriedade”, ponderou. 

 

A procuradora do Município Marina Magro Beringhs Martinez, diretora do Departamento de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio (Demap) da PGM explicou que existem as ocupações longevas, formadas por comunidades com mais de 20 anos de ocupação, nas quais muitas vezes o município precisa intervir por causa do risco; as reintegrações de posse de ocupações mais recentes; e as ações para a desocupação de prédios. “Cada uma dessas três apresenta um cenário diferente”, observou, acrescentando que há ações civis públicas em todas as subprefeituras da capital principalmente para remover pessoas que estejam morando em zonas de risco alto (R3) e muito alto (R4).

 

Ela esclareceu que em primeiro lugar se busca a regularização, em segundo a mediação e, em último caso a desocupação forçada. “O melhor caminho é a mediação com a participação das instituições”, salientou. E informou que após o incêndio no prédio do Largo do Paiçandu, ocorrido em maio de 2018, foi constituído grupo de trabalho composto por diversos órgãos, que procedeu vistoria em todos os prédios e fez recomendações de segurança aos moradores, especialmente para prevenir incêndios.  Ela ressaltou que, se o Município aplicasse o código de obras, haveria desocupação em massa de prédios. “Isso é o que se tenta evitar com a criação desse grupo de trabalho. Haverá novas vistorias para verificar se foram cumpridas as recomendações, caso contrário será pedida a desocupação”, ponderou.

 

A procuradora do Estado Amanda de Moraes Modotti, chefe da Procuradoria do Contencioso Ambiental e Imobiliário da PGE, informou que há diversas ações ajuizadas para a desocupação de imóveis contíguos (e também de grandes ocupações), para dar andamento a um mesmo projeto e para uma mesma área. Ela explicou que o Estado tem enfrentado dificuldades para desocupar e para manter desocupados os imóveis. Citou os casos da quadra 50 da Luz e do Pôlder Itaim, informando que o último teve 50 ações judiciais. E apontou o problema de não se reunirem as ações em um único juízo por prevenção. “Havia ações em todas as varas da Fazenda Pública. Em consequência as imissões na posse foram conseguidas em descompasso. Vários magistrados concedem liminar e outros não. A desocupação demorou dois anos”, observou.

 

Por fim, a defensora pública Vanessa Chalegre de Andrade França ressaltou que as remoções forçadas muitas vezes ocorrem sem a disponibilidade ou acesso de formas adequadas de proteção dos direitos dos envolvidos. Ela salientou que a Defensoria Pública vem discutindo a necessidade de implementar um protocolo mínimo para essas remoções, visando a uniformização dos procedimentos e a garantia dos direitos das pessoas.

 

Vanessa França informou que em abril a proposta foi protocolada na Corregedoria Geral de Justiça do TJSP e deverá haver novos debates objetivando a sua implementação nas normas de serviço, com as diretrizes gerais para o cumprimento de ordens no âmbito coletivo que decorram de ações de remoção promovidas por entes públicos ou por particulares. “O protocolo mínimo é voltado para todos os atores e agentes públicos envolvidos no ato de remoção. Será um avanço para o tratamento adequado dos conflitos fundiários pelo sistema de Justiça, na medida em que vai garantir que todas as precauções para evitar a remoção forçada serão tomadas”, concluiu.

 

RF (texto e fotos)


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