Aspectos controvertidos da proteção da posse são debatidos em curso da EPM

Francisco Loureiro e Alberto Gosson iniciaram as exposições.

 

Nos dias 29 de agosto e 5 de setembro foi realizado o curso Aspectos controvertidos da proteção da posse, promovido pela EPM no Gade 9 de Julho. O primeiro dia teve como palestrantes os desembargadores Francisco Eduardo Loureiro, diretor da EPM, e Alberto Gosson Jorge Junior, coordenador do curso. Também compôs a mesa o desembargador Tasso Duarte de Melo, conselheiro da Escola.

 

Posse natural e suas qualidades

 

Iniciando as exposições, Francisco Loureiro lembrou que o Código Civil de 2002, no que tange à posse, aperfeiçoou o regramento do código antigo, incorporou entendimento jurisprudencial e dirimiu dúvidas sobre algumas questões, aumentando sua operabilidade. Contudo, manteve a estrutura do direito possessório vigente há mais de um século no Brasil. Ele observou que o Código Civil de 1916 copiou parte do sistema francês e parte do sistema alemão, mas quando os códigos europeus foram reformados a partir de 1990, eles buscaram a experiência brasileira sobre posse.

 

O professor explicou que a expertise nacional no direito possessório adveio da fragilidade da prova dominial no País até a década de 1970, quando era comum haver descrições imprecisas, propriedades sobrepostas com várias pessoas provando domínio sobre a mesma área. Ele acrescentou que isso melhorou muito após a edição da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) e com o georreferenciamento. “Se todos tinham o título condominial do mesmo bem, valia a posse. É por isso que nas regiões instáveis dominialmente, com conflitos fundiários, nós temos a posse com grande valor”, frisou.

 

Ele explicou que o Código não define o que é posse, mas define possuidor como aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes ao proprietário. “Durante muito tempo discutiu-se se a posse é fato ou direito. Hoje o Código é claro: a posse é fato que gera direitos”, salientou. E frisou que posse é exercício, é comportamento de quem age como agiria o proprietário em relação ao que é seu. Por isso, possuidor é quem conserva, defende, cuida, dá à coisa a destinação econômica e social que lhe é própria. Ressaltou que, por isso deve-se analisar caso a caso quem é possuidor e quem não é, pois a posse sempre exige prova do comportamento do possuidor.

 

A seguir, Francisco Loureiro falou sobre as teorias sobre a posse de Ihering e Savigny e explicou porque o Direito brasileiro adota a teoria de Ihering. Para Ihering, não é preciso o intuito de ser dono para ter posse, basta agir como proprietário. Ele acrescentou que a consequência jurídica disso afeta o possuidor direto. E observou que enquanto estiver na posse direta, mesmo sem intenção de se tornar dono – como o locatário, o usufrutuário, o devedor fiduciante, entre outros –, o possuidor direto pode defender a coisa contra terceiros e tem direito a todas as ações defensivas da posse, indenização por benfeitoria e recebimento dos frutos da coisa. Ressaltou que a teoria objetiva de Ihering, ao conferir proteção possessória ao possuidor direto, é mais operativa, enquanto a teoria subjetiva de Savigny atribui-lhe a qualidade de mero detentor, desprovido de posse.

 

O palestrante explicou que detentor é aquele que age como dono, mas não tem autonomia, conserva a posse e a exerce representando o possuidor, age cumprindo ordens (CC, artigo 1.198), como o caseiro, o mandatário, entre outros. E explicou que o artigo 1.208 do CC acrescenta outras hipóteses de detenção. A que ocorre mediante permissão ou tolerância do possuidor, hipóteses nas quais o possuidor não perde a vigilância e o controle sobre o bem, e a decorrente de atos violentos ou clandestinos, enquanto não cessar a violência ou clandestinidade.

 

Francisco Loureiro ressaltou que enquanto houver violência ou clandestinidade nem posse há. Somente quando cessa a violência ou clandestinidade é que se inicia a posse injusta, seguindo a doutrina de Pontes de Miranda e Moreira Alves. E discorreu acerca da qualidade da posse – justa ou injusta, precária, ad interdicta ou ad usucapione –, ou mesmo a ausência dela, salientando a importância da distinção para a correta atribuição (ou não) de direitos possessórios.

 

“Não é correto dizer que o possuidor direto (por exemplo, o devedor fiduciante) tem a posse precária do bem. Ele tem a posse direta, uma posse justa. Há uma causa jurídica para que ele tenha a coisa. Ela é precária quando violar o dever de restituição porque resolvido ou extinto o contrato por inadimplemento, aí sim nasce a precariedade, mas enquanto tem a posse com base no contrato ela é direta e justa”, considerou Loureiro. E ressaltou que pode ser alterada a causa da posse ou invertida a sua qualidade, a depender da alteração explícita de comportamento ou da constituição de nova relação jurídica.

 

Posse civil

 

Alberto Gosson explanou sobre a posse civil e a proteção jurídica que ela suscita. Sua aquisição por ficção jurídica: por transmissão mediante ato inter vivos (negócio jurídico) e causa mortis. Explicou os conceitos de posse clássicos e atuais, posse sobre direitos e direito de posse, entre outros conceitos, bem como diferenças de tratamento da posse no Código Civil de 2002 em relação ao de 1916.

 

O expositor lembrou a definição histórica de Aubry & Rau: “posse no sentido amplo é o estado, a relação de fato que dá a uma pessoa a possibilidade física efetiva e exclusiva de exercer sobre uma coisa atos materiais de uso, gozo e transformação”. Entre outros juristas citados, ressaltou a definição de Joel Dias Figueira Júnior, citada em Silvio Venosa, que apresenta uma visão atual atenta ao princípio da função social: “considera-se possuidor aquele que tem poder fático de ingerência socioeconômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determinado bem da vida, que se manifesta através do exercício ou possibilidade de exercício inerente à propriedade ou outro direito real suscetível de posse”.

 

Alberto Gosson explicou que o conceito de “bem” é mais amplo e engloba o de “coisa”, este último sempre ligado a atos materiais. “Não é por acaso que no Código Civil a posse inaugura o direito das "coisas" e é anterior aos direitos reais. Posse como exercício de poder fático sobre um bem é um pouco diferente do que sobre uma coisa”, observou. E ressaltou que a doutrina e a jurisprudência afastam a existência de posse sobre bens imateriais.

 

O palestrante expôs o conceito atual de posse civil, citando Cunha Gonçalves: somente aquela que resulta da transmissão do direito de um precedente possuidor ou do registro do título translativo do domínio, sem condição suspensiva, posse que às vezes não é acompanhada da posse efetiva ou formal, ou material, por se achar transitoriamente usurpada por outrem. E acrescentou que embora não faça referência expressa aos dispositivos que tratam do negócio jurídico, o artigo 1.204 do CC de 2002 encampa o conceito de que se adquire a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.

 

O professor frisou que o princípio da saisine é uma ficção jurídica pela qual a herança é transmitida desde logo aos herdeiros (artigo 1.784), lembrando que a palavra herança incorpora tanto a posse como a propriedade. E esclareceu que essa posse civil – que não decorre do exercício fático – surgiu da necessidade de preencher um vácuo nos casos de morte do possuidor e transmissão por negócio jurídico. E ressaltou que apesar de ter a posse documental, o adquirente precisa passar a comportar-se como possuidor nos termos do artigo 1.196 do CC, sob pena de eventualmente perder a posse.

 

Alberto Gosson ressaltou que quando se transmite a posse em qualquer documento, transmite-se o que se tem, nos termos do artigo 1.207. “O sucessor continua de direito a posse do antecessor. Isso quer dizer que ele receberá a posse tal como o seu antecessor a exercia. Se é uma posse viciada, o vício também passará para ele”, observou. Ele analisou ainda jurisprudências relacionadas às questões estudadas.

 

Segundo dia

 

No dia 5, o juiz Marcus Vinicius Rios Gonçalves dissertou sobre a discussão de domínio (propriedade) no âmbito da ação possessória quando as duas partes disputam a posse com fundamento no domínio e a Súmula nº 487 do STF; a prejudicialidade externa quando tramitam ações de manutenção ou de reintegração e ação de usucapião, em juízos diversos; a diferença de qualificação das posses (ad interdicta e ad usucapionem) e sua influência em manter as ações apartadas; e a economia processual e o possível conflito de decisões.

 

O desembargador Milton Paulo de Carvalho Filho, conselheiro da EPM, discorreu sobre a possibilidade (ou dever) de conversão dos ritos nas ações de reintegração, reinvindicação e imissão de posse; o princípio de adequação à tutela de conteúdo – instrumentalidade das formas e primazia da solução de mérito; a insistência na opção de reintegração no lugar da reivindicação quando o autor não tem prova antecedente da posse; o requisito de se tratar de posse nova para obtenção da liminar; a introdução da tutela antecipatória no Código de Processo Civil de 1973 (artigo 273) e as tutelas provisórias de urgência e de evidência no CPC de 2015.

 

RF (texto e fotos)


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