Apuração de ato infracional, medidas socioeducativas de adolescentes e depoimento especial são estudados no curso de Direito Processual Penal

Aula foi ministrada por Eduardo Rezende.

 

Os temas “Aspectos penais e processuais do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e depoimento especial” foram analisados na aula do último dia 16 do 9° Curso de especialização em Direito Processual Penal da EPM. A exposição foi proferida pelo juiz Eduardo Rezende Melo, coordenador da área da Infância e Juventude e Justiça Restaurativa da Escola.

 

Eduardo Rezende expôs inicialmente a contextualização histórica a partir da qual se desenvolveu um segmento específico da Justiça para se ocupar da delinquência de crianças e adolescentes. Recordou que é de 1889 a primeira referência histórica de um tribunal específico, a partir da constatação de que havia questões singulares, mas não havia legislação específica. Houve, inclusive, invocação de leis de proteção de animais para promover uma atuação específica em relação às crianças.

 

Ele recordou que no século XIX, com a crescente industrialização, as crianças que antes ficavam nas fazendas migraram com os pais para as cidades e passou a haver muitas delas em situação de rua, aumentando a delinquência juvenil. Autores da época, como Mark Twain e Victor Hugo, mostravam os desafios sociais de lidar com essa questão.

 

O palestrante esclareceu que naquela época, quando crianças e adolescentes eram presos ficavam em penitenciárias com os adultos. Houve um grande movimento pensando no contexto de vida dessas crianças que estariam em situações que não se conformavam ao padrão considerado adequado e que poderiam gerar influências maléficas ao seu desenvolvimento. Tinha-se como referência a criança inocente e observava-se que essas condições maléficas seriam as motivadoras do envolvimento com a delinquência, sem maiores críticas sobre o contexto social de exploração e desigualdade, bem como ao trabalho infantil em idade muito precoce nas indústrias, que era visto como algo positivo.

 

Eduardo Rezende explicou que foi nesse contexto que surgiu o movimento salvacionista a partir de atividades filantrópicas, com muitas mulheres envolvidas. O movimento buscava a salvação dessas crianças e foi criada uma doutrina que equiparava o juiz (que surgiu em 1889) à figura de um bom pai de família. A intervenção do juiz era no sentido de salvar as crianças das condições maléficas de exposições inadequadas, de estarem nas ruas e não nas escolas. E foram criadas legislações que previam intervenções nos âmbitos de proteção e penal. Atribuía-se a condutas como vaguear pelas ruas ou não ir para a escola como infracionais.

 

Denominado “modelo de bem-estar” na Europa e no mundo anglo-saxão, esse modelo foi denominado na América Latina de doutrina da “situação irregular”, no qual se caracterizava como menor aquele que estava em situação irregular (em abandono, vagueando pelas ruas, em famílias negligentes ou cometendo atos infracionais).

 

O expositor recordou que em 1927 foi editado no Brasil o primeiro Código de Menores, que tratava apenas das crianças e adolescentes que se encontravam em situações de abandono ou delinquência (as demais já estariam protegidas por seus pais ou tutores). Explicou que a intervenção judicial era diferenciada. O juiz intervinha com muita discricionaridade, sem garantias processuais ou penais, inclusive direito de defesa. Esse modelo também foi marcado pela intervenção de experts (psicólogos, assistentes sociais e pedagogos), que passaram a fazer parte desse processo (em São Paulo, a partir de 1940) para indicar ao juiz qual a melhor medida a ser adotada.

 

Eduardo Rezende relatou que esse modelo prevaleceu durante décadas no mundo até que houve um caso emblemático nos Estados Unidos em que um menino que passou trotes e fez chamadas indecentes para uma vizinha foi preso e o caso chegou à Suprema Corte. Foi quando se questionou como esse menino poderia passar por essas situações sem sequer ser informado dos seus direitos, sendo processado sem critério algum. Se fosse adulto, receberia apenas uma multa.

 

Ele explicou que a partir daí começou um movimento de garantia de direitos humanos às crianças e adolescentes que buscava intervir em favor da criança pensando nas suas necessidades e não a partir de um fato caracterizado como delito por ela cometido. Passou-se a exigir para as crianças e adolescentes as mesmas garantias penais e processuais que são conferidas ao adulto. Criaram-se outros modelos, com cortes criminais modificadas e muito formais, com maior celeridade, respeitando as garantias penais e processuais, mas muitas vezes muito duras.

 

No passo seguinte, passou-se a defender o modelo de intervenção mínima, pois a normativa internacional e a criminologia apontam que o envolvimento de adolescentes com rebeldias e condutas desafiadores muitas vezes faz parte desse processo de desenvolvimento. Entretanto, envolvê-lo no sistema de Justiça criminal com uma resposta muito dura faz com que ele incorpore o estigma de delinquente e passe a incorporar isso nos seus valores e no seu modo de vida. Para evitar isso, adota-se o modelo de intervenção mínima tentando tornar excepcional qualquer tipo de intervenção judicial.

 

“Nesse modelo são criadas várias estratégias de desvio do sistema de Justiça com alternativas para a internação ou a privação da liberdade, sendo a remissão um exemplo, e com uma série de outras medidas que implicariam a responsabilização desse adolescente em meio aberto”, observou Eduardo Rezende.

 

O palestrante ressaltou que outro modelo que tem tido ênfase no mundo inteiro é o da Justiça Restaurativa, que implica numa mediação entre a vítima e o ofensor, com o diferencial que envolve as comunidades de apoio tanto da vítima quanto do ofensor, procurando dar uma resposta comunitária, de preferência ainda na fase pré-processual. Esse modelo evita a responsabilização judicial passiva, mas promove uma responsabilização ativa em que esse adolescente, diante das demandas colocadas pela vítima acerca do impacto que ela sofreu em razão de sua conduta, procurará oferecer e negociar uma resposta adequada à situação.

 

Finalizando a contextualização histórica, mencionou o surgimento do modelo neo-racional, ligado a movimentos conservadores pautados na lei e na ordem e que visa baixar a idade de imputabilidade penal de 18 para 16 anos. “Isso é querer dar um tratamento duro, como se essa dureza fosse algo intimidador e diminuísse a possibilidade de o adolescente cometer atos infracionais. Essa resposta, que o equipara à situação de adulto é criticada pela doutrina como um modelo não adequado”, ponderou. E frisou que hoje se defende primordialmente o modelo de intervenção mínima e o de Justiça Restaurativa, com a excepcionalidade da intervenção judicial.

 

A seguir, Eduardo Rezende explanou sobre o processo de apuração de atos infracionais e a execução de medidas socioeducativas de adolescentes. Na segunda parte da exposição, discorreu sobre os procedimentos adequados e as medidas necessárias para realizar o depoimento especial (que se tornou obrigatório), demonstrando a sua importância para a proteção de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.

 

RF (texto) / Reprodução (foto)


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