Ministra Fátima Nancy Andrighi profere palestra na EPM

No dia 26 de julho, a ministra Fátima Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, ministrou a palestra “Contrato de adesão e CDC” no 1º curso de pós-graduação lato sensu, especialização em Direito do Consumidor, da EPM. O evento teve a participação dos desembargadores Armando Sérgio Prado de Toledo, vice-diretor da EPM, e Antonio Rulli Junior, coordenador dos cursos de educação a distância; e do juiz Alexandre David Malfatti, coordenador do curso e responsável pela área de Direito do Consumidor da EPM. 

A aula fez parte da programação do módulo "Responsabilidade Civil no CDC”, que é oferecido, também, na modalidade a distância, para magistrados dos Estados de São Paulo, Acre, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Sergipe e Tocantins, tendo validade para o fim de promoção por merecimento. 

Inicialmente, Fátima Nancy Andrighi chamou a atenção para a importância da obrigação de informar nas relações de consumo – consagrada no art. 6º, incisos II e III, do CDC –, lembrando que ela abrange a propaganda e a contratação. “Trata-se de conferir um aspecto ético ao marketing, instruindo satisfatoriamente o consumidor a respeito das características dos produtos e dos serviços”, explicou, acrescentando que, muitas vezes, o fornecedor ou prestador de serviço, é responsabilizado, exclusivamente, por falta de informação ao consumidor. Ela citou, também, a Lei 11.785/08, que alterou o parágrafo 3° do art. 54 do CDC: “Aqui, ficou afastada a possibilidade de ficarem camufladas no contrato, cláusulas restritivas de direito”, frisou. 

Nesse sentido, destacou a necessidade de se respeitar o princípio da boa-fé nos contratos, que diz respeito à obrigação das partes de se comportarem com lealdade. “Nosso Código Civil trata muito bem da atenção que o juiz deve ter com a lealdade, fazendo com que os contratos não sirvam apenas como meio de enriquecimento do fornecedor, mas também atuem como um veículo de harmonização dos interesses dos participantes da relação de consumo”, observou, ponderando que cabe aos magistrados e demais profissionais do Direito ‘manipular’ os princípios expressos no CDC para conferir, efetivamente, o valor e a aplicação de proteção prevista no Código. 

Contrato de adesão 

Em relação ao contrato de adesão, citou a definição do art. 54 do CDC: “aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar, substancialmente, seu conteúdo”. Ela acrescentou que não é necessário que todas as cláusulas sejam impostas para caracterizá-lo e citou a diferença entre contrato de adesão e ‘por adesão’: “No contrato de adesão, além do consentimento por adesão, a totalidade ou parte mais significativa de suas cláusulas são constituídas por cláusulas gerais e há impossibilidade de discussão ou modificação de seu conteúdo. O contrato por adesão leva em consideração apenas o meio pelo qual se deu o consentimento”. 

Ela salientou que os contratos de adesão são objeto de constante estudo da doutrina atual, pois, geralmente, refletem um desequilíbrio desproporcional entre as partes. “Neles, o antigo dogma da justiça restrita à vontade das partes perde importância e dá lugar à questão da injustiça representada pela desigualdade contratual”, citando, como exemplo, contratos celebrados por pequenos produtores rurais em condições desvantajosas, porque somente um distribuidor da região se dispõe a comprar sua produção. 

A ministra acrescentou que, muitas vezes, o consumidor não entende o teor do contrato de adesão ou não tem tempo para analisar, com atenção, suas cláusulas, que lhe são, praticamente, impostas. Além disso, há situações em que ele não tem outra opção, porque precisa, com urgência do serviço ou produto. “Por conta dessas circunstâncias, foram criados instrumentos legais para minimizar os efeitos nocivos dos contratos de massa, que, não raramente, contêm cláusulas abusivas, que, de maneira evidente, prejudicam a parte mais fraca da relação de consumo – presumivelmente, o consumidor”, afirmou, observando que o controle do conteúdo dessas cláusulas é a característica mais marcante do avanço da ordem pública no controle dos negócios jurídicos. 

A ministra salientou que o conceito de abusividade é fundamental para a correta leitura do CDC, lembrando que ele não diz respeito somente a cláusulas de contrato de adesão, mas, também, à prática comercial e à publicidade. Nesse contexto, citou três correntes da doutrina para delimitação do conceito de abusividade: prejuízo substancial e indenizável; razoabilidade e inescrupulosidade. 

Ela observou, ainda, que o CDC positivou a revisão dos contratos quando sua execução importar em onerosidade excessiva para uma das partes, lembrando que ela não foi acolhida, de modo expresso, pelo Direito comum – Civil ou Comercial –, em que sua aplicação derivava da doutrina e da jurisprudência, que, por sua vez, partiam da premissa da proibição do locupletamento ilícito e da necessidade de observância da boa-fé. “Enquanto que, no Direito Civil comum, o desrespeito aos limites impostos pelos fins econômicos e sociais, bons costumes e boa-fé caracterizava a conduta abusiva, no CDC, a distinção é feita pela posição de dominância técnica e econômica do fornecedor”, explicou, salientando que é da ligação entre o abuso do direito e a vulnerabilidade do consumidor que resulta o caráter abusivo do contrato e de suas cláusulas no CDC. 

A ministra recordou que, entre as cláusulas abusivas, estão aquelas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ao ameaçar o equilíbrio contratual ou impor onerosidade excessiva, conforme o artigo 51 do CDC. “Se, no Código Civil, o juiz tem que buscar a intenção das partes, no CDC ele deve interpretar as cláusulas contratuais da maneira mais favorável ao consumidor, conforme estabelece o art. 47 do CDC”, explicou, lembrando que, no âmbito das relações de consumo, o princípio do equilíbrio contratual é feito mediante a proteção do contratante    . “Trata-se, em última análise, da recepção da regra de que cessa a interpretação quando há a estipulação”, observou. 

Interpretação do STJ 

Sobre a possibilidade de se aplicar o art. 47 do CDC aos contratos de planos de saúde, a ministra citou a interpretação que tem sido dada no STJ, recordando o ensinamento do ministro Carlos Alberto Menezes Direito: “Quando a questão é de tratamento inerente à doença, não existe cura da doença sem o tratamento, que são atrelados. Com isso, não é preciso procurar a dubiedade das cláusulas. Tem que se entender que, se o contratante busca a saúde e aquele tratamento é a única forma de levá-lo à saúde, ele está agregado ao contrato. Meu entendimento é de que o tratamento completo é que dá a saúde e essa interpretação envolve o artigo 47 do CDC”, salientou. 

Em relação à nulidade, lembrou que, conforme o Código Civil, em seu art. 478, para haver declaração de nulidade, é preciso existir prova de fato superveniente, imprevisível ou extraordinário, além da onerosidade, enquanto que, no CDC (art. 6º, inciso 5º) é preciso apenas provar a onerosidade. “A peculiaridade mais significativa da nulidade de pleno direito, prevista no CDC, está na hipótese de existência de cláusulas violadoras da equivalência contratual, que admitem a correção por meio da intervenção judicial”, ressaltou, frisando, contudo, que o CDC prima pela manutenção do contrato, mesmo após a declaração de nulidade de uma ou mais cláusulas – o que não é o objetivo do Código Civil: “Opta-se, sempre pela renegociação e conservação do pacto celebrado entre fornecedor e consumidor, evitando sua extinção”, observou. 

Ela acrescentou que a experiência do STJ demonstra que o contrato de adesão tem servido para propagar abusos. “Por essa razão, não são poucas as ocasiões em que precisamos interferir para excluir ou diminuir o impacto nas estipulações sobre multas e outros acréscimos exorbitantes decorrentes da mora; afastar a cláusula de eleição de foro, quando significa dificultar o acesso à justiça; ou declarar a ineficácia de cláusulas que limitam a responsabilidade dos fornecedores ou impõem aos consumidores deveres impossíveis de serem cumpridos”, explicou, observando que essa atuação tem sido feita a despeito da Súmula 5 do STJ (“A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”): “Quase tudo, na relação de consumo, é interpretação de cláusula. Assim, é preciso aprender a superar a Súmula 5 para trazer um pouco de jurisprudência para nossos colegas”, ponderou. 

Nesse contexto, o juiz Alexandre Malfatti indagou se não se poderia fazer uma leitura ‘processual’ ou restrita da Súmula 381 do STJ (“Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”): “Há algumas cláusulas que podemos e devemos continuar a entender abusivas, ainda que no raciocínio incidenter tantum, ou seja, para chegar a uma conclusão sobre a abusividade de uma cláusula, é preciso analisar outras cláusulas”, ponderou, frisando que é favorável à declaração de ofício da abusividade – com a eventual abertura de contraditório para o banco –, admitindo-se um processo moderno e efetivo. 

Concordando com o raciocínio, a ministra acrescentou que, caso o magistrado fique restrito ao pedido, dará margem para a parte ajuizar outra ação, com base no mesmo contrato, para outra cláusula que tenha sido solidificada pela jurisprudência. “Isso é incompatível, porque o juiz deve ter oportunidade para trabalhar, mais livremente, no campo do processo. Está sendo cerceado um direito material – ver declarada a abusividade de uma cláusula –, porque o Código Civil restringe que o pedido seja expresso, mas não podemos ignorá-lo”, ressaltou, ponderando que o fato de algo estar sumulado não implica que está cristalizado para sempre: “O Direito é uma ciência em movimento e, a cada dia, por provocação dos advogados ou do Ministério Público e por raciocínio dos juízes, deve estar sempre numa crescente”. 

Fátima Nancy Andrighi ressaltou, ainda, que, a proteção do consumidor não é feita pelo CDC, mas decorre da Constituição, salientando que o julgamento de questões de abusividade de cláusulas, no STJ, exige a necessidade de se lidar com princípios e buscar a humanização da justiça: “Precisamos pensar nas consequências que a decisão terá na sociedade, nos colocando no lugar da pessoa que sofre a abusividade, e realizar julgamentos que tenham um caráter didático”, frisou, destacando, ainda, a importância de se buscar o equilíbrio: “O juiz não é um simples aplicador da lei, porque a função precípua do juiz moderno não é ser um proferidor de sentenças. Somos pacificadores sociais e fazemos um trabalho artesanal, que lida com o ser humano, com o dia-a-dia e com as relações sociais. O trabalho do juiz, diante do CDC, tem essa mesma incumbência”, concluiu.


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