Situação de pessoas com dependência química e tratamento por meio da Justiça Restaurativa são debatidos no Curso de Formação Inicial

Círculos de fala dão senso de dignidade e responsabilidade.

 

Os juízes substitutos do 189º Concurso de Ingresso participaram na terça-feira (28) de debates sobre o tema “A sociedade civil, o Estado e as práticas restaurativas”. O encontro fez parte da programação do Curso de Formação Inicial da EPM e foi aberto pelo desembargador Ricardo Cunha Chimenti, coordenador-geral do curso.

 

Iniciando as exposições, Sônia Andreotti Carneiro Frúgoli, presidente da Comissão de Justiça Restaurativa da seccional Pinheiros da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB SP), explicou que a Justiça Restaurativa está ligada a um método de solução de conflitos no qual não há julgamento e que os magistrados que atuarão na área criminal podem aplicá-la. Ela apresentou um panorama sobre a evolução da JR no Brasil e no mundo e relatou o desenvolvimento, a partir de 2017, do projeto de aplicação da JR para dependentes químicos do qual faz parte. Ela ressaltou o objetivo de promover a reinserção social, familiar e a reparação do dano – em conformidade com a Resolução nº 225/16, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), destinada a promover ações de incentivo à JR, e com a Resolução nº 12/02 da Organização das Nações Unidas (ONU). Ela ressaltou o objetivo de tornar o projeto uma política pública estadual, em discussão com a administração pública.

 

Ricardo Chimenti propôs uma enquete com os magistrados sobre a quantidade consumida e o preço das pedras de crack. Foi informado que o valor varia de R$ 5,00 a R$ 10,00 e o consumo médio diário é de 20 a 30 pedras, havendo relatos de pessoas que chegam a usar 90 por dia. Ele salientou que a informação é relevante para o enquadramento da conduta de presos em flagrante como usuários ou traficantes, qualificação que enseja a verificação de outras circunstâncias. E incentivou os magistrados a instituírem núcleos de JR nas comarcas com o apoio da sociedade civil e demais órgãos estatais.

 

Na sequência Joyce Markovits, vice-presidente da Comissão de JR da seccional Pinheiros da OAB/SP, apresentou o cântico representativo da JR A canção dos homens, de autoria da poetisa africana Tolba Phanem. Ela ressaltou que a pessoa que comete um ilícito o faz porque não conseguiu outra opção de fazer diferente e esse pensamento é a base da JR. Ela explanou sobre o funcionamento do projeto citado que atende dependentes químicos, as abordagens, os tipos de apoio necessários e a importância dos círculos de construção de paz. E citou diversos casos exitosos nos quais os envolvidos adotaram melhores direcionamentos em suas vidas.

 

Na sequência, o psicólogo Moisés Aparecido de Souza Felipe, que atua na Cracolândia desde 2014, contou sua experiência com a população altamente vulnerável, em situação de rua e em acolhimento institucional. Ele discorreu sobre o processo de reabilitação dos dependentes químicos, como são os sinais e processos de recaída e falou sobre o perfil das pessoas que fazem uso de substâncias tóxicas. E enfatizou que os círculos (de conversa) promovidos pela JR diminuem bastante o índice de recaídas.

 

Por fim, a assistente social Maria Solange Pereira Silva Gouveia Ribeiro explanou sobre as casas terapêuticas metropolitanas, implantadas em janeiro de 2022, onde se busca romper com a lógica da institucionalização e proporcionar ao dependente químico em situação de rua moradia com caráter de residência, ao invés de ficar de seis a sete meses isolado da sociedade numa comunidade terapêutica, com grande índice de recaída no retorno à sociedade. Ela explicou o projeto abrange quatro fases: acolher, despertar, transformar (com inserção no mercado de trabalho e educação financeira), e após seis a nove meses, caminhar, com o encaminhamento para moradia autônoma. Falou também sobre o monitoramento desse processo e como os círculos restaurativos propiciam o resgate do sentimento de dignidade, autocuidado, pertencimento, empatia, solidariedade, empoderamento, respeito e responsabilidade. Citou relatos de tratamentos bem-sucedidos e concluiu: “a Justiça Restaurativa é essa ferramenta tão poderosa, tão preciosa, que tem mudado a história de vida de muitos acolhidos, que vieram da situação de rua”.

 

RF (texto) / MB (fotos)


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