Significado e perspectiva do Tribunal de Nuremberg são debatidos em seminário da EPM no Palácio da Justiça

 Aspectos jurídicos e filosóficos foram debatidos.
 
A Escola Paulista da Magistratura (EPM) promoveu na sexta-feira (24) o seminário Tribunal de Nuremberg: significado e perspectiva. O evento foi realizado no Salão do Júri do Palácio da Justiça, sede do Judiciário paulista, e teve exposições dos professores Celso Lafer, Elza Antônia Pereira Cunha Boiteux e Sylvia Helena de Figueiredo Steiner e do juiz Marcos Alexandre Coelho Zilli. O evento teve cerca de 670 inscritos nas modalidades presencial e on-line.

Na abertura, o diretor da EPM, desembargador José Maria Câmara Junior, agradeceu a participação de todos, em especial dos integrantes do Conselho Superior da Magistratura e dos expositores. Ele lembrou que o seminário foi idealizado pelo desembargador Carlos Otávio Bandeira Lins, que coordenou com ele o evento, com o objetivo de discutir o significado do Tribunal de Nuremberg nos âmbitos jurídico, em especial do Direito Penal Internacional, e filosófico.

O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Ricardo Mair Anafe, lembrou que o Tribunal de Nuremberg é um marco histórico e foi o primeiro a utilizar tradução simultânea, essencial para o exercício pleno do devido processo legal, para possibilitar que os acusados tivessem conhecimento do que lhes era imputado e exercessem o direito de defesa. “O Tribunal de Nuremberg trouxe pela primeira vez um julgamento internacional de atrocidades cometidas contra a humanidade, que não podem ser esquecidas”, frisou.
 
O desembargador Bandeira Lins ressaltou que o Tribunal de Nuremberg suscita uma série de indagações no âmbito da Filosofia e representa um passo inicial para um plano civilizatório após a Segunda Guerra Mundial. “Houve um recuo em relação à retaliação pura e simples, com a juridicização da reprimenda aos crimes de guerra e seguiu-se a isso a ideia de algo perene, uma nova etapa na qual conflitos como aquele sejam evitados e a violência como um todo venha a desaparecer da solução de questões internacionais e do convívio entre os povos”, ponderou.
 
A mesa de honra também teve a presença do vice-presidente do TJSP, desembargador Guilherme Gonçalves Strenger; do corregedor-geral da Justiça, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia; e do presidente da Seção de Direito Privado, desembargador Artur César Beretta da Silveira.

Iniciando as exposições, Celso Lafer explanou sobre o significado filosófico do Tribunal de Nuremberg. Ele observou que a criação do Tribunal significou a judicialização da perspectiva política dos vencedores da Segunda Guerra, em razão das atrocidades cometidas pelos países do Eixo, especialmente pela Alemanha, para julgar e punir os grandes criminosos de guerra. Recordou que dos 24 julgados, 12 foram condenados à morte, nove a penas privativas de liberdade que variaram de dez anos a prisão perpétua e três foram absolvidos. Explicou que as penas, inclusive a de morte por enforcamento, corresponderam a uma dialética de complementariedade às duas funções clássicas da pena, preventiva e  retributiva, como uma igualdade corretiva pela correspondência entre o crime e o castigo, de divulgação pública. “A ilegitimidade e a injustiça das diretrizes do poder foram tema de Nuremberg, o mau ativo e mau passivo. E o Tribunal trouxe a ideia de fazer justiça, dando voz ao sofrimento das vítimas”, frisou.
 
Em seguida, Elza Boiteux discorreu sobre o tema “Paradigma socrático e as leis de Nuremberg”. Ela recordou a história do filósofo Sócrates (470 a.C. – 399 a.C.), sua obediência à legislação e a preocupação de não cometer atos injustos ou ímpios. Frisou que a violência do regime não o tornou injusto, mas afirmou ser preferível sofrer uma injustiça do que praticá-la. Ela discorreu sobre o erro judicial que restou consagrado com a condenação de Sócrates e observou que a injustiça da condenação teve por base a maldade dos acusadores e a fraqueza dos juízes da pólis grega. Acrescentou que, ao ser instado a fugir da aplicação da sentença, Sócrates respondeu: “parece-te possível que subsista e não caia na total destruição o Estado em que as decisões jurídicas não tenham qualquer força e possam ser descumpridas?”. Em relação ao Tribunal de Nuremberg, salientou que ele teve o suporte de 26 juízes e serviu de modelo para a criação de outros tribunais, sendo que os seus princípios foram adotados em outros julgamentos de guerra.

O juiz Marcos Zilli discorreu sobre o tema “A formação do Direito Penal Internacional: de Nuremberg a Haia”. Ele ressaltou que o maior legado do Tribunal de Nuremberg foi a construção do Direito Penal Internacional, relacionado à responsabilização do indivíduo por atos graves que afetam a consciência da comunidade internacional e que envolve os organismos internacionais encarregados de sua aplicação. “Houve a identificação de um poder punitivo internacional e de padrões jurídicos, de consolidação e de operacionalização desse poder internacional”. Ressaltou que o Direito Penal Internacional é um projeto punitivo contemporâneo em edificação, assentado em valores supraestatais e caracterizado pela afirmação universal e regional dos direitos humanos, estruturação de padrões transnacionais de persecução e cooperação e construção de uma ordem penal internacional. Acrescentou que a sua implementação exigiu a ressignificação do conceito de soberania, o diálogo entre as fontes nacionais e internacionais e o convívio entre as jurisdições. E destacou a possibilidade de exercício do poder punitivo nacional associado ao princípio da Justiça Penal universal, que pode implicar que um Estado puna pessoas por atos não cometidos nos limites do seu território.

Sylvia Steiner fez a exposição de encerramento falando sobre as perspectivas do Tribunal Penal Internacional (TPI), que integrou de 2003 a 2016. Ela ressaltou que o TPI, criado pelo Estatuto de Roma (1998) e instalado em Haia (Holanda) em 2003, constitui o primeiro e único tribunal penal internacional de caráter permanente e tem atuação complementar às jurisdições nacionais. Explicou que ele julga pessoas comuns em crimes de guerra, genocídio, agressão e contra a humanidade, praticados pelos nacionais dos Estados que ratificaram o Estatuto de Roma ou por aqueles que praticaram crimes em território de Estados-partes e que os casos podem dar entrada por iniciativa do Conselho de Segurança da ONU, do próprio Estado ou do TPI. Apontou como principais desafios do Tribunal as críticas à sua legitimidade, em especial quanto à seleção dos casos e às limitações à sua independência, por ser dependente da cooperação dos Estados-partes, e as contradições e dificuldades de aplicação da Justiça Penal Internacional. E ponderou que maior transparência em relação às escolhas do TPI pode amenizar as críticas a possibilitar a previsão de seus modos de atuação.  
 
Também estiveram presentes os desembargadores Vicente de Abreu e  Amadei e Mônica de Almeida Magalhães Serrano, conselheiros da EPM; Daise Fajardo Nogueira Jacot e Flora Maria Nesi Tossi Silva, coordenadora do Núcleo Estratégico de Demandas de Direitos Fundamentais do TJSP (Neddif); os juízes Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, coordenador da área de Produções Científicas da EPM; Carlos Alexandre Böttcher, coordenador da área de Estudos em História e Memória da EPM; e Ulisses Augusto Pascolati Junior, coordenador da área de Direito Penal da EPM; Lúcia Helena de Sena França, representando a Associação dos Profissionais de Intérpretes de Conferência (Apic); e o advogado Thiago Gomes Anastácio, entre outros magistrados, servidores e profissionais.
 
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MA e RF (texto) / KS (fotos)


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