412 - Apresentar cheque pré-datado antes da data gera direito à indenização por danos morais


LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES – Desembargador 


Logo após a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC) há mais de 20 anos atrás, os juristas especializados (os chamados consumeristas) passaram a analisar as várias situações jurídicas existentes no mercado para verificar as modificações ocorridas. Uma delas envolvia os cheques pré-datados entregues para pagamento de compras típicas de consumo.   

Desde logo, ficou patente que o cheque pré, como é conhecido, não podia ser apresentado antes da data combinada porque isso significava ruptura do contrato firmado (quer fosse escrito ou verbal). Aos poucos, foram surgindo ações na Justiça discutindo o efeito dessa quebra de promessa e houve muitas condenações em indenizações pelos danos materiais e morais causados aos emitentes dos cheques pré. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, julgou muitos casos nesse sentido, assim como o fizeram outros Tribunais do país. Essa posição da Justiça ficou consolidada com a edição da Súmula nº 370 do Superior Tribunal de Justiça. 

Para deixar claro ao leitor que não é da área jurídica, lembro que uma Súmula de Tribunal é uma espécie de “resumo” do pensamento majoritário (ou unânime) dos membros do Tribunal. A citada Súmula diz que “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado”, o que elimina qualquer margem à dúvida sobre essa questão.  

E, para que se possa conhecer o inteiro panorama do uso do cheque pré-datado, apresento a seguir vários dos pontos envolvidos no que é pertinente ao Direito do Consumidor.

• O cheque pré-datado: características mercadológicas 

O “cheque pré”, como é chamado, nada mais é do que um financiamento direto do lojista (ou credor) ao consumidor. A diferença na comparação ao financiamento são as vantagens: 

a) não há burocracia, pois não se assinam contratos, títulos etc.

b) não há acréscimo de impostos, uma vez que não é matéria regulada pela legislação fiscal ou tributária (ele está caracterizado apenas quanto à forma de quitação do preço e não como meio de financiamento);

c) sua operacionalidade é excelente, pois só precisa ser levado ao banco;

d) nenhum outro tipo de financiamento conhecido (com exceção do cartão de crédito) é tão prático e ágil.

• A proteção ao consumidor

Pela interpretação que se deve dar à lei que regula a emissão e circulação de cheques, o cheque pré-datado é absolutamente legal. Contudo, além desse aspecto de legalidade, existe ainda outro que protege o emitente do cheque pré, determinando que este somente possa ser apresentado na data combinada. É o elemento contratual que envolve a transação, que é regulada pelo CDC.

• Contrato verbal 

Com efeito, o pagamento com cheque pré normalmente é, do ponto de vista jurídico, um contrato verbal, mediante o qual o comprador, adquirindo um produto ou serviço, paga o preço com um ou mais títulos (cheques), sendo certo que o vendedor se compromete a somente resgatar o título (isto é, apresentar o cheque pré no banco) nas datas acertadas entre ele e o comprador. Tudo verbal, mas tudo rigorosamente legal. As garantias são recíprocas: o comprador promete que terá fundos quando do saque; o vendedor promete que só apresentará o cheque na data acertada.

• A quebra da promessa 

Na verdade, se nessa transação houver alguma quebra, ela será de dois tipos: ou o comprador não terá fundos na data aprazada; ou o vendedor quebrará a promessa e apresentará o cheque antes. Em ambos os casos, a quebra é contratual e, assim, está dentro do sistema jurídico.

• Obrigação do fornecedor 

Além disso tudo, a partir de 11/3/1991, com a entrada em vigor do CDC, a transação efetuada entre o vendedor e o comprador, firmando a forma de pagamento através do cheque pré-datado, passou a ter regulação expressa em lei, mediante a figura da oferta: o comerciante oferece ao consumidor a oportunidade de pagar com cheque pré-datado. 

Ora, verbal ou escrito, o contrato foi celebrado e pelo menos a operação de compra e venda foi efetuada. Como a oferta é parte integrante do contrato por força expressa de lei, e como tanto o preço como a forma de pagamento são partes da oferta do vendedor, eles integram o negócio realizado.

• Dever de apresentar o cheque na data combinada

Daí conclui-se que, se o vendedor oferece ao comprador como forma de pagamento a entrega de cheque que ele (vendedor) só vai levar ao banco em determinado dia futuro, isso é uma verdadeira cláusula contratual, que não pode ser por ele (vendedor) quebrada, sem que seja responsabilizado pelo rompimento. 

Por isso, um outro aspecto de bastante relevo é o da quebra da promessa e dos danos dela provenientes.

• O que acontece se o vendedor apresenta ao banco o cheque pré antes da data combinada? 

Se o cheque for apresentado pelo vendedor na data combinada e não tiver fundos, ele tem a seu dispor as alternativas legais para tentar receber seu crédito e que são por demais conhecidas, posto que usuais e corriqueiras. Contudo, o que acontece se o vendedor descumpre o pactuado e apresenta o cheque pré antes do dia combinado?  

A resposta somente pode ser a da responsabilização do vendedor pelos eventuais danos que sua quebra de promessa venha a acarretar ao consumidor, conforme, inclusive, agora ficou estabelecido na Súmula referida.  

A responsabilidade do vendedor é clara. Veja. 

Na apresentação do cheque pré, antes da data aprazada, duas coisas podem acontecer: o cheque ter fundos e ser pago; ou o cheque não ter fundos e ser devolvido pelo banco. Em ambos os casos o consumidor é prejudicado. 

No caso de o cheque ter fundos e ser pago, o consumidor sofre um prejuízo material direto e imediato, pois passa a não dispor do dinheiro que era seu, que lhe pertencia. Simultaneamente, ou logo após, o consumidor pode sofrer uma série de outros danos, tais como não ter mais dinheiro para arcar com outros compromissos, o que pode gerar outros tantos danos diretos. 

Outros cheques de sua emissão podem vir a ser devolvidos por falta de fundos, uma vez que podem já estar em circulação, e o estavam porque o consumidor sabia que tinha suficiente provisão de fundos na sua conta corrente. O consumidor pode, também, sofrer danos materiais e morais como decorrência desses fatos. 

No caso de o cheque não ter fundos, o consumidor sofre imediatamente danos materiais e morais.

• Fornecedor deve indenizar o consumidor 

Em todas essas hipóteses a responsabilidade do vendedor é objetiva e decorre do descumprimento da oferta. 

Fica claro, pois, que a operação da compra e venda de produtos ou serviços, que tem por forma de pagamento do preço a entrega de cheque pré-datado, é uma transação lícita, legal e expressamente garantida pelo CDC.

• Controle os cheques pré-datados 

Como dica final, fica meu conselho para que a emissão dos cheques pré-datados seja bem controlada, pois como é muito grande o número de estabelecimentos que aceitam cheque pré, o consumidor acaba passando muitos, e com descontrole da conta no futuro, pode acabar tendo problemas com devolução de cheques por falta de fundos. 

Para quem utiliza constantemente o cheque pré-datado, então, o melhor é abrir uma pasta ou reservar um caderno para controle, anotando o nº do cheque, o nome do beneficiário, a data da emissão, o valor, o dia e o mês para os quais foi pré-datado. A partir disso, deve ser feito um acompanhamento junto com o extrato bancário. 

28/3/11


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