414 - Família: ataque ideológico


ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES – Juiz de Direito 


A família é, por excelência, o princípio da continuidade social e da conservação das tradições humanas. Em suma, é o elemento de preservação da civilização, porque os valores são salvaguardados pelos antecessores e transmitidos pelos sucessores. 

Hoje, a família é alvo de constantes ataques que são, em grande parte, resultado de uma confusão semântica sobre idéias fundamentais que permeiam o conceito familiar: pessoa/indivíduo, igualdade/identidade, liberdade/licitude, prazer/felicidade. Trata-se de uma loucura que, à semelhança do tresloucado príncipe da Dinamarca, age com um método, cujo nascimento se deu com o advento das ideologias. 

As ideologias tomam um aspecto da realidade, também importante, e lhe conferem tal envergadura como se aquele aspecto (como a economia, política e cultura) explicasse todos os princípios primeiros e as causas últimas daquela realidade examinada. Invariavelmente, falam com um sotaque totalitarista, pois acreditam que o poder do Estado é a fonte de todo direito, inclusive dos direitos da família.  

A família é um obstáculo, já que é o locus, por excelência, da educação da prole. Por isso, quando uma ideologia alcança o poder, uma das primeiras investidas recai justamente sobre este direito, subtraindo-o do âmbito familiar e entregando-o nas mãos do Estado. As crianças e jovens são educados fora daquele contexto, à vista daquilo que a ideologia almeja como um projeto de poder. Afinal, a família pode produzir indivíduos ideologicamente “desajustados”... 

Na experiência de reengenharia social mais longa e traumática do século XX, o socialismo, inspirado pelo marxismo, entendia que a família nascia com a propriedade privada capitalista, como instituição social monogâmica e como reflexo, em menor escala, da luta de classes (burguesia x proletariado) e com o predomínio do homem sobre a mulher. Abolido o capitalismo, a família desapareceria, porquanto seria um mero reflexo histórico de uma época em que o interesse particular era preponderante. 

A família, com efeito, era considerada como uma superestrutura que se apoiava na infra-estrutura dos meios de produção: no futuro, a família se reduziria apenas ao casal, unido pela satisfação erótica recíproca, numa espécie de egoísmo a dois. Não se estranha que tal concepção de família tenha sido desmoronada pela circunstância invencível de falta de respeito pela dignidade humana.  

A Mãe Rússia, na medida em que coletivizava a economia, estatizando os meios de produção (e os privilégios em favor da nomenklatura, a classe política dirigente), monopolizava a educação primária e secundária, atribuindo ao casamento um status privado, favorecendo a prática do divórcio e do aborto, embora tivesse modificado sua postura mais adiante, em razão dos efeitos socialmente maléficos da diminuição de natalidade e da desordem institucional.

O Nazismo, irmão intelectual caçula, também atuou de forma semelhante, embora movido por outro fim. As crianças eram afastadas de suas famílias desde cedo, alistando-se no “Jungvolk” (povo jovem) aos 10 anos, para serem treinadas em atividades extracurriculares de doutrinação ao nazismo.  

Aos 14 anos, os jovens ingressavam na Juventude Hitlerista, com sujeição a uma disciplina semi-militar e introdução à propaganda nazista. No fim do ciclo, aos 18 anos, deveriam alistar-se nas forças armadas ou nas forças de trabalho. E ainda reclamam da duração do nosso serviço militar obrigatório... 

Em ambos os casos, a família não tinha lugar na estrutura ideológica e era desacreditada como instituição, pois não poderia constituir o terreno fértil para o crescimento do ser coletivo, objetivo primário de ambos totalitarismos. Negou-se à família sua tarefa intransferível de educação e de mediação social.  

Encurralada num sistema teórico inflexível, metamorfoseou-se a família num ente instrumental para o sucesso de uma causa. Ao cabo, a pobreza antropológica destes experimentos foi de uma evidência empírica sem precedentes, comparável apenas ao número de cadáveres que cada um deles produziu.  


André Gonçalves Fernandes
é juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (agfernandes@tj.sp.gov.br)


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