416 - Família: ataque legal


ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES – Juiz de Direito 


A tarefa da lei civil é o de assegurar o bem comum das pessoas por meio do reconhecimento e da defesa de seus direitos fundamentais, a promoção da paz e da moralidade pública. O bem comum político é a medida de avaliação ética das leis civis.  

Na história, a indissolubilidade da família constituída pelo matrimônio sempre foi ameaçada por leis em maior ou menor grau. O Velho Testamento, o Código de Hamurábi, na Grécia (com exceção do período homérico), em Roma (com exclusão da Monarquia e da República. No Império, na medida em que a opulência foi dissolvendo os costumes, generalizou-se o divórcio) e os povos do Oriente permitiam o divórcio. Muito mais como uma concessão à debilidade humana do que uma teoria moral. 

Frise-se que a maioria dos povos antigos eram mais ou menos polígamos e, por isso, a questão do divórcio tinha uma importância muito menor do que hoje, em que a família se estrutura monogamicamente. O divórcio era uma prática, tornando-se legal porque compunha o costume de um povo. Atualmente, a situação é diversa: na sociedade ocidental, a tese divorcista se apresenta como efeito de uma teoria moral, o direito ao amor livre. 

É um filhote intelectual do liberalismo clássico, de cunho individualista e racionalista, que vê o bem do homem na liberdade e na igualdade. Todos os homens têm o direito de buscar livremente sua felicidade e este direito estaria tão arraigado na natureza humana, que o homem não teria o dever de comprometer-se por toda a vida. Se um povo não pode vincular-se a um só governante, aplique-se o mesmo princípio à família constituída pelo matrimônio e a consequência se impõe por si mesma.  

Livres e iguais por natureza e titulares do direito à felicidade, os homens teriam o direito ao amor desenfreado, uma de suas formas essenciais, e ao direito de buscá-lo livremente, já que o amor é espontaneidade, não suporta subordinação e basta por si mesmo. Como o homem busca sempre o bem pessoal, o bem comum é uma questão secundária... 

Sob o influxo do materialismo, que invadiu a sociedade moderna, sobretudo após o advento do positivismo (século XIX), esta teoria moral foi repaginada e, nos ambientes do socialismo marxista, que reduz o bem do homem ao bem estar econômico e à felicidade “fisiológica” (entendida como o contentamento decorrente da mera satisfação do prazer físico), serviu como apoio teórico para a edição de leis contrárias à instituição familiar. 

A teoria em foco, tomando uma roupagem legal, conduz à anarquia sexual e à destruição da família. Se é certo que nem todos seus defensores, na prática, chegam ao extremo das implicações destes postulados, por outro lado, convém separar o acerto do erro nas hipóteses em que esta teoria aparece mesclada com outras diferentes. 

A família se vê ameaçada por uma série de leis fundadas na teoria do amor livre: desde a limitação de nascimentos até a possibilidade de divórcio como terapêutica “preventiva” do adultério. 

A limitação de nascimentos segue a lógica do amor livre, dado que a paternidade e a maternidade são precisamente os obstáculos mais radicais para a liberdade do amor. Ao fim, a lógica insana desta teoria leva à educação dos filhos pelo Estado, já que os filhos, por entorpecerem a liberdade dos pais, os quais não têm mais interesse em perpetuar uma tradição familiar que foi suprimida, só servem para renovar o corpo social. São apenas úteis ao Estado e não aos pais: logo, devem ser educados pelos burocratas... 

O divórcio, como medicação prescrita naqueles termos, tem um sabor de eutanásia. O paciente ainda não chegou ao fim e o remédio, como pretenso mal necessário, supera o próprio mal que se pretende sanar. Rompe-se o vínculo como tributo à “preservação” do dever de fidelidade e, na prática, as derivações abusivas daí degeneradas sempre ficarão aquém de nossa imaginação. 

As leis que, aqui e agora, são congruentes com o bem comum são leis dotadas de justiça. Aquelas que prejudicam as idéias essenciais do bem comum são leis iníquas. E o efeito das más leis é tal que outras ainda piores são necessárias para sustar os infortúnios das primeiras, como já pontuava, profeticamente, Montesquieu. 


André Gonçalves Fernandes
é juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (agfernandes@tj.sp.gov.br)


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