427 - Reforma do CPP: Cautelares, Prisão e Liberdade Provisória
RODRIGO IENNACO - Promotor de Justiça
1. Introdução[1]
Dando sequência à reforma do Código de Processo Penal, no âmbito da comissão constituída pela Portaria n. 61/2000, integrada por Ada Pellegrini, Petrônio Calmon Filho, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nizardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti, Rogério Lauria Tucci, Sidney Beneti e Rui Stoco, foi encaminhado à sanção presidencial o projeto de lei n. 4.208/2001, que altera dispositivos do CPP relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares.
Caso não seja vetado, total ou parcialmente, não serão poucas as mudanças, ampliando-se a tutela cautelar no processo penal, em cujo contexto figuram com proeminência, mas não com exclusividade, a prisão e a liberdade provisórias.
A novatio legis traz regras gerais aplicáveis às cautelares (entre elas a prisão provisória), que serão decretadas com a observância dos seguintes critérios (art. 282): I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II - adequação à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
As medidas cautelares poderão ser aplicadas pelo Juiz isolada ou cumulativamente (art. 282, §1º): no curso da investigação, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público; no curso da ação penal (§2º), de ofício ou a requerimento das partes. O projeto de lei 4.208/01 prevê, ainda, que o pedido de medida cautelar se submeterá ao contraditório, salvo os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida (§3º). Reza o § 4º do mesmo dispositivo que, no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação ou, em último caso, nos termos do art. 312, parágrafo único, decretar a prisão preventiva. Tal qual na disciplina anterior da prisão provisória, o juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. A prisão preventiva será determinada apenas quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar menos gravosa (art. 282, §6º, e art. 319).
2. Da prisão provisória
Denomina-se prisão provisória a prisão de natureza processual, cautelar. É a prisão decretada durante a persecução criminal; não se pode confundir, aqui, a privação provisória da liberdade com a “pena” privativa de liberdade (a prisão como sanção jurídica prevista no preceito secundário da norma penal incriminadora). A finalidade da prisão provisória, em suas diversas modalidades, é de índole processual, devendo ser examinada, portanto, mediante fundamentos e princípios próprios (fora da teoria da pena, que é aspecto atinente à parte geral do Código Penal).
O Código de Processo Penal de 1942, originariamente, adotava a rigidez em matéria de prisão: a regra era a prisão ser mantida; a exceção, a liberdade provisória (instituto afim que será analisado adiante). Com as alterações posteriores, entre elas as decorrentes do advento da CR/88, o sistema passou a adotar a liberdade provisória como regra, admitindo, em caso de excepcional necessidade, a prisão. Essa tendência agora se consolida com a previsão de cautelares diversas da prisão, que se reserva para casos graves e hipóteses de justificada necessidade e conveniência.
Com a reforma, teremos três modalidades de prisão provisória[2]: flagrante (art. 301 e segs., CPP), preventiva (art. 311 e segs.) e temporária (Lei 7.960/89). Todavia, ainda nos casos previstos fora do título IX do Livro I (art. 413, CPP), aplicam-se as disposições gerais do seu capítulo I, que ganham, assim, realce.
A prisão pode ser cumprida a qualquer momento (dia ou noite), respeitadas as normas atinentes à inviolabilidade do domicílio (art. 5o, XI, CR/88), ou seja, a casa é asilo inviolável, salvo hipóteses de flagrante, desastre, socorro e ordem judicial (durante o dia).
Em caso de ordem judicial (mandado de prisão), se o crime for afiançável[3] torna-se imprescindível a exibição do mandado para o seu cumprimento, conclusão que se extrai do disposto no art. 287 do CPP. Apenas se se tratar de crime inafiançável (exceção), dispensa-se a exibição do mandado, apresentando-se o preso imediatamente à autoridade judicial que tiver expedido o mandado (art. 287, CPP). A teor da nova dicção do art. 299, CPP, seja a infração afiançável ou inafiançável, a captura poderá ser requisitada, à vista de mandado judicial, por qualquer meio de comunicação, tomadas pela autoridade, a quem se fizer a requisição, as precauções necessárias para averiguar a autenticidade desta. Para a execução da captura, porém, tratando-se de crime afiançável (regra), permanece a obrigatoriedade de exibição do mandado. Deve-se notar, porém, que tal hipótese contrasta, paradoxalmente, com as hipóteses em que o cumprimento do mandado de prisão se dá em virtude de registro em banco de dados dos órgãos de segurança pública, que não podem olvidar o lançamento no sistema e deixar de promover a prisão daquele em desfavor de quem se acha registrado mandado de prisão “em aberto”.
De acordo com a nova redação do art. 282, do CPP, diante de uma prisão em flagrante ou de notícia de crime, para que se escolha, dentre as hipóteses cabíveis (prisão provisória, liberdade provisória e/ou cautelares), qual a tutela cautelar adequada, deve-se obedecer ao seguinte binômio: a) necessidade; b) adequação. Esses critérios, nos termos do art. 282, I e II, CPP, são aplicáveis a todas as modalidades de cautelar (prisão e diversas da prisão) e se materializam na: a) necessidade para aplicação da lei penal; b) necessidade para a investigação ou a instrução criminal; c) necessidade para prevenção da prática de infrações penais; d) adequação à gravidade do crime; e) adequação às circunstâncias do fato; f) adequação às condições pessoais do destinatário da(s) medida(s).
Tais critérios, além de autênticas diretrizes hermenêuticas, têm força normativa, complementando, sistematicamente, a fundamentação dos motivos (art. 312, caput, CPP) que autorizam a prisão preventiva ou, na sua ausência, determinam a liberdade provisória do investigado ou acusado (cumulada ou não com outras cautelares diversas da prisão).
2.1.1. Flagrante (Art. 301 e segs., CPP)
A CR/88 consagra a prisão em flagrante, sem, contudo, explicitar-lhe o conteúdo. O “tipo processual”, portanto, é deixado a cargo do legislador infraconstitucional, tendo sido recepcionado o art. 302 do CPP. O elemento temporal é, pois, essencial à configuração do estado de flagrância que autoriza a prisão por qualquer do povo e a determina ao agente público. Verifica-se que os incisos do art. 302 do CPP, dilatam, progressivamente, o limite temporal caracterizador do flagrante delito.[4]
Se presente a tipicidade processual, ou seja, se a situação de fato se amolda à descrição abstrata da lei processual, a prisão será legal. Caso contrário, será ilegal, independente dos elementos de convencimento coletados por ocasião da confecção do auto de prisão em flagrante pela autoridade policial. Da mesma forma, se a sequência procedimental prevista no art. 304 do CPP for desrespeitada, a prisão em flagrante também será ilegal (princípio da legalidade das formas).
O art. 307 do CPP autoriza o juiz (autoridade judicial) a lavrar, ele próprio, o auto de prisão em flagrante, quando o crime é praticado em sua presença ou contra ele. Em hipótese similar, tratando-se de autoridade policial, sendo praticado na sua presença ou contra ela, esta, após a lavratura do respectivo auto, comunicará a prisão imediatamente ao juiz. É interessante notar que o CPP já exigia tal providência antes mesmo da CR/88 estabelecer a comunicação da prisão à autoridade judicial para todos os casos de flagrante.
Após a confecção do auto de prisão em flagrante (APF), a autoridade policial deve proferir um despacho, ratificando ou não a voz de prisão dada pelo condutor. Deverá ainda, com especial atenção aos casos de flagrante pela prática de crime previsto na Lei de Drogas (lei 11.343), fundamentar, circunstanciadamente as razões que o levaram à classificação legal do fato.
Fora os casos de flagrante em que o conduzido se livre solto[5], o conduzido, embora confeccionado o auto de prisão em flagrante, não será recolhido efetivamente à prisão se se tratar de infração que se enquadre nos casos de afiançabilidade – desde que seja da competência da própria autoridade policial o arbitramento da fiança[6].
A apresentação espontânea do autor do ilícito penal à autoridade, antes disciplinada nos arts. 317 e 318 do CPP, foi suprimida pelo lei oriunda do projeto 4.208/2001. Ocorre que, mesmo no regramento anterior, a apresentação espontânea não afastava, por si só, a prisão em flagrante. O que normalmente acontece é que, nestes casos, a situação fática não se enquadra no tipo processual do flagrante (art. 302, CPP); o que não impedia, como também agora não impede, além da hipótese de flagrante, a decretação da prisão preventiva (ou a aplicação de outras cautelares), se preenchidos os requisitos para tanto.
O flagrante, em nossa Constituição, tem existência autônoma como cautelar, sendo caso expresso de prisão anterior à condenação. Sua força já se mostrava enfraquecida, porém, diante da dicção do parágrafo único do art. 310, do CPP, (agora com nova redação) que determinava ao juiz a concessão de liberdade provisória quando se verificado, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizavam a prisão preventiva. De tal maneira, o flagrante passou a ter função de pré-cautela, sendo suficiente para levar o autuado à prisão, mas não para mantê-lo sob custódia cautelar.
Agora, com a lei oriunda do projeto 4.208/01, tal tendência se consolida e se explicita, pois o novo art. 310, do CPP, diz que o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, deverá, fundamentadamente, converter a prisão em flagrante em preventiva (inciso II, primeira parte), desde que: a) a prisão seja legal (inciso I); b) as medidas cautelares diversas da prisão se revelem inadequadas ou insuficientes (inciso II, parte final); c) o agente não tenha praticado o fato ao amparo das causas de exclusão da ilicitude previstas no art. 23, do CP; d) estejam presentes os requisitos do art. 312 do CPP (incisos II, segunda parte, e III); e) a autoridade policial tenha representado ou o Ministério Público tenha requerido a preventiva. Caso contrário, será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, quando ausentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP (inciso II, segunda parte, c/c inciso III).
Ou seja, não sendo caso de soltura do acusado, a prisão em flagrante deverá ser convertida em preventiva, consolidando-se a subjugação da força coercitiva do flagrante.
O projeto de lei 4.208/2001 determina, também, que a prisão de qualquer pessoa (e o lugar onde se encontre) será imediatamente comunicada ao Juiz, à pessoa indicada pelo preso e, também, ao Ministério Público. Embora a lei não obrigue a remessa de cópia do APF (que será encaminhado, em 24 horas, ao juiz e, eventualmente, à Defensoria Pública) ao Ministério Público, convém sua remessa, para que o titular da ação penal possa, confirmada a legalidade da prisão, conforme o caso, requerer a conversão da prisão em flagrante em preventiva, ou mesmo postular a concessão de liberdade provisória cumulada com outras cautelares (art. 306, caput, e §1º, c/c arts. 310, II e 311, todos do CPP).
2.1.2. Prisão preventiva (art. 311 e segs., CPP)
Nos limites estritos do CPP, instrução criminal é o lapso compreendido entre o recebimento da denúncia e o término da oitiva das testemunhas arroladas pela defesa, na AIJ, independentemente da apresentação de alegações finais, que pode ser feita inclusive por memoriais. Anteriormente, como o art. 311 do CPP falava que a prisão preventiva era cabível em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, o seu entendimento era alargado para os fins da prisão, passando a compreender todo o processo criminal. Agora, a nova redação do art. 311, conferida pela lei oriunda do projeto 4.208/2001, consolida tal interpretação, dizendo expressamente que “em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva. Em qualquer fase da investigação ou do processo, assim, poderá o Ministério Público (ou o querelante ou ainda o assistente) ou a autoridade policial (ouvido, obviamente o Ministério Público) representarem por sua decretação. O juiz poderá decretar a prisão, no caso, inclusive de ofício, limitada tal hipótese, na dicção da novel disciplina, a momento posterior ao recebimento da denúncia (curso da ação penal).
Para que seja validamente decretada, devem-se atender os requisitos legais previstos no art. 313 do CPP, agora igualmente renovado: a) crime doloso apenado com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos[7]; b) reincidência em crime doloso, salvo se, em relação à condenação anterior, entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação (art. 64, I, CP); c) crime violento praticado em circunstância doméstica ou familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução de medidas protetivas de urgência; d) caso de dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou ausência de fornecimento de elementos suficientes para esclarecê-la.
Além dos requisitos legais, há necessidade de atendimento dos pressupostos (art. 312, caput, parte final, CPP): a) prova da existência do crime; b) indícios suficientes de autoria.
Presentes os requisitos, a autoridade judicial deverá demonstrar o atendimento aos fundamentos (motivos)[8] ensejadores da preventiva (312, caput, primeira parte, e art. 312, parágrafo único, CPP): a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem econômica[9]; c) conveniência da instrução criminal[10]; d) assegurar a aplicação da lei penal; e) descumprimento de obrigação imposta por força de outra medida cautelar (art. 282, §4º, CPP)[11].
Uma leitura apressada (e isolada) do art. 310, II, do CPP, poderia levar à conclusão de que o juiz poderia, ao receber a comunicação do flagrante na fase da investigação criminal, decretar a prisão preventiva (por conversão) de ofício. Porém, inevitável a conjugação do dispositivo com os arts. 282 e 311, 312 e 313.
Nem se argumente que, no caso do art. 310, II, estaríamos diante de conversão do flagrante em preventiva, e não de decretação da preventiva. Se assim fosse, o juiz poderia converter em preventiva a prisão em flagrante por qualquer crime e independentemente da presença dos requisitos e dos motivos ensejadores da preventiva, bastando a inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão (art. 310, II, parte final). Tal interpretação não pode prevalecer por razão simples: a lei continua prevendo a hipótese de liberdade provisória nos casos em que não estão presentes os requisitos e motivos da preventiva (art. 321, CPP). Tal seria, realmente, uma interpretação teratológica, pois, diante de prisão em flagrante, sem análise da pena, de antecedentes, enfim, da necessidade efetiva da medida, o juiz apenas verificaria o cabimento de medida cautelar diversa da prisão. Concluindo negativamente, converteria a prisão em flagrante em preventiva, para, após, conceder a liberdade provisória porque ausentes os requisitos para a decretação da própria prisão preventiva (antes aplicada em “conversão”).
A interpretação sistemática dos novos arts. 283, caput, 282, e art. 413, todos do CPP conduz à conclusão de que temos: a) prisão preventiva por conversão do flagrante (art. 310, II); b) prisão preventiva autônoma (art. 311, caput); c) prisão preventiva decorrente de descumprimento de outras medidas cautelares (art. 312, parágrafo único, e art. 282, §4º)[12]; d) prisão preventiva na fase da pronúncia (art. 413).
Concluindo, o juiz não poderá converter a prisão em flagrante em prisão preventiva sem manifestação policial ou ministerial a respeito; poderá, no entanto, decretá-la de ofício ao pronunciar o acusado ou, nos demais, se posteriores ao recebimento da denúncia[13]. Se na fase da investigação, apenas por requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial[14]! Tal disciplina, característica do sistema acusatório, é afirmada expressamente nos arts. 282, §2º e 311, ambos do CPP. Enfim, torna-se medida imprescindível a oitiva prévia do Ministério Público (antecedente necessário a qualquer das providências elencadas no novo art. 310, do CPP) quando não for ele o próprio autor do requerimento de prisão. Dispensa-se a oitiva ministerial apenas nos casos em que a decretação da preventiva se dá após o recebimento da denúncia.
2.1.2.1. Prisão (preventiva) na fase de pronúncia (art. 413, CPP)
Antes disciplinada no art. 408, §1º, CPP, a técnica utilizada para a prisão em decorrência de pronúncia era a mesma para da prisão decorrente de condenação recorrível (efeito da), de modo que se aplicavam, mutatis mutandis, as mesmas críticas.
A lei n. 11.689/2008, irmã, por assim dizer, da que ora se comenta (oriunda do projeto de lei n. 4.208/2001) passou a determinar que o juiz, ao pronunciar o acusado (se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação em crime doloso contra a vida), nos termos do art. 413, CPP, arbitre o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória (art. 413, §2º, CPP), se o crime for afiançável, decidindo, em qualquer caso, motivadamente, “no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. (art. 413, §3º, CPP).
Agora, a disposição faz ainda mais sentido, pois o título IX do Livro I cuida “da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória” (Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado). Ao aduzir à necessidade da medida, a prisão decorrente da pronúncia se reveste de indiscutível contorno cautelar, aproximando-se, quanto aos seus fundamentos, da disciplina da prisão preventiva.
Agora, portanto, a interpretação sistemática do art. 283, caput, (com a redação que lhe conferiu o projeto de lei 4.208/2001, confrontado com os arts. 282 e 413, todos do CPP, conduz à conclusão de que, se não se pode falar na existência da prisão decorrente de pronúncia, não há dúvida que temos, aqui, uma subespécie de prisão provisória, no caso, caracterizada por um momento específico e especial de análise da prisão preventiva – situação diversa da prevista no art. 310, II (preventiva por conversão do flagrante) ou, ainda, no art. 311, caput (preventiva autônoma).
2.1.2.2. Prisão preventiva como ultima ratio de intervenção cautelar
Como visto, a prisão provisória deve ser reservada para os casos em que as outras medidas cautelares, diversas da prisão, não se mostrarem suficientes ou adequadas aos fins de tutela do processo principal, nas dimensões expressas no art. 312, do CPP.
Essa lógica se materializa na apreciação sistemática de vários dispositivos do projeto 4.208/01. Da simples leitura do art. 282 se extrai que a prisão provisória será reservada para os casos necessários, desde que as outras medidas não sejam suficientes para a garantia da aplicação da lei, para conveniência da investigação ou da instrução criminal, e para evitar a reiteração criminosa; e desde que a gravidade do crime, as circunstâncias fáticas ou pessoais do indiciado ou acusado, não indiquem como mais adequada aos fins do processo penal a restrição provisória da liberdade.
O §4º do art. 282 deixa claro que, ainda em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, será possível substituir a medida ou reforçá-la com a cumulação de outra, sendo decretada a prisão preventiva apenas em “último caso”, ou seja, apenas quando necessária a custódia cautelar. A nosso sentir, não há obrigação de substituição ou reforço prévios para, apenas em caso de reiterado descumprimento, decretar-se a prisão. A expressão “Último caso” não revela uma ordem crescente de medidas mais graves, senão a exigência de que a prisão somente deve ser decretada se o descumprimento da obrigação previamente decretada como medida cautelar for injustificado e a substituição ou reforço revelarem-se, de plano, também inócuos diante de eventual similitude entre elas. É o próprio art. 282, §4º, do CPP, que orienta tal hermenêutica, ao estipular que a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares. Ou seja, neste último caso, o descumprimento de outra medida cautelar é erigido como motivo de fundamentação da custódia cautelar, com status análogo e autônomo em relação aos “tradicionais”, alinhados no caput do art. 312, CPP.
2.1.3. Prisão temporária (Lei 7.960/89)
A prisão temporária é, efetivamente, dentre as modalidades de prisão provisória, aquela que apresenta menor exigência técnica para viabilizar a prisão, principalmente se confrontada com a prisão preventiva. O instituto, aliás, foi consagrado com esta intenção, mormente para legalizar, ante o advento da CR/88, a famigerada “prisão para averiguações”, a prisão fundada num juízo de suspeição para auxiliar na investigação.
Cabe prisão temporária: a) quando imprescindível para a investigação (art. 1o, I); b) quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer os elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade (art. 1o, II); c) quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação, de autoria ou participação do indiciado em homicídio doloso, sequestro ou cárcere privado, roubo, extorsão e extorsão mediante sequestro, estupro e atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia com resultado morte, envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal com resultado morte, quadrilha ou bando, genocídio em qualquer de suas formas típicas, tráfico de drogas, crimes contra o sistema financeiro (art. 1o, III).
Acontece que, superveniente à nova ordem constitucional, teve, tão logo entrou em vigor, sua constitucionalidade questionada. Para alguns (abolicionistas) que veem a possibilidade de decretação da prisão temporária frente o atendimento de cada item isoladamente (alternativamente), a modalidade seria inconstitucional. Outros (preservacionistas), conjugando os incisos, defendem a interpretação em conformidade com a Constituição Federal. Hoje é o entendimento preponderante na jurisprudência. Assim, prevalece o entendimento de que os incisos do art. 1o da Lei n. 7.960/89 não constituem tipos processuais autônomos. Ou seja, o requisito previsto no inciso III do art. 1o da Lei que instituiu a prisão temporária seria de incidência obrigatória para a constitucionalidade da medida, atuando cumulativamente com os outros incisos: poderia a prisão temporária ser decretada com fulcro no art. 1o, I e III; art. 1o, II e III; e, obviamente, art.1o, I, II e III, da Lei 7.960/89.
Estabelece-se, a partir deste entendimento, um quadro comparativo entre a prisão temporária e a prisão preventiva:
|
TEMPORÁRIA |
PREVENTIVA |
hipóteses legais |
art. 1o, III (rol de crimes) |
Art. 313, CPP |
Pressupostos |
fundadas razões, na prova, quanto ao tipo[15] + fundadas razões, na prova, de autoria |
prova da existência do crime + indícios suficientes de autoria |
Motivos |
art. 1o, I ou II da Lei 7.960 |
GOP, GOE, CIC, AALP, DOIFOMC |
A prisão temporária pode ser decretada pelo juiz, mediante representação da autoridade policial (ouvindo-se o MP) ou do Ministério Público, pelo prazo de 05 (cinco) dias, prorrogável por igual período (art. 2o, Lei 7.960/89). O prazo da prisão, em se tratando de crime hediondo ou equiparado, é de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período (art. 2o, §3o, Lei 8.072/90). A prorrogação, em qualquer hipótese, só é admitida em caso de excepcional e comprovada necessidade. A prisão só pode ser executada após sua decretação e correspondente expedição de mandado.
Decorrido o prazo da prisão, se não prorrogada ou decretada a prisão preventiva, deve o preso ser imediatamente colocado em liberdade pela autoridade policial, comunicando-se ao juiz.
2.1.4. O fim da prisão decorrente de condenação recorrível (art. 393, I, e 594, CPP)
O art. 393, I, do Código de Processo Penal, estabelecia, no sistema original, a prisão como efeito da sentença condenatória (“conservado na prisão”). A prisão se mantinha, mas ocorria a mudança do título: a prisão que até então era preventiva (cautelar) se convertia em efeito da sentença; deixava, portanto, de ser preventiva.
A Lei n. 5.941/73 havia alterado o art. 594 do CPP, sem que qualquer modificação ocorresse no dispositivo do art. 393, I. Logo, deviam ser conjugados: o efeito da sentença não ocorreria quando: a) o sujeito se livrasse solto; b) o sujeito fosse reconhecido na sentença primário e de bons antecedentes; c) prestasse fiança[16]. Fundamentalmente, havia essa restrição: não pode recorrer em liberdade, salvo se se reconhece, na sentença, que é primário e possui bons antecedentes. Isso porque o art. 594 previa, na redação conferida pela Lei n. 5.941, de 22.11.1973, que o réu não podia apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se fosse primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livrasse solto.” Porém, o dispositivo já havia sido revogado pela Lei nº 11.719, de 2008.
Agora, a lei oriunda do projeto de lei 4.208, de 2001, revogou o art. 393, sepultando toda a celeuma[17] que havia sobre a natureza jurídica e consequente discussão sobre a constitucionalidade da medida, frente ao princípio da presunção de inocência.
3. Liberdade provisória
Tourinho Filho nos apresenta a liberdade provisória como sucedâneo da prisão provisória[18], no sentido de que pressupõe, substituindo-a, uma prisão válida, regular (até então, em flagrante ou resultante de pronúncia ou sentença condenatória recorrível).
É um estado de liberdade limitada, às vezes condicionada, criando vínculos entre o beneficiário e o processo, mediante certas obrigações. Porque condicionada ao adimplemento dessas obrigações assumidas, diz-se liberdade provisória, limitada e, pois, revogável por hipótese do descumprimento de tais condições. Por atingir, de maneira severa, a liberdade individual antes de sentença condenatória transitada em julgado[19], deve a prisão provisória ser decretada apenas em casos de absoluta e excepcional necessidade. Fora esses casos, deve-se conceder a liberdade, ainda que limitada, provisória.
3.1. Liberdade provisória isolada
A liberdade provisória pode ser concedida isoladamente, sem cumulação com fiança ou com outras medidas cautelares.
A primeira possibilidade de liberdade provisória (sem fiança) diz respeito às hipóteses em que o acusado se livra solto, a teor do art. 321 do CPP, devendo-se conciliar tal dispositivo com o subsistema preconizado pela Lei n. 9.099/95 para o processamento dos crimes de menor potencial ofensivo.
A liberdade provisória pode ainda ser concedida (sem fiança) pela atuação de excludentes da ilicitude reconhecidas, de pronto e provisoriamente, no auto de prisão em flagrante, de acordo com o art. 310, parágrafo único, do CPP.[20]
Temos, por fim, a liberdade provisória (sem fiança) em virtude da inocorrência das hipóteses que fundamentam a decretação da prisão preventiva, situação que vigora desde o advento da Lei n. 6.416/77, em redação conferida ao parágrafo único do art. 310 do CPP, que tornou assistemático o CPP no tratamento conferido à prisão e à fiança, passando a representar a principal modalidade do ponto de vista pragmático. Com o projeto 4.208/2001, a situação não é muito diferente, pois o art. 310, na nova redação, apresenta a prisão preventiva e a liberdade provisória como alternativas excludentes, e o novo art. 321 prevê que, ausentes os requisitos da preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória (que poderá, ou não, vir cumulada com outras medidas cautelares).
É importante frisar que, de acordo com a redação anterior do art. 325, §2o, do CPP, não se admitia liberdade provisória no caso do art. 310, parágrafo único, nos crimes contra a economia popular ou de sonegação fiscal. Neste caso, só era cabível liberdade provisória nos crimes afiançáveis e a fiança era arbitrada exclusivamente pela autoridade judicial. Porém, o §2º do art. 325 foi revogado pela lei oriunda do projeto 4.208, de 2001.
Aparentemente, portanto, nada teria mudado, pois a regra continuaria a ser: ausentes os requisitos da preventiva, concede-se liberdade provisória _ sem fiança! (art. 321, CPP) De ver-se, porém, que a nova sistemática admite que, ausentes os requisitos da preventiva, seja concedida liberdade provisória _ inclusive com cautelares cumuladas (entre elas, a fiança). Desse modo, não há mais espaço para se argumentar em torno maior ou menor gravidade da medida, para concluir-se que a liberdade se daria sem fiança. A lógica da nova disciplina é: a liberdade se dará com ou sem cautelares, dependendo da (in)adequação ou (des)necessidade da medida(s) eventualmente cumulada(s).
3.2. Liberdade provisória cumulada com medida cautelar
Como visto, estávamos acostumados, até então, a trabalhar com a liberdade provisória com ou sem fiança, inclusive como decorrência da dicção da rubrica do art. 321, do CPP. De certa forma, o art. 310, III, na redação ora estabelecida pelo projeto 4.208/2001, parece reproduzir o sistema, sem alterações, ao estabelecer a possibilidade de concessão “de liberdade provisória, com ou sem fiança”. Ocorre que, com a lei nova, a fiança é vertida em uma (e apenas uma) das várias possibilidades de cautelar, parecendo-nos, tecnicamente, que seria mais apropriado falar, agora, em liberdade provisória com ou sem medida cautelar. É o que se conclui da interpretação sistemática dos arts. 310, II, parte final, e III, 319, §4º (fiança cumulada com outras medidas cautelares) e 321 (liberdade provisória cumulada com medidas cautelares).
Certo que ainda temos a possibilidade de liberdade provisória mediante fiança. Porém, na sistemática anterior, tínhamos, além dos casos de inafiançabilidade constitucional (art. 5o, XLII, XLIII e XLIV da CR/88), os casos materiais inafiançabilidade, previstos no art. 323, e os casos instrumentais de inafiançabilidade no art. 324, ambos do CPP.
De ver-se que, na sistemática anterior, seriam afiançáveis, pelo critério material (art. 323) os crimes: a) culposos; b) dolosos, desde que não reincidente em crime doloso o acusado; c) punidos com detenção, desde que não vadio o acusado; d) punidos com reclusão, com pena mínima menor ou igual a dois anos, desde que não causem clamor público ou tenham sido cometidos mediante violência ou grave ameaça contra pessoa. Ocorre que, agora, as hipóteses materiais de inafiançabilidade previstas no novo art. 323 são as mesmas da Constituição. Isso quer significar que, em tese, fora os casos de racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo, crimes hediondos, crimes praticados por grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, todos os crimes, culposos ou dolosos, são afiançáveis, independentemente de serem punidos com pena de reclusão ou detenção, em qualquer limite mínimo ou máximo.
A nova redação do art. 319, VIII, prevê que caberá fiança, disciplinada como medida cautelar diversa da prisão, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial. E mais, sendo cautelar, admite-se o arbitramento de fiança cumulada com outras medidas cautelares (art. 319, §4º, CPP). Até porque, a teor do novo art. 336, o dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado (ainda que seja extinta a punibilidade pela prescrição depois da sentença condenatória (art. 110, CP).
Permanece a previsão no sentido de que, nos casos de afiançabilidade, pode-se conceder liberdade provisória, nos termos do art. 350 do CPP, dispensando-se o pagamento, se se tratar de preso pobre, desde que se submeta ao cumprimento de determinadas condições.
Quanto às hipóteses instrumentais de inafiançabilidade, o art. 324, em sua nova dicção, veda a fiança: a) aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; b) em caso de prisão civil (por dívida) ou militar; c) quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312), por sua lógica incompatibilidade.
3.2.1. Arbitramento de fiança pela autoridade policial
No regramento anterior ao projeto de lei 4.208/2001, a autoridade policial somente poderia conceder fiança (art. 322, com redação dada pela lei 6.416/77) nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples. Nos demais casos, a fiança devia ser requerida ao juiz, para decisão em 48 (quarenta e oito) horas (art. 322, parágrafo único).
Agora, prevê o art. 322, em sua nova redação, que a autoridade policial poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Nos demais casos, ou seja, quando a pena máxima cominada for superior a 4 (quatro) anos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas (art. 322, parágrafo único).
Note-se que as hipóteses em que a autoridade policial poderá arbitrar fiança são exatamente os casos em que, pelo critério da pena, não se admite prisão preventiva. No entanto, uma leitura apressada do disposto no novo art. 322 levaria à conclusão de que a autoridade policial, em todos os casos em que a pena máxima cominada não seja superior a 4 anos, deveria arbitrar fiança. Ocorre que o art. 322 deve ser interpretado sistematicamente, em sua inevitável conjugação com os arts. 323 e 324. Assim, obviamente, a autoridade policial não pode arbitrar fiança nos casos de flagrante de crime inafiançável (inafiançabilidade material-constitucional, art. 323, CPP). Não poderá, também, arbitrar fiança quando presentes os motivos que autorizam a prisão preventiva (art. 324, IV, CPP), nos seguintes casos: b) reincidência em crime doloso, salvo se, em relação à condenação anterior, entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação (art. 64, I, CP); c) crime violento praticado em circunstância doméstica ou familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução de medidas protetivas de urgência; d) caso de dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou ausência de fornecimento de elementos suficientes para esclarecê-la.
É que, nessas hipóteses, em que a lei admite a prisão preventiva mesmo nos casos em que a pena máxima cominada seja igual ou menor que 4 (quatro) anos, eventual arbitramento da fiança deve se dar pelo Juiz de Direito, ouvido o Ministério Público, por força do que dispõem os arts. 310, II, 319, VIII, 319, §4º, 322, parágrafo único, e, especialmente, art. 335[21], todos do CPP.
Nos casos em que o arbitramento da fiança couber à autoridade policial, será concedida, sempre, em obediência ao limite de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, cujo pagamento poderá ser dispensado, atenuado ou majorado, somente pelo Juiz de Direito, se assim recomendar a situação econômica do preso, nos termos do inciso I e do §1º, ambos do art. 325, do CPP.
4. Das medidas cautelares
O novo art. 319 traz o rol “das outras medidas cautelares”, ampliando significativamente a tutela de urgência no processo penal. A ideia que inspirou o projeto é aplicar, sempre que suficiente e adequado aos seus fins, como alternativa à prisão provisória, outra medida alternativa à prisão provisória. Essas “outras cautelares” (entre elas a fiança), assim, podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa – inclusive vinculadas à liberdade provisória, como condicionantes de sua manutenção. Diz, então, o art. 319, que são medidas cautelares diversas da prisão: I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o investigado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca[22] quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX – monitoração eletrônica.
Entendemos que o rol é exemplificativo, nada impedindo que o juiz, com base no poder geral de cautela, determine outras medidas, desde que fundadas em critérios análogos aos que informam as hipóteses dos incisos I a IX do art. 319, do CPP, bem como inspiradas, no plano concreto, nas diretrizes gerais do art. 282. Entendimento diverso poderia levar, em alguns casos, à decretação da prisão preventiva prioritária, quando o atual sistema procura reservá-la apenas para as hipóteses em que as outras cautelares se revelem insuficientes ou inadequadas. Podemos identificar, assim, a título exemplificativo, como hipóteses implícitas de medidas cautelares diversas da prisão: a) suspensão de habilitação para condução de veículo automotor, aeronave ou embarcação; b) suspensão de autorização para porte de arma de fogo, ainda que funcional; c) suspensão do licenciamento e impedimento de transferência de veículo automotor; d) bloqueio de bens, direitos ou rendimentos, ainda que provenientes de relação de emprego ou remuneração pelo exercício de função pública, quando se tratar de investigado ou acusado em local incerto e não sabido etc.
Cumpre destacar, por fim, que, nos termos do §1º do art. 283, não se aplicam as medidas cautelares aos casos infrações para as quais não haja cominação, ainda que alternativa, de pena privativa de liberdade (art. 28 da lei de drogas, alguns “crimes” do código eleitoral e algumas contravenções penais).
5. Conclusão
Sabido que a maioria dos casos de condenação criminal tem pouco efeito prático. O principal instrumento de coerção cautelar e controle social é (ou era) a prisão provisória. Com a lei nova, consolidando-se a subjugação da força coercitiva do flagrante, a sociedade estará menos protegida, pois estão fora da previsão de prisão preventiva (salvo o caso de reincidência em crime doloso) os crimes para os quais a lei não prevê pena de prisão superior a quatro anos, tais como os crimes contra as finanças públicas (incluídos no Código Penal pela Lei n. 10.028/2000), contra a propriedade imaterial e intelectual, contra o privilégio de invenção e as marcas de indústria e comércio, de concorrência desleal e contra a organização do trabalho, além de crimes “graves” contra a administração da justiça, como, por exemplo, coação no curso do processo. O objetivo da reforma é a ampliação das garantias ou o fomento de vagas no sistema prisional?
A lei nova, caso sancionado o projeto, entrará em vigor 60 (sessenta) dias após a sua publicação.
Rodrigo Iennaco é promotor de Justiça em Minas Gerais, mestre em Ciências Penais/UFMG e professor convidado da pós-graduação da UFJF.
Referências
GOMES Luiz Flávio, "Direito de Apelar em Liberdade", São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal", Rio de Janeiro, Forense, 7ª edição, 1999
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil, São Paulo, Malheiros, 3ª ed., 1999
RICCI, Edoardo. A tutela antecipatória brasileira vista por um italiano, Genesis - Revista de Direito processual civil, v. 6
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 3, São Paulo, Saraiva, 21ª edição, 1999
[1] Como citar este artigo: IENNACO DE MORAES, Rodrigo. Reforma do CPP: cautelares, prisão e liberdade provisória. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2861, 2 maio 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/19009>. Acesso em: 2 maio 2011
[2] Prisão provisória é o gênero que tem como espécies as modalidades aqui expostas. A prisão decorrente de pronúncia não consta do rol do art. 283, caput, do CPP, mas a admissibilidade positiva da imputação de crime doloso contra a vida continua a reclamar análise da necessidade de prisão, nos moldes do art. 413, do CPP. A prisão decorrente de condenação recorrível, até então identificada pela doutrina com uma das modalidades de prisão provisória (e das mais controvertidas, como veremos depois), foi abolida pela lei oriunda do projeto 4.208/2001. Esta mesma lei não faz menção à prisão decorrente de pronúncia; porém, entendemos que a modalidade subsiste, embora a redação do dispositivo que a agasalha (413, CPP) tenha a aproximado, em substância, da disciplina da prisão preventiva. Deve-se observar, também, que “prisão especial”, fruto de discussão e proposta de alteração não acolhida na reforma, não é uma modalidade de prisão provisória, mas modalidade de cumprimento de prisão provisória. Pode ser entendida, ainda, como sucedâneo da prisão provisória. O Código de Processo Penal, no art. 295 (além de outras leis extravagantes), em dispositivo de duvidosa constitucionalidade, fala em recolhimento “a quartéis ou a prisão especial”; onde não houver prisão especial, deverá ser recolhido no domicílio, conforme dispõe a Lei n. 5.256/67 (prisão provisória domiciliar). O projeto novo também disciplina (capítulo IV do título IX do livro I, CPP) casos de “prisão domiciliar”, para hipóteses específicas (art. 318, CPP) em que não cabe liberdade provisória (ou outras cautelares alternativas à prisão), mas a submissão à prisão provisória em condições normais se torna excessivamente gravosa ao preso, que passa, assim, a ficar “preso” em sua própria casa (art. 317, CPP).
[3] Veremos, mais adiante, que o CPP descrevia casos de inafiançabilidade, complementando os casos de inafiançabilidade constitucional. Fora das hipóteses de inafiançabilidade, tínhamos os crimes ditos afiançáveis. Agora, o CPP apenas reproduzirá os casos de inafiançabilidade constitucional, sendo os demais crimes, a contrario sensu e via de regra, afiançáveis.
[4] Não é supérfluo frisar que o limite de 24h consolidado na cultura popular não corresponde à apreciação técnica do flagrante.
[5] De acordo com a redação anterior do art. 321 do CPP, ora revogada pela lei oriunda do projeto 4.208/2001, o conduzido se livrava solto desde que, não reincidente nem vadio, não fosse cominada pena privativa de liberdade à infração praticada ou, ainda que cominada, não excedesse a 03 (três) meses. Acontece que, com a Lei n. 9.099/95 (Juizados Especiais), tais hipóteses já haviam sido abrangidas no procedimento aplicável aos crimes de pequeno potencial ofensivo, em que, via de regra, não se procede à lavratura do flagrante.
[6] Antes, a autoridade policial somente poderia arbitrar a fiança nas hipóteses de infrações apenadas com pena de detenção ou prisão simples. Nos demais casos, apenas a autoridade judicial. Com a nova redação conferida ao art. 322 do CPP, pela lei oriunda do projeto 4.208/2001, a autoridade policial poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.
[7] Antes, a lei falava em crime doloso apenado com reclusão ou, com detenção, quando se apurasse que o indiciado era vadio, não identificado ou reincidente em crime doloso. Crimes que admitem prisão preventiva; no Código Penal: homicídio (simples e qualificado), induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (majorado, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal grave), infanticídio, aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante, aborto qualificado provocado com o consentimento da gestante, lesão corporal grave, lesão corporal seguida de morte, abandono de incapaz com resultado lesão grave ou morte, exposição ou abandono de recém-nascido com resultado morte, maus-tratos contra vítima menor de 14 anos ou com resultado morte, injúria racial praticada mediante paga ou promessa de recompensa, sequestro e cárcere privado qualificados ou de que resulta grave sofrimento, redução a condição análoga à de escravo, furto majorado pelo repouso noturno (salvo se primário o agente e de pequeno valor a coisa) ou qualificado, roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro, apropriação indébita majorada, apropriação indébita previdenciária e assemelhados, estelionato (salvo se primário o agente e de pequeno valor o prejuízo) e assemelhados (disposição de coisa alheia como própria, alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria, defraudação de penhor, fraude na entrega de coisa, fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro, fraude no pagamento por meio de cheque, abuso de incapazes, fraude no comércio – neste último caso, salvo se primário o agente e de pequeno valor a coisa), receptação qualificada ou majorada, estupro, violação sexual mediante fraude, todos os crimes sexuais contra vulnerável (estupro de vulnerável, corrupção de menores e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável), mediação para servir a lascívia de outrem qualificado, favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual, casa de prostituição, rufianismo qualificado, tráfico (internacional ou interno) de pessoa para fim de exploração sexual, bigamia, registro de nascimento inexistente, parto suposto e supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido, salvo se praticado por motivo de reconhecida nobreza, sonegação de estado de filiação, incêndio, explosão simples (salvo se a substância utilizada não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos), explosão majorado, inundação, subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento, difusão de doença ou praga, perigo de desastre ferroviário, desastre ferroviário, atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo, sinistro em transporte marítimo, fluvial ou aéreo, atentado contra a segurança de outro meio de transporte, atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública, interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico (desde que cometido por ocasião de calamidade pública), epidemia, envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, corrupção ou poluição de água potável, falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios, falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (e crimes assemelhados), emprego de processo proibido ou de substância não permitida, invólucro ou recipiente com falsa indicação (e venda de produto nas condições semelhantes), substância destinada à falsificação de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais), quadrilha ou bando armado, moeda falsa e assimilados, petrechos para falsificação de moeda, falsificação de papéis públicos, selo ou sinal público, falsificação de documento público ou particular, falsidade ideológica, falso reconhecimento de firma ou letra, uso de documento falso, supressão de documento, falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins, adulteração de sinal identificador de veículo automotor, peculato, inserção de dados falsos em sistema de informações, concussão, excesso de exação, corrupção passiva (salvo se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem), facilitação de contrabando ou descaminho, violação de sigilo funcional qualificada (se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem), usurpação de função pública qualificada (se do fato o agente aufere vantagem), tráfico de Influência, corrupção ativa, contrabando ou descaminho majorados (se o crime é praticado em transporte aéreo), inutilização de edital ou de sinal, subtração ou inutilização de livro ou documento, sonegação de contribuição previdenciária, corrupção ativa em transação comercial internacional, tráfico de influência em transação comercial internacional, denunciação caluniosa (salvo se a imputação é de prática de contravenção), fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança qualificada (se o crime é praticado a mão armada, ou por mais de uma pessoa, ou mediante arrombamento), exploração de prestígio.
[8] A fundamentação, portanto, é vinculada. O legislador limita o poder geral de cautela do juiz, restringindo as hipóteses de fundamentação jurídica indispensável à legalidade da medida. O juiz, para decretar a prisão preventiva, está adstrito à demonstração de que o fundamento fático contido nos elementos de convicção coligidos no processo corresponde a um dos fundamentos de direito, não podendo ampliar o elenco nem se pautar em conjecturas.
[9] O § 2º do art. 325 pela lei n. 8.035, de 27.4.1990, previa que, nos casos de prisão em flagrante pela prática de crime contra a economia popular ou de crime de sonegação fiscal, não se aplicava a concessão de liberdade provisória por insubsistência dos motivos da preventiva, e trazia uma disciplina peculiar, agora abolida com a reforma encampada pela lei oriunda do projeto 4.208/2001.
[10] Deve-se conjugar, aqui, a expressão “instrução criminal” com o disposto no art. 311, no sentido de que cabe a prisão preventiva para a instrução provisória do inquérito ou probatória do processo.
[11] Cuida-se, aqui, de dispositivo similar ao que já se encontrava previsto para os casos de violência doméstica ou familiar contra a mulher (“antigo” inciso IV do art. 313, CPP, cuja redação foi agora modificada pela lei oriunda do projeto 4.208/2001).
[12] Essa modalidade pode ser decretada sem o preenchimento dos elementos constitutivos do art. 312, CPP, porém apenas quando não for o caso de substituição (ou reforço) da cautelar por outra (expressão “último caso”, do art. 282, §4º)..
[13] Logo, para que o juiz converta o flagrante em preventiva torna-se imprescindível a representação da autoridade policial ou o requerimento do Ministério Público – que sempre será ouvido previamente à decisão, sob pena de nulidade.
[14] Hipótese em que será obrigatória a prévia oitiva do Ministério Público, dada a titularidade da ação penal.
[15] Pressuposto implícito no rol do art. 1o, III, da Lei 7.960/89, correlato à prova da existência do crime exigida para a decretação da prisão preventiva (objetivo).
[16] A análise da fiança era feita subsidiariamente, no caso do sujeito que não era primário ou não tinha bons antecedentes; primário e de bons antecedentes, então, recorria em liberdade.
[17] Se a prisão era efeito da sentença condenatória, não haveria necessidade de fundamentação: este era o espírito da lei. Com o advento da CR/88, determina-se a fundamentação de todas as decisões, além de se erigir, em sede constitucional, o princípio da presunção de inocência. Controvertiam, a respeito, os doutrinadores pátrios, várias teorias surgindo: a) efeito automático da condenação recorrível (Weber M. Batista); b) medida cautelar obrigatória (Damásio E. de Jesus); c) execução provisória da pena (Afrânio Silva Jardim); d) regra procedimental condicionante da apelação (Júlio F. Mirabete); e) prisão de natureza processual (Rogério Lauria Tucci); f) prisão de natureza cautelar (Tourinho Filho et al). Noutra oportunidade, sobre o tema, escrevemos: “Às vezes a análise jurídico-científica, em assuntos que dizem respeito à Segurança Pública e ao controle da criminalidade, por influência extrínseca aos organismos institucionais insertos na persecução penal, cede lugar ao argumento da política criminal. Nesse paradoxo, controvertem-se ideários opostos: abolicionistas, questionando a legitimidade ou proclamando a mínima intervenção do Direito Penal (ultima ratio); sectários do movimento da lei e da ordem, com discurso retórico e simbólico, ao argumento falacioso da segurança social. Tal embate político de idéias tem favorecido, a par da atecnia e da 'inflação legislativa' (Miguel Reale), a degradação do conjunto normativo como sistema harmônico. Tal contexto lança seus reflexos também na seara processual, em que, posto dissimuladamente, a investigação doutrinária sucumbecede ao autoritarismo legiferante ou, noutras vezes, à interpretação jurisprudencial voltada ao pretenso controle jurisdicional da criminalidade - é o Estado suprindo, pela imposição do Direito, a omissão (legislativa e social) do próprio Estado. Assim ocorre com a prisão em virtude de sentença condenatória recorrível, transmudada pela interpretação pretoriana e pela doutrina dominantes em prisão de natureza cautelar, aproximando-a artificialmente da prisão preventiva, no afã de travestir de constitucionalidade uma medida inconstitucional. Por que “transmudada artificialmente”? Vejamos... Investigando a natureza jurídica da prisão decorrente de condenação criminal recorrível, a doutrina diverge. Damásio E. de Jesus (apud Gomes, Luiz Flávio, "Direito de Apelar em Liberdade", São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994, p.23) e Weber Martins Batista (apud Gomes, Luiz Flávio, op. cit., p. 22) concluem pela necessidade de recolhimento à prisão como condição para apelar, admitindo-se a presunção (legal) de periculosidade do condenado. A nosso ver, conceber a 'necessidade abstrata' baseada em critérios legislativos apriorísticos é reconhecer a obrigatoriedade da prisão ('efeito automático da condenação recorrível'), subtraindo do juiz a verificação concreta da necessidade da medida a partir do periculum libertatis: violação da presunção de inocência! Luiz Flávio Gomes aduz que "a prisão derivada de sentença recorrível só pode ter natureza cautelar(...)”(op. cit, p. 31). Para nós, a prisão em virtude de condenação não trânsita só poderia ser cautelar, justificada pela instrumentalidade e extrema necessidade da medida, se a lei processual, e somente a LEI, tivesse conferido a tal espécie de prisão contornos tipicos de cautelaridade. No mesmo passo, Frederico Marques salienta que "não sendo execução provisória, apenas medida cautelar, na verdade se traduziria em autêntica prisão preventiva obrigatória, o que também viola o princípio constitucional de inocência”. (apud Gomes, Luiz Flávio, op. cit., p. 25.) Como não é, em sua natureza, cautelar, não foi recepcionada pela Constituição - malgrado entendimento contrário consolidado no STJ (Súmula nº 9 do STJ: "A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”) e no STF. Com efeito, observa Afrânio Silva Jardim ("Direito Processual Penal", Rio de Janeiro, Forense, 7ª edição, 1999, p. 276) que a prisão para apelar não possui, tecnicamente, característica cautelar: a) não há vínculo de acessoriedade com o resultado pretendido na ação condenatória, é o próprio acolhimento da pretensão punitiva; b) é a própria pena pleiteada na denúncia, aplicada sob condição resolutiva; c) não visa, na sistemática do CPP, à prevenção de prováveis danos (periculum in mora); d) a sentença condenatória sequer deriva de cognição sumária (fumus boni juris), mas é o exame do próprio mérito da pretensão punitiva - afirmação do jus puniendi estatal; e) a marca da provisoriedade é mitigada, em que pese a condição resolutiva; f) e principalmente não há conotação da instrumentalidade. Mesmo Tourinho Filho (apud Gomes, Luiz Flávio, op. cit., p. 28), posto defenda a cautelaridade da medida, admite que, quando da elaboração do CPP, considerava-se tal prisão como uma provisória execução da pena (art. 669, I); todavia, com a LEP (art. 105), exige-se trânsito em julgado para o início da execução. Conclui o eminente processualista, então, que até o advento da LEP tínhamos execução provisória da pena: depois da CR/88, tal concepção afronta a presunção de inocência. Para nós, a superveniência de lei que impossibilita a execução provisória da pena (LEP), tratando especificamente da matéria, conduziria à revogação do artigo do CPP que a consagrava. Ora! Não se admitindo a possibilidade da execução provisória da pena, a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível teria sido revogada pela Lei de Execução Penal. Defendendo-se a tese contrária, para se afirmar que a prisão só pode ser cautelar (quando não é), a partir do momento em que a nova ordem constitucional preconiza, como princípio informador do sistema, a presunção de inocência, pelo escalonamento da ordem jurídica, não seria (como não foi) o instituto recepcionado. O que se fez (e ainda se faz) ‘e distorcer a análise técnica do instituto, ampliar artificialmente o sentido da lei para justificar a privação (inconstitucional) da liberdade. Ao aproximar a prisão em virtude de condenação recorrível da prisão preventiva (modalidades autônomas e fundamentalmente diversas), criaram nova espécie, sem respaldo normativo, ferindo o princípio da legalidade. Não se pode dizer que a prisão, neste caso, não é sanção provisoriamente executada, mas privação cautelar da liberdade - que apenas poderia ser admitida como limitação legal ao status libertatis, em hipóteses taxativamente configuradas e fundamentadas pelo Juiz. Com acerto registra Rogério Lauria Tucci (apud Gomes, Luiz Flávio, op. cit., p. 30) que não se pode confundir a prisão provisória tipicamente cautelar (flagrante, preventiva e temporária) com a de natureza processual. A derivada de sentença recorrível (e a de pronúncia) tem por pressuposto o proferimento de ato decisório. E conclui: somente quando for o caso de prisão provisória tipicamente cautelar é que, por não ocorrer apriorística consideração de culpa do acusado, nenhuma afronta sofrerá o preceito constitucional (art. 5º, LVII). Leciona Edoardo Ricci (Le nuove leggi civili commentate, Legge 2 dicembre 1995, n. 534, p. 650) que só podem ser 'cautelares' as tutelas destinadas a viabilizar a satisfatividade do direito, sem, contudo, a sua satisfação imediata. "Só pode ser instrumental em relação à tutela de mérito uma tutela que não coincida com esta." (A tutela antecipatória brasileira vista por um italiano, Genesis - Revista de Direito processual civil, v. 6, p. 708). À luz da Teoria Geral (unicidade do processo), ressalvadas as particularidades do Processo Penal, coletamos a lição de Luiz Guilherme Marinoni sobre a provisoriedade na tutela de urgência: "A tutela cautelar não pode satisfazer, ainda que provisoriamente, o direito acautelado. (...) se a tutela, ainda que fundada em cognição sumária, dá ao autor o resultado prático que ele procura obter através da própria tutela final, não é possível dizer que esta tutela esteja apenas assegurando o resultado útil do processo". (Novas Linhas do Processo Civil", São Paulo, Malheiros, 3ª ed., 1999, p. 125) A instrumentalidade é, de fato, uma das notas características da tutela cautelar, ausente na antecipação da tutela. A provisoriedade não é ponto distintivo. Noutro passo, "a tutela que realiza o direito material afirmado pelo autor (...) não pode ser definida como cautelar. (...) ou, melhor, não é um instrumento que se destina a assegurar a utilidade da tutela final". (op. cit. p. 127) Admite-se prisão provisória, em casos de excepcional necessidade - para assegurar a utilidade e efetividade da Jurisdição (cautelaridade). Antecipação da tutela penal condenatória, mediante cognição sumária, seria a afronta direta à presunção de inocência e à ampla defesa. Poderia a privação da liberdade (pena) ser executada antes do trânsito em julgado, provisoriamente? (v., a respeito, TJ/SP, HC nº 288.114-3/3, Barretos, 2ª Ccrim. De Julho/99, rel. des. Silva Pinto, j. 26/07/99, v.u. - "Execução provisória. Admissibilidade, desde que a sentença tenha transitado em julgado para o MP" - in Boletim IBCCRIM nº 87 - fevereiro/2000). Urge a reformulação legislativa e dogmática que traduza, para o Processo Penal, os modernos contornos da tutela de urgência, sob pena de afronta às liberdades individuais e à segurança jurídica, subjugadas pelo entendimento conjuntural do Judiciário. Sobretudo porque demonstra antecipada admissão de culpa do condenado, não pode prevalecer, diante da CR/88, a prisão decorrente de condenação não trânsita. Não cabe, igualmente, a ampliação praeter legem do instituto para justificação da medida, pois tal ampliação transmuda o instituto em detrimento da legalidade e em afronta à liberdade do cidadão. Poder-se-ia discutir a extensão da prisão preventiva além da instrução, após a sentença, para assegurar a aplicação da lei penal. O que não podemos aceitar é que a Justiça, ao subterfúgio do controle da criminalidade e em detrimento da liberdade constitucionalmente consagrada, adiante-se ao legislador omisso. Cabe a ressalva de que, no cotidiano forense, é amplamente majoritário o entendimento de que o tema da prisão provisória (em qualquer de suas modalidades, inclusive esta em decorrência de condenação recorrível) submete-se à análise da necessidade cautelar da medida, sujeitando-se, então, aos fundamentos da cautelaridade e excepcionalidade da prisão como instrumento assecuratório do processo (não da prisão como pena).”
[18] Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 3, São Paulo, Saraiva, 21a ed., 1999, p. 496.
[19] Dispõe o art. 5o, LVII, da CR/88: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
[20] O art. 314 c/c o art. 310, parágrafo único, ambos do CPP prevê que “em nenhum caso” será decretada a prisão preventiva se o juiz verificar, pelo APF, que o sujeito praticou o fato ao amparo de causa excludente da ilicitude (art. 23, CP). De ver-se, porém, que o caso é de cognição cautelar, provisória. Assim, se no curso da investigação ou do processo o panorama probatório se altera, ou se o acusado começa a influir na instrução criminal, ameaçando testemunhas p. ex., a convicção pode ser alterada, justificando a custódia preventiva. O juízo cautelar não é de certeza (definitivo), mas de verossimilhança: juízo provisório de verossimilhança consubstanciado na necessidade excepcional da medida privativa de liberdade. Por isso, nesse caso, a liberdade provisória será concedida mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação (art. 310, parágrafo único, parte final).
[21] O art. 335 prevê, expressamente, hipótese de recusa da autoridade policial em conceder a fiança, caso em que a autoridade judicial decide em 48 (quarenta e oito) horas sobre o pleito.
[22] Originalmente, o projeto previa, também, a proibição de ausentar-se do país, que, apesar de suprimida do texto, continua contemplada. Primeiro porque, se o juiz pode estipular, como medida cautelar, a proibição de o indiciado ou acusado ausentar-se da Comarca, também pode valer-se de menor restrição, ou seja, proibição de ausentar-se do estado ou do país. Segundo, porque o próprio art. 320, do CPP, diz que “a proibição de ausentar-se do país será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas”.