433 - Publicidade abusiva e as crianças no mercado de consumo


PAULO ERNANI BERGAMO DOS SANTOS[1] - Auditor fiscal de tributos


Nesse artigo, focalizar-se-á a publicidade veiculada pelos inúmeros “canais” de comunicação e seu impacto sobre as crianças no contexto da política de “proteção integral” - em função de sua condição peculiar de “pessoas em desenvolvimento” -, tal qual estabelecido na “Convenção sobre os Direitos da Criança” (1989), como determinado por nossa Constituição Federal (art. 227) e pelo “Estatuto da Criança e do Adolescente” (ECA). Como pressuposto, adota-se a definição “etária” de criança expressa no artigo 2º, “caput”, do ECA, qual seja, pessoa de até 12 anos de idade incompletos. Considerando a publicidade como “instrumento” do mercado de consumo, relevante se faz a análise daquele impacto e as consequências jurídicas então advindas da aplicação dos princípios que norteam o microssistema do Código de Defesa do Consumidor (CDC), em “socialidade” com outros diplomas legais pertinentes, em especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente.             

Palavras chave: Publicidade – Criança – Abusividade – ECA - CDC 

1. A “comunicação”

“Comunicação” é uma palavra que deriva do latim communicare (“tornar comum”; “partilhar”; “repartir”; “associar”; “trocar opiniões”; “conferenciar” [2]). “É o processo que visa a estabelecer uma conversa, manter uma relação, transmitir uma mensagem, partilhar idéias ou sentimentos”[3]. Em seu sentido etimológico, portanto, a idéia de comunicação implica o estabelecimento de uma comunidade, de um compartilhamento de idéias e de atitudes.

A comunicação humana deu seu primeiro passo com a “comunicação corporal”, representada por gestos, grunhidos e imitações de outros animais. Num segundo momento, entre 500 mil e 100 mil anos a.c., o homem desenvolveu a “comunicação oral”, tornando mais claras ao interlocutor suas emoções e suas idéias; esse tipo de linguagem, porém, esbarrava numa limitação de espaço (a voz humana era ouvida somente em determinado local) e de tempo (o alcance da memória dos interlocutores), o que acabou sendo superado com a “comunicação manuscrita”, cujas primeiras expressões – pictográficas – correspondem aos hieróglifos egípcios (3.500 a.c.) e ao sistema cuneiforme dos sumérios (3.200 a.c). evoluindo depois para as formas ideográficas (símbolos representando idéias e qualidades das coisas), silábicas e, com os gregos (900 a.c.), a escrita fonética – a partir da qual a difusão do conhecimento ultrapassava os limites temporais contemporâneos, apesar da elaboração lenta dos manuscritos e do alcance restrito do conhecimento a intelectuais.

Com o advento da tipografia, em meados do século XVI, a “comunicação impressa” (desenvolvida inicalmente por Gutemberg) transpõe as barreiras da lentidão na elaboração de manuscritos e do seu alcance restrito, viabilizando maior proliferação de livros e, portanto, maior difusão do conhecimento. Surgiram os jornais e as revistas, inventou-se a fotografia (entre 1820 e 1840), a máquina de impressão off-set  (1906), a fotocomposição e o fotolito (1950). Com a invenção do telégrafo (1837), do telefone (1876) e do rádio (início do século XX), a informação via texto e som passava a alcançar longas distância rapidamente;  com o surgimento do cinema (1895) e da televisão (1926), também a transmissão de imagem adquiria essa possibilidade. A partir de 1958, texto, som e imagem passaram a ser transmitidos simultaneamente, via Satélite, e hoje alcançam altíssimas velocidades via redes nacionais e mundiais de televisão ou pela Internet [4]

1.1 Modelo Comunicacional

Aristóteles (384 a.c), o grande filósofo grego, considerado o percussor do método científico, apresentava um modelo “tricotômico” para explicar a comunicação, baseado: (i) na pessoa que fala; (ii) no discurso proferido; e (iii) na pessoa que escuta.

Muito tempo depois, mas à semelhança do esquema aristotélico,  o sistema de comunicação - sob a ótica da Teoria Geral dos Sistemas -, passa a ser compreendido fundamentalmente em função de três elementos: o “emissor” (aquele que emite a mensagem), o “receptor” (aquele que recebe e interpreta a mensagem) e o “canal de comunicação” (meio físico que transporta os sinais do emissor até o receptor). Por esse sistema, trafega a “mensagem” (é o que o emissor transmite ao receptor; corresponde ao o que ele diz, não ao que ele quer dizer. É qualquer peça de comunicação: um e-mail, um comercial de televisão, uma notícia de jornal etc) enviada pelo emissor ao receptor, que decodifica essa mensagem e a responde (“feedback”). Quando esse processo é aplicado na relação entre máquinas, a decodificação da mensagem é realizada de forma congruente ao que foi transmitido. O código da máquina “emissora” é corretamente reconhecido pela máquina “receptora”, sem maiores dificuldades.

É o que ocorre, por exemplo, numa rede de computadores quando digitamos, em nosso computador, a URL [5] (Uniform Resource Locator) de uma página da WEB. O pedido de acesso a essa página é enviado ao Servidor – via “protocolo” [6] -, que receberá a mensagem e dará uma resposta de conexão; sendo positiva, o computador enviará o nome da página da Web ao Servidor que a retornará ao computador, permitindo o acesso à essa página. 

Quando, porém, o sistema de comunicação é aplicado aos seres humanos, os “códigos” poderão ser diferentes, e a mensagem, decodificada pelo receptor de maneira a não reproduzir fielmente a mensagem original. Diferentes contextos podem gerar interpretações distintas.

O famoso cientista Norbert Wiener [7] [8], “pai” da “cibernética”, e seus colegas mais próximos já consideravam, em meados do século passado, que, tal qual o caráter “tudo-ou-nada” da descarga dos neurônios no sistema nervoso, a escala binária era a base mais satisfatória de um projeto de máquina computadora. Na introdução de seu conhecido trabalho, vincula a noção de quantidade de informação (medida do grau de organização de um sistema) à “entropia” (medida de seu grau de desorganização), chamando a atenção para a contaminação das mensagens por estranhas pertubações (“ruído de fundo”), passíveis de serem restauradas por operador aplicado às mensagens; reconhecia a relevância da realimentação (feedback) como  fator de controle entre a “entrada” e a “saída” do sistema.

Fundamentalmente, esse é o modelo de comunicação de Shannon e Weaver[9], baseado na teoria matemática e que contêm os seguintes elementos: (i) fonte de informação; (ii) transmissor que converte a mensagem em sinais, de acordo com um código; (iii) esses sinais são transmitidos ao destinatário, por intermédio de um canal, que decodifica os sinais, recuperando a mensagem original.

Posteriormente, o linguista e filólogo russo R. Jakobson[10], adaptando o modelo de Shannon e Weaver às relações humanas, apresentou seu entendimento de que na comunicação seis elementos poderiam ser identificados, a saber: (i) um emissor; (ii) um receptor; (iii) um código (por exemplo, a linguagem); (iv) um canal (meio de transmissão); (v) um contexto (o conhecimentos que emissor e receptor têm em comum); e (vi) um contato entre emissor e receptor.

Ressalte-se que, após o período da sociedade industrial, o mundo passou por uma revolução tecnológica, em que a informação se torna vital para os mais diversos campos de atividade, interferindo sobremaneira nas próprias relações humanas; é a fase da “sociedade de informação”, na qual a produção de bens e serviços passou a depender da coleta, processamento e transmissão de informações. E sob esse aspecto, “informação” é o “conteúdo da mensagem emitida ou recebida”, conteúdo esse que deve corresponder a “algo novo”; é o conhecimento daquilo que não se conhecia. “Quanto maior for a ocorrência de um evento (uma idéia, um signo, um conjunto de signos, um fato, um conceito), menor será o grau de informação” [11].

“A Teoria da Comunicação distingue entre mensagem e informação. Toda mensagem tem forma e conteúdo. Por exemplo, as palavras que você diz e o que você diz com elas: pode-se dizer a mesma coisa com outras palavras. Informação é o nome que se dá ao conteúdo da mensagem (...). Pode ser qualquer conteúdo: uma idéia, um conhecimento, uma ordem, um aviso, o teor de uma pergunta ou de uma resposta (...). Há mensagens muito informativas e pouco informativas, dependendo do seu grau de novidade para o receptor.” [12]  

Cabe registrar o entendimento de Bordenave[13] de que a base da comunicação em geral reside na atribuição a determinados “signos” (todo objeto perceptível que de alguma maneira remete a outro objeto, toma o lugar de outra coisa; um conjunto de signos organizados corresponde a um “código”) os seus respectivos significados (uso social dos signos). Da falta de permanência e de alcance da linguagem oral, foram sendo desenvolvidos “meios de comunicação”, dentre os quais, mais modernamente, os meios eletrônicos - que aproveitam “diversos tipos de ondas para transmitir signos” (telefone, rádio, televisão, satélite).  Em síntese, para esse autor, a comunicação tem como elementos: a realidade ou a situação onde ela se realiza; os interlocutores que dela participam; os conteúdos ou mensagens que elas compartilham; os signos que elas utilizam para representá-los; e os meios que empregam para transmiti-los.

Como elemento que viabiliza a construção e transmissão de uma mensagem, esclareça-se que o “código” (do latim codex – registro em pergaminho) é um sistema de “signos” cuja função predominante é “metalinguistica”, referindo-se ao próprio código, à própria linguagem. A “codificação” é o procedimento do emissor de fazer de sua informação um “signo” carregado de significação, enquanto “decodificação” é o procedimento inverso, que permite ao receptor interpretar essa significação[14]; e todo “signo”, como explica Baktin, “é ideológico; a ideologia é um reflexo das estruturas sociais (...). Tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia” [15].  

A comunicação humana pode ser direta ou indireta. É direta quando o emissor e o receptor estão um na presença do outro; por exemplo, os espetáculos diretos, tais como o circo, o teatro a ópera, o show. É indireta quando o emissor está distante do receptor e necessita de um meio artificial (carta, telefone, e-mail, rádio, televisão) para o envio da mensagem; por exemplo, nos espetáculos indiretos, como na televisão e no cinema.

1.2 Publicidade

O significado da palavra “publicidade” tem sido confundido com o da palavra “propaganda”.

O termo “propaganda” remete à idéia de “propagação” de princípios, “de idéias e de teorias, principalmente políticas e religiosas” [16], com raízes históricas no processo de difusão da propagação da fé cristã, na época do Papa Clemente VII (1597). “Esse conceito estende-se às propagandas em que os destinadores procuram difundir idéias e motivos pelos quais os receptores devem ser convencidos, como em campanhas políticas e vacinação” [17].  

No que tange à “publicidade”, a idéia fulcral do termo está em “mostrar ao público”, significando, portanto, o “ato de divulgar um fato ou uma idéia” [18]

De qualquer forma, a finalidade inerente a ambos os termos é a mesma: “despertar no consumidor o desejo do produto anunciado, ou, ainda, buscar prestígio e boa imagem para o anunciante” [19], pelo que, podem ser aqui utilizados como sinônimos (“No Brasil e em alguns outros países de língua latina, as palavras propaganda e publicidade são geralmente usadas no mesmo sentido” [20]).

Em termos mais específicos, José Benedito Pinho [21] define publicidade como: “qualquer forma remunerada de apresentar ou promover produtos, serviços e marcas, feita por um patrocinador claramente identificado e veiculada nos meios de comunicação”. Ou seja, o envio de uma mensagem (codificada) pelo emissor, por meio de um “canal” (meios de comunicação), para um receptor (o ouvinte, o telespectador, o usuário da Internet etc), que a decodificará.

No processo de decodificação dessa mensagem publicitária, destacam-se dois substratos: aquele relacionado à “divulgação da existência do produto ou serviço no mercado e suas características básicas” e o relacionado com “a alteração psíquica que se induz no destinatário da mensagem, a fim de compeli-lo ao consumo do produto ou serviço” [22]; do primeiro substrato pode vir a se registrar a “publicidade enganosa”, do segundo, a “publicidade abusiva”.

- Publicidade enganosa: é aquela que contém falsas informações sobre os produtos e serviços anunciados.

- Publicidade abusiva: é aquela cuja abusividade está em seu conteúdo ou na forma como aborda o destinatário.  

2. Publicidade e o princípio da “proteção integral”

Com a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 1989, o foco dos instrumentos internacionais anteriores sobre a criança em “situação irregular” foi substituído pelo da criança em “situação de risco” (art. 98 do ECA), da criança como “pessoa em desenvolvimento” e sujeito de direito à “proteção integral” do Estado, da sociedade e das famílias.

Uma leitura conjunta das determinações da Constituição Federal de 1988 (CF) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) leva às seguintes diretrizes básicas: 1ª) proteção prioritária às crianças e aos adolescentes contra abusos físicos, psicológicos, sexuais e negligenciais (CF – art. 226, § 8º c/c art. 227, “caput”, § 4º. ECA – art. 1º, art. 4º, art. 5º, art. 6º, art. 87, art. 100); 2ª) prevenção da ocorrência de abusos contra crianças e adolescentes; 3ª) proteção imediata em caso de abuso, com notificação compulsória; 4ª) ação integrada na ocorrência de abuso.

“Em outras palavras, a publicidade só é efetiva quando gera no consumidor a necessidade, a ânsia, a compulsão, o desconforto que só poderá ser abrandado com a posse sobre o bem anunciado” [23].

Há estudos que confirmam o impacto danoso da publicidade sobre as crianças, de forma a configurar abuso contra elas. Como exemplo, a agressividade das crianças ao se verem frente a frente com o desejo de “ter” um brinquedo anunciado e não serem “presenteadas” pelos pais com esse produto.

A origem dessa agressividade é explicada, segundo teóricos psicanalíticos, pela frustração, isto é, pelo binômio “frustração-agressão”. “Sempre que o esforço de uma pessoa para atingir algum objetivo é bloqueado, um impulso agressivo é induzido, o qual motiva um comportamento que visa destruir o obstáculo (pessoa ou objeto) causador da frustração” [24].

Já para a teoria da aprendizagem social, a agressividade é aprendida por intermédio da “imitação”.

“Diversos estudos demonstram que as crianças são mais inclinadas a expressar respostas agressivas que aprenderam pela observação de modelos agressivos, quando elas são reforçadas por tais ações, ou quando observam modelos agressivos sendo reforçados” [25].  

Na pesquisa conduzida pelos pesquisadores da Universidade de Michigan (EUA), Rowell Huesmann, Jéssica Moise-Titus, Cheryl-Lynn Podolski e Leonard D. Eron, em duas etapas, 1977 e 1991, a fim de medir os hábitos de 557 crianças da região metropolitana de Chicago em relação aos meios de comunicação, especialmente no que dizia respeito ao consumo de programação violenta, se conclui que homens e mulheres, de todos os estratos sociais, “possuem um elevado risco de desenvolver comportamentos adultos agressivos e violentos quando estão sujeitos a uma pesada e freqüente dieta de conteúdos violentos transmitidos pela televisão durante a infância [...]” [26]

Como os “signos” veiculados na publicidade são expressões de uma “ideologia”, cabe defini-la.

Seu principal significado decorreu da investida de Napoleão Bonaparte contra os princípios iluministas, no que resultou numa acepção de “ideólogo” correspondente a “revolucionário”. Para Marx e Engels, ideologia seria uma versão invertida da realidade, um “pensamento abstrato e falso”, “ilusão, falsa consciência, irrealidade”; um “sistema de idéias” apropriado à determinada classe social [27].   

Essa idéia de propagação de uma “ilusão” com a finalidade de persuadir o receptor a “comprar” (no sentido de “comprar a idéia de aquisição de”) produtos/serviços impregna a própria essência da publicidade.

“Valores como ter sucesso pessoal manifestado pela riqueza, roupas, carros, alto padrão de vida, status social; vestir-se bem de acordo com a moda, usar marcas famosas e produtos de origem estrangeira; ousadia sexual, beleza, poder de sedução, saúde, inteligência, egocentrismo, liberdade de ação e ecologia são comumente ressaltados nos textos publicitários.” [28]  

A publicidade influencia na formação e no comportamento das crianças, convencendo-as de: a) um falso conceito de felicidade, fundado no consumo; b) que o “ter” é mais importante do que o “ser”; c) que todas as pessoas bem sucedidas têm coisas iguais, em desvalor das diferenças próprias de cada ser humano; d) que o individualismo deve ser reforçado; e) que podem misturar fantasia com realidade (acidentes com crianças que “fantasiam” ter as capacidades dos super-heróis das publicidades); f) que não se deve atentar para a qualidade dos produtos alimentares. Conseqüências para as crianças: obesidade, anorexia, bulimia, desequilíbrio da estrutura emocional das crianças, erotização precoce [29].

“Várias democracias consolidadas têm implementado restrições nesse campo. Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Noruega, Irlanda, Bélgica, Áustria, Canadá, Grécia, entre outros, possuem legislações claras e restritivas à publicidade que se dirige à infância.

Outra referência importante é a legislação da Suécia, que proíbe qualquer tipo de publicidade na televisão dirigida a menores de 12 anos antes das 21horas.” [30] 

3. Crianças, publicidade e o CDC

A dignidade da pessoa humana é um dos pilares da Constituição Federal de 1988, um de seus fundamentos (art. 1º, III, CF), do qual se irradia uma série de direitos e garantias fundamentais expressos, ou implícitos, em nossa Carta Maior.

É da idéia de que todo ser humano, somente por ser pessoa, tem em si mesmo um valor intrínseco que o faz diferente dos demais seres vivos, o que o coloca na posição de sujeito de direitos, nunca na posição de “objeto” (o que ocorreu na época da escravidão, ou da brutalidade do regime nazista, por exemplo).  Como sujeito de direitos, e com a dimensão dos direitos sociais e difusos, o Estado passa a ser um instrumento para equilibrar situações de desigualdades - dentre estas, a do consumidor em face do fornecedor.

Ao ser reconhecido como um direito fundamental na Constituição Federal de 1988 (art. 5º), a proteção a que tem direito o consumidor integra os demais direitos fundamentais, de forma, portanto, a não poder ser derrogado por nenhuma outra norma (tanto que o artigo 60, § 4º, CF, coloca os direitos e garantias individuais como uma das cláusulas pétreas) e não poder ser objeto de retrocesso.

Nesse contexto, a Constituição Federal reconhece a vulnerabilidade do consumidor em face do poder econômico do fornecedor, uma desigualdade de forças que desde o século XIX vinha se verificando no âmbito do trabalho humano nas fábricas, em níveis de deterioração elevados. Crianças e mulheres tinham sua força de trabalho explorada de forma brutal pelas empresas, cujo poder de imposição de suas regras aos trabalhadores era muito maior do que destes, que só tinham seu trabalho a vender e cuja liberdade de associação não era admitida. Foi somente com a Constituição mexicana (1917) e a criação da OIT (1919) que esse cenário começou a se transformar, passando a ser expresso em documentos legais de diversas nações vários direitos e garantias de proteção ao trabalhador.

E incumbe a todos os poderes do Estado brasileiro a viabilização da Política Nacional de Relações de Consumo expressa no CDC: ao legislativo, a elaboração de leis de proteção do consumidor; ao Poder Judiciário, a incumbência de dar efetividade ao CDC; e ao Poder Executivo, o incentivo à criação de entidades representativas dos consumidores.       

  O Código de Defesa do Consumidor é reconhecidamente um “microssistema” jurídico, integrado por princípios e regras da seara civil, administrativa e penal, e que encontra o fundamento constitucional já mencionado.

Um dos princípios mais relevantes do CDC é o da “vulnerabilidade” do consumidor em face do fornecedor. Essa situação de vulnerabilidade é muito mais elevada quando se fala em “criança”, dada sua situação de maior fragilidade em relação aos demais, o que comporta, portanto, um “diálogo” entre o CDC e o ECA, de forma a proteger a “pessoa em desenvolvimento”, quando exposta ao mercado de consumo, dos efeitos nocivos da publicidade.

Embora exista pressão de especialistas e setores da sociedade civil para que sejam restringidas as propagandas destinadas ao público infantil, no Brasil ainda não há uma regulamentação específica sobre o tema. Ainda assim, interpretações bastante consistentes da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor apontam que esta publicidade já pode ser enquadrada como abusiva segundo nosso marco legal – já que tem como foco um público altamente vulnerável [31].

3.1 CDC e publicidade enganosa ou abusiva 

São direitos básicos do consumidor “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva” (art. 6º, IV, CDC) e a “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (art. 6º, VI, CDC).

Está demonstrado que a publicidade dirigida às crianças tem impactos danosos à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, de forma que a abusividade, nesse caso, não precisa ser provada pelo órgão protetor dos direitos difusos do consumidor e dos direitos difusos das crianças, o Ministério Público (art. 81 c/c art. 82, I, e art. 111, CDC e art. 210, I, ECA), já que, além da aplicação do artigo 29 (equipara a consumidor todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas abusivas da publicidade) c/c artigo 37, § 2º, CDC (“é abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”), e dada a hipossuficiência flagrante dos “pequenos consumidores”, o ônus da prova se inverte, nos termos do artigo 6º, VIII, cabendo às empresas de propaganda provarem a inocorrência dos efeitos danosos da publicidade sobre as crianças.

A reparação de danos à personalidade das crianças, no âmbito dos direitos difusos, também tem guarida no CDC, como já mencionado.


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[1] Bacharel em Direito e Engenharia (POLI – USP), especialista em Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura, especialista em Direito Tributário pela EDESP GV,  especialista em Direito Financeiro pela EAESP GV, auditor fiscal tributário, Vice-Presidente da 3ª Câmara Julgadora do Conselho Municipal de Tributos SP (biênio 2008 – 2010).

[2] RABAÇA, Carlos Alberto & BARBOSA, Gustavo Guimarães. Dicionário de Comunicação. 10ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2001. Vocábulo: Comunicação.

[3] DALEFI, Roberto Gomes. Enciclopédia do Estudante: Gramática e Linguistíca. São Paulo: Moderna, 2006, p.16.

[4] PEREIRA, José Haroldo. Curso Básico de Teoria da Comunicação. 3ª ed. Rio de Janeiro: Quartet/UniverCidade, 2005, p. 20-26.

[5]Localizador Uniformizado de Recursos – Na Internet, uma forma padronizada de se especificar o endereço de qualquer recurso, site ou arquivo existente em um servidor WWW (World Wide Web).” SAWAYA, Márcia Regina. Dicionário de Informática & Internet.  3ª ed. São Paulo: Nobel, 2007.

[6] “Um protocolo define o formato e a ordem das mensagens trocadas entre duas ou mais entidades comunicantes, bem como as ações realizadas na transmissão e/ou recebimento de uma mensagem ou outro evento.” KUROSE, James F. & ROSS, Keith W. Redes de Computadores e a Internet. 3ª ed. São Paulo: Pearson Addison Wesley, 2006, p. 7. 

[7] “Ciência que estuda as comunicações e o sistema de controle não só nos organismos vivos, mas também das máquinas.” CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lexicon, 2007. Vocábulo: Cibernética.

[8] In Cibernética. Traduzido por Gita K. Ghinzberg. São Paulo: Polígno e EDUSP, 1970, p.33,35.

[9] RABAÇA, Carlos Alberto & BARBOSA, Gustavo Guimarães. Op cit. Vocábulo: Comunicação.

[10] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Vocábulo: Comunicação. 

[11] RABAÇA, Carlos Alberto & BARBOSA, Gustravo Guimarães. Op. cit. Vocábulo: informação.

[12] PEREIRA, José Haroldo. Curso Básico de Teoria da Comunicação. 3ª ed. Rio de Janeiro: Quartet/UniverCidade, 2005, p. 30.

[13] BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é Comunicação?. São Paulo:Brasiliense, 2007, p. 24,40.

[14] DALEFI, Roberto Gomes. Enciclopédia do Estudante: Gramática e Linguistíca. São Paulo: Moderna, 2006, p.16.

[15] Apud CECCATO, Ivone. A linguagem publicitária dirigida à criança e ao adolescente. Curitiba: Aymará, 2009, p. 17.

[16] CECCATO, Ivone. A linguagem publicitária dirigida à criança e ao adolescente. Curitiba: Aymará, 2009, p. 17.

[17] Ibidem.

[18] Ibidem.

[19] Ibidem.

[20] RABAÇA, Carlos Alberto & BARBOSA, Gustavo Guimarães. Dicionário de Comunicação. 10ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2001, vocábulo “propaganda”.

[21] Apud ERENBERG, Jean Jacques. Publicidade Patológica Na Internet à Luz da Legislação Brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 19.

[22] ERENBERG, Jean Jacques. Publicidade Patológica Na Internet à Luz da Legislação Brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 20.

[23] ERENBERG, Jean Jacques. Op cit, p. 21.

[24] ATKINSON, Rita L et all. Introdução à Psicologia de Hilgard. 13ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 428.

[25] Ibid, p. 432.

[26] ANDI - Agência de Notícias dos Direitos da Infância. Regulação de Mídia e Direitos da Criança e do Adolescente. Brasília, 2008. Disponível em:

 <http://www.forocom.org.uy/coalicion/materiales/regulacao_de_midia_e_infancia.pdf>. Acesso em: 27. 09.2010.

[27] WILLIAMS, Raymond. Palavras-Chave. São Paulo: Boitempo, 2007, vocábulo “ideologia”.

[28] [28] CECCATO, Ivone. Op cit, p. 81.

[29] PROJETO CRIANÇA E CONSUMO. Por que a publicidade faz mal às crianças. 2ª Ed.

 Disponível em: www.criancaeconsumo.org.br. Acesso em: 21/05/2011.

[30] ANDI – Agência de Notícias dos Direitos das Crianças Infância e Comunicação: Uma agenda para o Brasil. Cartilha. Brasília, 2009.

Disponível em: www.mp.rs.gov.br/areas/infancia/.../infancia_comunicacao_cartilha_andi.pdf. Acessado em: 21/05/2011.

[31] ANDI – Agência de Notícias dos Direitos das Crianças Infância e Comunicação: Uma agenda para o Brasil. Cartilha. Brasília, 2009.

Disponível em: www.mp.rs.gov.br/areas/infancia/.../infancia_comunicacao_cartilha_andi.pdf. Acessado em: 21/05/2011. 


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