441 - Lei n. 12.433, de 29-6-2011: Remição de pena pelo estudo; cômputo e perda dos dias remidos


RENATO MARCÃO – Promotor de Justiça


Sumário:
1). Introdução; 2). Remição de pena pelo trabalho; 3). Remição de pena pelo estudo; 4). Quem pode remir pena pelo estudo; 5). Declaração e perda dos dias remidos; 5.1.). Declaração dos dias remidos; 5.2.) Perda dos dias remidos; 6). Como se procede ao abatimento dos dias remidos; 7). Crimes hediondos e assemelhados; 8). Conclusão.  

1). Introdução        

Entrou em vigor na data de sua publicação a Lei n. 12.433, de 29 de junho de 2011, que altera os artigos 126, 127, 128 e 129 da Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), cuidando da remição de pena pelo trabalho e pelo estudo; maneira de se proceder ao abatimento dos dias remidos e perda dos dias remidos em razão do cometimento de falta grave.        

2). Remição de pena pelo trabalho        

O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho, parte do tempo de execução da pena.        

Não há falar em remição de pena pelo trabalho estando o condenado no regime aberto ou em livramento condicional, visto que nestes casos o trabalho é condição de ingresso e permanência, respectivamente, conforme decorre dos arts. 114, I, e 132, § 1º, a, ambos da LEP.        

A Lei n. 12.433/2011 não alterou o sistema de remição de pena pelo trabalho no que tange a proporção de dias trabalhados para que se consiga o direito à remição.         

Para cada 3 (três) dias de trabalho regular, nos moldes do art. 33 da LEP, um dia de abatimento da pena a cumprir (art. 126, § 1º, II, da LEP). 

3). Remição de pena pelo estudo 

Na falta de regra específica na lei, doutrina e jurisprudência divergiam sobre a possibilidade de remição pelo estudo. 

De nossa parte, sempre entendemos cabível a remição tomando por base o tempo dedicado ao aprimoramento estudantil. 

A melhor interpretação que se deve dar à lei é aquela que mais favoreça a sociedade e o preso, e por aqui não é possível negar que a dedicação rotineira deste ao aprimoramento de sua cultura por meio do estudo contribui decisivamente para os destinos da execução, influenciando de forma positiva em sua (re)adaptação ao convívio social. Aliás, não raras vezes o estudo acarretará melhores e mais sensíveis efeitos no presente e no futuro do preso, vale dizer, durante o período de encarceramento e no momento da reinserção social, do que o trabalho propriamente dito. 

Tanto quanto possível, em razão de seus inegáveis benefícios, o aprimoramento cultural por meio do estudo deve constituir um objetivo a ser alcançado na execução penal, e um grande estímulo na busca deste ideal é a possibilidade de remir a pena privativa de liberdade pelo estudo. 

Marcando definitivamente seu posicionamento a respeito, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 341, que tem a seguinte redação: “A frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto”. 

Com vistas a incrementar o estudo formal no ambiente prisional, a Lei n. 12.245, de 24 de maio 2010, acrescentou um § 4º ao art. 83 da LEP, dispondo que nos estabelecimentos penais, conforme a sua natureza, serão instaladas salas de aulas destinadas a cursos de ensino básico e profissionalizante.        

Pois bem. Resolvendo definitivamente a discussão, uma das inovações saudáveis determinadas pela Lei n. 12.433/2011 foi a alteração do art. 126 da LEP, para incluir a normatização da remição pelo estudo.        

Pela nova redação o art. 126, caput, e § 1º, inc. I, da LEP, assegura o direito à remição pelo estudo, na proporção de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 (três) dias. 

Isso quer dizer que o estudo poderá ter carga horária diária desigual, mas para que se obtenha direito à remição é imprescindível que estas horas somadas resultem em 12 (doze) a cada 3 (três) dias para que se alcance o abatimento de 1 (um) dia de pena, e, portanto, se o preso tiver jornada de 12 (doze) horas de estudos em um único dia, isso não irá proporcionar isoladamente 1 (um) dia de remição. 

Tais atividades de estudo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados (§ 2º).         

Admite-se a acumulação dos casos de remição (trabalho + estudo), desde que exista compatibilidade das horas diárias (§ 3º), e sendo assim, o preso que trabalhar e estudar regularmente e com atendimento à carga horária diária que a lei reclama para o trabalho e também para o estudo, poderá, a cada 3 (três) dias, reduzir 2 (dois) dias de sua pena.        

O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição (§ 4º).        

Outra previsão louvável com vistas à ressocialização pelo aprimoramento cultural vem expressa no § 5º do art. 126, nos seguintes termos: “O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação”. 

4). Quem poderá remir pena pelo estudo        

Segundo o art. 126, caput, têm direito à remição pelo estudo os presos que se encontrarem no regime fechado ou semiaberto.        

Já, pela redação do § 6º do art. 126, o condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional (entenda-se: livramento condicional) poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, à razão de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 (três) dias.        

Nos preciso termos do novo art. 126, § 7º, da LEP, é possível a remição pelo estudo também em relação ao preso cautelar (preso em razão de prisão preventiva), ficando a possibilidade de abatimento condicionada, é claro, à eventual condenação futura.        

Como se vê, caiu por terra a Súmula 341 do STJ, que teve importante efeito em termos de orientação antes da Lei n. 12.433/2011.        

5). Declaração e perda dos dias remidos

5.1.). Declaração dos dias remidos        

O condenado autorizado a estudar fora do estabelecimento penal, sob pena de revogação do benefício, deverá comprovar mensalmente à autoridade administrativa do estabelecimento penal em que se encontrar, por meio de declaração da respectiva unidade de ensino, a frequência e o aproveitamento escolar.        

A autoridade administrativa deverá encaminhar mensalmente ao juízo da execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, com informação dos dias de trabalho ou das horas de frequência escolar ou de atividades de ensino de cada um deles (art. 129).        

A remição deverá ser declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa (§ 8º do art. 126).        

Ao condenado será dada a relação de seus dias remidos (§ 2º do art. 129). 

5.2.) Perda dos dias remidos        

A perda dos dias remidos estava regulada no art. 127 da LEP com a seguinte redação: “O condenado que for punido por falta grave perderá o direito a tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar”.        

O rol das faltas consideradas graves no cumprimento de pena privativa de liberdade encontra-se no art. 50 da LEP.        

Doutrina e jurisprudência debatiam sobre a possibilidade, ou não, de perda integral dos dias remidos, em razão do cometimento de falta grave.        

Segundo nosso entendimento, a perda dos dias remidos não viola direito adquirido ou coisa julgada (Renato Marcão, Curso de Execução Penal, 9 ed., Saraiva, 2011).        

Nesta mesma linha o Supremo Tribunal Federal já decidiu reiteradas vezes que o sentenciado não tem direito adquirido ao tempo remido, pois o art. 127 da Lei 7.210/84 o subordina a condição do não cometimento de falta grave, sob pena de perda daquele período, e terminou por editar a Súmula Vinculante n. 9, que tem a seguinte redação: “O disposto no artigo 127 da Lei 7.210/84 foi recebido pela ordem constitucional vigente e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”.        

Segundo o novo art. 127 da LEP, em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57 da LEP, segundo o qual, na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.        

A nova redação não está imune a críticas, pois permite preocupantes discussões onde não deveria.        

Com efeito, na redação antiga o legislador dizia claramente: o condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido. Reclamava-se expressamente a devida apuração da falta grave e punição pelo seu cometimento, e neste caso a perda dos dias remidos era consequência jurídica inafastável.        

Agora a lei não faz referência expressa à necessidade de punição por falta grave, o que pode sugerir suficiente, na interpretação de alguns, o simples cometimento, e fala, na situação tratada, que o juiz poderá revogar tempo remido, indicando mera faculdade conferida ao juiz.        

Com efeito, mesmo nos termos do regramento novo, observadas as balizas do art.127 da LEP, não basta o simples cometimento de falta grave. Somente a falta devidamente apurada e reconhecida judicialmente justifica a declaração de perda de dias remidos, conforme decorre do princípio da presunção de inocência e do due process of law.        

Apurada a falta, poderá ou não o juiz determinar a perda de dias remidos. Esta consequência deixou de ser automática e agora é uma faculdade conferida ao magistrado, guiada pelas norteadoras do art. 57 da LEP.        

Há mais.        

Reconhecida judicialmente a prática de falta grave, e feita a opção sancionatória, poderá o juiz quantificar a revogação em até 1/3 (um terço) dos dias remidos, cumprindo seja balizada sua decisão em critérios de necessidade, utilidade, razoabilidade e proporcionalidade, com adequada fundamentação (art. 93, IX, CF) no tocante a sua escolha entre os limites mínimo (1 dia) e máximo (1/3).         

Como se percebe, deixou de ter aplicação prática a Súmula Vinculante n. 9, exceto para afirmar a constitucionalidade da perda de dias remidos, em razão do cometimento de falta grave. Acabou a discussão quanto à recepção do art. 127 pela ordem constitucional vigente, como também está resolvida a questão relacionada ao limite de perda dos dias remidos.        

As modificações determinadas pelo novo artigo 127 da LEP têm aplicação retroativa, alcançando os fatos ocorridos antes de sua vigência, por força do disposto no art. 5º, XL, da CF, na Súmula 611 do STF e no art. 66, I, da LEP, do que decorre a necessidade de revisão ex officio das decisões que determinaram perda de dias remidos em razão de falta grave, visto que, no máximo, será caso de decotar 1/3 (um terço) dos dias remidos, o que implicará na imediata devolução a estes executados de, no mínimo, 2/3 (dois terços) dos dias que haviam perdido.        

6). Como se procede ao abatimento dos dias remidos

Sempre foi relevante saber a fórmula a ser empregada para o desconto dos dias remidos, pois sobre tal questão existiam duas posições, e da adoção de uma ou outra resultava manifesto benefício ou prejuízo ao sentenciado.

1ª posição: o tempo remido deve ser somado ao tempo de pena cumprida;

2ª posição: o tempo remido deve ser abatido do total da pena aplicada. 

A primeira posição apontada é a correta e se revela mais benéfica ao sentenciado (cf. Renato Marcão, Curso de Execução Penal, 9 ed. Saraiva, 2011), mas na prática judiciária não prevalecia, especialmente no Primeiro Grau, o que terminava por ensejar a interposição de recursos evitáveis. 

O Superior Tribunal de Justiça já havia se posicionado reiteradas vezes nesse sentido, inclusive indicando expressamente nossa forma de pensar.  

Colocando fim à controvérsia, a Lei n. 12.433/2011 deu ao art. 128 da LEP a seguinte redação: “O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos” (negritei). 

A regra é impositiva. 

Está encerrada a discussão. 

7). Crimes hediondos e assemelhados        

Na Câmara dos Deputados o texto do PL 7.824/2010, que foi convertido na Lei n. 12.433, de 29 de junho de 2011, recebeu uma emenda proibindo a remição de pena pelo trabalho ou pelo estudo aos condenados por crimes hediondos ou equiparados.        

A emenda desatendia por completo o ideal ressocializador e esbarrava em inconstitucionalidade. Bem por isso não vingou.        

As regras relacionadas à remição pelo trabalho e pelo estudo são aplicáveis, sem restrições, aos condenados por crimes hediondos ou assemelhados. 

8). Conclusão 

No geral, foram acertadas asas modificações. 


Renato Marcão
é membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em diversas Escolas Superiores do Ministério Público e da Magistratura. Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP – Ministério da Justiça). Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP). Autor dos livros: Tóxicos (Saraiva); Curso de Execução Penal (Saraiva), Estatuto do Desarmamento (Saraiva), Crimes de Trânsito (Saraiva); Crimes contra a Dignidade Sexual (Saraiva), Crimes Ambientais (Saraiva); Prisões Cautelares, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Restritivas (Saraiva), dentre outros.

 


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