443 - A valorização da vítima e o valor mínimo de indenização em sentença penal condenatória
THIAGO BALDANI GOMES DE FILIPPO – Juiz de Direito[1]
Sumário: Introdução; 1. O enfoque dado à vítima no processo penal e seu interesse na fixação de valor mínimo indenizatório; 2. A obrigação de reparar o dano como efeito da sentença penal condenatória; 3. Cogência da expressão “fixará”: desnecessidade de pedido formal; 4. Significado da expressão “valor mínimo”; 5. Fixação do piso indenizatório de ofício e o princípio da ampla defesa; 6. Insurgências quanto ao valor fixado; Considerações finais.
Resumo: este trabalho objetiva tecer considerações sobre a fixação de valor mínimo de indenização nas sentenças penais condenatórias. Para tanto, parte do enfoque à vítima, particularmente para o processo penal, como o grande objetivo da alteração legislativa. A par da Lei 11.719/2008, salienta a desnecessidade de pedido expresso, o que não acarreta lesão aos princípios da iniciativa das partes e ampla defesa. Observa também que a intenção foi de suprimir a necessidade da fase de liquidação de sentença, passando-se diretamente à exigência do valor fixado. Analisa questões processuais sobre a legitimidade de partes para o pedido e possíveis insurgências quanto ao valor, para concluir pelo acerto do legislador da reforma, para que não exista desvirtuamento da instrução criminal.
Abstract: this present work aims to consider some issues related to the attribution of minimum recovery in condemnatory criminal decisions. To do so, it starts from de focus given to the victim, specially to the criminal procedure, as the legislative´s alteration´s great object. Considering the statute-law 11.719/2009, it highlights it is not necessary an express request, what does not cause harm to the principles of free initiative of parties and broad defense. It observes also that the intention was to abrupt the “liquidation” phase, going straight to the demand of the fixed amount. It analyses procedural questions concerning stand e possible insurgencies about the amount, to conclude for the reform´s legislator, avoiding a miscarriage of criminal evidence´s phase.
Palavras-chave: vítima; sentença criminal; indenização mínima.
Keywords: victim; criminal decision; minimun recovery.
Introdução
Quando estamos diante de um processo penal, é comum voltarmos nossos olhos, em primeiro lugar, para o réu e para o delito que ele cometeu. Haverá, assim, uma sequência coordenada de atos processuais, deflagrada pelo oferecimento da ação penal, tendente ao reconhecimento da responsabilidade penal do acusado. Confirmando-se a condenação, o magistrado deverá lhe impor a pena, de modo proporcional às vicissitudes do fato e condições subjetivas do acusado, observadas as fases para a sua dosimetria.
Entretanto, a figura da vítima, normalmente, é relegada ao segundo plano. Suas declarações são colhidas como mais um elemento de prova à condenação, ainda que o seja com parcimônia, porque ela não presta o compromisso de dizer a verdade. Acolhida a ideia do repúdio à “vingança privada”, tem-se no Estado o sujeito passivo formal constante de todos os delitos, entendendo-se não ser o processo penal ambiente propício para que a vítima tenha voz, ainda que tenha sido severamente lesada em sua incolumidade física, moral e patrimonial.
Porém, há relativamente pouco tempo, o processo penal brasileiro sofreu alterações sensíveis e, dentre elas, podemos enxergar relativa mudança de perspectiva no que tange ao tratamento dado à vítima, obnubilando-se o famigerado conceito de “confisco da vítima” no processo penal. Dentre as mais importantes alterações, sem dúvida, estão as trazidas pela Lei n. 11.719, de 20 de junho de 2008, no que concerne à alteração trazida ao inciso IV do art. 387 do CPP, que determina ao juiz, quando da prolação de sentença condenatória, que fixe valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
A partir de então, vozes autorizadas na doutrina e a jurisprudência divergem acerca do real alcance do dispositivo. Por exemplo, para uma corrente, é imprescindível que exista pedido formal, não podendo o magistrado proceder à fixação de ofício. Para outra, trata-se de dever do julgador, não se cogitando de lesão ao princípio dispositivo. Mesmo para os defensores da primeira corrente, existe polêmica acerca da pessoa legitimada para a formulação do pedido. Para alguns, ela é afeta ao Ministério Público, quando do oferecimento da ação penal. Para outros, é necessário o requerimento da própria vítima.
A controvérsia não cessa nessa questão. Por hipótese, ela também ocorre no que diz respeito à natureza dos danos fixados, havendo quem sustente que seria possível, em tese, que o juiz criminal fixasse um valor relativo ao dano moral. Para outro pensamento, o processo penal não seria campo propício a essas questões, entendendo-se valor mínimo aquele que pode ser aferido no âmago das peculiaridades que o distinguem do processo civil.
Como se vê, o tema é árido. O presente trabalho, evidentemente sucinto, não pretende exauri-lo. Pelo contrário, modestamente apresenta um raciocínio de viés interdisciplinar, em razão de nossa experiência frente a uma vara judicial cumulativa, intentando-se viabilizar uma solução para que se não jogue o dispositivo legal no limbo.
O ponto principal deste artigo é, sob a perspectiva da importância da vítima no processo penal, a defesa da ideia da desnecessidade de pedido para a fixação do valor, bem como o que se pode entender pelo valor mínimo indenizatório.
1. O enfoque dado à vítima no processo penal e seu interesse na fixação de valor mínimo indenizatório
Tradicionalmente, o processo penal sempre foi compreendido como uma sequência coordenada de atos processuais tendente ao reconhecimento da responsabilidade penal do acusado. O enfoque reside na comprovação da materialidade e autoria delitivas, ensejando a imposição de reprimenda penal. Ademais, a ação penal por excelência é pública, ajuizada pelo Ministério Público, ente estatal equidistante da vítima e do réu, despido de qualquer sentimento de “vingança”, interessado na realização de justiça.
Contudo, há relativamente pouco tempo passou a haver estudos acerca da importância da vítima, como um fator a ser considerado na teia delitiva. Os primeiros estudos datam da primeira metade do século XX, sendo que o termo “vitimologia” foi utilizado pela primeira vez em 1956 por Benjamin Mendelshon, para se referir ao estudo da vítima em seus mais variados aspectos e sua influência para a ocorrência do delito, bem como as consequências da conduta criminosa em suas esferas jurídica, psicológica e social[2].
Apesar dos variados estudos centrados na vítima, na realidade, sua participação no processo penal é tímida. Vale dizer, tradicionalmente, ao menos no âmbito criminal, a legislação não lhe tem conferido muita voz para a defesa de seus direitos. Existem, obviamente, algumas exceções: (a) manejamento de ações penais privadas, nas hipóteses taxativas previstas em lei (art. 100, par. 2º, CP); (b) oferecimento de representação, como condição objetiva de procedibilidade[3], nas ações penais públicas a elas condicionadas (art. 100, par. 1º, do CP); (c) perempção (art. 60 do CPP); (d) renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada (art. 107, V, CP)[4]; (e) composição civil dos danos no âmbito dos Juizados Especiais Criminais (art. 74 da Lei n. 9.099/95).
Entretanto, é cediço, ainda que a lei franqueie a titularidade excepcional da ação penal à vítima ou sucessores ou lhe garanta que sua vontade terá relevância no processo penal, o reflexo é, invariavelmente, no jus puniendi, que continua sendo estatal[5]. Tanto é verdade que as hipóteses acima elencadas somente atingem a punibilidade do suposto autor do fato criminoso. A única exceção fica do conta da composição civil dos danos no âmbito do Juizado Especial Criminal, que, além de acarretar a renúncia do direito de queixa ou representação, também vale como título a ser executado no juízo cível, conforme claramente estabelece o art. 74 da Lei n. 9.099/95, tratando-se, dentre as hipóteses acima, da única que se preocupa com a vítima por si própria e não a vê como um simples “elemento” com aptidão de obstar o jus puniendi estatal.
Desse modo, como apresentaremos neste trabalho, a alteração promovida no art. 387, IV, do CPP, também volta seus olhos para a vítima, e exclusivamente para ela, sem maiores preocupações com a punibilidade do agente. Considera, por obvio, a fixação de indenização como consequência natural da condenação criminal, mas almeja que os olhos do julgador se voltem também para a esfera eminentemente patrimonial da vítima, sem que esta tenha de enfrentar as agruras de um processo autônomo de liquidação de sentença para que, somente depois, possa exigir-lhe o cumprimento. Esta medida, parece-nos evidente, coaduna-se com a garantia fundamental do acesso à justiça e da razoável duração do processo, seu corolário, elevado anseio dos cidadãos em geral e da própria vítima, em particular.
2. A obrigação de reparar o dano como efeito da sentença penal condenatória
De há muito, o art. 91, I, do Código Penal, prevê a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime como efeito genérico da sentença penal condenatória.
Pela literalidade do dispositivo, a condenação criminal torna certa a obrigação de indenizar. Trata-se de efeito secundário genérico da sentença condenatória, segundo classificação doutrinária. Como tal, prescinde de qualquer pedido[6]. Basta que exista condenação criminal, para que se obtenha, independentemente de requerimento, a certeza da obrigação de se reparar o dano na esfera civil. A sentença condenatória passa, assim, a ser um título executivo à disposição do ofendido para que, se lhe aprouver, possa exigir o seu cumprimento perante o juízo cível[7].
Entretanto, ela é tida como título executivo judicial incompleto[8]. Diz-se isto porque, apesar de a dívida ser certa (efeito genérico da condenação criminal) e exigível (qualidade adquirida com o trânsito em julgado), a decisão não é líquida, pois, na sistemática tradicional do processo penal, o juiz criminal não possuía qualquer mecanismo para apontar o valor devido, ao menos minimamente.
Ora, com o advento da Lei n. 11.232/2005, a liquidação, em regra, passou a ser uma fase do processo, respeitadas as posições contrárias[9]. É que, na sistemática trazida pelos artigos 475-C e 475-E, do CPC, diferentemente da anterior, não mais se ajuíza ação autônoma, com nova citação do requerido, tratando-se, em verdade, de mero incidente processual, instaurado antes de serem deflagrados atos visando à satisfação do direito material reconhecido[10].
Desse modo, a regra passou a ser que a liquidação assuma a feição de mero incidente processual. Somente haverá processo autônomo de liquidação de sentença em casos excepcionais, quando não se afigura possível se instalar uma fase de liquidação no processo anterior. São as hipóteses mencionadas no parágrafo único do art. 475-N do CPC: (a) sentença penal condenatória; (b) sentença arbitral; (c) sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Por compreender hipóteses restritas, sendo dentre elas a mais “comum” justamente a sentença penal condenatória, evidentemente se percebe que a intenção do legislador foi conferir maior celeridade aos processos, eliminando-se barreiras desnecessárias, em atenção à garantia fundamental da razoável duração do processo, de cunho deontológico, prevista no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição da República.
E o que fez a Lei n. 11.719/2008? Nada mais do que admitir que o juiz criminal, quando possível, fixe o valor mínimo da reparação do dano, dispensando-se a necessidade do ajuizamento de ação autônoma de liquidação, se o ofendido pretender executá-la[11] no juízo cível[12]
Interessante notar que nunca se questionou que da sentença criminal defluisse naturalmente, isto é, independentemente de qualquer pedido, a certeza da obrigação de se reparar o dano. Entretanto, ao pretender a lei atribuir ao julgador a possibilidade de se liquidar esse valor, vozes das mais autorizadas surgem no sentido da necessidade de pedido expresso do ofendido ou do Ministério Público[13]. A jurisprudência, ao menos do eg. Tribunal de Justiça de São Paulo, não discrepa deste entendimento[14].
Entretanto, nada obsta que o julgador fixe de ofício o valor mínimo da reparação, não implicando em qualquer lesão ao princípio dispositivo.
3. Cogência da expressão “fixará”: a desnecessidade de pedido formal
Pelo princípio dispositivo, também conhecido como “princípio da iniciativa das partes”, cabe à parte provocar a atuação jurisdicional, legitimidade conferida constitucionalmente ao Ministério Público, em se tratando de ações penais públicas e ao ofendido ou representantes, no caso de ações penais privadas.
Descabe ao juiz, sob pena de lesão flagrante ao atributo da imparcialidade, que lhe deve ser ínsito no desempenhar de sua função, que dê início ao processo penal[15] ou ainda que, como regra, tome medidas próprias das partes[16].
Entretanto, não deve ser ignorada a forma imperativa do verbo constante do dispositivo em tela. Preceitua o art. 387, IV, do CPP, que, ao proferir sentença condenatória, o juiz “fixará valor mínimo para a reparação do dano...”. Aliás, todos os demais incisos do mencionado artigo proscrevem medidas a serem tomadas pelo magistrado de ofício. Assim, parece-nos evidente que o juiz deva proceder à fixação do valor mínimo indenizatório, independentemente de pedido, quer seja do Ministério Público, quer seja do próprio ofendido.
Quanto ao Ministério Público, o pedido de indenização poderá ser por ele formulado desde que o bem jurídico tutelado pela norma penal guarde pertinência com suas atribuições institucionais, previstas no artigo 129 da Constituição da República. Em outras palavras, ela deve coincidir com um interesse difuso, coletivo, individual homogêneo ou, ainda, individual indisponível[17]. É o que ocorre, por exemplo, com os crimes contra o meio ambiente[18] (interesse difuso – arts. 29 a 69-A da Lei n. 9.605/1998) e alguns crimes contra as relações de consumo (interesses coletivos e individuais homogêneos – arts. 61 a 69 do CDC), desde que, obviamente, exista conotação patrimonial imediata, como abordaremos a seguir.
Por outro lado, o pedido formulado pelo Ministério Público para que o juiz fixe valor indenizatório relativo a interesse individual disponível da vítima não se afina às suas atribuições institucionais. Digno de nota, aliás, é o fato de a própria Lei n. 11.719/2008 ter alterado o disposto no art. 257 do CPP, que cuida das atribuições do Ministério Público[19]. Se fosse a intenção do legislador que o membro do “Parquet” assumisse mais esse mister, reconhecidamente anômalo, de solicitar a fixação da indenização em se tratando de interesse individual, perdeu boa oportunidade para assim o fazer, de forma expressa. O dispositivo seria, porém, de duvidosa constitucionalidade![20]
Em ações penais públicas, em se tratando de interesses individuais, cabe apenas ao assistente de acusação o pedido de fixação de indenização, haja vista ser sua missão por excelência justamente a obtenção de sentença penal condenatória, visando ao futuro cumprimento no juízo cível, muito embora, segundo entendimento de vanguarda, de um modo geral sua atuação suplanta este objetivo, pois intenta a justa aplicação da pena, na ótica do próprio ofendido[21].
Contudo, a prática demonstra que a atuação de assistentes da acusação não é a regra. Condicionar a ordem direcionada ao magistrado para a fixação de piso indenizatório ao pedido de eventual assistente de acusação seria esvaziar, quase completamente, o disposto no art. 387, IV, do CPP.
Já em se tratando de ações penais privadas, assistiria sempre ao querelante a possibilidade de requerer a fixação judicial do piso indenizatório.
Entretanto, em qualquer caso, o magistrado, na medida do possível, deve fixar o valor mínimo da indenização. É de se ponderar, ainda, que mesmo antes da entrada em vigor da Lei n. 11.719/2008, vozes autorizadas em doutrina já sustentavam que em alguns casos não haveria a necessidade de se proceder à liquidação da sentença penal condenatória para se exigir, no juízo cível, o seu cumprimento[22]. Nestes casos, mesmo sem pedido da vítima, a sentença condenatória tornava-se título judicial completo em seu favor, bastando apenas que, se assim desejasse, exigisse seu cumprimento judicial. Nada mais vez a Lei n. 11.719/2008 que aclarar essa situação.
Em suma, entendemos não haver necessidade de pedido expresso, devendo o valor ser fixado em sentença, de ofício pelo magistrado, desde que reúna meios suficientes para tanto, como abordaremos em seguida.
4. Significado da expressão “valor mínimo”
Sabemos que na esfera cível o crime assume a feição de um ilícito extracontratual. Como tal, ele enseja a responsabilidade civil de seu causador com contornos reconhecidamente amplos. Conforme o caso, fora o ressarcimento dos danos materiais, pode gerar o pagamento de pensão alimentícia à vítima e seus dependentes, além da reparação do dano moral[23]. Trata-se de questões afetas à jurisdição civil, que apresenta campo propício para a discussão destas questões, delimitadas pelo pedido do autor, para quem o sistema jurídico se abre para admitir que se peça tudo o que não for proibido e seja juridicamente possível.
A jurisdição criminal, por sua vez, não é própria para dirimir essas questões. Ela se volta de forma precípua à imposição e execução da sanção penal. Eis o motivo do cuidado do legislador ao admitir que a sentença criminal fixe o valor mínimo da indenização.
Tomemos como exemplo o delito de homicídio. Determina o art. 948 do CC que a indenização consistirá, basicamente: (a) no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, funeral e luto da família; (b) alimentos aos dependentes da vítima, de acordo com a duração provável de sua vida.
Ora, o juízo criminal não terá elementos para o julgamento dessas questões, pois se trata de matérias afetas à esfera cível, franqueando-se à vítima (obviamente, no caso de tentativa de homicídio) ou a seus herdeiros o ajuizamento de ação visando ao recebimento da indenização ampla. A cognição judicial será voltada, preponderantemente, ao reconhecimento do direito e, quando possível, à fixação do montante devido, limitada aos pedidos da parte autora[24].
Posto isto, quais valores poderão então ser fixados pelo juízo criminal? Cremos que isto será possível apenas quando houver elementos suficientes para tanto, inexistindo necessidade de dilação probatória específica para esse fim. É o que se dá, basicamente, nos delitos contra o patrimônio[25] e em alguns crimes contra a Administração Pública, imbuídos de conotação patrimonial direta ou imediata[26]. Por óbvio, mesmo que se trate destes crimes, não deverá o juízo criminal fixá-lo se o conjunto probatório não apontar, de forma irrefutável, o prejuízo mínimo suportado pela vítima.
Quanto ao dano moral, entendemos não ser lícita a sua fixação pelo juízo criminal, apesar de respeitáveis entendimentos em sentido contrário[27]. Isto porque, apesar de sua verificação, em regra, ocorrer in re ipsa[28], a sua fixação depende de uma série de fatores, tais como a capacidade econômica das partes, repercussões à esfera patrimonial da vítima etc., que dificilmente podem ser extraídos do conjunto probatório criminal, tendente à comprovação da materialidade e autoria delitivas[29].
Deste modo, estando provado o patamar mínimo da indenização, deve o magistrado fixá-lo de ofício, impedindo-se o desvirtuamento da instrução criminal para essa finalidade.
5. Fixação do piso indenizatório de ofício e o princípio da ampla defesa
O processo, em geral, e o processo penal, em particular, assentam-se em premissas cuja missão é tanto conferir alicerce ao feixe de normas que os regulamenta, quanto iluminar sua aplicação e interpretação. Dentre elas, encontra-se, em local de destaque, o princípio da ampla defesa, o qual, ao lado do princípio do contraditório, são os corolários da garantia fundamental do devido processo legal, prevista no art. 5º, LIV, da Constituição[30].
Temos que a fixação do valor mínimo de indenização não implica em ofensa ao princípio da ampla defesa. Em primeiro lugar, porque, em se tratando de delitos de conotação patrimonial direta, a questão relativa ao valor do objeto ou do prejuízo adquire relevo até mesmo para a fixação da pena[31] ou, em certas hipóteses excepcionais, para o reconhecimento da própria atipicidade material, quando se aplica o princípio da insignificância ou bagatela[32]. Em segundo lugar porque, ciente a defesa que a reparação de danos é efeito genérico da sentença penal condenatória, bem como do dever judicial de, quando possível, fixar o valor mínimo, deverá envidar esforços para demonstrar o equívoco do suposto montante do prejuízo causado à vítima, que aparentemente salta aos olhos dos elementos probatórios colhidos durante a instrução criminal ou aferidos até mesmo pelo auto de avaliação oriundo da fase investigativa policial. Assim, poderá a defesa elencar os meios de provas necessários para a demonstração do real prejuízo causado. Nem se cogite de desvirtuamento da instrução criminal, pois a linha argumentativa da defesa, nos crimes de reflexo patrimonial imediato, hodiernamente volta-se mesmo a essas questões.
6. Insurgências quanto ao valor
No caso de discordância do acusado quanto ao valor fixado, cremos que a questão deva ser dirimida por meio de apelação, devolvendo-se ao tribunal competente o julgamento da questão.
O Ministério Público, contudo, somente teria interesse processual para o manejamento do recurso de apelação nos casos de interesses metaindividuais, conforme já sustentamos acima. Nos demais casos, tratando-se de matérias afetas aos direitos disponíveis da vítima ou seus representantes, desfalecer-lhe-ia aludido interesse.
Assim, em se tratando de interesses individuais disponíveis, em ações públicas, apenas o assistente de acusação teria legitimidade e interesse para a interposição da apelação visando à fixação ou exacerbação do valor indenizatório. Em ações privadas, igual faculdade caberia ao querelante.
Na eventualidade de transitar em julgado a decisão que fixa o valor mínimo da indenização, ela se transformará em título executivo judicial completo, franqueando-se ao ofendido ou seus representantes o ajuizamento de ação executiva[33]. Observamos, porém, que isto não obstará a propositura de ação civil , de conhecimento, inclusive contra terceira pessoa que não o acusado[34], ou mesmo para liquidação da sentença contra o condenado criminalmente[35], com o objetivo, em ambos os casos, de ser fixada uma indenização mais vultosa, “descontando-se” desta, para se evitar o enriquecimento sem causa, o valor incorporado ao título executivo judicial.
Considerações finais
À evidência não pretendemos realizar incursões teóricas complexas sobre o árduo tema das relações entre a jurisdição criminal e a civil. Nosso objetivo foi apenas o de ressaltar a controvérsia gerada pela nova redação conferida ao art. 387, IV, do CPP, e, com isto, demonstrar o relativo acerto do legislador ao permitir que o juiz criminal volte seus olhos para a vítima, e exclusivamente para ela, quanto à fixação do valor mínimo da indenização.
Por outro lado, no que diz respeito às questões procedimentais, também nos preocupamos em salientar a possibilidade de sua fixação de ofício pelo julgador, não implicando este fato em qualquer lesão ao princípio da iniciativa das partes e da ampla defesa, afirmando que, de há muito, a sentença criminal condenatória ocasiona a certeza da obrigação do ofendido de reparar o dano, por força do art. 91, I, do CP, e o que fez a novel legislação foi apenas tentar afastar a necessidade, mas não a possibilidade, a critério do ofendido, da fase de liquidação da sentença penal, admitindo-se o ajuizamento imediato da ação de execução no juízo cível.
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[1] Juiz de Direito no Estado de São Paulo. Pós-graduado lato sensu, em nível de especialização, pela Escola da Magistratura do Paraná. Mestre em Ciências Jurídicas pela UENP. Mestrando em Direito Comparado pela Universidade de Samford/EUA. Coordenador da Escola Paulista da Magistratura da 26ª Circunscrição Judiciária (Assis).
[2] Vladimir Brega Filho escreve: “Vitimologia é o estudo da vítima em seus diferentes aspectos. Eduardo Mayr conceitua vitimologia como sendo ´...o estudo da vítima no que se refere à sua personalidade, quer do ponto de vista biológico, psicológico e social, quer o de sua proteção social e jurídica, bem como dos meios de vitimização, sua inter-relação com o vitimizador e aspectos interdisciplinares e comparativos´. (apud RIBEIRO, 2001, p. 30). Percebe-se, então, que a vitimologia é muito mais do que o estudo da vítima na ocorrência do delito, pois estuda os vários momentos do crime, desde sua ocorrência até suas conseqüências. Entre os objetivos finais da vitimologia destacamos os seguintes: evidenciar a importância da vítima; explicar a conduta da vítima; medidas para reduzir a ocorrência do dano; e assistência às vítimas, onde incluímos a reparação dos danos causados pelo delito” (BREGA FILHO, Vladimir. A reparação do dano no direito penal brasileiro. Jacarezinho: Revista Argumenta, 2003, vol. 3.).
[3] Rogério Greco aclara: “Tanto a representação criminal como a requisição do Ministro da Justiça são consideradas condições de procedibilidade para o regular exercício da ação penal de iniciativa pública condicionada, sem as quais se torna impossível a abertura de inquérito policial ou o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público” (GRECO, Rogério. Código Penal comentado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, p. 227).
[4] Observe-se a semelhança entre ambas as figuras, tanto é que foram inseridas no mesmo inciso. A única diferença reside no momento de sua ocorrência: enquanto a renúncia pode ser exercida antes do oferecimento da queixa, o perdão ocorre após esse momento. Guilherme de Souza Nucci destaca, em relação a eles: “Nota-se, pois, como são semelhantes os dois institutos. A única grande diferença entre ambos é que a renúncia ocorre antes do ajuizamento da ação e o perdão, depois. Tanto a renúncia como o perdão podem ser expressos ou tácitos. Expressos, quando ocorrem através de declaração escrita e assinada pelo ofendido ou seu procurador, com poderes especiais (não obrigatoriamente advogado). Tácitos, quando o querelante praticar atos incompatíveis com o desejo de processar o ofensor (art. 104, parágrafo único, 1ª parte, e art. 106, par. 1º, do CP). Ex: reatamento de amizade, não se incluindo nisso as relações de civilidade ou profissionais” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral e especial. São Paulo; Revista dos Tribunais, p. 527).
[5] Sebastião Feltrin destaca: “O jus puniendi pertence ao Estado. Somente ele pode processar o infrator e aplicar-lhe uma pena, seja a ação de natureza pública ou de iniciativa privada. Não pode ele, contudo, fazê-lo arbitrariamente e com desrespeito ao devido processo legal. O fundamento constitucional do direito de ação, como afirma TOURINHO FILHO, repousa na proibição de fazer justiça com as próprias mãos (...). Da mesma forma que a proibição da autotutela criou o direito de ação para todos nós, a limitação ao poder de auto-executar o direito de punir criou, também, para o Estado-administração, o direito de se dirigir ao Estado-juiz, dele reclamando uma decisão sobre determinada pretensão punitiva. Nesta autolimitação do jus puniendi, realçada nos incisos XXXV, LIII e LIV do art. 5º da CF, descansa o fundamento constitucional da ação penal, como direito do Estado-administração de reclamar do Estado-juiz a aplicação do direito penal objetivo”. (FELTRIN, Sebastião, in FRANCO, Alberto Silva e STOCO, Rui (coord.). Código de processo penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 557, vol. 2).
[6] Guilherme de Souza Nucci assinala, quanto ao efeito genérico de reparar o dano: “Trata-se de efeito automático, que não necessita ser expressamente pronunciado pelo juiz na sentença condenatória e destina-se a formar título executivo judicial para a propositura da ação civil ex delicto” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 487).
[7] Diz o art. 475-N, II, do CPC: “São títulos executivos judiciais: (...) II – a sentença penal condenatória transitada em julgado”.
[8] Por todos, MIRABETE, Julio Fabbrini e FABBRINI, Renato N. Código penal interpretado. São Paulo: Atlas, 7ª. Ed., 2011, p. 482.
[9] Há quem não reconheça a natureza de mero incidente processual, dizendo que a ausência de citação pouco importa para o reconhecimento de ação autônoma tendente à liquidação da sentença. Neste sentido, Luiz Rodrigues Wambier destaca: “o fato de não mais se exigir, formalmente, a realização de citação para a angularizaração da relação jurídico-processual, não autoriza que se entenda que se está, no caso, diante de mero incidente processual, integrante de uma ação mais ampla” (WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento. 3ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 109).
[10] Fredie Didier Jr. salienta: “Com a Lei 11.232/2005, pretendeu-se eliminar o processo de liquidação de sentença. A regra agora é que a liquidação deve ser buscada numa fase do processo, que tem múltiplos objetivos (é sincrético): certificar o direito, liquidar (complementar a certificação) e efetivar a decisão judicial” (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 2º vol. Salvador: Podivm, 2007, p. 390).
[11] Ou “exigir seu cumprimento”, para sermos mais consentâneos com a novel legislação.
[12] Conforme sustenta Andrey Borges de Mendonça, a alteração “visou afastar esse longo caminho de liquidação da sentença penal condenatória. Determina, assim, que o magistrado deve fixar um valor mínimo para a reparação de danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Este valor mínimo torna o título executivo líquido, ao menos em parte, ao permitir que a vítima, desde logo, proceda ao cumprimento de sentença perante o juízo cível. Completa o art. 63, parágrafo único, do CPP que este valor mínimo fixado na sentença condenatória não impedirá a parte de buscar a liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido” (MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do código de processo penal, p. 239).
[13] Por todos, eis o entendimento de Guilherme de Souza Nucci: “admitindo-se que o magistrado possa fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração penal, é fundamental haver, durante a instrução criminal, um pedido formal para que se apure o montante civilmente devido. Esse pedido deve partir do ofendido, por seu advogado (assistente de acusação), ou do Ministério Público. A parte que o fizer precisa indicar valores e provas suficientes a sustentá-los. A partir daí, deve-se proporcionar ao réu a possibilidade de se defender e produzir contraprova, de modo a indicar valor diverso ou mesmo a apontar que inexistiu prejuízo material ou moral a ser reparado. Se não houver formal pedido e instrução específica para apurar o valor mínimo para o dano, é defeso ao julgador optar por qualquer cifra, pois seria nítida infringência ao princípio da ampla defesa” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. São Paulo: RT, 9ª ed. 2009, p. 701).
[14] Em recentes julgados, manifestou-se o TJSP pela necessidade de pedido formal, como no julgamento da Ap. 0000300-23.2007.8.26.0355, 7ª Câm. Dir. Crim., rel. des. SYDNEI DE OLIVEIRA JR., comarca de Miracatu, julgado em 16.06.2011.
[15] Tratava-se dos famigerados processos judicialiformes, iniciados por portaria do próprio juízo, nas hipóteses de contravenções penais (arts. 26 e 531 do CPP) e crimes de lesão e homicídios culposos, sendo conhecida a autoria nos primeiros quinze dias (Lei n. 4.611/65).
[16] Se bem que o próprio sistema admite exceções, tais como a possibilidade de o magistrado, de ofício, conceder habeas corpus, decretar prisão preventiva e determinar a produção de provas.
[17] O eg. STJ já chegou a assentar: “Na sociedade contemporânea de massa, e sob os influxos de uma nova atmosfera cultural, o processo civil, vinculado estreitamente aos princípios constitucionais e dando-lhes efetividade, encontra no Ministério Público uma instituição de extraordinário valor na defesa da cidadania” (STJ – REsp 89.646-PR – rel. min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Diário da Justiça, Seção I, 24 fev. 1997, p. 3.340).
[18] Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas destacam, quanto ao bem jurídico tutelado pela norma penal ambiental: “Para encontrar qual o bem jurídico protegido em qualquer tipo penal, deve o intérprete ou o aplicador do Direito colocar-se em posição que lhe permita analisar o delito numa perspectiva sociológica e constitucional, procurando compreender as razões que levaram o legislador a tipificar determinadas condutas. Nos crimes ambientais, tomando por tal assertiva, podemos dizer que o bem jurídico protegido é o meio ambiente em toda a sua amplitude, na abrangência do conjunto” (FREITAS, Vladimir Passos de e FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 38).
[19] O art. 257 do CPP passou a contar com a seguinte redação: “Ao Ministério Público cabe: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código; e II – fiscalizar a execução da lei.” É lógico que, em tese, o pedido indenizatório estaria abrangido pela prerrogativa de “promover a ação penal pública”. Entretanto, por se tratar de atuação excepcional, deveria haver permissivo legal expresso. Uma hermenêutica principiológica também não conduziria à conclusão. Por isto, a necessidade de dispositivo legal expresso. Ainda assim, não faltariam críticas!
[20] Guardadas as peculiaridades, entende-se que o art. 68 do CPP não foi recepcionado pela atual ordem constitucional, pois a promoção da ação civil ex delicto não se compatibiliza com a missão constitucional do Ministério Público, sendo a matéria afeta à atuação da Defensoria Pública. Decidiu o STJ, entretanto, que o dispositivo permanece constitucionalmente hígido para localidades nas quais não haja se instalado a Defensoria Pública. Trata-se da tese da inconstitucionalidade progressiva, explanada no julgamento dos REsp 58.658/MG, DJU, 11.11.1996, p. 43715; REsp 94.070/SP, DJU 9.6.1997, p. 25545.
[21] Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes sustentam: “o assistente de acusação também intervém no processo com a finalidade de cooperar com a justiça, figurando como assistente do MP ad coadjuvandum. Assim, com relação à condenação, o ofendido tem o mesmo interesse-utilidade da parte principal na justa aplicação da pena. Já com relação à revogação dos benefícios penais, como o sursis, a atividade de colaboração do ofendido com a justiça esgota-se, no nosso sistema processual, com a condenação (art. 598, CPP), não se podendo vislumbrar seu interesse na modificação de benefícios inerentes à execução da pena” (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no processo penal. São Paulo: RT, 1996, p. 88).
[22] Neste sentido, por todos, Cândido Rangel Dinamarco afirma que “...a sentença condenatória penal equivale à civil como título executivo, uma vez que, ainda que por vias indiretas, ela cumpre a dupla finalidade de declarar o direito e aplicar a vontade sancionatória. Ela terá a eficácia de uma condenação civil ordinária quando as circunstâncias do caso identificarem desde logo o bem a restituir (coisa furtada, ou que haja sido objeto de um estelionato, apropriação indébita etc) ou revelarem o valor a ser pago como reparação (dinheiro, ações cotadas em bolsa). Nos demais casos, sendo necessária a liquidação do quantum debeatur, a sentença penal condenatória terá, para o fim da execução civil, a qualificação de uma condenação genérica” – grifamos (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. IV. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 258).
[23] Para a compreensão da extensão do tema, remetemos o leitor aos artigos 944 a 954 do Código Civil.
[24] O art. 460 do CPC proíbe sentenças ultra, extra e citra petitas.
[25] São os crimes de furto (arts. 155 e 156), roubo e extorsão (arts. 157 a 160), usurpação (arts. 161 e 162), dano (arts. 163 a 167), apropriação indébita (arts. 168 a 170) e estelionato e outras fraudes (arts. 171 a 179).
[26] É o que ocorre com os delitos de peculato (arts. 312 e 313), emprego irregular de verbas ou rendas públicas (art. 315), concussão (art. 316), corrupção passiva (art. 317) e facilitação de contrabando e descaminho (art. 318).
[27] É a posição, por exemplo, de Yordan Moreira Delgado e Werton Magalhães Costa, in “Comentários à reforma do Código de Processo Penal e lei do trânsito”. Salvador: Jus Podivm, 2009, p. 72.
[28] Carlos Roberto Gonçalves aponta: “O dano moral, salvo casos especiais, como o de inadimplemento contratual, por exemplo, em que se faz mister a prova da perturbação da esfera anímica do lesado, dispensa prova em concreto, pois se passa no interior da personalidade e existe in re ipsa. Trata-se de presunção absoluta” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 570).
[29] Eugenio Pacelli de Oliveira destaca: “A nosso aviso, a nova legislação deve ser entendida nestes termos estritos, impedindo o alargamento da instrução criminal para a discussão acerca dos possíveis desdobramentos da responsabilidade civil. Não há que se pretender discutir, por exemplo, o dever de reparação do dano moral” (OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de processo penal. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 584).
[30] Eugênio Pacelli de Oliveira apresenta distinção interessante entre ambos os corolários, ao afirmar o seguinte: “Embora ainda se encontrem defensores da ideia de que a ampla defesa vem a ser apenas o outro lado ou a outra medida do contraditório, é bem de ver que semelhante argumentação peca até mesmo pela base. É que, sob a perspectiva da teoria do processo, o contraditório não pode ir além da garantia de participação, isto é, a garantia de poder a defesa impugnar toda e qualquer alegação contrária a seu interesse, sem todavia, maiores indagações acerca da concreta efetividade com que se exerce aludida impugnação (...) Enquanto o contraditório exige a garantia de participação, o princípio da ampla defesa vai além, impondo a realização efetiva desta participação, sob pena de nulidade, também quando prejudicial ao acusado (OLIVEIRA, Eugenio Pacelli. Curso de processo penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 23-24).
[31] O exemplo por excelência é o do furto privilegiado, previsto no art. 155, par. 2º, do CP: “Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de 1 (um) a 2/3 (dois terços), ou aplicar somente a pena de multa”.
[32] De forma específica ao delito de furto, salutares as palavras de Rogério Greco: “No caso de furto, não se pode confundir bem de pequeno valor com de valor insignificante. Este, necessariamente, exclui o crime em face da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, aplicando-se-lhe o princípio da insignificância; aquele, eventualmente, pode caracterizar o privilégio insculpido no parágrafo 2º do art. 155 do Código Penal, já prevendo a Lei Penal a possibilidade de pena mais branda, compatível com a pequena gravidade da conduta” (GRECO, Rogério. Código penal comentado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, p. 416).
[33] Em se tratando de interesses metaindividuais, o órgão estatal com atribuição para tanto promoverá a execução.
[34] Art. 64 do CPP: “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil”.
[35] Art. 63: “Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”.