449- Lacunas, meios de integração e antinomias: uma abordagem à luz do sistema jurídico aberto e móvel
TARLEI LEMOS PEREIRA - Advogado
“A função do estudioso do direito é como a do montador do relógio ao encaixar todas as peças, de um modo racional, uma em face das demais, a fim de que o relógio possa funcionar e marcar as horas, o que na seara do direito equivaleria a conexionar as normas, como se fossem jogos de rodas, de peças dentadas, de molas e demais ligamentos, que servem para o funcionamento de um relógio, formando um todo sistemático.” (MARIA HELENA DINIZ, As Lacunas no Direito, São Paulo: Editora Saraiva, 1999, 5ª edição, pp. 26-27, apud de LARA CAMPOS JR., Princípios Gerais do Direito Processual, São Paulo: Editora Bushatsky, 1963, pp. 34-35)
Resumo: No presente artigo, o autor faz uma análise da problemática envolvendo as lacunas na lei e suas respectivas formas de colmatação, além da questão das antinomias, sem perder de vista os princípios da socialidade, eticidade e operabilidade, que regem o Código Civil de 2002.
Especial enfoque é dado ao sistema “aberto” e “móvel”, que mormente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, bem como dos adventos do Código de Defesa do Consumidor e do próprio Código Reale, exige uma atenta releitura dos temas “lacunas” e “antinomias”.
Palavras-Chave: Lacunas no sistema jurídico; Meios de integração; Antinomias jurídicas; Artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro; Artigo 126 do Código de Processo Civil.
Abstract: In the present article, the author analyzes the problems involving loopholes in the law and their respective closing, in addition to the issue of antinomies, without, however, disregarding social, ethics and operational principles that govern the Brazilian Civil Code of 2002.
Special emphasis is given to the “open” and “mobile” system, which calls for a careful rereading of such topics as “loopholes” and “antinomies”, especially after the enactment of the Federal Constitution of 1988, and after the Code of Consumer defense and the Reale Code itself were brought forth.
Keywords: Loopholes in the legal system; Integration means; Legal antinomies; Article 4 of the Law of Introduction to the Brazilian Civil Code; Article 126 of the Code of Civil Procedure.
Sumário: Introdução; 1. Definições; 2. Lacunas no sistema jurídico; 2.1 Noção de lacuna e de sistema; 2.2 A incompletude do sistema e a existência das lacunas; 2.3 Espécies de lacunas; 2.4 As lacunas nas decisões judiciais; 3. Meios de integração das lacunas; 3.1 O artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e o artigo 126 do Código de Processo Civil; 3.2 A analogia como método de autointegração da norma jurídica; 3.3 O costume, os princípios gerais de direito e a equidade como métodos de heterointegração da norma jurídica; 4. Antinomias jurídicas e respectivos critérios de correção; 4.1 Classificação das antinomias quanto ao critério de solução, ao conteúdo, ao âmbito e à extensão da contradição; 4.2 Critérios para a solução das antinomias aparentes no direito interno: hierárquico (lex superior derogat legi inferiori), cronológico (lex posterior derogat legi priori) e de especialidade (lex specialis derogat legi generali); 4.3 Critérios para a solução de antinomias aparentes no direito internacional: prior in tempore potior in jus, lex posterior derogat priori, lex specialis derogat generali e lex superior derogat inferiori; 4.4 As antinomias de segundo grau: análise dos critérios hierárquico e cronológico, de especialidade e cronológico e hierárquico e de especialidade; 5. As lacunas e antinomias na jurisprudência; 5.1 Supremo Tribunal Federal; 5.2 Superior Tribunal de Justiça; 5.3 Tribunal de Justiça de Minas Gerais; 5.4 Tribunal de Justiça do Paraná; 5.5 Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; 5.6 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; 5.7 Tribunal de Justiça de Santa Catarina; 5.8 Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo; 5.9 Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo; 5.10 Tribunal de Justiça de São Paulo; 6. Conclusões; 7. Bibliografia
Introdução
Antes de adentrarmos propriamente o tema objeto deste nosso trabalho, mister termos em mente que foram princípios orientadores do Código Civil de 2002 a socialidade, a eticidade e a operabilidade[1], que por questão de mnemônica, apelidamos simplesmente de “SEO”.
“A socialidade do CC se opõe ao individualismo do CC/1916. O que isto quer significar? Que o Código passado (de 1916) foi elaborado com base em acentuada preocupação de manter os interesses individuais, sem atenção completa para os aspectos sociais da experiência do homem em sociedade. O código passado era, por assim dizer, uma estrutura que dava mais ocasião para o privilégio do direito individual que à razoabilidade do exercício desse direito no núcleo social onde ele se manifestava. O Código Civil de 2002, diferentemente, celebra a necessidade de a aplicação da norma de direito privado pelo juiz dever se dar num ambiente que favoreça os interesses sociais. (...) E a nossa CF consagra essa opção do legislador, na medida em que, a todo momento, traz diretrizes que impõem, ao exercício do direito privado, linhas muito claras de socialidade.”[2] (g.n.)
“A eticidade do CC se opõe ao formalismo jurídico do CC/1916. (...) o Código passado foi elaborado com base em técnica hoje superada, porque não se mostrava eficiente para tornar a experiência jurídica permeada por todos os valores éticos necessários à realização do bem comum. Ou seja: o Código de 1916 era voltado para determinações de caráter estritamente jurídico e o Código de 2002 tem forte inspiração ética, e abre espaço para valores como: probidade, boa-fé, correção. (...) Não se pode negar, por outro lado, que essa mudança de critério valorativo, a par de ter sido fruto da evolução científica do próprio direito privado, é também chancelada por nossa Constituição Federal.”[3] (g.n.)
“A operabilidade do CC se opõe à ineficácia de alguns institutos do CC/1916. (...) O Código passado continha soluções normativas e institutos jurídicos de interpretação duvidosa e de aplicação difícil, que não atingiam sua finalidade. O novo sistema de direito privado é mais operacional, é mais vivo, é mais eficaz, até mesmo em virtude do sistema que o rege, porque contém elementos que permitem, sem que se perca a segurança jurídica das relações, maior mobilidade do sistema e maior flexibilidade para o julgamento do juiz. (...) Ao juiz se concede poderes que dão lugar à argumentação e à dialética das partes no processo, para que o conflito se solucione da forma mais harmoniosa possível. É o sistema jurídico operando de forma a permitir solução eficaz para problemas que surgem, encontrando soluções para eles e viabilizando, até mesmo, objetivos fundamentais da República...”[4] (g.n.)
Dentro de todo esse contexto é que analisaremos, a seguir, a problemática das lacunas e seus respectivos meios de integração, além das antinomias, porém sem descurar que, hodiernamente, o nosso sistema jurídico é aberto e móvel, como melhor se demonstrará no corpo deste artigo. Não nos furtaremos, contudo, de apresentar ao leitor o contra-argumento, sempre que reputado conveniente, pois, ainda que data maxima venia discordemos, sabemos que renomados doutrinadores ainda insistem em enxergar o Direito – notadamente o Civil – sob a ótica do passado.
É certo que o embate entre diferentes opiniões engrandece o Direito enquanto ciência, mas para uma mais apropriada leitura e entendimento do nosso posicionamento doutrinário, é preciso compreender que, a partir da Constituição Federal de 1988, houve uma ruptura com o sistema rígido e fechado (que outrora regia o Código Civil de 1916), o qual era “impermeável às modificações econômicas e sociais, não tendo mais lugar na sociedade hodierna”[5].
Com efeito, o sistema de antanho não mais se justifica, o que levou Renan Lotufo a afirmar que “o direito cria o seu mundo sobre o mundo dos fenômenos sociais”[6]. Tem razão o eminente desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pois as normas do direito oitocentista não têm lugar na sociedade do século XXI. “No século passado o Brasil deixou de ser um país essencialmente voltado para a agricultura de subsistência e passou a ser uma nação diversificada com um parque industrial rico, bem como com setores de serviços e de tecnologia bem desenvolvidos.”[7]
“O CC está impregnado de cláusulas gerais[8], que se caracterizam como fonte de direito e de obrigações. É necessário, portanto conhecer-se o sistema de cláusulas gerais para poder entender a dinâmica de funcionamento e do regramento do CC no encaminhamento e nas soluções dos problemas que o direito privado apresenta. Há verdadeira interação entre as cláusulas gerais, os princípios gerais de direito, os conceitos legais indeterminados e os conceitos determinados pela função. A solução dos problemas reclama a atuação conjunta desse arsenal.”[9] (g.n.)
“Cláusulas gerais”[10] são normas orientadoras sob forma de diretrizes, dirigidas precipuamente ao juiz, vinculando-o ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para decidir; são formulações contidas na lei, de caráter significativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral, que tem natureza de diretriz.[11]
“Princípios gerais de direito” são regras de conduta que norteiam o juiz na interpretação da norma, do ato ou negócio jurídico. Os preceitos romanos honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere (viver honestamente, não causar dano a outrem e dar a cada um o que é seu), são os primórdios dos princípios gerais de direito.[12]
“Conceitos legais indeterminados” são palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo esse conceito é abstrato e lacunoso. Sempre se relacionam com a hipótese de fato posta em causa. Cabe ao juiz, no momento de fazer a subsunção do fato à norma, preencher os claros e dizer se a norma atua ou não no caso concreto. Preenchido o conceito legal indeterminado, a solução já está preestabelecida na própria norma legal, competindo ao juiz apenas aplicar a norma, sem exercer nenhuma outra função criadora.[13]
“Conceitos determinados pela função” são, na verdade, o resultado da valoração dos conceitos legais indeterminados, pela aplicação e utilização, pelo juiz, das cláusulas gerais. Servem para propiciar e garantir a aplicação correta, equitativa do preceito ao caso concreto.[14]
Insta acentuar que “o Código Civil de 2002 reflete uma tentativa de modificação dos paradigmas que permeavam a legislação civil pátria. (...) os membros da comissão responsável pela elaboração do Código Civil, coordenada por Miguel Reale, esforçaram-se por prestigiar o País com um Código Civil moderno que traçasse um corte ontológico em relação ao Código antigo e, assim, fosse capaz de se adaptar à realidade atual, trazendo soluções mais precisas para os conflitos que se mostram cada vez mais complexos e cada vez mais rápidos. Para alcançar esse fim, procurou-se, sempre que possível, utilizar normas mais abertas com maior relevo às cláusulas gerais moldáveis às diversas situações”.[15]
Nesse diapasão, lobriga-se que não basta simplesmente analisar os fatos e submetê-los às normas do Estado, para se chegar a uma possível solução jurídica para os problemas que se apresentam na sociedade moderna. É preciso mais: é importante também verificar os aspectos valorativos que levaram as partes a, por exemplo, realizar um negócio jurídico, conforme advertem Nelson Nery Junior e Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery[16].
É, pois, dentro desse espectro de visão que passaremos a desenvolver nosso estudo acerca das lacunas e antinomias, porém não sem antes apresentarmos as definições seguintes, as quais também reputamos relevantes para o perfeito entendimento da matéria.
1. Definições
Toda ciência se utiliza de terminologia própria para a transmissão de idéias. Em relação ao Direito não é diferente. Muitos autores optam por apresentar um “miniglossário” ao final de suas obras, para que o leitor, em caso de dúvida acerca do exato significado das palavras, possa dele se valer. Obviamente, não os criticamos; apenas pensamos que melhor seria esclarecer desde o início tais significados, sob pena de se ler e não entender.
Daí a nossa iniciativa de introduzir ab initio as definições seguintes, no intuito de facilitar o entendimento do texto pelo caro leitor. Quiçá possa o nosso objetivo ser alcançado com sucesso.
Antinomia: Filosofia do Direito. 1. Oposição existente entre normas e princípios no momento de sua aplicação por serem emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, fazendo com que o aplicador fique numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critério normativo para sua solução. Caso em que se tem antinomia real (Tercio Sampaio Ferraz Jr.); 2. Contradição inevitável a que, segundo Kant, chega o espírito quando se aplica a certos conceitos, ou melhor, ao empregar as concepções a priori ao transcendente e absoluto; 3. Reunião de proposições que parecem ser contraditórias e provadas, mas, na verdade, a contradição é apenas aparente ou a prova de uma daquelas é, no mínimo, não concludente; 4. Conflito de normas aparente que pode ser solucionado pelos critérios: hierárquico, cronológico e da especialidade.[17]
Antinomia aparente: se os critérios para a sua solução forem normas integrantes do ordenamento jurídico.[18]
Antinomia própria: aquela que ocorre quando uma conduta aparece ao mesmo tempo prescrita e não prescrita, proibida e não proibida, prescrita e proibida. P. ex.: se norma do Código Militar prescreve a obediência incondicionada às ordens de um superior e disposição do Código Penal proíbe a prática de certos atos (matar, privar alguém de liberdade), quando um capitão ordena o fuzilamento de um prisioneiro de guerra, o soldado vê-se às voltas com duas normas conflitantes – a que o obriga a cumprir ordens do seu superior e a que o proíbe de matar um ser humano. Somente uma delas pode ser tida como aplicável, e essa será determinada por critérios normativos.[19]
Antinomia imprópria: a que ocorrer em virtude do conteúdo material das normas.[20]
Antinomia de princípios: quando houver desarmonia numa ordem jurídica pelo fato de dela fazerem parte diferentes idéias fundamentais, entre as quais se pode estabelecer um conflito.[21]
Antinomia valorativa: ocorre no caso de o legislador não ser fiel a uma valoração por ele próprio realizada, como, p. ex., quando prescreve pena mais leve para delito mais grave; se uma norma do Código Penal punir menos severamente o infanticídio (morte voluntária da criança pela mãe no momento do parto, ou logo após o nascimento) do que a exposição de criança a perigo de vida pelo enjeitamento, surge esse tipo de antinomia, que deve ser, em geral, aceita pelo aplicador.[22]
Antinomia teleológica: quando se apresentar incompatibilidade entre os fins propostos por certa norma e os meios previstos por outra para a consecução daqueles fins. Essa antinomia pode, em certos casos, converter-se em normativa, devendo como tal ser tratada; em outros, terá de ser suportada, como a antinomia valorativa.[23]
Antinomia técnica: atinente à falta de uniformidade da terminologia legal. P. ex.: o conceito de posse em direito civil é diverso daquele que lhe é dado em direito administrativo.[24]
Antinomia de direito interno: aquela que ocorre entre normas de um mesmo ramo do direito ou entre aquelas de diferentes ramos jurídicos.[25]
Antinomia de direito internacional: a que aparece entre convenções internacionais, costumes internacionais, princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas, decisões judiciárias, opiniões dos publicistas mais qualificados como meio auxiliar de determinação de normas de direito (Estatuto da Corte Internacional de Justiça, art. 38), normas criadas pelas organizações internacionais e atos jurídicos unilaterais. Nessas normas existem apenas hierarquias de fato; quanto ao caráter subordinante, são elas mais normas de coordenação do que de subordinação, e, quanto à sua autoridade, mais do que sua fonte importa o valor que elas encarnam.[26]
Antinomia de direito interno-internacional: surge entre norma de direito interno e norma de direito internacional, e resume-se no problema das relações entre dois ordenamentos, na prevalência de um sobre o outro na sua coordenação.[27]
Antinomia total-total: ocorre quando uma das normas não puder ser aplicada em nenhuma circunstância sem conflitar com a outra.[28]
Antinomia total-parcial: ocorre quando uma das normas não puder ser aplicada, em nenhuma hipótese, sem entrar em conflito com a outra, que tem um campo de aplicação conflitante com a anterior apenas em parte.[29]
Antinomia parcial-parcial: ocorre quando as duas normas tiverem um campo de aplicação que, em parte, entra em conflito com o da outra e em parte não.[30]
Integração da lacuna: Teoria Geral do Direito. 1. Desenvolvimento aberto do direito dirigido metodicamente, que se dá quando, ao solucionar um caso, o magistrado não encontra norma que lhe seja aplicável, não podendo subsumir o fato a nenhum preceito, porque há falta de conhecimento sobre um status jurídico de certo comportamento, devido a um defeito do sistema, que é a lacuna, que pode consistir numa ausência de norma, ou na presença de disposição legal injusta ou em desuso. A integração é um método supletivo pelo qual a analogia, o costume ou o princípio geral de direito é invocado para a solução da lacuna; 2. Preenchimento de lacuna normativa ontológica ou axiológica.[31]
Lacuna: Teoria Geral do Direito. a) Diz-se do possível caso em que o direito objetivo não oferece, em princípio, uma solução; b) o que ocorre quando uma exigência do direito, fundamentada objetivamente pelas circunstâncias sociais, não encontra satisfação na ordem jurídica (Binder); c) o estado incompleto do sistema jurídico; d) falha, omissão, insuficiência, falta; e) imperfeição insatisfatória dentro da totalidade jurídica (Engisch).[32]
Lacuna axiológica: Teoria Geral do Direito. Ausência de norma justa, isto é, existe um preceito normativo, mas, se for aplicado, sua solução será insatisfatória ou injusta.[33]
Lacuna de conflito: Teoria Geral do Direito. 1. É a que supõe exigência de uma adequação e de um ponto de acordo das normas existentes com a sobrevinha (Betti); 2. Antinomia real que se apresenta no caso de duas normas contraditórias se excluírem reciprocamente, obrigando o órgão judicante a solucionar o caso sub judice, segundo os critérios de preenchimento de lacunas. Mas, para que se tenha presente essa antinomia é mister três elementos: incompatibilidade, indeclinabilidade e necessidade de decisão. Só haverá lacuna de conflito se, após a interpretação adequada das normas, a incompatibilidade entre elas perdurar (Klug; Ferraz Jr.). É denominada por Ziembinski de “lacuna lógica”.[34]
Lacuna intencional: se da parte do legislador houve o propósito de não mencionar particularizadamente certa matéria, por julgá-la inoportuna ou desinteressante no momento.[35]
Lacuna involuntária: quando independentemente da vontade do legiferante a omissão se deu.[36]
Lacuna de lege ferenda: Teoria Geral do Direito. A lacuna do ponto de vista de um futuro direito mais perfeito. Também chamada lacuna político-jurídica, crítica ou imprópria, pois pode motivar o legislador a reformular o direito, por ser injusto ou por ter caído em desuso (Engisch).[37]
Lacuna de lege lata: Teoria Geral do Direito. A lacuna no direito vigente, sendo por isso considerada autêntica (Zitelmann e Engisch).[38]
Lacuna normativa: Teoria Geral do Direito. Ausência de norma que regule certo caso.[39]
Lacuna ontológica: Teoria Geral do Direito. 1. Ausência de norma correspondente aos fatos sociais, em razão de o grande desenvolvimento das relações sociais e do progresso técnico terem acarretado o ancilosamento daquela norma. Trata-se da ausência de norma eficaz socialmente; 2. Inadequação da ordem jurídica quanto ao “ser” (Sein).[40]
Lacuna originária: Aquela que já existe no nascimento da lei.[41]
Lacuna posterior: Aquela que aparece posteriormente, ou em virtude de uma modificação nas situações de fato ou do sistema de valores pertinentes à ordem jurídica (Engisch).[42]
Lacuna técnica: Teoria Geral do Direito. Ausência pura e simples de uma regulamentação. Dá-se quando o legislador se omitir de ditar norma indispensável à aplicação de outra (Kelsen; Foriers; Conte).[43]
2. Lacunas no sistema jurídico
A questão das lacunas no sistema jurídico e suas formas de colmatação passaram a despertar maior interesse e atenção dos juristas a partir do século XIX, com o advento do positivismo jurídico.
Tal como se apresenta atualmente, surgiu na época da Revolução Francesa, sendo que a teoria dos três poderes idealizada por Montesquieu com base na fórmula “Pour qu’on ne puisse pas abuser du pouvoir, il faut que par la disposition des choses, le pouvoir arrête le pouvoir”[44], culminou por dar origem a uma concepção do Poder Judiciário com feições próprias.
Essa concepção do Poder Judiciário, então, elimina o antigo procedimento de colmatação das lacunas do direito pelo rei e os arrêts de règlement[45], uma vez que em sua elaboração os juízes se imiscuíam no exercício do Poder Legislativo, mantendo, porém, o recurso do Judiciário ao Legislativo.[46]
Hodiernamente, a Ciência do Direito aparece como uma sistematização de normas para a obtenção de decisões possíveis[47], havendo uma maior preocupação com a conexão das normas entre si, atentando-se para o problema da completude ou incompletude do ordenamento jurídico, que implica a questão da existência ou inexistência das lacunas.
A esse respeito, autores há que se dividem em duas principais correntes antitéticas: (i) a primeira, afirma a inexistência de lacunas, pois o sistema jurídico formaria um todo orgânico sempre suficiente para disciplinar todos os comportamentos humanos; (ii) a segunda, admite a existência de lacunas nos ordenamentos que, por mais perfeitos que almejem ser, não poderiam jamais prever todas as situações de fato que, frequentemente, surgem nos mais variados estilos e ritmos de vida da pós-modernidade[48].
Analisaremos com maior profundidade ao longo deste trabalho essas doutrinas afirmadoras e negadoras da existência das lacunas jurídicas, porém não sem antes examinarmos de forma preliminar a importante noção de sistema.
2.1 Noção de lacuna e de sistema
Consoante os ensinamentos da professora Maria Helena Diniz, “as idéias de completude ou incompletude do sistema, de seu aspecto uno ou multifário, de sua abertura ou fechamento é que possibilitam a formulação de uma definição explícita de ‘lacunas’. É, portanto, a partir de um modelo de sistema jurídico que se pode mostrar o funcionamento dos ‘vazios’ jurídicos”[49].
Daí entendermos adequado apresentar, com base na lição de Tercio Sampaio Ferraz Jr., a noção de sistema, que nas palavras do ilustre professor teria origem grega, significando aquilo que é construído (syn-istemi)[50].
“Sistema”, diz Maria Helena Diniz, “significa nexo, uma reunião de coisas ou conjunto de elementos, e método, um instrumento de análise. De forma que o sistema não é uma realidade nem uma coisa objetiva; é o aparelho teórico mediante o qual se pode estudar a realidade. É, por outras palavras, o modo de ver, de ordenar, logicamente, a realidade, que, por sua vez, não é sistemática. Todo sistema é uma reunião de objetos e seus atributos (que constituem seu repertório) relacionados entre si, conforme certas regras (estrutura do sistema) que variam de concepção a concepção. O que dá coesão ao sistema é sua estrutura. Esse sistema será fechado quando a introdução de um novo elemento o obriga a mudar as regras, ou seja, a estrutura, e a elaborar uma nova regra. Por exemplo: o jogo de xadrez é um sistema fechado, porque se inventarmos uma peça nova ao lado do cavalo, um burro, exemplificativamente, teremos que criar uma regra nova que diga como é que o burro anda: de costas ou se pode pular como o cavalo etc. O sistema fechado é completo porque contém uma norma que regula todos os casos e retrospectivo, uma vez que se refere a fatos que circunscreveu. Será aberto quando se pode encaixar um elemento estranho sem necessidade de modificar a sua estrutura. Como exemplo, poder-se-ia citar a língua portuguesa, na qual podemos utilizar uma palavra pertencente ao repertório de outro sistema sem alterar a estrutura gramatical, dentro de um certo limite, como na frase: ‘Yes é um termo inglês’. Porém se se empregasse quatro vocábulos ingleses e um português, haveria quebra da estrutura do sistema linguístico português. Isso porque há um certo limite para a abertura do sistema. O sistema aberto é incompleto e prospectivo, porque se abre para o que vem, não alterando suas regras”[51].
Com efeito, o direito é realidade que pode ser estudada sistematicamente pela Ciência do Direito, não se constituindo um sistema jurídico em si mesmo.
Entretanto, caberá ao jurista apresentar o direito de uma maneira ‘sistemática’, a fim de facilitar o seu conhecimento e estudo, bem como a aplicação pelos operadores do Direito, sejam eles juízes, promotores de justiça ou advogados.
“O fenômeno da ‘lacuna’ está correlacionado com o modo de conceber o sistema”, segundo adverte Maria Helena Diniz. E prossegue a ilustre doutrinadora:
“Se se fala em sistema normativo como um todo ordenado, fechado e completo, em relação a um conjunto de casos e condutas, em que a ordem normativa delimita o campo da experiência sem ser condicionada pela própria experiência, o problema da existência das lacunas ficaria resolvido, para alguns autores, de forma negativa, porque há uma regra que diz que ‘tudo o que não está juridicamente proibido, está permitido’, qualificando como permitido tudo aquilo que não é obrigatório nem proibido. Essa regra genérica abarca tudo, de maneira que o sistema terá sempre uma resposta; daí o postulado da plenitude hermética do direito. Toda e qualquer lacuna é uma aparência, nesse sistema que é manifestação de uma unidade perfeita e acabada, ganhando o caráter de ficção jurídica necessária. De uma forma sintética, poder-se-á dizer como Von Wright que ‘um sistema normativo é fechado quando toda ação está, deonticamente, nele determinada’.[52]”
Refere-se a expressão ‘lacuna’, portanto, a um estado incompleto do sistema ou, como diz Binder, “há lacuna quando uma exigência do direito, fundamentada objetivamente pelas circunstâncias sociais, não encontra satisfação na ordem normativa”[53].
Por outras palavras, Maria Helena Diniz abeberando-se em Paulino J. Soares de Souza Neto assevera que “haverá sempre lacunas quando uma solução jurídica para determinado caso se torne necessária e a legislação não ofereça uma solução que se adapte ao caso concreto em espécie”[54].
Assim sendo, o conjunto ordenado se transmuda em desordem e descontinuidade, passando a apresentar um ‘vazio’ (rectius: uma lacuna[55]), justamente por não conter solução expressa para o caso ‘sub judice’.
Por fim, lembra a professora Maria Helena Diniz que “o vocábulo ‘lacuna’ foi introduzido, com sentido metafórico, para designar os possíveis ‘vazios’, ou melhor, os referidos casos em que o direito objetivo não oferece, em princípio, uma solução; em que há, por outras palavras, uma impossibilidade lógica de solução normativa a um caso, dentro de um determinado sistema”[56].
Daí se justificar a íntima relação entre ‘lacuna’ e ‘sistema’.
2.2 A incompletude do sistema e a existência das lacunas
Conforme demonstramos acima, o direito aparece como um sistema que apresenta ‘lacunas’, sendo de rigor, agora, o estudo relativo à incompletude do sistema.
Para tanto, valemo-nos do conceito elaborado por Karl Engisch, para quem “lacuna é uma imperfeição insatisfatória dentro da totalidade jurídica”[57]. Logo, na concepção deste autor, a lacuna representa, em verdade, nada mais que uma ‘falha’ ou uma ‘deficiência’ do sistema jurídico, revelando o intrínseco caráter relacional entre ‘lacuna’ e ‘sistema’[58].
Por outro prisma, Tercio Sampaio Ferraz Jr. faz uma interessante análise acerca da ‘imperfeição insatisfatória’ e da ‘totalidade jurídica’, relacionando-as à problemática das lacunas no sistema jurídico. Assim se pronuncia o eminente doutrinador:
“‘Perfeição’ é a qualidade daquilo que está concluído, ou, mais propriamente, acabado de fazer. O perfeito é aquilo que está feito, plena e completamente, ou seja, o que não possuía, mas passou a possuir tudo o que precisa, dentro de um determinado limite. O perfeito é algo que ocorre dentro de um limite. Logo, a imperfeição é um não-acabado, é aquilo que não foi concluído dentro de um limite. No caso de ‘lacuna’ essa imperfeição é, ainda, insatisfatória. O termo ‘insatisfatório’ é negação do satisfatório, que é o suficientemente feito. Porém, nem tudo o que é imperfeito é insatisfatório; há imperfeições satisfatórias. Um exemplo disso é a noção de ‘obra aberta’ de Umberto Eco. A obra aberta é um tipo de obra, um quadro, por exemplo, que não está acabado. Ser ele imperfeito, mas não insatisfatório, porque o artista ou aquele que o observar tem a possibilidade de completá-lo. A obra aberta é, portanto, aquela que torna disponíveis a várias integrações complementares ‘complementos produtivos concretos’; é a obra que possui uma vitalidade estrutural e que, não sendo completa, é válida, tendo-se em vista diversos resultados. Assim sendo, a ‘lacuna’, enquanto ‘imperfeição insatisfatória’, exprime uma falta ou uma insuficiência que não deveria ocorrer dentro de um certo limite. A lacuna pode ocorrer, porém não deve ocorrer. O vocábulo ‘limite’ conduz ao segundo elemento da definição de Engisch, a ‘totalidade jurídica’, na qual não deve, mas pode, ocorrer uma imperfeição insatisfatória; é algo feito, que tem um início definido e um fim previsível, dotado de uma certa permanência. Tendo limites temporais definíveis, ela aponta para limites espaciais, representados pela qualificação jurídica. Percebe-se que se trata de uma totalidade entre totalidades, na qual se pode separar o que pertence e o que não pertence a ela, o que está dentro e o que está fora, o que pode entrar e o que não pode, o que deve e o que não deve, sendo, portanto, um sistema. Há lacuna no sistema de normas se há um dado que não pode ser regulado por ele, não se podendo dizer, portanto, se pertence ou não ao sistema, ou mesmo se deve ou não pertencer a ele. De forma que o sistema é uma ordem, capaz de uma perfeição (satisfatória) que de repente pode apresentar uma desordem (imperfeição insatisfatória) pela intersecção do sistema com qualquer outro com o qual tenha limites.”[59]
Na verdade, uma vez que a palavra ‘lacuna’ traz consigo a idéia de incompletude, mister desvendarmos se essa ‘falta de solução’ seria ou não insatisfatória. Eis aí a nosso ver o ponto nevrálgico da questão, cuja resposta Maria Helena Diniz, estribada na lição de Karl Engisch nos auxilia a encontrar:
“(...) Na hipótese de ‘lacuna legal’ o seu preenchimento é possível mediante o emprego dos argumentos analógicos e a contrario ou de outras operações de pensamentos baseados em lei, realizadas pelos magistrados. Contudo, tais técnicas não excluem as lacunas; simplesmente procuram fechá-las ou colmatá-las. Mas em relação à ‘lacuna jurídica’ a questão não é tão simples quanto parece, porque, para Engisch, mesmo que exista uma norma (art. 126 do CPC brasileiro, p. ex.), prescrevendo a ‘proibição da denegação da justiça’, obrigando o juiz a decidir todo e qualquer litígio, isso não significa que a sua decisão possa ser, suficientemente, fundamentada a partir de princípios jurídicos, que ela seja uma decisão de direito e não uma mera decisão arbitrária. Isto porque, apesar de todas as possibilidades de uma descoberta integradora do direito – analogia, princípios gerais de direito etc. – sempre haverá casos nos quais não é possível uma colmatação das lacunas. De maneira que a questão será a de se saber em que medida a ‘valoração pessoal’ é uma decisão efetivamente pessoal (ou subjetiva) ou se encontra apoio em critérios objetivos.
Na opinião de Engisch podem ficar em aberto lacunas insuscetíveis de preenchimento; assim sendo, o dogma da plenitude do ordenamento jurídico e a conhecida proibição da denegação da justiça não são válidos a priori: seria até concebível que o órgão judicante tivesse o poder de, em casos de lacunas, recusar a resposta, pois nenhum juiz ou tribunal tem competência ou é designado para proferir decisão, segundo o seu alvedrio ou de acordo com a oportunidade. O que se lhe exige é que responda a todos os conflitos jurídicos juridicamente, que preencha as lacunas do direito positivo, na medida do possível através de meios e instrumentos jurídicos. Por conseguinte, para esse autor, não existe uma plenitude, um fechamento do sistema que seja lógico – teorético – juridicamente necessário. Todavia, afirma que sempre é verdade que a plenitude do ordenamento jurídico pode ser mantida como uma idéia ‘regulativa’, como um princípio da razão que, enquanto regra, postula o que deve acontecer, não aceitando o que no objeto nos é apresentado como um dado em si. Admitindo dessa forma a existência de autênticas lacunas na ordem jurídica que devem ser colmatadas pelo poder competente, mediante o emprego de mecanismos jurídicos, a fim de que se mantenha como princípio a completude do sistema jurídico.”[60]
Fato é que o direito não é estanque, devendo sempre acompanhar a nova realidade social dentro da qual se insere, sob pena de não ser alcançado o ideal de pacificação social a que se propõe. É sabido que a vida em sociedade proporciona diariamente um sem-número de novos fatos e conflitos, os quais deverão ser equacionados pelos juízes, mercê da elaboração de novas leis pelo Poder Legislativo.
Mas, grandiosa e complexa é essa tarefa, lembrando-se ainda que as normas, por mais completas que sejam, são só uma parte do direito.
Nesse passo, Santi Romano há muito criticava a noção de direito como pura normatividade. São suas as seguintes palavras:
“Derecho no es sólo la norma dada, sino también la entidad de la cual ha emanado la norma. El proceso de objetivación, que da lugar al fenómeno jurídico, no se inicia en la emanación de una regla, sino en un momento anterior: las normas no son sino una manifestación, una de las distintas manifestaciones; un medio por medio del cual se hace valer el poder del ‘yo’ social”.[61]
Segundo Maria Helena Diniz, “há até quem diga que a simples noção de direito reduzida à afirmação ‘o direito é norma’ é um conceito ao alcance de qualquer mentalidade primária, perfeitamente acessível aos graus mais elementares de cultura, de maneira que um pequeno número de noções elementares é o suficiente para dar um perfeito conhecimento do direito a quem quer que seja, pois ele é tão simples – é a norma. Para que, dizem, cinco anos de ensino superior, para que toda essa preparação filosófica, sociológica etc.?”[62]
Outrossim, não há que se fazer confusão entre ‘norma’ e ‘proposição jurídica’, distinção esta sobre a qual a professora Maria Helena Diniz igualmente teve oportunidade de pontuar:
“a) O dever ser da norma jurídica tem sentido prescritivo (imperativo), o dever ser da proposição um sentido descritivo (indicativo);
b) A norma decorre de um ato de vontade, trata-se de uma criação real e a proposição de um ato de conhecimento, sendo assim uma criação epistemológica, como diz Kelsen.
A norma jurídica, portanto, não é um juízo, mas um imperativo, é uma manifestação de um ato de vontade e não de um ato de conhecimento. A função significativa de uma norma não é enunciar, mas prescrever um determinado comportamento humano, ou seja, impor um dever.”[63]
Também Giorgio Campanini afirma que o direito não se reduz apenas à lei, com o que estamos plenamente de acordo:
“Indubbiamente el concetto di legge è parte integrante del più generale concetto di diritto non è soltanto da legge, nè con essa è stato storicamente identificato: accanto alla legge positiva sono sempre state poste, anche nel momento normativo del diritto, legge naturale e consuetudine, talchè ridurre la storia del concetto di diritto alla storia del concetto de legge sareabbe un’arbitraria e ingiustificata trasposizione sul piano storico di attuali posizioni teoretiche non sufficientemente e criticamente fondate.”[64]
Portanto, as normas fazem parte de um âmbito maior, que é o direito, estando nele inseridas; “dever-se-á levar em conta, em caso de lacunas no direito civil, o sistema jurídico em sua totalidade e não apenas o normativo, e além disso sempre tendo-se em vista determinado caso concreto, que está sendo submetido à apreciação do magistrado.”[65]
2.3 Espécies de lacunas
A seguir pretendemos apresentar ao leitor, de modo o mais possível claro e objetivo, as espécies de lacunas frequentemente mencionadas pela doutrina nacional e estrangeira, sem, contudo, termos a pretensão de esgotar o assunto, mormente diante do escopo do presente trabalho.
Lembramos, por oportuno, que a rigor não há classificação certa ou errada, mas sim útil ou inútil. Por isso, o nosso esforço em apresentar uma classificação que se coadune com o direito pós-moderno, sem nos afastarmos, é claro, dos fundamentos doutrinários de renomados e conhecidos juristas, os quais nos serviram – e sempre servirão – de base.
Passamos, então, a relacionar, abaixo, as espécies de lacunas que possam despertar maior interesse científico aos operadores do Direito, ao menos segundo a nossa ótica (para uma visão mais detalhada do tema sugerimos consultar a obra “As Lacunas no Direito”, de autoria de Maria Helena Diniz, publicada pela Editora Saraiva, de cujos ensinamentos ora nos valemos – 5ª edição, pp. 84-95):
“Zitelmann distingue as lacunas em “autênticas” e “não autênticas”. Tem-se a lacuna autêntica quando, a partir de uma análise da lei, é impossível a obtenção de uma decisão a um caso concreto. A inautêntica ocorre quando o fato-tipo está previsto em disposição legal, mas a solução possível é tida como insatisfatória ou falsa. Só a autêntica é uma lacuna jurídica; a não autêntica é apenas uma lacuna política.” (g.n.)
“Engisch denomina essas lacunas de modo diverso. Diz ele que, quando uma conduta, cuja punibilidade nós talvez aguardemos ‘consciente e deliberadamente’ não é punida pela norma e se esta punibilidade nos cai mal, podemos falar em lacuna político-jurídica, crítica, imprópria ou de lege ferenda, de uma lacuna do ponto de vista de um futuro direito mais perfeito e não em lacuna autêntica, própria, isto é, de lege lata, de uma lacuna no direito vigente. E, esclarece, uma lacuna de lege ferenda apenas pode motivar o legislativo a reformular o direito, mas não o judiciário a uma colmatação da referida lacuna. O preenchimento de lacunas só diz respeito à lacuna de lege lata.”[66] (g.n.)
“Bobbio[67] ao se referir a esses tipos de lacunas lança mão de outras denominações. A ausência de uma norma justa é uma lacuna de jure condendo, ideológica ou imprópria, ou ainda objetiva, já que se trata de uma lacuna no sentido de uma confrontação entre o que é um sistema real e um sistema ideal. (...) Não pode haver lacuna, no sentido de falta de normas, mas sim lacuna no sentido de ausência de norma justa. A lacuna imprópria distingue-se da lacuna real, de jure condito ou propriamente dita, ou ainda subjetiva, imputável ao legislador e que seria uma lacuna dentro do sistema.” (g.n.)
“Karl Larenz[68] denomina as lacunas impróprias de Zitelmann de lacunas de regulação, que concernem a uma norma jurídica que se apresenta incompleta relativamente a um setor material. Essas lacunas de regulação, por sua vez, podem ser ‘abertas’ ou ‘ocultas’. Serão abertas quando faltar na lei uma ordem positiva que não atinge o fim da regulação, e ocultas quando faltar uma limitação, para determinados casos, de uma norma dada, isto é, uma ‘ordem negativa de validade’. Só que para Larenz essas duas espécies são ‘lacunas próprias’, sendo que o juiz está obrigado a integrá-las.” (g.n.)
“Para Zitelmann, o ordenamento jurídico, sob o prisma lógico, não tem lacunas, uma vez que ‘tudo que não está proibido, está juridicamente permitido’. Não se trata, portanto, de lacuna normativa, mas, evidentemente, de lacuna axiológica, já que não há forma de interação humana que não esteja juridicamente regulada. (...) Hipóteses há em que a norma existente revela-se inaplicável por abranger casos ou consequências que o legislador não teria contemplado se os tivesse conhecido. Temos aqui uma lacuna axiológica, uma vez que, logicamente, a matéria estava disciplinada, embora de modo insuficiente, e vivenciada como injusta.” (g.n.)
“Com base na classificação das lacunas em autênticas e inautênticas, a doutrina entendeu que as lacunas podem ser intencionais ou não-intencionais, sugerindo, dessa forma, que o sistema normativo contém uma certa intencionalidade, que permite saber se um caso é de falha que deve ser sanada (lacuna autêntica) ou que deve ser deixada tal como está (lacuna inautêntica). As lacunas voluntárias ou intencionais são as que o legislador, propositadamente, deixa em aberto, porque a matéria, por ser assaz complexa, exigiria normas excessivamente minuciosas ou porque, por não se sentir em condições adequadas, entende ser mais propício confiar ao juiz a missão de encontrar a norma mais específica. As não-intencionais ou involuntárias são as que podem surgir quando o elaborador da norma não observou o direito cabalmente (lacuna de previsão), seja porque a matéria não existia na época (lacuna desculpável), seja porque não examinou o caso corretamente (lacuna indesculpável)”[69]. (g.n.)
“Werner Goldschmidt[70], ao se referir às lacunas, emprega terminologia bem peculiar: lacunas normológicas, pertinentes à ausência de normas requeridas por outras, isto é, que não se normativizam por lei ou que não se regulamentam por decreto etc., e lacunas dikelógicas, que ocorrem na falta de normas requeridas pela justiça, que, por sua vez, podem ser diretas, se tal omissão se deve a motivos históricos em que o legislador não pôde prever a necessidade das normas, ou indiretas, se as normas existentes são tão injustas que não podem ser aplicadas.” (g.n.)
“Schreier[71] chama lacunas transcendentes à ausência total de regulamentação de um fato social e lacunas imanentes às que existem dentro da ordem jurídica, enquanto esta disciplina uma determinada questão e não outra que se encontra intimamente correlacionada com ela.” (g.n.)
“A doutrina alemã distinguiu as lacunas em primárias (originárias) e secundárias (derivadas ou posteriores). As primárias são as existentes na ordem normativa desde o momento de sua gênese, e as secundárias são as que aparecem posteriormente, seja em consequência de uma modificação da situação fática (p. ex., em virtude de progresso econômico e técnico), ou de aparecimento de figuras contratuais que não se encaixem nos tipos jurídicos predeterminados de um sistema, ou devido a uma mutação de valores em relação à ordem jurídica[72], hipóteses essas que trazem em si questões novas que o legislador não poderia ter previsto, dando lugar às lacunas.” (g.n.)
“Amedeo Conte[73] apresenta um conceito geral de lacuna. Lacuna, ensina ele, de uma ordem normativa é uma inadequação que designa, sempre, um conceito genérico, que é a ausência de uma norma. O gênero nada mais é senão a ausência de uma norma. Nesse teor de idéias propõe uma classificação de lacuna, em lacuna deontológica, que se subdivide em ideológica e teleológica, e lacuna ontológica, que sofre a subdivisão em crítica e diacrítica.
As lacunas deontológicas seriam inadequações da ordem normativa ao ‘dever-ser’ (Sollen), ou seja, àquilo que deve ser. Trata-se de uma lacuna de dever-ser, quando há uma coisa em relação ao processo de avaliação que não se pode avaliar, por faltar um critério. Esse tipo de lacuna contém duas subespécies. Das lacunas deontológicas resultam as ideológicas – caso em que temos lacunas relacionadas a um critério transcendente, isto é, extrínseco à ordem jurídica, expressando a ausência de uma qualificação justa de um comportamento e a presença de uma norma que difere daquilo que se estima como justo, apresentando uma inadequação da ordem normativa em relação a uma ideologia dessa mesma ordem – e as teleológicas ou técnicas – subsistem em relação a um critério imanente, apresentando uma inadequação da ordem normativa a um fim imanente à própria ordem, contendo uma ausência de eficácia, ou por outras palavras, integrando a ausência de uma norma cuja validade é condição de eficácia de uma outra.
As lacunas ontológicas representam inadequações da ordem normativa quanto ao ‘ser’ (Sein), aquilo que é, abrangendo as lacunas críticas e diacríticas. Há lacunas críticas quando for impossível uma avaliação deôntica de um comportamento de acordo com a norma, devido a incompletude da ordem jurídica. As lacunas críticas se subdividem em objetivas e subjetivas. A lacuna crítica objetiva subsiste na hipótese de não-qualificação deôntica de condutas, isto é, nos casos em que um comportamento não tem status deôntico, pelo fato de nenhuma prescrição normativa qualificar, deonticamente, sua omissão ou comissão, isto é, quando, pelo menos, um comportamento (omissão ou comissão) não é nem permitido nem proibido, havendo aí três hipóteses de lacuna: a comissão de um comportamento que não é permitida nem proibida; a omissão de uma conduta que não é nem permitida, nem proibida; a comissão e omissão de, pelo menos, um comportamento não são nem permitidas nem proibidas. A lacuna crítica subjetiva deriva da impossibilidade de reconhecer se uma norma é válida ou da impossibilidade de a conhecer. A impossibilidade de reconhecer essa norma pode derivar de sua antinomia com uma outra norma, hipótese em que está presente uma lacuna lógica. A lacuna lógica pode, por sua vez, ser distinguida em duas espécies: lacunas lógicas consistentes na antinomia de normas, em que um comportamento (comissão ou omissão) é permitido por uma norma e proibido por outras, e lacunas lógicas consistentes na antinomia de normas sobre normas e na consequente impossibilidade de se saber qual entre as normas incompatíveis é válida. A impossibilidade de conhecê-la pode advir da indeterminação semântica de sua expressão.
As lacunas diacríticas derivam da impossibilidade de uma decisão ou de uma resolução para o caso concreto controvertido.
As lacunas ontológicas e as deontológicas ideológicas são lacunas do direito, ao passo que as lacunas deontológicas teleológicas são lacunas no direito.” (g.n.)
“Paul Foriers[74] também apresenta uma classificação de lacunas em técnicas e práticas. A técnica ou intra legem seria a ausência pura e simples de uma regulamentação, e a prática consistiria na presença de uma norma considerada pelo juiz, no estado atual de nossas concepções e costume, como inadequada.” (g.n.)
“Bastante interessante é a distinção proposta por Ulrich Klug[75], tendo por base a consideração do problema das lacunas como uma inadequação entre um sistema de normas N, e um conjunto de fatos S, classificando as lacunas do seguinte modo: lacunas verdadeiras e não-verdadeiras. Ter-se-iam as primeiras quando a solução para um estado de coisas S falta no sistema normativo N, e as segundas quando S é disciplinado por N, porém a solução é tida como falsa, porque não satisfaz; lacunas intencionais e não-intencionais, que, no mesmo sentido abordado anteriormente, dependem da vontade do legislador; lacunas primárias e secundárias, sendo as primeiras já existentes por ocasião do nascimento do sistema normativo N, e as segundas as que se manifestariam mais tarde; lacunas da lei e do direito, que se distinguem se se admitir a existência de dois sistemas normativos N1 e N2, onde N1 seria a ordem legal positiva, e N2, uma ordem de direito supralegal, e as lacunas surgiriam, no primeiro caso, como a falta de norma no sistema N1, e no segundo, como a ausência de norma do sistema N2 supralegal; lacunas provisórias da lei, que apareceriam, admitindo-se a referida existência dos sistemas N1 e N2, onde a falta de norma no N1 é preenchida por norma de N2; lacunas imanentes e transcendentes, que requerem a consideração de dois sistemas de normas, sendo imanente a oriunda de uma falha no sistema N1 e transcendente a advinda do N2, considerando-se que o conjunto de fatos S esteja apenas disciplinado por N1. Klug fala, ainda, em ‘domínio vazio do direito’, que abrange um conjunto de fatos S não regulamentados, intencionalmente, pelo legislador, por isso não são nem proibidos nem permitidos.
Menciona Klug as lacunas de conflito ao se referir à contradição de duas normas de um sistema normativo, sem que se possa saber qual dessas disposições deverá ser aplicada ao caso singular. Aqui temos o que se denomina ‘antinomia real’; esta dá origem, no entender de Klug, a uma lacuna de conflito, isto porque, em sendo contraditórias, as normas se excluem reciprocamente, obrigando o magistrado a solucionar o caso segundo os critérios de preenchimento de lacunas.” (g.n.)
“Zygmunt Ziembinski[76] fala em lacunas lógicas, em caso de antinomias; em axiológicas, na hipótese de lacuna de lege ferenda, e em lacunas de construção, sendo esta última a verdadeira lacuna, surgindo quando houver uma omissão nas normas de organização de um sistema legal, tão frequentes nos sistemas legais contemporâneos (que contêm normas de conduta que fixam os deveres impostos aos sujeitos de direito pelo legislador e as de organização, que são normas dirigidas a outros sujeitos ao conferir-lhes um poder). Se houve omissão nas normas de organização, temos a autêntica lacuna, segundo esse autor, pois seriam situações em que a lei nos apresenta uma norma que determina que uma relação jurídica se dê de tal modo, sem contudo especificar as várias possibilidades para a consecução do que nela está previsto, deixando ‘em branco’ as decisões de detalhes ou sem eleger qual das possibilidades deseja.” (g.n.)
“Krings[77] separa as lacunas externas, que se situam fora do sistema legal, das internas, que são as que se apresentam dentro dos limites do sistema legal, requerendo a colmatação das lacunas. As ‘externas’ são as que para ser preenchidas requerem a extensão do sistema ao caso concreto não previsto; p. ex., mediante o recurso analógico. As ‘internas’ surgem quando a lei emprega alguns termos, sem contudo fornecer sua definição, ou seja, quando tal lei é ambígua, obscura ou imprecisa, caso em que são colmatadas pelos tribunais.” (g.n.)
Como dito, sem qualquer pretensão de esgotarmos todas as possibilidades classificatórias – o que seria, convenhamos, um trabalho hercúleo –, entendemos por bem apresentar, por derradeiro, os tipos de lacunas relacionados por Betti[78]:
“Lacunas ínsitas ab origine na norma ou supervenientes com o decurso do tempo ao modificarem-se as relações; lacunas resultantes da falta de valorações normativas, daquelas de que se deduz a máxima de decisão (lacunas de valoração) ou de sua inadequação no tratamento jurídico; lacunas dependentes de definições totais ou parciais de quaisquer elementos do tipo legal ou do estatuído no preceito (lacuna de previsão); lacunas dependentes da alternatividade, isto é, decorrentes de mudanças de relações fáticas; e lacunas de colisão, que supõem a exigência de uma adequação e de um ponto de acordo das normas existentes com a sobrevinda.” (g.n.)
Lobriga-se, portanto, haver infinitas possibilidades de classificação das lacunas, as quais são analisadas por cada um dos juristas sob um prisma peculiar. Se, de um lado, é certo que as dificuldades classificatórias existem – como muito bem ressalta a professora Maria Helena Diniz[79] –, de outro lado, é certo que essas dificuldades decorrem, principalmente, da metodologia e da terminologia empregada pelos juristas.
2.4 As lacunas nas decisões judiciais
Em trabalho de extraordinária grandeza, o saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes Direito[80] muito bem pontuou o papel do juiz frente às decisões judiciais.
Procurando analisar como se forma a decisão judicial[81], quais os elementos essenciais que levam o julgador a decidir a questão de determinada maneira e por que uma mesma regra jurídica recebe tratamento diferenciado dos Juizes e Tribunais, sustenta que a decisão judicial não decorre da pura aplicação da lei considerando um dado caso concreto.
Diz que o direito positivo é, apenas, um meio para que o juiz preste a jurisdição, sendo que após o contato com a realidade dos autos, o juiz alcança o segundo momento de sua atividade: a determinação das regras ou princípios jurídicos aplicáveis ao caso. E essa determinação, afirma Menezes Direito abeberando-se em José de Oliveira Ascensão[82], pode ser dividida em três processos fundamentais: 1) interpretação; 2) integração das lacunas; e 3) “interpretação enunciativa”. (g.n.)
No que nos fala mais de perto, a questão da integração das lacunas relaciona-se diretamente com a proibição de aplicação do “non liquet”[83], que “era a fórmula empregada pelo magistrado ao perceber que não dispunha de elementos para decidir”[84].
Conforme relata Maria Helena Diniz, houve época em que vigorou a idéia de que na falta de norma expressa, o juiz deveria abster-se de julgar, como era o caso do pretor romano[85]. Hodiernamente, porém, não é mais assim, estando o juiz obrigado, por lei, a decidir todo e qualquer litígio jurídico que lhe seja submetido à apreciação.
Com efeito, as regras expressas de proibição da denegação de justiça estão insculpidas no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942), bem como no artigo 126 do Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973), os quais serão melhor analisados no item 3.1 a seguir.
O legislador prescreveu ambas as normas acima, objetivando estabelecer a “plenitude do ordenamento”, uma vez reconhecida a total impossibilidade de se regulamentar todas as condutas na vida em sociedade.
Note-se que, “se o juiz deixa de julgar, alegando ausência de norma para o caso sub judice, o sistema será, em relação ao referido caso, incompleto”[86], sendo que a decisão judicial, em última análise, sequer elimina as lacunas porventura existentes.
De fato, não se fecha a lacuna ao aplicar a um caso não previsto em lei a analogia, o costume ou, ainda, os princípios gerais de direito. Se o ordenamento não for completo, não será a jurisdição que o tornará completo.[87]
Além disso, nas sempre sábias palavras do professor Tercio Sampaio Ferraz Jr., “o processo judicial não tem por escopo acabar com ressentimentos, eliminar conflitos, mas pôr-lhes fim. A decisão, em seu conceito moderno, soluciona uma questão sem eliminá-la, pois ressentimentos e decepções não podem ser institucionalizados. A decisão jurídica distingue-se das demais, porque é idônea para terminar conflitos, pondo-lhes um ‘fim’. Pôr um fim não quer dizer eliminar incompatibilidades; significa tão somente que os conflitos não podem mais ser retomados no plano institucional (coisa julgada), não tendo, portanto, o poder de eliminar as dúvidas, que podem subsistir após a decisão dos conflitos.”[88]
E arremata, dizendo: “A ausência de norma, a omissão, ou a lacuna, não torna um comportamento obrigatório ou permitido, mas juridicamente indecidível, cabendo ao órgão judicante torná-lo decidível.”[89]
Por conseguinte, vê-se que por mais sagaz que o legislador seja, jamais conseguirá prever todos os fatos que possam ocorrer na sociedade pós-moderna – como, aliás, também não o fez no passado –, sendo desarrazoado pretender que no ordenamento jurídico existam normas exaustivas regulando todas as relações jurídicas. Daí uma primeira conclusão é inevitável: o direito é e sempre será lacunoso! Disso não podemos fugir. Nunca.
Logo, a problemática das lacunas jurídicas, ante o caráter dinâmico do direito é, conforme ensina Maria Helena Diniz, “uma decorrência lógica oriunda de sua própria estrutura”[90].
Caberá, então, ao magistrado, a colmatação[91] das lacunas existentes, ao aplicar o direito ao caso concreto, suprindo-se a omissão legislativa.
3. Meios de integração das lacunas
Neste item analisaremos a questão relacionada aos meios de integração das lacunas.
Como visto, “quando, ao solucionar um caso, o magistrado não encontra norma que lhe seja aplicável, não podendo subsumir o fato a nenhum preceito, porque há falta de conhecimento sobre um status jurídico de certo comportamento, devido a um defeito do sistema que pode consistir numa ausência de norma, na presença de disposição legal injusta ou ineficaz socialmente, estamos diante do problema da lacuna, que pode ser, respectivamente, normativa, axiológica ou ontológica. Imprescindível será um desenvolvimento aberto do direito dirigido metodicamente. Essa permissão de desenvolver o direito compete aos aplicadores sempre que se apresentar uma lacuna, pois devem integrá-la, criando uma norma individual, dentro dos limites estabelecidos pelo direito (LICC, arts. 4º e 5º). Os meios de preenchimento da lacuna são os indicados pela própria lei sub examine; assim, para a integração jurídica, o juiz poderá fazer uso da analogia, do costume e dos princípios gerais de direito.”[92]
A propósito, esclarece Maria Helena Diniz que, “no nosso direito dois são os mecanismos por meio dos quais se completa, dinamicamente, um ordenamento: a auto-integração e a heterointegração[93]. A auto-integração é o método pelo qual o ordenamento se completa, recorrendo à fonte dominante do direito: a lei. O procedimento típico é a analogia. A heterointegração é a técnica pela qual a ordem jurídica se completa, lançando mão de fontes diversas da norma legal, p. ex.: o costume, a equidade. É difícil distinguir a auto-integração da heterointegração, porque os princípios gerais de direito podem ser tidos como auto-integração (analogia juris) e como heterointegração (recurso aos princípios de direito comparado), porém, nos inclinamos a considerá-los como instrumentos heterointegrativos...”[94]
Passemos, então, a analisar os artigos 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e o artigo 126 do Código de Processo Civil, em consonância com os métodos de complementação do ordenamento jurídico.
3.1 O artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e o artigo 126 do Código de Processo Civil
O artigo 4º do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro), tem a seguinte redação:
“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”[95]
“Esse dispositivo derrogou o art. 7º do antigo estatuto preliminar (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916), pelo qual se deveriam aplicar ‘nos casos omissos as disposições concernentes aos casos análogos, e, não as havendo, os princípios gerais de direito’; porém não o atingiu substancialmente, inserindo, ao lado da analogia e dos princípios de direito, o costume, e nisto vemos uma melhora, porque os costumes, que foram fonte originária do direito, ainda hoje não perderam de todo a sua força criadora, por entre as múltiplas disposições legislativas.”[96]
Outros Códigos Civis, além do brasileiro, também contêm dispositivos sobre a matéria, tais como o Código suíço (art. 1º), uruguaio (art. 16), português (art. 10), espanhol (art. 6º, inc. 2º), argentino (art. 16), italiano (art. 12 e inc. 2º das Disposições Preliminares), peruano (art. XXIII), mexicano (arts. 19 e 20) e austríaco (art. 7º), conforme relata a professora Maria Helena Diniz[97].
Daí se percebe que a analogia, o costume e os princípios gerais de direito, enquanto meios supletivos das lacunas, podem ser considerados praticamente universais[98].
Já o artigo 126 do Código de Processo Civil[99] (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973), vem assim expresso:
“O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais, não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.”
José Roberto dos Santos Bedaque, ao tratar do dispositivo legal acima, manifesta-se da seguinte forma:
“O dever de julgar e a lacuna da lei: Dentre os princípios inerentes à jurisdição, destaca-se o da indeclinabilidade. Exercida a garantia constitucional da ação, em decorrência do que todos têm acesso ao devido processo constitucional, o juiz não pode, qualquer que seja o fundamento, eximir-se de responder ao pedido formulado pelo autor. As expressões despachar e sentenciar compreendem todas as formas de provimentos judiciais (despachos, decisões, sentenças e acórdãos).
Nem mesmo lacuna ou obscuridade da lei constitui motivo para omissão do juiz. Embora o julgamento deva levar em conta, principalmente, as regras legais, admissível também a adoção de outras fontes de direito ou meios de integração do sistema legal, como analogia, costumes e princípios gerais de direito.
O simples fato de provocar a atividade jurisdicional não assegura à parte, evidentemente, o julgamento sobre sua pretensão e muito menos resultado favorável. Vícios ou falhas de ordem processual podem impedir o exame do mérito. A não-demonstração dos fatos ou a não-subsunção deles a regras jurídicas levam à improcedência do pedido. De qualquer modo, ao juiz é vedado o non liquet. Seja para extinguir o processo sem análise do mérito, seja para rejeitar o pedido formulado pelo autor, a propositura da ação torna inexorável a sentença.
Por isso, não tem sentido a regra contida no art. 268, parte final. Jamais pode o juiz deixar de despachar a petição inicial, sob pena de violar a garantia constitucional da ação. No caso, o não-pagamento das custas implica impossibilidade de o processo continuar, o que pode levar a sua extinção, mediante sentença.
Aliás, o próprio sistema processual, imaginando a possibilidade de o juiz não conseguir formar seu convencimento com base no conjunto probatório, não só dotou-o de poderes instrutórios (art. 130), como também tornou possível a solução do litígio segundo as regras de distribuição dos ônus da prova (art. 333).
As alternativas à regra legal são a analogia, o costume e os princípios gerais do direito.
Analogia é mecanismo destinado a suprir eventual omissão legal. Adotam-se, para situações não reguladas de forma expressa pelo legislador, regras previstas para hipóteses semelhantes. Mediante interpretação, o aplicador da lei procura estender o alcance do texto legal a casos não mencionados expressamente, mas análogos à situação amparada pelo sistema legal.
Princípios gerais de direito são postulados maiores, de valor genérico, que inspiram determinadas normas do ordenamento. Embora não previstos expressamente, são considerados como integrantes do sistema, pois se encontram à base das regras legais.
As consequências previstas para o pagamento indevido no Código Civil de 1916 (arts. 964/971) decorriam do princípio maior, segundo o qual é vedado o enriquecimento sem causa, cuja aplicação é perfeitamente admissível, ainda que não acolhido de forma expressa pelo sistema. Por isso, a revogação dessas regras pelo Código atual não obsta o direito subjetivo de quem pagou indevidamente.
Costumes são regras gerais, não escritas, mas aceitas pelos destinatários, que as consideram obrigatórias. Identificam-se no conceito de costume o elemento objetivo (uniformidade) e subjetivo (aceitação). Em determinadas regiões rurais, as propriedades são separadas por cercas de arame, sendo que, costumeiramente, é utilizado determinado número de fios. Embora inexista norma legal a respeito, o costume pode ser invocado para solução de litígios envolvendo despesas necessárias à divisão dos imóveis rurais.
Inadmissível a adoção de costume contrário ao que dispõe norma legal (contra legem). Apenas se aceita o costume praeter legem.”[100] (g.n.)
José Manoel de Arruda Alvim Netto, professor na Faculdade Autônoma de Direito – FADISP, ao analisar as fontes subsidiárias da norma processual civil, afirma que “ao se qualificar o sistema jurídico como pleno e ao se afirmar, com ênfase, este aspecto do sistema jurídico, sugere-se, imediatamente, a ideia ou o problema das assim chamadas lacunas da lei (v. art. 126 do CPC, que é expresso a respeito). Verifica-se, em todos os ordenamentos jurídicos, a existência de vazios que, à primeira vista, não estariam regulamentados. Isso significa que pode parecer haver aspectos da vida social sem direitos e deveres.”
E prossegue em seu raciocínio, mais adiante, o eminente jurista:
“Coloca-se, desta forma, um problema, que é o da existência das lacunas nas leis e respectiva solução pelas chamadas fontes subsidiárias do Direito, previstas no próprio sistema (v. art. 126 do CPC).
Fontes subsidiárias do Direito são, portanto, os instrumentos de que se serve o próprio legislador, para que, não prevendo a lei especificamente todas as hipóteses, não seja prejudicada a ideia vital e realidade matriz do sistema, qual seja, a da plenitude do ordenamento jurídico (art. 5º, II, da CF/1988, devendo-se vislumbrar a ideia de ordenamento jurídico ou sistema jurídico).
Assim, por mais incansável que seja a busca deste objetivo, por meio da lei, um ideal de plenitude jurídica, na previsão e regulamentação específica de todos os fatos possíveis de acontecer no plano do real, é impossível, dado que a vida humana não é passível de ser integralmente abrangida ou açambarcada por um mero sistema normativo, enquanto se pretender lê-lo como exaurindo-se nos textos de lei. De outra parte, os Códigos assumiriam indesejável complexidade, seriam descomunalmente grandes e não teriam, portanto, operatividade.
Há, em nosso sistema jurídico, três modalidades subsidiárias, principais, de explicitação da integridade do Direito, com o fim de suprir as lacunas da lei: 1ª) a analogia; 2ª) o costume; e 3ª) os princípios gerais de direito (art. 4º da LICC e art. 126 do CPC). São corretas as expressões explicitação da integridade justamente porque esses meios destinados a colmatar as lacunas da lei, e, não, do sistema, encontram-se já previstos no sistema. Falar em integração implica a ideia de que isso ocorreria com algo que viria de fora do sistema.
O Código de Processo Civil, no art. 126, estabelece: ‘O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito’. O costume (‘norma costumeira’) está previsto sucessivamente à lei e à analogia, o que significa ser indubitável constituir-se a lei na fonte primordial do Direito. Isto fica claro se atentarmos para que a fonte produtora fundamental do sistema é a lei, o que há de se concluir a começar pelo próprio enunciado constitucional (art. 5º, II, da CF/1988). O costume só será, pois, usado quando lacunosa a lei escrita, e isto ocorrendo quando não seja ainda viável a analogia, eis que nosso sistema processual é receptivo ao seu uso, transformando-o em ‘norma costumeira”, tendo, dessa forma, bafejado o costume com juridicidade.
Existe uma hierarquia entre a analogia, o costume e os princípios gerais de direito, no sentido de que não se há, exemplificativamente, de usar um costume se a solução pela analogia for possível.
Tanto a Lei de Introdução do Código Civil, em seu art. 4º, quanto o Código de Processo Civil (art. 126) referem-se a tais realidades na mesma ordem. O art. 126, acentue-se, é manifestamente repetitivo, de forma congruente com o aludido art. 4º. Ademais, é razoável que se aplique a analogia, prioritariamente ao costume, porquanto a analogia é uma solução que decorre do próprio sistema, isto é, trata-se de se resolver o problema à luz do que foi querido, embora não explicitamente, pelo próprio legislador. É, pois, em última análise, uma solução mais próxima do Direito escrito, e, assim, mais próxima da ideia matriz de todo o nosso sistema, consistente, essencialmente, em que ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei, e, por outro lado, que responde melhor ao princípio da igualdade de todos perante a lei = sistema jurídico (art. 5º, caput, da CF/1988). Às situações análogas aplica-se a regra próxima, tal como consta da lei, o que conduz a uma maior e possível igualdade de todos perante o sistema. Já – se omissa a lei –, se se fosse(m) aplicar o(s) costume(s), variável(is) ao longo do País, resolver-se-iam questões idênticas por normas costumeiras diferentes, o que não condiz com o art. 5º, caput, da CF/1988. O costume, pois, só será aplicado se impossível a aplicação analógica de uma lei.[101]
Até então, se tratava de assunto relacionado com associação mercantil, seguiam-se as leis comerciais; se lacunosas, os usos comerciais, e só à falta de ambos poder-se-ia recorrer ao Direito Civil (art. 291 do Código Comercial). Consistindo o Direito Comercial em Direito especial, as regras gerais (art. 126 do CPC e art. 4º da LICC) conviviam (art. 2º, § 1º, da LICC) com seu art. 291 (regra especial). Vale dizer, em relação às regras do Código Comercial, para lacunas atinentes a associações mercantis aplicava-se o seu art. 291 e somente à falta dos elementos de explicitação da integridade do sistema jurídico, referidos nesse artigo, é que se passaria ao Direito Civil.
Com a Lei 10.406/2002, que instituiu o Código Civil, a matéria restou unificada e a regulamentação das sociedades passou a constar do próprio Código Civil[102], que lhe reservou o Livro II da Parte Especial, sob a rubrica Do direito de empresa, além do Título II do Livro I da Parte Geral. Ainda vale referir que por esse mesmo diploma, revogou-se o art. 291 do Código Comercial, a teor do que expressamente estabelece o art. 2.045.[103] (g.n.)
Vê-se, portanto, que ambos os dispositivos legais mencionados (artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e artigo 126 do Código de Processo Civil) convivem hodiernamente no ordenamento jurídico vigente, tendo o legislador, entretanto, manifestado claramente uma ordem de obediência no tocante à utilização dos meios de preenchimento das lacunas: 1º) a analogia; 2º) os costumes; e 3º) os princípios gerais de direito.
Nada obstante, em outra vertente de raciocínio, o professor de Teoria Geral do Direito da Faculdade Autônoma de Direito – FADISP, Rogério Ferraz Donnini, em artigo intitulado “A complementação de lacunas no Código Civil – Continua a viger o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil?”, publicado pela Academia Paulista de Direito, aduz expressamente que “o art. 4º da LICC não foi recepcionado pela Constituição Federal”, não se compatibilizando com o sistema do atual Código Civil.
O ilustre professor justifica esse seu entendimento norteado pelos seguintes motivos:
“No sistema do atual Código Civil, que é aberto e móvel, consistente de regras e princípios, a exemplo do que sucede com a Constituição Federal, não teria qualquer sentido a obediência inflexível à regra do art. 4º da LICC, que estatui, como dissemos, uma ordem para se colmatar uma lacuna: analogia, costume e princípios gerais do direito. Na sistemática atual, cada vez mais distante do método de interpretação clássico da escolástica, também denominada dogmática, ou mesmo da escola histórico-evolutiva, ao se deparar com a ausência de norma específica escrita, deve o intérprete investigar se há um princípio positivado para aplicar ao caso concreto. Se ainda assim não se obtém a solução do caso concreto, deve o juiz buscar uma solução justa, equânime, seja por meio dos princípios gerais do direito, da analogia ou do costume, independentemente de uma ordem pré-estabelecida.
Para a colmatação de lacuna no sistema atual, o magistrado deve se utilizar de uma interpretação a partir do texto constitucional, haja vista que se toda norma se manifesta, se exprime sempre a partir de um princípio, tem esse de estar em consonância com os princípios fundamentais insertos em nossa Lei Maior.
Independentemente da constatação de uma lacuna, em qualquer caso nada obsta que o exegeta se valha dos elementos básicos da interpretação preconizados pelo sistema histórico-evolutivo (gramatical, lógico, histórico e sistemático). Entretanto, não mais se admite uma decisão judicial que venha de encontro aos ideais de justiça, sob o simples fundamento de que determinado dispositivo legal preveja um dado comportamento, pois desde o advento da Constituição Federal de 1988, seguida pelo Código de Defesa do Consumidor e do atual Código Civil, nosso sistema jurídico de direito positivo foi aberto para os mandamentos de justiça, com a inserção dos princípios fundamentais, que nada mais representam senão os postulados de direito natural.
Portanto, o art. 4º da LICC não foi recepcionado pela Constituição Federal e, como consequência, não se compatibiliza com o sistema do Código Civil.
Desta forma, diante da impossibilidade do non liquet, o magistrado deve decidir consoante determina a lei, seja por meio de normas escritas ou não-escritas, princípios positivados ou não-positivados, sempre na busca do equitativo, do equânime, que traduz o ideal de justiça.”[104] (g.n.)
Nas palavras do insigne Tercio Sampaio Ferraz Jr., “o direito deve ser justo ou não tem sentido a obrigação de respeitá-lo; a equidade não deixa de ser fiel ao princípio da igualdade, mas como o senso de equilíbrio é conforme as circunstâncias concretas, os juízos equitativos não podem ser generalizados para todos os casos”[105].
Portanto, consideramos plausível o entendimento esposado por Rogério Ferraz Donnini[106], de não se exigir a obediência inflexível ao artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, mormente ao considerarmos que, para a colmatação da lacuna, o juiz deve se valer de uma interpretação consonante com o texto da Carta Magna, mercê daquilo que se convencionou denominar “Direito Civil-Constitucional”[107]. Ademais, não há razão para sermos misoneístas em pleno Século XXI.
3.2 A analogia como método de autointegração da norma jurídica
“Para integrar a lacuna, o órgão judicante recorre, preliminarmente, à analogia, que consiste em aplicar, a um caso não contemplado de modo direto ou específico por uma norma jurídica, uma lei que prevê uma hipótese distinta, mas semelhante ao fato não previsto. A analogia é tão somente um processo revelador de normas implícitas. Seu fundamento encontra-se na igualdade jurídica e na similitude de fatos. É necessário, portanto, que além da semelhança entre o caso previsto e o não regulado haja a mesma razão, para que o caso não contemplado seja decidido de igual modo.”[108].
Mas, conforme adverte José Manoel de Arruda Alvim Netto, “não se pode, ainda, deixar de diferenciar a analogia da interpretação extensiva”. São dele as palavras a seguir transcritas:
“Na analogia, parte-se de duas situações: uma, regulada por determinada norma; outra, que não foi sequer cogitada pelo legislador. Devido, precisamente, à analogia entre as duas situações, aplica-se, então, a norma às duas, ou seja, à situação expressamente prevista e à situação que, embora não prevista, é similar àquela que o é. Na analogia, pois, há duas situações: a prevista e a que lhe é análoga, ou seja, o fato ou a situação análoga.
Na interpretação extensiva, o intérprete parte de uma só norma, por meio da delimitação de seu âmbito, procurando fixar seu significado e abrangência. Assim, uma interpretação é extensiva, quando o legislador disse menos do que tinha a intenção de dizer, ou seja, quando há uma desconformidade entre o pensamento do legislador (o que quer o legislador) e a própria norma, onde o legislador disse menos do que queria ter dito.
A norma é veículo comunicativo de um mandamento e o que importa é que, por intermédio dela, se identifique o mandamento. Por exemplo, o art. 188 do Código de Processo Civil comporta interpretação extensiva, implicativa de que aí também se compreenda a reconvenção, pois a Fazenda há de ter maior prazo também para a reconvenção. Nesse sentido é a jurisprudência[109]. Outro tanto diga-se quanto ao art. 297, que deve ser objeto de interpretação extensiva, relativamente à ação declaratória incidental que, apesar de aí não escrita, há de se reputar, por extensão, nele prevista. Desde logo firmou-se esse entendimento[110]. Ainda, para o uso da declaratória incidental pela Fazenda Pública, terá esta o prazo em quádruplo. Assim, haver-se-á de entender a declaratória incidental também consagrada no já referido art. 188 por extensão.
Na interpretação extensiva, delimita-se bem a situação mal definida pela norma (mandamento), não havendo situação externa a esta. Lendo-se extensivamente, verificar-se-á que a situação está dentro do próprio mandamento.”[111] (g.n.)
Outrossim, os autores costumam distinguir a analogia legis da analogia juris.
A analogia legis ou individual, na terminologia de Karl Larenz, consiste na aplicação de uma norma existente destinada a reger caso semelhante ao não previsto, importando numa maior vinculação a uma determinada norma, partindo da similitude entre as hipóteses (prevista e não prevista) quanto a seus aspectos essenciais, chegando assim à conclusão da igualdade da consequência jurídica.[112]
A analogia juris ou conjunta, como prefere Larenz, estriba-se num conjunto de normas, para extrair elementos que possibilitem sua aplicabilidade ao caso sub judice não previsto, mas similar. É o processo lógico que, com base em várias disposições legais, que disciplinam um instituto semelhante ao não contemplado, reconstrói a norma ínsita no sistema pela combinação de muitas outras.[113]
3.3 O costume, os princípios gerais de direito e a equidade como métodos de heterointegração da norma jurídica
“O costume jurídico é formado por dois elementos necessários: o uso e a convicção jurídica, sendo portanto a norma jurídica que deriva da longa prática uniforme, constante, pública e geral de determinado ato com a convicção de sua necessidade jurídica. O costume, previsto na LICC, art. 4º, é o praeter legem, por revestir-se de caráter supletivo, suprindo a lei nos casos omissos. O costume contra legem forma-se em sentido contrário ao da lei, ou se manifesta pelo não uso formal da lei, reduzindo-a ao esquecimento. Poder-se-á admitir a eficácia do costume contra legem em certos casos excepcionais de lacuna (ontológica ou axiológica), mediante a aplicação do art. 5º da Lei de Introdução, mas não sua força ab-rogatória, revogando uma lei (LICC, art. 2º). O costume secundum legem é o previsto em lei (CC, arts. 1.297, § 1º, 569, II, 596, 597, 615, 965, I, etc.), que reconhece sua eficácia obrigatória.”[114] (g.n.)
“Quando a analogia e o costume falham no preenchimento de lacuna, o magistrado supre a deficiência da ordem jurídica, adotando princípios gerais de direito, que são cânones que foram ditados pelo elaborador da norma explícita ou implicitamente, sendo que, nesta última hipótese, estão contidos de forma imanente no ordenamento jurídico. São normas jurídicas de valor genérico que orientam a compreensão do ordenamento jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou não positivadas.”[115] (g.n.)
“O conceito de ‘equidade’ está intimamente relacionado às concepções jurídico-filosóficas, de modo que não há entre os autores um certo consenso sobre ele. Isto é assim porque o termo ‘equidade’ não é unívoco, pois não se aplica a uma só realidade, nem tampouco equívoco, já que não designa duas ou mais realidades desconexas, mas sim análogo, pois refere-se a realidades conexas ou relacionadas entre si. De maneira que a ‘equidade’ tem sido, de uma certa forma, entendida como um direito natural em suas várias concepções.”[116] (g.n.)
Rubem Nogueira entende que a equidade é “uma feliz retificação da justiça rigorosamente legal”. Explica:
“A equidade, no entendimento dos doutores, é a justiça do caso particular, destinada a abrandar o excessivo rigor da lei. Ela não destrói a lei: completa-a. Ontologicamente, não é distinta da Justiça, mas uma modalidade dela. Na Ética a Nicômaco, diz Aristóteles que o equitativo é também justo e vale mais do que o justo em certas circunstâncias. O próprio do equitativo consiste precisamente em restabelecer a lei nos pontos em que se enganou por causa da fórmula geral de que se serviu.”[117] (g.n.)
Agostinho Alvim dividiu a equidade em “legal” e “judicial”. Diz ele, verbis:
“A equidade legal seria a contida no texto da norma, que prevê várias possibilidades de soluções”, enquanto que “a equidade judicial ocorre quando o legislador, explícita ou implicitamente, incumbe o órgão jurisdicional a usá-la na decisão do caso concreto.”[118] (g.n.)
Exemplo de equidade legal seria a regra do artigo 395, inciso I, do Código Civil de 1916, que diz:
“Perderá por ato judicial o pátrio-poder o pai ou mãe que castigar imoderadamente o filho”.
(Note que há um apelo implícito à equidade do juiz, a quem cabe julgar do enquadramento ou não do caso, em face às diretivas jurídicas. Veda-se, contudo, a aplicação da chamada “equidade cerebrina”, que é a aplicação da justiça com base na ideologia do julgador, fruto exclusivo de seus sentimentos pessoais).
Exemplo de equidade judicial ocorre no artigo 11, inciso II, da Lei nº 9.307/96, que dispõe que o compromisso arbitral poderá também conter ‘a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por equidade se assim for convencionado pelas partes’.
De todo modo, ensina-nos Agostinho Alvim que o pressuposto da equidade legal ou judicial é a flexibilidade da lei, pois “lei inflexível e equidade são idéias que se repelem”[119].
Mas, existiria verdadeiramente lacuna se há costumes e princípios gerais de direito? Esta a indagação feita pelo arguto Rogério Ferraz Donnini, cuja resposta ele mesmo sugere nos moldes seguintes:
“Costumes e princípios gerais do direito, como dissemos, são normas não-escritas. Haveria, então, lacuna se há um costume ou um princípio geral do direito? Mesmo no sistema fechado do código anterior, se considerarmos o costume e os princípios gerais do direito normas não-escritas, não teria qualquer sentido identificar uma lacuna nessas duas hipóteses, pois se há uma regra costumeira, não há lacuna; se existe um princípio geral, da mesma forma não se pode falar em lacuna, uma vez que basta ao magistrado aplicar a regra. Por outro lado, somente teria senso identificar uma lacuna se considerarmos norma apenas um texto legislativo escrito, posição que não perfilhamos.”[120] (g.n.)
Logo, não há que se falar na existência de lacuna quando se estiver diante de costumes ou princípios gerais de direito, conforme acima demonstrado.
4. Antinomias jurídicas e respectivos critérios de correção
Mais uma vez, dado o escopo do presente trabalho, limitar-nos-emos no presente item a apresentar ao leitor um conceito de antinomia, bem como, nos subitens seguintes, os correspondentes critérios de correção.
Assim, adotando-se a definição da professora Maria Helena Diniz, podemos dizer que “antinomia é o conflito entre duas normas, dois princípios, ou de uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular. É a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular”.[121] (g.n.)
De pronto, percebe-se que antinomia é diferente de lacuna. Grosso modo, esta é a ausência de norma; aquela é a aparente contradição entre duas ou mais normas, sem que se saiba, a princípio, qual delas aplicar.
Passemos a ver, agora, as formas de correção das antinomias, assunto do qual nos ocuparemos na sequência, ainda que não com a profundidade que gostaríamos, porém dentro daquilo a que nos propusemos, respeitada a limitação de espaço.
4.1 Classificação das antinomias quanto ao critério de solução, ao conteúdo, ao âmbito e à extensão da contradição
Na lição da professora Maria Helena Diniz[122], podem as antinomias ser classificadas quanto:
1) Ao critério de solução. Hipótese em que se terá: A) Antinomia aparente, se os critérios para a sua solução forem normas integrantes do ordenamento jurídico; B) Antinomia real, quando não houver na ordem jurídica qualquer critério normativo para solucioná-la, sendo, então, imprescindível à sua eliminação a edição de uma nova norma. (g.n.)
2) Ao conteúdo. Ter-se-á: A) Antinomia própria, que ocorre quando uma conduta aparece ao mesmo tempo prescrita e não prescrita, proibida e não proibida, prescrita e proibida; B) Antinomia imprópria, a que ocorrer em virtude do conteúdo material das normas, podendo apresentar-se como: a) antinomia de princípios, se houver desarmonia numa ordem jurídica pelo fato de dela fazerem parte diferentes idéias fundamentais, entre as quais se pode estabelecer um conflito; b) antinomia valorativa, no caso de o legislador não ser fiel a uma valoração por ele próprio realizada; c) antinomia teleológica, se se apresentar incompatibilidade entre os fins propostos por certa norma e os meios previstos por outra para a consecução daqueles fins. A esses tipos de antinomia imprópria há quem acrescente a antinomia técnica, atinente à falta de uniformidade da terminologia legal. (g.n.)
3) Ao âmbito. Poder-se-á ter: A) Antinomia de direito interno, que ocorre entre normas de um mesmo ramo do direito ou entre aquelas de diferentes ramos jurídicos; B) Antinomia de direito internacional, a que aparece entre convenções internacionais, costumes internacionais, princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas, decisões judiciárias, opiniões dos publicistas mais qualificados como meio auxiliar de determinação de normas de direito (Estatuto da Corte Internacional de Justiça, art. 38), normas criadas pelas organizações internacionais e atos jurídicos unilaterais; C) Antinomia de direito interno-internacional, que surge entre norma de direito interno e norma de direito internacional, e resume-se no problema das relações entre dois ordenamentos, na prevalência de um sobre o outro na sua coordenação. (g.n.)
4) À extensão da contradição. Segundo Alf Ross, ter-se-á: A) Antinomia total-total, se uma das normas não puder ser aplicada em nenhuma circunstância sem conflitar com a outra; B) Antinomia total-parcial, se uma das normas não puder ser aplicada, em nenhuma hipótese, sem entrar em conflito com a outra, que tem um campo de aplicação conflitante com a anterior apenas em parte; C) Antinomia parcial-parcial, quando as duas normas tiverem um campo de aplicação que, em parte, entra em conflito com o da outra e em parte não. (g.n.)
4.2 Critérios para a solução das antinomias aparentes no direito interno: hierárquico (lex superior derogat legi inferiori), cronológico (lex posterior derogat legi priori) e de especialidade (lex specialis derogat legi generali)
A ordem jurídica prevê, ainda, uma série de critérios para a solução de antinomias aparentes de direito interno que, segundo Maria Helena Diniz[123], são:
1) O hierárquico (lex superior derogat legi inferiori – lei superior prevalece sobre a inferior), baseado na superioridade de uma fonte de produção jurídica sobre a outra; a ordem hierárquica entre as fontes servirá para solucionar conflitos de normas em diferentes níveis, embora, às vezes, possa haver incerteza para decidir qual das duas normas antinômicas é a superior. (g.n.)
2) O cronológico (lex posterior derogat legi priori – lei posterior afasta a lei anterior), que remonta ao tempo em que as normas começaram a ter vigência, restringindo-se somente ao conflito de normas pertencentes ao mesmo escalão. (g.n.)
3) O de especialidade (lex specialis derogat legi generali – lei especial prevalece sobre a geral), que visa a consideração da matéria normada, com o recurso aos meios interpretativos. (g.n.)
Anota a professora Maria Helena Diniz que, dentre esses critérios, “o mais sólido é o hierárquico, mas nem sempre por ser o mais potente, é o mais justo”[124].
4.3 Critérios para a solução de antinomias aparentes no direito internacional: prior in tempore potior in jus, lex posterior derogat priori, lex specialis derogat generali e lex superior derogat inferiori
Nos casos de conflito entre normas de direito internacional, principalmente no que se refere aos tratados, Maria Helena Diniz[125] aponta, com base nos ensinamentos de Salmon, quais os critérios para solucioná-los:
1) Prior in tempore potior in jus, que dá, havendo conflito entre dois tratados, preferência ao primeiro sobre o segundo, desde que não tenham sido elaborados pelas mesmas partes. Trata-se do princípio da primazia da obrigação anteriormente assumida. (g.n.)
2) Lex posterior derogat priori, que se aplica sempre que o segundo tratado dita a lei dos Estados signatários do primeiro. Como o segundo tratado não é res inter alios acta[126], haverá derrogação expressa ou tácita do primeiro. (g.n.)
3) Lex specialis derogat generali, aplicável apenas nos casos de tratados sucessivos entre os mesmos signatários. (g.n.)
4) Lex superior derogat inferiori, pelo qual a norma superior liga-se não à natureza da fonte, mas ao valor por ela colimado. (g.n.)
4.4 As antinomias de segundo grau: análise dos critérios hierárquico e cronológico, de especialidade e cronológico e hierárquico e de especialidade
Por último, Maria Helena Diniz adverte que, “embora os critérios anteriormente analisados possam solucionar os problemas de antinomias normativas, não se deverão olvidar situações em que surgem antinomias entre os próprios critérios, quando a um conflito de normas seriam aplicáveis dois critérios, que, contudo, não poderiam ser ao mesmo tempo utilizados na solução da antinomia, pois a aplicação de um levaria à preferência de uma das normas, e a de outro resultaria na escolha da outra norma. P. ex., num conflito entre uma norma constitucional anterior e uma norma ordinária posterior, pelo critério hierárquico haverá preferência pela primeira e pelo cronológico, pela segunda”[127]. (g.n.)
Ter-se-á antinomia de segundo grau[128], quando houver conflito entre os critérios:
1) hierárquico e cronológico, hipótese em que sendo uma norma anterior superior antinômica a uma posterior-inferior, pelo critério hierárquico deve-se optar pela primeira e pelo cronológico, pela segunda. (g.n.)
2) de especialidade e cronológico, se houver uma norma anterior-especial conflitante a uma posterior-geral, seria a primeira preferida pelo critério de especialidade e a segunda, pelo critério cronológico. (g.n.)
3) hierárquico e de especialidade, no caso de uma norma superior-geral ser antinômica a uma inferior-especial, em que prevalece a primeira aplicando-se o critério hierárquico e a segunda, utilizando-se o da especialidade. (g.n.)
5. As lacunas e antinomias na jurisprudência
A jurisprudência a seguir colacionada foi colhida por amostragem, mais com o intuito de apresentar alguns aspectos já enfrentados nos diversos Tribunais pátrios acerca do tema Lacunas, meios de integração e antinomias.
Não tem, portanto, a pretensão de esgotar o assunto, nem o compromisso de trazer posicionamentos predominantes na jurisprudência, mesmo porque, dada a dinâmica de acontecimentos no campo da integração das normas jurídicas, a cada dia se apresentam novas e inusitadas questões a serem enfrentadas pelos operadores do Direito.
Assim, apresentamos ordenadamente, a seguir, algumas decisões que nos chamaram a atenção, quer pelo conteúdo jurídico, quer pela infinidade de aspectos práticos que a vida em sociedade impõe, os quais desafiam a todo instante o nosso raciocínio jurídico.
5.1 Supremo Tribunal Federal
EMENTA: “VENDA DE GADO – SENDO NEGÓCIO EM QUE É COSTUME SER FEITO VERBALMENTE, NÃO NEGA VIGÊNCIA AO ART. 141 DO CÓDIGO CIVIL ACÓRDÃO QUE O ADMITE PROVADO APENAS POR TESTEMUNHAS, PRINCIPALMENTE SE CONFIRMADO, POSTERIORMENTE, POR GESTOS E ATITUDES DO VENDEDOR – RAZOÁVEL INTERPRETAÇÃO DA LEI E DISSÍDIO DE JURISPRUDÊNCIA NÃO COMPROVADO – APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 400 E 291 – RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.
Trecho do acórdão: (...) somente três anos depois de estar o réu na posse do gado, foi que veio o autor a Juízo alegar a inexistência da venda.
Tudo indica, portanto, que houve o negócio, feito verbalmente, como é o costume, em se tratando de gado, e confirmado, posteriormente, por gestos e atitudes do vendedor; contudo, como não se entendessem no acerto de contas, socorreu-se o autor à Justiça, mas pela via da reivindicatória, que importa no não reconhecimento da venda.
(...) entendo que, também, não pode a violação do art. 141 do Código Civil obstar o reconhecimento, no caso, da ocorrência da venda questionada. Ninguém ignora que inúmeros e vultosos negócios de gado são habitualmente realizados, com entrega imediata, em todo o Estado de Minas Gerais, sem qualquer escrito, mediante simples entendimento verbal, baseado na confiança recíproca. Daí decorrem situações jurídicas que o julgador não pode deixar de reconhecer e amparar, pena de cometer graves injustiças. Comprovados os fatos que atestam a compra e venda, como no caso dos autos, não há porque desconhecê-la por falta de forma escrita inusitada.” (STF – Recurso Extraordinário nº 68.704 – MG – 1ª Turma – Recorrente: José Martins Cardoso – Recorrido: Hermínio Martins Cardoso – Relator: Min. BARROS MONTEIRO – j. 07.11.1969 – RTJ 54:63 – g.n.)
5.2 Superior Tribunal de Justiça
EMENTA: “PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – INTERDIÇÃO – SUPRESSÃO DO PRAZO DE IMPUGNAÇÃO PREVISTO NO ART. 1.182 DO CPC COM FUNDAMENTO NO ART. 1.109 DO MESMO DIPLOMA LEGAL – INVIABILIDADE.
O art. 1.109 do CPC abre a possibilidade de não se obrigar o juiz, nos procedimentos de jurisdição voluntária, à observância do critério de legalidade estrita, abertura essa, contudo, limitada ao ato de decidir, por exemplo, com base na equidade e na adoção da solução mais conveniente e oportuna à situação concreta.
Isso não quer dizer que a liberdade ofertada pela lei processual se aplique à prática de atos procedimentais, máxime quando se tratar daquele que representa o direito de defesa do interditando. Recurso especial provido.” (STJ – Recurso Especial nº 623.047 – RJ – 3ª Turma – Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – Recorrida: Neli Marisa Ribeiro Dias da Luz – Relatora: Min. NANCY ANDRIGHI – j. 14.12.2004 – g.n.)
5.3 Tribunal de Justiça de Minas Gerais
EMENTA: “1 – DE UM ESTUDO SOBRE A ANTINOMIA ENTRE O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ESSENCIAIS CORPORIFICADO NO ART. 22 DO CDC E AS LEIS Nº 8.987/95 E 9.427/96, QUE PERMITEM A INTERRUPÇÃO DOS MESMOS ANTE A INADIMPLÊNCIA DO USUÁRIO (CONSUMIDOR), RESULTA O PREVALECIMENTO DA NORMA CONSUMERISTA, POIS ELA REPRESENTA UM SISTEMA DE MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO, AO QUAL SE SUBMETEM OUTRAS LEIS, COM O MARCANTE INTERESSE DE TODOS.
2 – AGRAVO DA DISTRIBUIDORA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
Trecho do acórdão: (...) Sem qualquer razão a agravante, pois, mesmo mencionando um verdadeiro universo legal, não chegou, em momento algum, a abalar a firmeza da norma Consumerista estampada no princípio da continuidade de fornecimento de serviços essenciais que informa a edição do art. 22 da Lei nº 8.078/90 – o Código de Proteção e Defesa do Consumidor –, pois, este, mesmo anterior às edições das Leis nº 8.987/95 e 9.427/96, deve prevalecer porque, evidentemente, trata-se de um sistema jurídico disciplinador das relações de consumo, valendo, aqui, a transcrição dos escólios do professor Plínio Lacerda Martins, que, em fulgurante artigo sobre o assunto, tudo resume:
‘Destarte, em caso de antinomia entre o critério de especialidade (Código do Consumidor) e o cronológico (lei da concessão do serviço público) não aplica-se o critério lex posterior revoga legis a priori, e sim o critério lex posterior generalis non derrogat priori speciali.
Há que se atentar que a norma do consumidor como norma especial contém o sistema jurídico do equilíbrio da relação de consumo, não podendo ser revogada por norma posterior que regula a concessão e permissão do serviço público, e não o direito do usuário/consumidor’ (RT, v. 778, p. 107).
Isto foi sua conclusão após estudos feitos, também com o que dispõe o art. 175, da Lei Fundamental Brasileira e a antinomia entre o art. 22 do CDC e o art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95, argumento central trazido pela agravante e que se tem por ineficaz.” (TJMG – Agravo de Instrumento nº 371.407-0 – Além Paraíba – Agravante: Companhia Força e Luz Cataguazes-Leopoldina – Agravado: Carlos César Cerqueira – Relator: Juiz FRANCISCO KUPIDLOWSKI – j. 29.05.2002 – g.n.)
EMENTA: “REVISÃO DE APOSENTADORIA – CARGO COMISSIONADO – ALEMG – APLICAÇÃO POR ANALOGIA DA LEI ESTADUAL 9.532/87 – POSSIBILIDADE.
Se a Lei 9.532/87 era a única norma que dispunha sobre a aposentadoria dos servidores ocupantes de cargos em comissão, à época da aposentação do servidor, por analogia, há que lhe ser aplicável as regras que são compatíveis. Negado provimento ao apelo principal e adesivo.” (TJMG – Apelação Cível nº 1.0024.02.834253-3/001 – Comarca de Belo Horizonte – Apelantes: Carlos Alberto Bruzaferro Ferreira e outro (Adesivo) – Apelados: Os Mesmos – Relator: Des. LAMBERTO SANT'ANNA – j. 24.09.2004 – g.n.)
5.4 Tribunal de Justiça do Paraná
EMENTA: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – ALVARÁ JUDICIAL – CRÉDITOS DERIVADOS DE PIS-FGTS – FALECIMENTO DO TITULAR – LEVANTAMENTO DO SALDO PELAS HERDEIRAS – DÍVIDAS DO ESPÓLIO – 1) CREDOR DO FALECIDO – REQUERIMENTO DE RESERVA DO MONTANTE NECESSÁRIO À GARANTIA DE SEU CRÉDITO – 2) ARTS. 1.018 DO CPC E 1997 DO CC – APLICAÇÃO POR ANALOGIA AO PROCEDIMENTO DE ALVARÁ JUDICIAL – POSSIBILIDADE.
1) Confere o ordenamento jurídico especial tutela ao credor do espólio, permitindo-lhe formular no inventário, enquanto não partilhada a herança, requerimento de pagamento de dívidas constantes de documentos revestidos de formalidades legais, constituindo prova bastante da obrigação. Em havendo impugnação, por parte dos herdeiros, que não verse sobre alegação de pagamento, poderá o juiz mandar reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para a solução do débito sobre o qual venha a recair oportunamente a execução (artigos 1.017 e seguintes, do Código de Processo Civil c/c artigo 1997, § 1º, do Código Civil).
2) A despeito da ausência de previsão legal sobre a aplicação dos dispositivos acima referidos ao procedimento de alvará, não se pode negar que aludido processo (de alvará) tem a mesma natureza dos processos de arrolamento e de inventário, sendo necessário observar que, no caso, o excessivo apego a formula do processo poderá inviabilizar a efetivação da providência que está a agravante a buscar com razoabilidade.
Agravo conhecido e provido.” (TJPR – Agravo de Instrumento nº 393.113-7 – Comarca de Curitiba – Agravante: G.J.P.A. Participações e Administração Ltda. – Agravadas: Maria Cristina Fernandes do Amaral e Aline Fernandes Souza – Relator: Juiz convocado EDGARD FERNANDO BARBOSA – j. 23.04.2007 – g.n.)
5.5 Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
EMENTA: “RESPONSABILIDADE CIVIL BANCÁRIA – CADERNETA DE POUPANÇA – EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – PLANO VERÃO – AGRAVO RETIDO PROVIDO – INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO EM RELAÇÃO A UMA CONTA POUPANÇA.
Trecho do acórdão: (...) É entendimento deste relator que não se aplicam as disposições do Código de Proteção e Defesa do Consumidor à hipótese em análise, consubstanciado em decisões do Eg. STF. É do conhecimento do Judiciário, através das regras ordinárias de nossa experiência, que os bancos têm dificultado às partes acesso aos extratos antigos, inclusive, alegando, alguns, que os mesmos já foram incinerados ou destruídos. Por outro vértice, não se pode obrigar o apelante a fazer prova de fatos negativos, destacando-se que o direito positivo não permite a condenação por presunção. Demais, os documentos juntados com a inicial (fls. 22/25) são suficientes para análise do que se requer o que foi, inclusive, reconhecido em sentença. Agravo Retido acolhido, para afastar o comando do art. 355 do CPC e a inversão do ônus da prova. A instituição bancária deve pagar à parte autora a diferença de creditamento, observando-se, inclusive, a data de aniversário da conta, para se impedir o locupletamento injusto da instituição bancária, em prejuízo do depositante, o que não é tolerado pelo direito e justiça, na perspectiva do princípio geral de direito “honeste vivere neminem laedere sum cuique tribuere”. Em relação a conta nº 022-3-14349-9 o pedido foi julgado improcedente, não existindo qualquer insurgência do autor. No que diz respeito a conta nº 022-3.13864-9, o documento de fls. 23 demonstra a existência de saldo à época da edição do Plano Verão. Neste prisma, a condenação do réu refere-se ao pagamento da diferença entre os percentuais pagos e os percentuais devidos, observando-se aqueles que deveriam ser creditados, a saber: Plano Verão-janeiro/89 - 42,72%, índice que se adequa a jurisprudência e aquele concedido em sentença. Havendo vencedor e vencido, aplica-se o disposto no caput do art. 21 do CPC. Recurso de apelação a que se dá provimento parcial. Desprovimento do agravo legal.” (TJRJ – Apelação Cível nº 0424152-64.2008.8.19.0001 – Apelante: Banco Itaú S.A. – Apelado: Gil José Gonçalves Marques – Relator: Des. ROBERTO DE ABREU E SILVA – j. 13.07.2010 – g.n.)
5.6 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
EMENTA: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. O desconto em folha de pagamento é cláusula válida do negócio jurídico entre as partes, não cabendo revogação unilateral da autorização, salvo justificação em contrário, que no caso não há, porque a pretensão motiva-se na analogia à impenhorabilidade do salário.” (TJRS – Agravo de Instrumento nº 70014093512 – Decisão monocrática – Comarca de Porto Alegre – Agravante: Gisselda da Silva Trassante – Agravados: Banco BMG S.A. e COOPERPOA – Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Servidores Públicos – Relator: Des. CARLOS CINI MARCHIONATTI – j. 19.01.2006 – g.n.)
5.7 Tribunal de Justiça de Santa Catarina
EMENTA: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – PRETENDIDA ALIENAÇÃO DO IMÓVEL INVENTARIADO – INDEFERIMENTO – HERMENÊUTICA LITERAL AFASTADA – LACUNA – ARTIGOS 5º DA LICC E 126 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – USO DOS INSTRUMENTOS DE INTEGRAÇÃO – ANALOGIA ÀS REGRAS CONTIDAS NOS ARTIGOS 1.806 e 2.015 DO CÓDIGO CIVIL – ADMISSÃO DA CESSÃO POR TERMO NOS AUTOS – RECURSO PROVIDO. Prevendo o Código Civil, em seus artigos 1.806 e 2.015, a renúncia à herança e sua partilha entre herdeiros capazes por termo nos autos, a aplicação de tal instrumento, por analogia, à cessão de direitos hereditários é medida que se impõe.” (TJSC – Agravo de Instrumento nº 2005.024690-0 – Comarca de Chapecó – Agravantes: Espólio de Altemir Zanivan, representado por Terezinha Zanivan e outros – Agravado: MM. Juiz de Direito da Vara da Família, Órfãos, Infância e Juventude da Comarca de Chapecó – Relator: Juiz SÉRGIO IZIDORO HEIL – j. 25.11.2005 – g.n.)
5.8 Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo
EMENTA: “AÇÃO DE COBRANÇA – VEÍCULO SEGURADO – INDENIZAÇÃO NÃO PAGA – INEXISTÊNCIA DE FATO EXCLUDENTE DO PAGAMENTO – APELO PROVIDO.
Trecho do acórdão: (...) É evidente, data venia, que ocorreu, acaso efetivamente o condutor tivesse ultrapassado o semáforo vermelho, mera culpa, mas não circunstância real, efetivamente querida em agravar os riscos que estavam segurados.
Não foi por outra razão que o legislador, sabiamente, determina ao Juiz que proceda com equidade.
Ensina VICENTE RÁO que a multiplicidade de casos e de circunstâncias particulares que os cercam, excede a capacidade de previsão do legislador e suas possibilidades de incluí-los, sem omissões nem defeitos, nas fórmulas gerais em que a lei se concretiza.
Essas fórmulas legislativas não se dirigem aos atos e fatos como se praticam e ocorrem no momento em que a lei é elaborada. Visam também referidas fórmulas legislativas alcançar atos e fatos congêneres e futuros, cuja verificação obedece sempre a contingências mutáveis.
Em consequência, a aplicação rígída da fórmula geral usada pelo legislador poderia excluir casos aparentemente não previstos ou revestidos de modalidades ou circunstâncias novas, os quais, por justiça, deveriam receber solução idêntica à prevista e prescrita pela mesma fórmula.” (1º TACivSP – Apelação Cível nº 842.833-5 – Comarca de Cubatão – Apelante: Antonio Vilela Rossi – Apelado: Real Previdência e Seguros S.A. – Relator: Juiz NELSON FERREIRA – j. 21.07.1999 – g.n.)
5.9 Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo
EMENTA: “LOCAÇÃO – REVISIONAL DE ALUGUEL – ESTABELECIMENTO DE ENSINO – IMÓVEL NÃO RESIDENCIAL COM DESTINAÇÃO RELEVANTE SOB O REGIME DA LEI 6.239/75 – ADMISSIBILIDADE – NORMA QUE PROÍBE A DENÚNCIA VAZIA MAS É OMISSA QUANTO AO REAJUSTAMENTO JUDICIAL DO LOCATIVO – APLICAÇÃO ANALÓGICA DOS §§ 4º e 5º do art. 49 da Lei 6.649/79 e dos arts. 126 do CPC e 4º da LICC.
Se nos casos em que se exige a denúncia motivada o legislador deferiu o reajustamento do valor locativo, assim como permitiu a denúncia vazia quando incabível a atualização do aluguel, forçoso é concluir que a Lei 6.239/75 fez surgir um vazio, não alcançado pelas outras leis inquilinárias. Proibindo a denúncia vazia e se omitindo quanto ao reajuste, tal diploma legal obriga o intérprete a lançar mão da analogia a fim de supri-lo, nos termos do art. 126 do CPC, invocando-se o art. 49, §§ 4º e 5º, da Lei 6.649/79 para permitir a revisional de aluguel de prédio destinado a estabelecimento de ensino.” (2º TACivSP – Apelação Cível nº 223.374-3 – 6º Câmara – São Paulo – Apelantes: Georgette Nadim Cury e outros – Apelado: Externato Mater Dei – Relator: Juiz RALPHO OLIVEIRA – j. 24.08.1988 – g.n.)
5.10 Tribunal de Justiça de São Paulo
EMENTA: “USUFRUTO – DIREITO DE QUE SÃO TITULARES CÔNJUGES DESQUITADOS – COMO DEVEM SER PAGOS OS ALUGUÉIS DO PRÉDIO RESPECTIVO – APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 640 DO CÓDIGO CIVIL.
DESPEJO – FALTA DE PAGAMENTO – PRÉDIO CUJO USUFRUTO PERTENCE A CÔNJUGES DESQUITADOS – ADMINISTRAÇÃO QUE VINHA SENDO TACITAMENTE FEITA PELO MARIDO – EXIGÊNCIA, PELA MULHER, DO PAGAMENTO DO ALUGUEL POR METADE A CADA TITULAR – INADMISSIBILIDADE – AÇÃO IMPROCEDENTE.
Tratando-se de usufruto de que são titulares cônjuges desquitados, é razoável que se aplique a regra do art. 640 do Código Civil, dada a semelhança da situação com a do condomínio. O condômino que administrar, sem oposição dos outros, presume-se mandatário comum.” (TJSP – Apelação Cível nº 61.554 – São Paulo – Apelante: Beatriz de Jesus Dias – Apelados: João Gomes Dias e outros – Relator: Des. EDGARD DE MOURA BITTENCOURT – j. 18.12.1952 – g.n.)
EMENTA: “DESPEJO – FALTA DE PAGAMENTO – CONTRATO REGULADO PELA LEI DE LUVAS – PURGAÇÃO DA MORA – ADMISSIBILIDADE – APLICAÇÃO DO ART. 959 DO CÓDIGO CIVIL.
Se no contrato de locação, regulado pela Lei de Luvas, as partes não afastaram a ‘emendatio morae’, prevalece, em tais condições, a regra dispositiva do art. 959 do Código Civil, a que o intérprete deve recorrer no silêncio das partes.” (TJSP – Apelação Cível nº 165.365 – São Paulo – Apelantes: Maria Francisca de Paula Batista e outros – Apelado: Bar e Restaurante Patachou Ltda. – Relator: Des. PINHEIRO FRANCO – j. 02.09.1971 – g.n.)
Conclusões
Em todo trabalho acadêmico, a escolha do objeto da pesquisa implica, de certo modo, uma adesão a determinados pontos de vista a respeito do tema estudado. Ao longo da exposição, como era necessário, muitas assertivas foram feitas acerca do tema delimitado, baseadas em estudos já conhecidos de diversos doutrinadores, notadamente dos professores Tercio Sampaio Ferraz Jr., Maria Helena Diniz, Nelson Nery Junior, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery e Rogério Ferraz Donnini, sendo certo que, para ser rigorosamente completa, precisaria decompor-se em outros itens, além dos eleitos pelo autor.
Dada a sempre presente existência de lacunas no ordenamento jurídico, vem a jurisprudência cumprindo o seu papel de aplicar o Direito ao caso concreto, valendo-se das regras insculpidas notadamente no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, bem como no artigo 126 do Código de Processo Civil. Contudo, poderíamos mencionar outros dispositivos legais que, igualmente, tratam da questão da lacuna, v.g., artigo 3º do Código de Processo Penal; artigo 108 do Código Tributário Nacional; artigo 7º do Código de Defesa do Consumidor; artigo 8º da Consolidação das Leis Trabalhistas; artigo 2º da Lei nº 9.307/96 (arbitragem); e artigos 108 e 109 do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil[129].
Como conclusão deste trabalho, não temos a preocupação primordial de reapresentar resumidamente e na mesma ordem cada um dos pensamentos lançados, mas sim de deixarmos nossa modesta contribuição àqueles que, no futuro, venham se embrenhar na análise dos diversos aspectos jurídicos que envolvem as lacunas no sistema jurídico, os meios de integração e as antinomias jurídicas.
A seguir, então, nossas conclusões de ordem genérica:
a) O legislador não consegue prever todas as situações para o presente e para o futuro, pois o Direito é naturalmente dinâmico, acompanhado da evolução social. Ademais, por questão de técnica, os textos legislativos devem ser concisos e gerais;
b) Por vezes, há um ‘vazio’ no ordenamento jurídico (o juiz não encontra norma que seja aplicável ao fato concreto), ensejando a impossibilidade de subsunção e a problemática da lacuna (artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil; artigo 126 do Código de Processo Civil). Mas não é só isso: casos outros existem nos quais há norma, porém não aplicável. Daí as espécies de lacunas existentes: normativa (quando não existe norma disciplinando o tema); ontológica (a norma existe, mas é ultrapassada, obsoleta); axiológica (a norma existe, mas a sua aplicação gera injustiça);
c) É possível se falar na existência de lacuna na aplicação da lei, mas não no sistema jurídico, pois ele próprio indica os critérios de solução (plenitude lógica do sistema jurídico);
d) São formas de colmatação (preenchimento) das lacunas: a analogia, os costumes, os princípios gerais de direito e, também, a equidade. Analogia é a aplicação ao caso não previsto, de lei reguladora de caso semelhante ou análogo (processo de raciocínio indutivo em que não se passa do particular para o geral, mas do particular para o particular, nas palavras de Luiz Antônio Rizzatto Nunes[130]). Costume é a prática constante e uniforme, pública e contínua, de determinado ato, que cria na consciência de um determinado grupo de pessoas a necessidade do reconhecimento do direito. Princípios gerais de direito são regras de valores genéricos, positivadas ou não (mas, geralmente, não positivadas), que orientam a compreensão do sistema jurídico, inspirando a elaboração de normas (não estamos nos referindo aos brocardos, pois estes não têm valor jurídico próprio, ou seja, às vezes podem conter princípios gerais de direito como, por exemplo, na regra “o acessório segue o principal”). Equidade é a aplicação da justiça ao caso concreto, não tendo, contudo, previsão expressa na Lei de Introdução ao Código Civil, nem na Constituição Federal de 1988;
e) Hodiernamente, o rol dos meios de integração não mais precisa ser obedecido de forma inflexível, no que tange a sua ordem de preferência, não havendo hierarquia na utilização desses mecanismos. E isso por um motivo simples: o raciocínio oitocentista[131] que consagrava a supremacia da lei escrita foi substancialmente modificado a partir da Constituição Federal de 1988 e, também, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor e do Código Civil de 2002, que se inserem num contexto de sistema aberto (i.e., é reconhecida a sua não plenitude) e móvel (permite um aperfeiçoamento na aplicação);
f) É preciso abandonar de vez a ideia de que o sistema fechado (aquele do Código Civil de 1916) é que traria segurança jurídica ao jurisdicionado. Ao contrário, é o sistema aberto que a trará, pois permite ao julgador “moldar” a aplicação da lei de sorte a concretizar, efetivamente, o ideal de justiça;
g) Os costumes e os princípios gerais de direito são normas não-escritas. Logo, seguindo o escólio de Rogério Ferraz Donnini, podemos afirmar que, em ambas as hipóteses, não se identificaria propriamente uma lacuna, pois se há regra costumeira ou princípio geral de direito, por óbvio não há lacuna, bastando que o juiz aplique a regra ao caso concreto. Aliás, essa linha de raciocínio ganha força na medida em que não se pode considerar norma apenas um texto legislativo escrito;
h) O artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, pois não se compatibiliza com o sistema (aberto e móvel) do Código Civil de 2002. Deve-se, antes de tudo, buscar uma interpretação a partir do texto constitucional[132], objetivando a colmatação da lacuna no sistema vigente, sempre com foco nos mandamentos de justiça. “Diante da impossibilidade do non liquet, o magistrado deve decidir consoante determina a lei, seja por meio de normas escritas ou não-escritas, princípios positivados ou não-positivados, sempre na busca do equitativo” (cf. Rogério Ferraz Donnini);
i) Antinomia é o conflito entre duas normas, dois princípios, ou de uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular. “Existem duas normas conflitantes, sem que se possa saber, a princípio, qual delas deverá ser aplicada ao caso concreto” (cf. Maria Helena Diniz);
j) A hermenêutica ensina acerca de critérios solucionadores de antinomias: (i) critério hierárquico (lex superior derogat legi inferiori); (ii) critério cronológico (lex posterior derogat legi priori); e (iii) critério da especialidade (lex specialis derogat legi generali);
k) A antinomia de segundo grau é, por assim dizer, a “antinomia da antinomia”, ou melhor, existe um conflito entre os critérios solucionadores de antinomias. Os denominados metacritérios (ou meta-regras) servem para resolver as antinomias de segundo grau, mas devem ser utilizados apenas diante do caso concreto, isto é, não se deve generalizá-los. Os metacritérios conhecidos são: (i) lex posterior inferiori non derogat priori superiori, na hipótese de haver conflito entre o critério hierárquico e o cronológico; (ii) lex posterior generalis non derogat priori speciali, no caso de antinomia entre o critério de especialidade e o cronológico; e o (iii) princípio supremo da justiça, que deverá ser utilizado pelo magistrado em caso extremo de falta de critério que possa resolver a antinomia de segundo grau, devendo prevalecer a norma mais justa. Observação: conforme adverte a professora Maria Helena Diniz, não será possível estabelecer uma meta-regra geral dando prevalência ao critério hierárquico ou de especialidade, caso haja uma norma superior-geral e outra inferior-especial. Aí, então, haverá margem ao intérprete para preferir qualquer um dos critérios, não havendo predominância de um sobre o outro;
l) Last but not least, é preciso pontuar como conclusão final deste trabalho que, por qualquer prisma que se enxergue hodiernamente a questão das lacunas e de seus respectivos meios de integração, além das antinomias jurídicas, não se poderá perder de vista que o nosso sistema é aberto e móvel, conforme tivemos oportunidade de expor. Isso implica, necessariamente, numa mudança de mentalidade dos operadores do Direito, mormente daqueles acostumados a raciocinar à luz do ordenamento constitucional anterior a 1988, bem como sob a égide do Código Civil de 1916. Mal comparando, exige de cada um de nós (juízes, promotores de justiça e advogados) um esforço similar àquele a que nos propusemos envidar por ocasião do abandono das máquinas de datilografia e início do uso dos modernos computadores no limiar dos anos 90. Enfim, é preciso acreditar que a mudança veio para melhor atender aos anseios do jurisdicionado que, agora, terá inegavelmente maiores chances de visualizar a face concreta da justiça.
Tarlei Lemos Pereira é especialista em Direito de Família e das Sucessões. Mestre em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito – FADISP. Membro fundador da Academia de Pesquisas e Estudos Jurídicos – APEJUR. Advogado em São Paulo.
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[1]. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, “o princípio da socialidade reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana.
O princípio da eticidade funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores. Prioriza a equidade, a boa-fé, a justa causa e demais critérios éticos. Confere maior poder ao juiz para encontrar a solução mais justa ou equitativa.
O princípio da operabilidade, por fim, leva em consideração que o direito é feito para ser efetivado, para ser executado. Por essa razão, o novo Código evitou o bizantino, o complicado, afastando as perplexidades e complexidades.” (Aut. cit., in Direito Civil Brasileiro, vol. 1, 3ª edição, São Paulo: Saraiva, pp. 24 e 25 – g.n.)
[2]. Nelson Nery Junior e Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery, Código Civil Comentado, 7ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 202, item 43.
[3]. Idem, p. 202, item 42.
[4]. Op. cit., pp. 202 e 203, item 44.
[5]. Nery-Nery, Código Civil..., p. 193.
[6]. Aut. cit., Curso avançado de Direito Civil, vol. 1, 2ª edição, Coord.: Everaldo Augusto Cambler, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 21.
[7]. Nery-Nery, Código Civil..., pp. 200 e 201, item 38.
[8]. Segundo Judith Martins-Costa, “... inobstante conter a cláusula geral, em regra, termos indeterminados, tais como os conceitos de que ora se trata (alguns destes conceitos indeterminados podendo indicar também princípios), a coincidência não é perfeita, pois a cláusula geral exige que o juiz concorra ativamente para a formulação da norma. Enquanto nos conceitos indeterminados o juiz se limita a reportar ao fato concreto o elemento (vago) indicado na fattispecie (devendo, pois, individuar os confins da hipótese abstratamente posta, cujos efeitos já foram predeterminados legislativamente), na cláusula geral a operação intelectiva do juiz é mais complexa. Este deverá, além de averiguar a possibilidade de subsunção de uma série de casos-limite na fattispecie, averiguar a exata individuação das mutáveis regras sociais às quais o envia a metanorma jurídica. Deverá, por fim, determinar também quais são os efeitos incidentes ao caso concreto, ou, se estes já vierem indicados, qual a graduação que lhes será conferida no caso concreto, à vista das possíveis soluções existentes no sistema.” (Aut. cit., A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pp. 326 e 327)
[9]. Idem, p. 195, item 11.
[10]. “Cláusula geral não é princípio, tampouco regra de interpretação; é norma jurídica, isto é, fonte criadora de direitos e de obrigações.” (Judith Martins-Costa, As cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema jurídico, RT 680:50)
[11]. Nery-Nery, op. cit., p. 196, item 18.
[12]. Idem, p. 195, item 12.
[13]. Idem, p. 196, item 14.
[14]. Op. cit., p. 196, item 17.
[15]. Idem, p. 201, item 38.
[16]. Idem, ibidem.
[17]. Maria Helena Diniz, Dicionário jurídico universitário, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 43.
[18]. Idem, Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral do Direito Civil, vol. 1, São Paulo: Saraiva, 24ª edição, 2007, p. 86.
[19]. Maria Helena Diniz, op. cit., pp. 86-87.
[20]. Ibidem, p. 87.
[21]. Ibidem, p. 87.
[22]. Ibidem, p. 87.
[23]. Ibidem, p. 87.
[24]. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 87.
[25]. Ibidem, p. 87.
[26]. Ibidem, p. 87.
[27]. Ibidem, pp. 87-88.
[28]. Ibidem, p. 88.
[29]. Ibidem, p. 88.
[30]. Ibidem, p. 88.
[31]. Ibidem, p. 332.
[32]. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 359.
[33]. Ibidem, p. 359.
[34]. Ibidem, p. 359.
[35]. Pedro Nunes, Dicionário de tecnologia jurídica, vol. II, 9ª edição, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1976, p. 550.
[36]. Ibidem, p. 550.
[37]. Ibidem, p. 359.
[38]. Ibidem, p. 359.
[39]. Ibidem, p. 359.
[40]. Ibidem, p. 359.
[41]. Tercio Sampaio Ferraz Jr., Introdução ao estudo do direito, São Paulo: Atlas, 6ª edição, 2008, p. 188.
[42]. Ibidem, p. 188.
[43]. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 359.
[44]. Maria Helena Diniz, As Lacunas no Direito, São Paulo: Saraiva, 1999, 5ª edição, p. 14, apud de Montesquieu, Esprit des lois, I, XI, Cap. VI.
[45]. Decisão solene tomada por um tribunal soberano e que vinculava os tribunais inferiores.
Disponível em <http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&sl=fr&u=http://fr.wikipedia.org/wiki/Arr%25C3%25AAt_de_r%25C3%25A8glement&ei=7aZMTIDqDseJuAfi8921DQ&sa=X&oi=translate&ct=result&resnum=1&ved=0CBkQ7gEwAA&prev=/search%3Fq%3Darr%25C3%25AAts%2Bde%2Br%25C3%25A8glement%2Bsignifica%26hl%3Dpt-BR>; acesso em 25.07.2010.
[46]. Ibidem, p. 14, apud de Deteix, Les arrêts de règlement du Parlement de Paris, Paris, 1930, cit. por John Gilissen, Le Problème des Lacunes du Droit dans l’Évolution du Droit Médiéval et Moderne, ed. Perelman, pp. 228-231.
[47]. Tercio Sampaio Ferraz Jr., A Ciência do Direito, São Paulo: Atlas, 1977, pp. 47-48.
[48]. Nesse sentido: Maria Helena Diniz, As Lacunas no Direito, São Paulo: Saraiva, 1999, 5ª edição, p. 23, apud de Enneccerus, Tratado de Derecho Civil, t. I, vol. 1, § 53, Parte Geral, Buenos Aires: Bosch, 1948.
[49]. Ibidem, p. 24, apud de Alchourrõn e Bulygin, Introducción a la Metodologia de las Ciencias Jurídicas y Sociales, Buenos Aires: Astrea, 1974, pp. 22, 81, 111 e 118.
[50]. Ibidem, p. 24, apud de Tercio Sampaio Ferraz Jr., Conceito de Sistema Jurídico, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, pp. 9-23.
[51]. Maria Helena Diniz, op. cit., pp. 25 e 26.
[52]. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 27, apud de Von Wright, “An Essay in Deontic Logic and the General Theory of Action”, in Acta Philosophica Fennica XXI, Helsenki, Amsterdam, 1968, p. 83.
[53]. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 28, apud de Eduardo García Máynez, “Lógica del Raciocínio Jurídico”, Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1964, p. 36.
[54]. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 28, apud de Paulino J. Soares de Souza Neto, “Cadernos de Direito Civil”, Introdução, Rio de Janeiro, 1954, p. 193.
[55]. André Franco Montoro afirma que “nem sempre o código ou a lei oferece solução jurídica para o caso sub judice. Quando tal ocorre, diz-se haver lacuna”. (in Introdução à Ciência do Direito, 28ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 435)
[56]. Maria Helena Diniz, op. cit., p. 28, apud de Luís Diez Picazo, Experiencias Jurídicas y Teoría del Derecho, Barcelona: Ariel, 1973, p. 279; Roberto José Vernengo, Curso de Teoría General del Derecho, Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciencias Sociales, 2ª ed., 1976, p. 381.
[57]. Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1968, p. 223.
[58]. Nesse sentido: Maria Helena Diniz, op. cit., p. 69.
[59]. In Direito, Retórica e Comunicação, São Paulo: Saraiva, 1973, pp. 69 e 70.
[60]. Maria Helena Diniz, op. cit., pp. 70-72.
[61]. Santi Romano, El ordenamiento jurídico, trad. Retortillo, Madri: Instituto de Estúdios Políticos, 1963.
[62]. In A Ciência Jurídica, Resenha Universitária, 1977.
[63]. In Conceito de Norma Jurídica como Problema de Essência, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1ª edição, 3ª tiragem, 1985, pp. 69 e 70.
[64]. In Ragione e voluntà nella legge, Milão: Giuffrè, p. 3.
[65]. Maria Helena Diniz, As Lacunas no Direito, p. 83.
[66]. Engisch, op. cit., p. 228.
[67]. Bobbio, Teoria dell’ordinamento giuridico, pp. 125-184.
[68]. Larenz, Metodología de la Ciencia del Derecho, Barcelona: Ariel, 1966, pp. 293-298.
[69]. Ferraz Jr., Direito, Retórica e Comunicação, p. 140.
[70]. Goldschmidt, Introducción filosófica al derecho, 4ª ed., 1977, Buenos Aires: Depalma, pp. 286-287.
[71]. Citado por Legaz y Lacambra, L’Introducción a la Ciencia del Derecho, nota 2, p. 545.
[72]. Klug, Observationes sur le problème des lacunes en droit, in Le problème..., ed. Perelman, pp. 85 e seguintes.
[73]. Conte, Décision, Completude, Clôture. A propos des lacunes en droit, in Le Problème des lacunes en Droit, Bruxelas: Perelman, 1968.
[74]. Foriers, Les lacunes du Droit, in Le Problème..., ed. Perelman, p. 23.
[75]. Klug, Observationes sur le problème des lacunes en Droit, in Le Problème..., ed. Perelman, pp. 86-89.
[76]. Ziembinski, Les lacunes de la loi dans le système juridique polonais contemporain et les méthodes utilisées pour les combler, in Le Problème..., ed. Perelman, pp. 130 e seguintes.
[77]. Krings, Les lacunes en Droit Fiscal, in Le Problème..., ed. Perelman, p. 463.
[78]. Betti, Interpretazione della legge e degli atti giuridici, Milão: Giuffrè, 1975, p. 135.
[79]. No entender da professora Maria Helena Diniz, três são as principais espécies de lacunas, a saber: 1ª) normativa, quando se tiver ausência de norma sobre determinado caso; 2ª) ontológica, se houver norma, mas ela não corresponder aos fatos sociais, quando, p. ex., o grande desenvolvimento das relações sociais, o progresso técnico acarretarem o ancilosamento da norma positiva; e 3ª) axiológica, no caso de ausência de norma justa, ou seja, quando existe um preceito normativo, mas, se for aplicado, sua solução será insatisfatória ou injusta. (in As Lacunas no Direito, p. 95 – g.n.)
[80]. Menezes Direito, A Decisão Judicial, Rio de Janeiro: Revista Forense, v. 96, nº 351, pp. 19-30, julho/agosto de 2000.
[81]. Interessante definição de ‘decisão judicial’ encontramos no dicionário Black’s Law Dictionary, Sixth Edition, West Publishing Co., 1990, p. 847: “Judicial decision – Application by a court or tribunal exercising judicial authority of competent jurisdiction of the law to a state of facts proved, or admitted to be true, and a declaration of the consequences which follow”.
[82]. Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, Rio de Janeiro: Renovar, 1ª edição brasileira, 1994, pp. 301 e seguintes.
[83]. Não há certeza; não está claro.
[84]. Diniz, As Lacunas no Direito, p. 102.
[85]. Ibidem, p. 102.
[86]. Ibidem, p. 103, apud de Luiz G. M. de Paula, A lacuna e a antinomia no Direito Tributário brasileiro, trabalho apresentado em 1976, no curso de Mestrado da Pontificia Universidade Católica de São Paulo, pp. 23 e 24.
[87]. Nesse sentido: Conte, Décision, Complétude, Clôture, p. 102.
[88]. In Direito, Retórica e Comunicação, p. 70.
[89]. Ibidem, p. 81.
[90]. In As Lacunas no Direito, p. 109.
[91]. ‘Colmatar’, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, significa ‘preencher vazios, lacunas ou brechas’ (in Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª edição, 22ª impressão, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 431).
[92]. Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, São Paulo: Saraiva, 15ª edição, 2010, p. 6.
[93]. Goldschmidt, Introducción Filosófica al Derecho, Buenos Aires: Depalma, 1973, p. 294.
[94]. In As Lacunas no Direito, pp. 138 e 139.
[95]. “When the legislation is silent, the judge shall decide the case according to analogy, customs and the general principles of law.” (Leslie Rose, O Código Civil Brasileiro em Inglês, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 2)
[96]. Maria Helena Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, São Paulo: Saraiva, 1996, pp. 89 e seguintes.
[97]. In As Lacunas no Direito, pp. 135-137.
[98]. A professora Maria Helena Diniz anota que “mesmo em países cujos Códigos silenciam a respeito, como o alemão, a doutrina e a jurisprudência se encarregaram de dar-lhes foros de regra obrigatória”. (in As Lacunas no Direito, p. 137)
[99]. Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º de outubro de 1973.
[100]. In Código de Processo Civil Interpretado, Antonio Carlos Marcato – coordenador, 3ª edição, São Paulo: Atlas, 2008, pp. 371 e 372.
[101]. Anota o professor Arruda Alvim, em nota de rodapé, que ‘a redação primitiva do CPC dava precedência aos costumes em vez da analogia, mas, mesmo antes de ter vigência, a Lei nº 5.925/1973 a alterou para voltar ao sistema do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil’.
[102]. Nota de rodapé do professor Arruda Alvim: “Salvo as sociedades anônimas, que permanecem regidas por lei especial (Lei 6.404/1976, com as alterações das Leis 10.303/2001 e 11.638/2007). V., a esse respeito, o art. 1.089 do Código Civil, em cujo texto se lê: ‘A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código’.”
[103]. In Manual de Direito Processual Civil, 13ª edição (unificada), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 148 e 149.
[104]. In Temas Atuais de Direito, Academia Paulista de Direito, Coordenadores: Rogério Ferraz Donnini e Roque Antonio Carrazza, São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 285 e 286.
[105]. In Introdução ao Estudo do Direito, pp. 328 e 330.
[106]. Rogério Ferraz Donnini, cit., lembra, ainda, p. 286, que “na noção de direito preconizada há aproximadamente quinze séculos: Ius est ars boni et aequi (O direito é a arte do bom e do justo), de Celso, citado por Ulpiano no Digesto, 533 d.C., a idéia de justiça traduz o ideal de equidade, de equitativo (aequi)”.
[107]. “(...) o Direito Civil Constitucional, de modo concreto, estabelece novos paradigmas de atuação e de coexistência entre os poderes do Estado e o exercício dos direitos civis das pessoas.
Isto significa que não só o particular deve respeitar o direito objetivo do Estado, mas, também, que o Estado possui o poder-dever de não macular as garantias lídimas asseguradas às pessoas, físicas ou jurídicas, pela Constituição.” (Joaquim José de Barros Dias, Direito Civil Constitucional, in Direito Civil Constitucional, Caderno 3, Coord.: Renan Lotufo, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 23)
[108]. Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, p. 6.
Exemplo relativo ao artigo 337 do Código Civil: “a oferta do depósito deverá proceder-se no foro do local convencionado para o pagamento e, ante a omissão legal, por analogia (LICC, art. 4º) poder-se-á aplicar o art. 337, na hipótese de consignação em estabelecimento bancário, requerendo-a na praça do lugar do pagamento.” (Aut. e ob. cit., p. 315 – g.n.)
[109]. A menção à jurisprudência é de Arruda Alvim: STF, RTJ 88/628, RJTJESP 55/181. Observa-se o disposto no art. 188 também em relação ao prazo para apresentar exceção (cf. STJ, R.Esp. 24.055/RJ, 2ª T., j. 14.04.1993, rel. Min. José de Jesus Filho, DJ 10.05.1993, p. 8.625; STJ, R.Esp. 8.233/RJ, 2ª T., j. 17.04.1991, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 13.05.1991, p. 6.077), para contestar ação rescisória (cf. STJ, R.Esp. 363.780/RS, 6ª T., j. 27.08.2002, rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 02.12.2002, p. 379) e para interpor recurso adesivo (cf. STJ, E.Dcl. no R.Esp. 171.543/RS, 2ª T., j. 16.06.2000, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 14.08.2000, p. 159).
[110]. Anotação de Arruda Alvim: Simpósio de Curitiba, concl. XXXI, RT 482/271: “É de quinze dias o prazo para resposta à ação declaratória incidental”. Nesse sentido: STJ, R.Esp. 30.747/SP, 3ª T., j. 25.10.1993, rel. Min. Nilson Naves, DJ 29.11.1993, p. 25.875.
[111]. In Manual de Direito Processual Civil, p. 150.
[112]. Maria Helena Diniz, As Lacunas no Direito, p. 162.
[113]. Ibidem, pp. 162 e 163.
[114]. Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, p. 6.
[115]. Diniz, op. cit., p. 6.
Em sentido contrário: “Os princípios gerais de direito não se encontram positivados no sistema normativo. São regras estáticas que carecem de concreção. (...) Quando se inclui determinado princípio geral no direito positivo do País (Constituição, Leis etc.), deixa de ser princípio geral, ou seja, deixa de ser regra de interpretação e passa a caracterizar-se como cláusula geral.” (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery, Código Civil Comentado, 7ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 195, item 12 – g.n.)
Ainda: “Os princípios suprapositivos são princípios gerais do direito, os grandes princípios, como o da justiça, o da segurança, o da liberdade, o da igualdade, o da dignidade da pessoa humana, aqueles sobre os quais a ordem jurídica se constrói. O adjetivo geral significa que não têm um campo de aplicação definitiva a priori, dizem respeito a todo o direito. Identificam-se como diretivas básicas e gerais, valores não-expressos em lei, que orientam o intérprete no caso de omissão do texto legal, e se constituem, em recurso último quando o ordenamento jurídico é incompleto, lacunoso, não dispondo da norma jurídica adequada ao caso material surgido.” (Francisco dos Santos Amaral Neto, Direito Civil: Introdução, 6ª edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 55 e 56 – g.n.)
[116]. Diniz, As Lacunas no Direito, p. 242.
[117]. In Curso de Introdução ao Estudo do Direito, 4ª edição, São Paulo: Noeses, 2007, pp. 36 e 37.
[118]. Diniz, ibidem, apud de Agostinho Alvim, Da equidade, in RT, ano XXX, 1941, vol. CXXXII, fasc. 494, p. 250.
[119]. Maria Helena Diniz, ibidem, p. 251.
[120]. Rogério Ferraz Donnini, Temas Atuais de Direito, pp. 284 e 285.
[121]. In Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral do Direito Civil, p. 85.
[122]. Ibidem, pp. 86-88.
[123]. Op. cit., pp. 88 e 89.
[124]. Ibidem, p. 89.
[125]. Ibidem, p. 90.
[126]. Ou seja, “coisa feita entre terceiros”.
[127]. Op. cit., p. 91.
[128]. Ressalta a professora Maria Helena Diniz que: “os critérios de solução de conflitos não são consistentes, daí a necessidade de a doutrina apresentar metacritérios para resolver antinomias de segundo grau que, apesar de terem aplicação restrita à experiência concreta e serem de difícil generalização, são de grande utilidade.
Na hipótese de haver conflito entre o critério hierárquico e o cronológico, a meta-regra lex posterior inferiori non derogat priori superiori, resolveria o problema, isto é, o critério cronológico não seria aplicável quando a lei nova for inferior à que lhe veio antes. Prevalecerá, portanto, o critério hierárquico, por ser mais forte que o cronológico, visto que a competência se apresenta mais sólida do que a sucessão no tempo.
Em caso de antinomia entre o critério de especialidade e o cronológico, valeria o metacritério lex posterior generalis non derogat priori speciali, segundo o qual a regra de especialidade prevaleceria sobre a cronológica. A meta-regra lex posterior generalis non derogat priori speciali não tem valor absoluto, tendo em vista certas circunstâncias presentes. Não há regra definida, pois, conforme o caso, haverá supremacia ora de um, ora de outro critério.
No conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade, havendo uma norma superior-geral e outra inferior-especial, não será possível estabelecer uma meta-regra geral dando prevalência ao critério hierárquico, ou vice-versa, sem contrariar a adaptabilidade do direito. Poder-se-á, então, preferir qualquer um dos critérios, não existindo, portanto, qualquer predominância de um sobre o outro.
(...) Em caso extremo de falta de um critério que possa resolver a antinomia de segundo grau, o critério dos critérios para solucionar o conflito normativo seria o do princípio supremo da justiça: entre duas normas incompatíveis dever-se-á escolher a mais justa.” (in Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral do Direito Civil, pp. 92 e 93 – os grifos constam no original)
[129]. Artigo 108 do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil: “O juiz não se exime de decidir alegando lacuna ou obscuridade da lei, cabendo-lhe, no julgamento da lide, aplicar os princípios constitucionais e as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”.
Artigo 109 do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil: “O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”.
[130]. Aut. cit., Manual de introdução ao estudo do direito, 9ª edição, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 298.
[131]. Pertencente ou relativo ao oitocentismo ou ao século XIX (século de oitocentos). (Aurélio, Novo dicionário da língua portuguesa, p. 1.438)
[132]. Princípio da interpretação conforme a Constituição: “Na interpretação conforme a Constituição, o órgão jurisdicional declara qual das possíveis interpretações de uma norma legal se revela compatível com a Lei Fundamental. Isso ocorrerá, naturalmente, sempre que um determinado preceito infraconstitucional comportar diversas possibilidades de interpretação, sendo qualquer delas incompatíveis com a Constituição. Note-se que o texto legal permanece íntegro, mas sua aplicação fica restrita ao sentido declarado pelo Tribunal.” (Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 175, apud de Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionalidade, 1990, pp. 284 e seguintes, e Controle de constitucionalidade na Alemanha, RDA 193:13, 1993)