458 - Terrorismo: desafios e novas perspectivas de enfrentamento
JÉSSICA FERRACIOLI - Advogada
Resumo: A partir dos atentados às torres gêmeas do World Trade Center, a preocupação com a atividade terrorista aumentou, provocando reflexos nas legislações em todo o mundo com o intuito de prevenir ataques terroristas, culminando esforços na cooperação judicial e policial entre os Estados.
Apesar das inúmeras dificuldades no enfrentamento do fenômeno em estudo, o constante temor provocado na população, diante da magnitude dos bens jurídicos individuais e coletivos em xeque, ordena-se legislações penais e processuais penais diferenciadas, para atender de maneira satisfatória os desafios ofertados por essa nova forma de criminalidade.
Palavras chave: terrorismo - desafios - perspectivas de enfrentamento
Sumário: Nota Introdutória; 1. Breve Escorço Histórico do Terrorismo; 2. Definição de Terrorismo; 3. Terrorismo e o Direito Penal; 4. O Direito Penal do Inimigo e o Terrorismo; 5. Bem Jurídico Tutelado; 6. Legislação Pátria; 7. A Nova Macro-Criminalidade Terrorista; 8.Terrorismo e uma Nova Perspectiva de Enfrentamento; Conclusões.
Nota introdutória
Embora o Brasil não tenha sido alvo até o momento de ataques terroristas, não obstante, enfrenta determinadas situações provocadas por facções criminosas, provocando a impressão de que as dificuldades relacionadas a tal fenômeno encontram-se muito distante de nós.
Todavia, desde os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos da América, de março de 2002 em Madrid, de julho de 2005 em Londres, a preocupação com a atividade terrorista aumentou, culminando reforços na cooperação judicial e policial entre os Estados.
A partir desses acontecimentos, os problemas relacionados ao terrorismo entraram na lista dos problemas mundiais e o que aparentemente estava limitado a alguns países, revelou em princípio, que nenhum Estado encontra-se imune a este mal, ocasionando reflexos em muitas legislações com o escopo de prevenir atentados terroristas.
Entretanto, nosso país será palco de eventos importantíssimos para o cenário mundial, dos quais participarão vários países que se encontram na mira de inúmeros grupos terroristas, não havendo, ainda, a tipificação específica no ordenamento jurídico nacional do delito de terrorismo.
A despeito de o Brasil ser signatário da Convenção Interamericana contra o Terrorismo e se ter comprometido a tomar medidas administrativas e jurídicas para prevenir, punir e combatê-lo, até o momento não o fez.
Dentre outros fatores, a internacionalização é uma das dificuldades relacionadas ao terrorismo e a nova roupagem assumida pelas células terroristas, especialmente em razão do grande sofrimento e pavor provocados na população, ordena um posicionamento realizado através de legislações penais e processuais penais adequadas.
1. Breve escorço histórico do terrorismo
A doutrina não consegue fixar o marco histórico do terrorismo. Estudiosos remontam aos anos 66 a 73 do século I d. de C, na Palestina, nas ações desenvolvidas pela seita dos Celotes ou Kana, que durante a dominação romana foi uma seita que perseguia a independência territorial a mão armada, utilizando-se principalmente de atentados contra os funcionários imperiais.
Há ainda quem defenda que o terrorismo originou-se na Síria e Líbano, durante o século XI, em uma sociedade secreta denominada hashshashum ou hashishin. A origem dessa terminologia deve-se ao fato dos seus integrantes, antes de praticarem homicídios políticos, inalavam haxixe, entregando-se incondicionalmente à missão que lhes era atribuída por seus superiores, não demonstrando medo algum perante a morte.
Por último, outros atribuem a origem do terrorismo como instrumento político jacobino da Revolução Francesa, adquirindo outro significado, convertendo-se uma forma de governo, liderado por Maximilien Robespierre.
Em 1927, nas Conferências Internacionais para a Unificação do Direito Penal, iniciam-se as discussões sobre o terrorismo internacional devido ao atentado ocorrido em 9 de outubro de 1934 em Marselha, culminado no assassinato do Rei Alexandre I da Iugoslávia e do Ministro Francês de Assuntos Estrangeiros, Louis Barthou.
No final do século XIX, a palavra terrorismo obtém novo significado, trazido pelos anarquistas através de suas propagandas, nas quais o objetivo era aterrorizar o Estado incitando a sociedade contra os órgãos estatais. Durante esse período, surgiram os niilistas na Rússia, passando a designar um movimento de rebelião contra a ordem estabelecida, culminado no assassinato do Czar Alexandre II, em 1º de março de 1881. Assim sendo, o terrorismo era utilizado como instrumento por grupos políticos com escopo de arruinar o poder político vigente de um determinado país.
Nos anos 60, do século XX, devido aos constantes seqüestros de aviões, inicia-se nova luta contra o terrorismo internacional, trazendo um recrudescimento no combate a ações terroristas específicas através da elaboração de várias Convenções Internacionais.[1]
Do ponto de vista histórico, os atos de terrorismo atuais possuem um propósito distinto dos ocorridos no final do século XIX e início do século XX. Hoje se vê a atuação de grupos de nacionalistas extremados, fundamentalistas religiosos, nos quais a maior parte dos integrantes é formada por jovens que se organizam no formato de associação secreta e periódica, e para atingir seus objetivos praticam assassinatos, sequestros, execuções, utilizando bombas e explosivos em lugares pré-determinados. [2] Outra característica que se pode apontar é a violência indiscriminada contra cidadãos não envolvidos em questões políticas ou religiosas.
2. Definição de terrorismo
Após 11 de setembro de 2001, o Conselho das Nações Unidas estabeleceu a Resolução 1373, com fundamento no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, convertendo-se como instrumento de grande importância jurídica, devido ao seu caráter obrigatório. Mas, a despeito das constantes referências sobre “atos terroristas”, não determina o significado destes, deixando a tipificação a cargo dos próprios Estados.
Nesse contexto, a doutrina divide-se nas seguintes opiniões: para alguns a recente história do crime de terrorismo não demonstra uma ausência de concordância a respeito da definição do mesmo, mas confirma a falta de acordo em conceituar o que são ‘atos terroristas’. Ainda nessa perspectiva, há aqueles que defendem que em razão dessa discordância não é possível chegar a uma definição. Outros, por sua vez, afirmam que é possível uma definição geral do delito de terrorismo. [3]
Necessário mencionar que os Estados-Membros das Nações Unidas estão negociando o décimo quarto Tratado Internacional, que tipifica o crime de terrorismo nos seguintes termos: “quem ilícita ou intencionalmente e por qualquer meio cause: a) a morte ou lesões corporais graves a outra pessoa ou pessoas; ou b) danos graves a bens públicos ou privados, incluindo lugares de uso público, instalações de infra-estrutura ou ao meio ambiente; ou c) danos aos bens, lugares, instalações ou redes em que se refere o parágrafo anterior, quando produzam ou possam produzir um grande prejuízo econômico; em caso de que o propósito de tal ato seja, por sua natureza ou contexto, intimidar a população ou obrigar um governo ou uma organização internacional a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.” [4]
3. Terrorismo e o Direito Penal
O tratamento jurídico dado ao combate ao terrorismo no hemisfério norte, caracterizou-se pelo denominado Direito Penal de emergência, que aos poucos se converteu em ferramenta de combate a outras formas de criminalidade violenta, concretizando-se por meio de específicas legislações de exceção, que cumprem a função de redesenhar o ordenamento jurídico, produzindo um esvaziamento das garantias constitucionais nas nações vitimadas pelo fenômeno.
Nesta direção, caminha o Direito Penal, em alguns sistemas, designadamente o norte-americano e o europeu. Estes têm testado o acerto de suas propostas constitucionais e penais em três setores das políticas e legislações criminais – a legislação antiterrorista, a criminalidade organizada e a delinquência sexual, especialmente no combate à pedofilia e pornografia on line.[5]
4. O Direito Penal do Inimigo e o terrorismo
Na Alemanha, os estudos sobre o Direito Penal gerou a nomenclatura Direito Penal do inimigo[6], tendo como expoente o penalista Günter Jakobs. Partidário do Funcionalismo Sistêmico, no qual o Direito Penal deve ter o papel de garantir a funcionalidade e a eficácia do sistema social e dos subsistemas, independente do modelo de Estado ou sistema político-social.
O catedrático de Bonn sustenta que devem existir dois planos inseridos no Direito Penal, convivendo no mesmo contexto jurídico: o Direito Penal do cidadão e o Direito Penal do inimigo. O primeiro, direcionado àqueles que não romperam de forma definitiva com a sociedade, devendo ser tratados como cidadãos. O segundo insurge-se contra àqueles que romperam de forma definitiva com o contrato social e, portanto, devem ser segregados do convívio social e vistos como inimigos, sendo o Direito Penal um meio através do qual o Estado realiza esse confronto.
Relacionado ao terrorismo, Günter Jakobs defende que as contaminações jurídico-policiais como as diligências utilizadas na prevenção para delitos ulteriores ou o ingresso na prisão preventiva com escopo de evitar a reiteração delitiva, devem ser entendidos unicamente como defesa frente aos riscos de forma jurídico-penal, ou seja, são necessidades frente às peculiaridades envolvidas no tratamento com terroristas – entre outros sujeitos que devem ser levadas em conta.[7]
O referido penalista fundamenta que relacionado à punição, muito antes da produção das lesões ou seu duro interrogatório, não se encaixa em um Estado de Direito perfeito. Porém, tampouco se enquadra aí o abatimento de um avião de passageiros. Dessa forma, ambas as situações pertencem ao direito de exceção, mostrando que o Estado não pode fugir do dilema, renunciando à regulamentação: ‘a exceção se produzirá de qualquer maneira, o Direito que se adapte a ela’. Entretanto, quando o Estado estabelece uma regulamentação, deve distinguir com clareza entre aquilo que está dirigido somente ao terrorista ou outro sujeito que se desvia ativamente de modo grave e permanente, e aquele que se dirige ao cidadão.[8]
Por outro lado, a intervenção penal antiterrorista é alvo de muitas críticas e muitos pontos polêmicos, sendo inclusive denominada de uma excepcionalidade democrática [9]. Isso se deve ao fato de que se tem utilizado procedimentos e ferramentas rechaçadas pelo Direito Penal clássico, contraditório aos princípios e direitos estruturalmente necessários em um Estado Democrático de Direito, na justificativa de uma resposta penal proporcional aos riscos que representa o terrorismo.
Nessa esteira, há o entendimento de que algumas razões possibilitariam a utilização desse modelo político criminal de excepcionalidade democrática, sendo elas[10]:
a) Primeiramente, a grande danosidade que produz o terrorismo somado à existência de um propósito imediato de desestabilizar a sociedade e consequentemente lograr algum tipo de objetivo político; produzindo uma sensação de insegurança social que geralmente vem seguida de respostas rápidas, gerada pela necessidade do Estado mostrar-se inflexível ao terror, e por vezes precipitada, levando a uma expansão ilegítima do Direito Penal.
b) Em segundo lugar, a excepcionalidade democrática é marcada por gravíssimas reinterpretações dos direitos fundamentais básicos dos cidadãos, e poucas vezes são percebidas por parte desses como uma ameaça ao Estado Democrático de Direito, os quais respondem, normalmente, com grande permissividade. Assim, o combate eficaz ao terrorismo, fez com que a sociedade preferisse “trocar a liberdade pela segurança” [11].
c) Por fim, o caráter excepcional das medidas antiterroristas relaciona-se com as características deste fenômeno criminal e a necessidade de uma resposta legal eficaz frente a esse. Assim, não pode ser negado que ao se tratar de uma espécie de criminalidade organizada, na qual o sujeito que realiza diretamente a ação criminal é facilmente substituível, possui o domínio do fato criminal, a investigação apenas parece eficaz quando se dirige não apenas à averiguação dos sujeitos detidos ou presos, mas de todas as pessoas relacionadas com a organização terrorista. Nos moldes do tema em estudo, tal fator justificaria a antecipação da tutela penal.
Contudo, o fato é que o Direito Penal toma novos trilhos abrindo-se a novos tipos de ilícito, numa indicação que o Direito Penal tradicional é insuficiente para tutelar de forma satisfatória bens jurídicos penais individuais, difusos e coletivos atingidos com a consumação do delito de terrorismo, havendo necessidade de adoção de uma política criminal diferenciada, voltada para prevenção dessas lesões.
5. Bem jurídico tutelado
Para Marcello Ovídio Lopes Guimarães, com fundamento no direito interno, analisando-se o artigo 20 da Lei nº 7.170/83, tem-se como bem jurídico tutelado, em princípio, a segurança nacional, sendo sujeitos passivos do delito o Estado e a coletividade em geral. Ainda: a segurança, a incolumidade e a paz social, tutelando-se também no aspecto do poder público constituído e da ordem constitucional vigente, a estabilidade social e, mais concretamente, a estabilidade política.[12]
Myrna Villegas Díaz propõe que para se determinar o objeto de tutela penal dos delitos de terrorismo, deve-se ter como marco o critério do bem jurídico que gira em torno da pessoa humana como ente social em uma sociedade democrática, e neste sentido, o conteúdo material do bem jurídico está determinado pela presença das relações sociais concretas e dialéticas ou em conflito. O conteúdo material que por sua vez está guiado por um critério de valoração, é limitado pelos direitos humanos, entendidos como necessidades humanas, cuja determinação é social e histórica, e por tanto objeto de revisão.[13]
A adoção deste critério de valoração é particularmente importante tratando-se dos delitos de terrorismo já que a sua característica essencial é a vulneração dos direitos humanos, dos quais grande parte está positivada nas Constituições, através da consagração das garantias individuais e, dentro dessas, uma sociedade democrática.[14]
Relacionado aos bens jurídicos individuais que se vêem afetados pelo cometimento de delitos comuns através dos quais se expressam os delitos de terrorismo, Myrna Villegas Díaz defende que devem restringir-se a vida, a integridade física e a liberdade, com exceção ao direito de propriedade, que apenas deve ser protegido quando a lesão ponha em perigo (concreto) outros bens de maior relevância. [15]
Com efeito, o terrorismo através de seus atos atenta contra bens jurídicos coletivos, individuais, supra-individuais e difusos, difundindo o terror nas estruturas fundantes do Estado. Dessa forma, no Direito Penal contemporâneo, a proteção aos bens jurídicos proposta pelo Direito Penal clássico é insuficiente, devendo ser realizada proteção penal distinta entre bem jurídico penal tradicional e difuso ou coletivo, no qual a postura adotada pelo agente fere a sociedade como um todo.[16]
6. Legislação pátria
A Constituição Federal de 1988 conferiu importância no combate ao terrorismo. Inserto no artigo 4º, inciso VIII, existe a determinação de que o Brasil reger-se-á, pelo princípio do repúdio ao terrorismo, em suas relações internacionais.
Ainda, na Magna Carta, em seu artigo 5º, inciso XLIII, o terrorismo é delito equiparado ao hediondo, sendo insuscetível de: anistia, graça, indulto, não admitindo fiança e liberdade provisória.
Importante salientar que o artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal contém um mandado de criminalização explícito [17], que se trata de determinação extraída do próprio tema constitucional, no qual o legislador não tem a faculdade de legislar, mas a obrigação, resguardando determinados bens de forma absoluta. Desta forma, compete ao legislador acolher estas determinações impostas pela Constituição Federal e estabelecer normas penais adequadas para proteção eficiente dos bens jurídicos, e para tanto, o terrorismo deve ser combatido eficazmente. Contudo, até o momento, não há qualquer lei no Brasil tratando do crime de terrorismo.[18]
Nessa esteira, parte da doutrina defende que o terrorismo encontra-se tipificado no art. 20 da Lei 7.170/83 - Lei de Segurança Nacional. Todavia, extrai-se da leitura do mencionado artigo que se trata de uma cláusula genérica, de extrema elasticidade, que permite ao julgador discricionariamente, enquadrar qualquer modalidade de conduta humana, por ausência de uma adequação de descrição do conteúdo fático desses atos, ferindo dessa forma o princípio da legalidade[19], causando uma insegurança jurídica manifesta.
Os atentados às torres gêmeas do World Trade Center em 11 de setembro de 2001 obtiveram repercussão no Direito Internacional Americano, fazendo com que houvesse a adoção da Resolução nº 1.840, de 3/6/2002, a Assembléia Geral da OEA, proclamando a Convenção Interamericana contra o Terrorismo, promulgada pelo Decreto nº 5.639, em 26/12/2005. Esta Convenção tem por objeto prevenir, punir e eliminar o terrorismo, e, para esses fins, os Estados Partes assumem o compromisso de fortalecer a cooperação entre eles, e adotar efetivamente os preceitos dos instrumentos internacionais pactuados, incluindo o estabelecimento em sua legislação interna de penas aos delitos aí contemplados.
No artigo 6º da mencionada Convenção, há a orientação de que os países signatários em sua legislação penal relativa à lavagem de dinheiro, tipifique as condutas tidas como atos terroristas como delitos prévios aos crimes de lavagem de dinheiro.
Caminhou bem o Brasil ao acrescentar ao artigo 1º, o inciso II, da Lei nº 9.613/98 – de terrorismo e seu financiamento, pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003. Ocorre que para a prevenção e combate do terrorismo, somente a inserção como crime antecedente à lavagem de dinheiro é pouco significativo, diante da gravidade e da proporção que possuem os atentados terroristas hodiernamente. Outras medidas administrativas e jurídicas são necessárias para que o terrorismo seja prevenido, combatido e punido, compromisso esse assumido com a ratificação pelo Brasil da Convenção Interamericana contra o Terrorismo.
Os atentados terroristas internacionais provocaram reflexos nas legislações de vários países e no Brasil foram promulgadas as Leis 10.309/2001 e 10.744/2003, que autorizam a União a atribuir despesas de responsabilidade civil perante terceiros, provocadas por atos terroristas contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras, no caso de danos a pessoas e bens no solo ou no ar, considerando por ato terrorista “qualquer ato de uma ou mais pessoas, sendo ou não agentes de um poder soberano, com fins políticos ou terroristas, seja a perda ou dano dele resultante acidental ou internacional”.
7. A nova macro-criminalidade terrorista
Modernamente, a criminalidade terrorista adquiriu feição dinâmica e, consequentemente, cada vez menos restringida a um espaço territorial, a um grupo nacional, com um número reduzido e limitado de delitos. Em razão disso, encontra dificuldade em inúmeros aspectos, tratando-se de um fenômeno complexo em constante movimento, participando de diversas esferas da sociedade internacional.
Dessa forma, faz-se necessário mencionar que o terrorismo contemporâneo caracteriza-se pelos seguintes elementos[20]:
a) organização: são células hierarquizadas, com regras de conduta e divisão de tarefas que inclui a dedicação ao recrutamento e capacitação desses novos elementos que compartilham da mesma ideologia, possibilitando a elaboração de estratégias que envolvam a captação de grandes recursos financeiros;
b) uso da violência indiscriminada: com isso efetuam pressão sobre os governos, autoridades e população, fazendo da intimidação para alcançar seus objetivos;
c) a utilização dos meios de comunicação em massa como uma ferramenta eficaz de disseminação do terror e de autopromoção;
d) caráter internacional: provocado pelo surgimento das redes de delinquência organizada que se utilizam da prática de inúmeros delitos para concretização dos seus objetivos terroristas.
Nesse contexto, a análise apresenta um paradigma que enfrenta atualmente a política criminal, conforme expõe María Cecilia Dómine[21]:
a) A característica macroscópica, reconhecida como modelo de Herbert Jäger, não tanto em termos de difusão de comportamento, mas como enormidade dos eventos lesivos, consistindo no fato de que esta criminalidade é difusa, ao ponto de não poder ser contida com uma resposta penal tradicional;
b) Os processos de globalização e o caráter transnacional proporcionam novas oportunidades de crimes que ultrapassam fronteiras, que reclamam novos modelos de Direito Penal transnacional;
c) O desenvolvimento da sociedade da informação e da sociedade mais exposta ao risco gerou “novos riscos” e uma criminalidade complexa, reclamando uma política criminal global eficaz;
d) O uso da internet pela criminalidade terrorista, denominado ciberterrorismo, constitui uma forma de terrorismo que utiliza as tecnologias da informação para intimidar [22], servindo como ferramenta para: atrair novos participantes; recrutar e formar futuros terroristas; enviar mensagens e discursos dos seus líderes; difundir e fazer publicidade de sua organização, para ensinar os melhores métodos de montagem de bombas caseiras e difundir a cultura do terror.
8. Terrorismo e uma nova perspectiva de enfrentamento
O combate inicial do terrorismo começa pela velha luta de classes, conforme opinião de alguns expoentes mundiais: George Bush, Tony Blair, Al Gore, Bill Clinton, rei Abdullah, da Jordânia e Benazir Bhutto [23]: “o combate ao terrorismo passa pela melhora nas condições de vida nos países pobres, principalmente por meio da expansão educacional e da redução da pobreza”.
Nesse contexto, surgiu uma nova realidade: o “Estado Preventivo” e a necessidade de uma nova “arquitetura de segurança”, dando origem a duas novas questões nucleares: espécies de ameaças e medidas contrárias a essas ameaças.
José Joaquim Gomes Canotilho traça considerações importantes no que se refere aos novos traços jurídico-organizatórios, para tanto é necessária a adoção de três pilares: a) legitimação de parcerias de segurança e de cooperação internacional; b) estratégia coerente quanto à troca de informação pelos diversos serviços; c) centralização de bancos de dados.[24]
Somados a esses pilares, reputamos essencial:
a) Prevenção da falsificação de passaportes e documentos (conforme Resolução 1373 do Conselho das Nações Unidas);
b) Evitar o movimento de terroristas ou grupos terroristas através dos controles fronteiriços efetivos (conforme Resolução 1373 do Conselho das Nações Unidas). Importante mencionar que a recente Lei Complementar 136/2010, em seus artigos 16-A e 18, inciso VII, passou-se a permitir que as forças armadas da Marinha, Exército e Aeronáutica realizem ações de patrulhamento, abordagem e revista de pessoas, veículos, embarcações; realizem prisões em flagrante; atuando na faixa de fronteira, no mar territorial, nas águas interiores e no espaço aéreo especialmente para combater delitos transnacionais, entre outros.
c) Encontrar formas de acelerar e intensificar o intercâmbio de informações operacionais, especialmente a relacionada com ações ou movimentos individuais ou redes, documentos falsificados, adulterados e armas (conforme Resolução 1373 do Conselho das Nações Unidas);
d) Assegurar que o status de refugiado não seja empregado abusivamente por perpetradores, organizadores ou facilitadores de atos terroristas (conforme Resolução 1373 do Conselho das Nações Unidas);
Destarte, o Direito Penal no enfrentamento eficaz ao terrorismo, especialmente a criminalidade organizada terrorista, sob o prisma da prevenção geral e especial, não desfruta de recursos satisfatórios para proteger o Estado Democrático de Direito.
Assim, uma nova leitura é necessária, merecendo especial atenção dos penalistas e processualistas, sem, contudo, abrir mão dos princípios e garantias fundamentais conquistados.
Conclusões
1- Resta claro que, em razão de ser um fenômeno em constante mutação, somado às normas nacionais de cada país e às normas internacionais inseridas nos tratados e convenções, o terrorismo ainda não foi definido de maneira satisfatória e precisa.
2- Apesar do Brasil não enfrentar problemas relacionados com ataques terroristas, não pode continuar omisso quanto à tipificação do terrorismo e seus atos.
3- Pode-se observar que a excepcionalidade resulta como parâmetro definidor dos modelos político criminal adotado no combate ao terrorismo no direito europeu e norte-americano.
4- O terrorismo através de seus atos atenta contra bens jurídicos coletivos, individuais, difusos e supra-individuais, difundindo o terror em toda a humanidade. Assim, no Direito Penal contemporâneo, a proteção aos bens jurídicos proposta pelo Direito Penal clássico é insuficiente, instando postura diferenciada no combate a esse delito.
5- O combate inicial ao terrorismo começa pela velha luta de classes e os esforços na luta contra o terrorismo devem ser feitos em conjunto, pois apenas através da união e a colaboração mútua entre os Estados, haverá a prevenção dos atentados, na medida em que a sociedade enfrenta um oponente sem rosto, cujos braços podem estar introduzidos em qualquer lugar.
Jéssica Ferracioli é mestranda em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Vinculada ao Programa de Bolsas CNPq. Professora assistente no curso de especialização em Direito Penal e Direito Processual Penal no COGEAE – PUC/SP.
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[1]PALLET, Sarah. O desafio da Comunidade Internacional frente ao Terrorismo, p, 12-13 Convenção Relativa a Infrações e a Certos Atos Ocorridos a Bordo de Aeronaves, assinada em Tóquio em 14 de setembro de 1963; Convenção para a Repressão da Captura Ilícita de Aeronaves, assinada em Haia, em 16 de dezembro de 1970; Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos Dirigidos Contra a Segurança da Aviação Civil, assinada em Montreal, em 23 de setembro de 1971, e seu Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos de Violência nos Aeroportos destinados à Aviação Civil Internacional, assinado em 24 de fevereiro de 1988; Organização da Aviação Internacional, O.A.C.I. Doc.9518, Convenção sobre a Prevenção e a Repressão de Infrações contra as Pessoas que Gozam de uma Proteção Internacional, compreendendo os agentes diplomáticos, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 14 de dezembro de 1973; Convenção Internacional contra a Prisão de Reféns, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 1979; Convenção para a Proteção Física de Materiais Nucleares, assinada em Nova York, em 3 de março de 1980; Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima, assinada em 10 de março de 1988, e seu Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança de Plataformas Fixas sobre o Platô Continental, concluída em Roma, em 10 de março de 1988; Convenção sobre a Marcação de Explosivos Plásticos para fins de Detecção, assinada em Montreal, em 1º de março de 1991; Convenção Internacional para Repressão de Atentados Terroristas com Explosivo, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 15 de dezembro de 1997; e a Convenção Internacional para a Repressão ao Financiamento do Terrorismo, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 15 de dezembro de 1997.
[2] CARO BAROJA, Julio. El terror desde un ponto de vista histórico, p.140.
[3] BARIFFI, Francisco J. Reflexiones em torno al concepto de terrorismo a la luz del derecho internacional contemporâneo, p.129.
[4] Disponível em: www.un.org/spanish/terrorism/instruments.shtml. Acesso em 22/03/2011. Até o momento da publicação deste artigo, não há informações sobre aceitação ou ratificação pelos Estados-Membros das Nações Unidas.
[5] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Terrorismo e Direitos Fundamentais, p.23-24.
[6] Atualmente o Direito Penal pode ser contemplado de formas diferentes dentro de uma concepção trazida por Jesús-María Silva Sánchez, de maneira que o Direito Penal do inimigo estaria classificado como Direito Penal de 3ª velocidade, no qual coexistiriam a aplicação de penas privativas de liberdade, a flexibilização dos princípios político-criminais e das regras de imputação, destinando-se ao combate de crimes graves, principalmente o terrorismo e outras formas de criminalidade organizada.
[7] JAKOBS, Günther e CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas, p. 53-54.
[8]JAKOBS, Günther e CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas, p.69.
[9] MIRÓ LLINARES, Fernando. Democracias em crisis y Derecho Penal del Enemigo. Política Criminal frente al terrorismo em los Estados Democráticos antes y después del 11 de septiembre de 2001, p.210.
[10]Idem. Ibid, p.210-212.
[11] HASSEMER, Winfried. El Derecho Penal del Estado de Derecho en los Tiempos del Terrorismo, p.188.
[12] GUIMARÃES, Marcello Ovídio Lopes. Tratamento Penal do Terrorismo, p.51-52.
[13] VILLEGAS DÍAZ, Myrna. Los delitos de terrorismo en el Anteproyecto de Código Penal de Chile.
[14] VILLEGAS DÍAZ, Myrna. Los delitos de terrorismo en el Anteproyecto de Código Penal de Chile.
[15] Idem. Ibid.
[16] Nesse sentido entende o Prof.Dr. Antonio Carlos da Ponte, conforme aula ministrada na disciplina Direito Penal de Emergência- Novas Formas de Criminalidade I, na PUC/SP.
[17] PONTE, Antonio Carlos da. Crimes Eleitorais, p.152-153.
[18]PONTE, Antonio Carlos da. Crimes Eleitorais, p.153.
[19] FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos, p. 116-117.
[20] GUTIÉRREZ RUZ, Gabriela. El Terrorismo en el siglo XXI, p.107-110.
[21] CECILIA DÓMINE, María. El terrorismo internacional: un análisis comparado de la nueva legislación antiterrorista y de la actual política criminal, p.246.
[22] SUBIJANA ZUNZUNEGUI, Ignacio José. El ciberterrorismo: uma perspectiva legal y judicial, p.172.
[23] Disponível em: http://www.american.com/archive/2007/november-december-magazie-cotents/what-makes-a-terrorist e http://www.guardian.co.uk/world/2004/aug/09/pakistan.comment. Acesso em 12/10/10.
[24] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Terrorismo e Direitos Fundamentais, p.29 - 30.