462 - O Código de Defesa do Consumidor fez aniversário de 21 anos – ele pegou, mas ainda é muito violado


LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES – Desembargador 


No mês de setembro que acaba de se encerrar, a Lei 8078 de 11-9-1990, isto é, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), completou 21 anos de existência. Como sempre tenho dito, a boa notícia é que o CDC é daquelas leis que comemoram aniversário, sempre lembrada tanto em setembro como em março (mês em que entrou em vigor;  mês  em que também se comemora o dia mundial dos direitos dos consumidores). Isso tem colaborado para marcar sua presença, ajudando a manter viva em nossas mentes a existência dessa lei tão importante para o exercício da cidadania no Brasil.                  

E, claro, com 21 anos de idade seria de se esperar que a lei fosse cumprida por todos o tempo todo. Mas, infelizmente, não é bem assim.  

Com um início de vigência que, lembro-me bem, assustou empresários em geral, muitos publicitários e os grandes conglomerados em especial, aos poucos o CDC foi se firmando e deixando de ser o bicho-papão de que o acusavam  injustamente.  

Ao que me consta, ninguém mais duvida da mudança ocasionada pela legislação consumerista na relação fornecedor-consumidor e que fez com que não só a qualidade da produção melhorasse como também da comercialização, com ofertas mais honestas, informações mais adequadas, atendimento melhor qualificado, enfim, a norma fez o mercado amadurecer. 

Para ficarmos apenas com um exemplo: antes do CDC, a maior parte dos produtos não trazia estampada nas embalagens seu prazo de validade. Lembro-me bem que eu fiquei espantado com o curto prazo de validade de alguns produtos. Até água em garrafa ou em copo plástico tem curto prazo de validade! Antes da Lei 8078/90, nós consumidores, muito provavelmente, ingerimos toneladas de produtos vencidos e sorvemos milhares de litros de bebidas ultrapassadas. (Ocorre-me um fato tão terrível quanto peculiar: sou da época dos refrigerantes em garrafa -- apenas em garrafa -- e agora me vem a memória de quantas vezes, quando garoto, retirei a tampinha e com a mão limpei as marcas de ferrugem que estavam na boca da garrafa, antes de beber o refrigerante... Sabe-se lá,  das vezes que adoeci, quantas não estavam relacionadas com produtos e bebidas deteriorados). 

Pois bem, o susto dos empresários passou. A lei teve, como tem, muito boa eficácia – ou, como se costuma dizer no Brasil, é “uma lei que pegou”. Porém, ao mesmo tempo em que os consumidores passaram a ficar mais escolados em matéria de consumo, os empresários também.  

A partir do conhecimento obtido, especialmente por alguns maus empresários, do resultado da aplicação das sanções regradas na lei, acabou-se implantando no país, nesses últimos anos, uma série enorme de medidas e ações prejudiciais aos direitos dos consumidores. E, está sendo difícil brecar essas novas táticas fundadas em velhos hábitos.  

Apontarei, na sequência, alguns casos, mas não posso deixar de consignar o equívoco desses fornecedores em empreender seus negócios de forma enganosa, normalmente respaldados em programas de marketing estruturados para obter receita e lucro em detrimento do cumprimento das leis vigentes e fora do modelo instituído da boa fé objetiva (atualmente, o alicerce de todo o ordenamento jurídico).  

O bom fornecedor é ainda e sempre será aquele que desenvolve seu projeto de negócio, claro, visando o lucro, mas respeitando seus clientes.  

Lembro aqui a história do vendedor de amendoins na praia: ele passa gritando e dando uma amostra de seu produto para os banhistas; caminha alguns metros repetindo esse gesto para depois voltar. Enquanto ele vai, os veranistas comem o amendoim recebido – e de graça! – e quando ele volta, quem gostou tem a oportunidade de comprar um pacotinho, momento em que o negócio é concretizado. 

Desse simples modo de oferecer e vender o amendoim, pode-se extrair um dos  melhores exemplos de como o empresário deve tratar o consumidor: em primeiro lugar o vendedor faz uma propaganda honesta, oferecendo de graça seu produto para que o consumidor experimente; depois ele somente vende para o consumidor que de fato quer comprar, uma vez que o produto foi previamente examinado, testado e aprovado.  

Quanto ao consumidor que experimentou mas não comprou, ainda assim o negócio foi bem feito. O custo do amendoim oferecido gratuitamente faz parte do custo total do negócio, porém funciona sempre como investimento, pois, até para aquele que não comprou fica a lembrança da boa imagem que o vendedor construiu, respeitando inclusive seu desinteresse em adquirir o produto. Por conta disso, esse consumidor torna-se um cliente em potencial, podendo adquirir o produto em outra oportunidade. 

Lamentavelmente, nem todo empresário pauta sua conduta por  modelos como o acima narrado. E, o pior é que são os maiores, os que podem causar danos em larga escala, que mais têm violado os consumidores. Veja esses exemplos.  

Alguns bancos lançam pequenos valores relativos a prêmio mensais de seguros que garantiriam os usuários contra, por exemplo, perda e roubo do cartão de crédito e dão como opção apenas que, se o cliente não quiser, deve ligar para cancelar o indevido lançamento, o que viola o direito do consumidor. Um banco com 1.000.000 de usuários cobrando apenas R$ 2,50 consegue faturar R$ 2.500.000,00 por mês! Fazem o mesmo lançando pequenos valores em siglas incompreensíveis que representam taxas sem o respectivo serviço prestado. As grandes indústrias (quem diria?) têm se utilizado de um artifício malicioso, conhecido como maquiagem. Seus clientes consomem seus produtos há muitos anos e de repente, sem que eles percebam estão levando menos pelo mesmo preço. São os casos de embalagens de biscoitos que tinham 200 g e passaram a ser vendidos com 180 g; sabões em pó de embalagens de 1 kg mudadas para 900 g; sabonetes de 90 g reduzidos para 85 g e mais um longo etc. 

A tática é essa: abusos com pequenos valores individuais multiplicados pelo número de clientes. O resultado da conta é fabuloso: os consumidores são lesados sem nem mesmo perceberem e a indústria aumenta sua receita em milhões de reais. (Desculpem-me os parênteses, mas eu não resisto. Toda vez que penso nesse assunto, me vem à mente o slogan de uma associação de empresários que diz “Ético! É assim que todos devem ser”, ao que eu acrescento “A começar por muitos empresários”). 

Esse processo, que sempre existiu e que, após a edição do CDC, pensou-se que tenderia a diminuir, tem crescido vigorosamente. E pior: com as fórmulas sedutoras do marketing, muitas vezes os consumidores não descobrem que foram enganados e não percebem que foram lesados. 

Eis, pois, uma amostra do desafio que, após os 21 anos da promulgação do CDC, se impõe: vencer a ganância dos fornecedores que não respeitam seus clientes.  

Uma saída seria o incremento do número de ações coletivas. Este é o principal instrumento de proteção ao consumidor. Não se deve esquecer que o CDC, em larga medida, foi elaborado para proteger mais os direitos coletivos e difusos que os individuais. Tem-se dado ênfase às ações individuais (o que se compreende pela tradição privatista do direito brasileiro), mas isso precisa mudar.  

A ação coletiva pode pôr fim aos abusos praticados pelas grandes corporações, pois num único processo são resolvidos centenas ou milhares de casos iguais. Esse é um importante caminho para termos, nos próximos anos de vigência da Lei, um direito do consumidor mais sólido, respeitado e um mercado de consumo mais forte. 

E, para concluir, lembro que a ação coletiva não retira mercado de trabalho dos advogados, pois termina em execuções individuais, facilitadas pela resolução da questão central debatida no âmbito coletivo. 

3/10/2011


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