491 - Democracia, quando?
EDISON VICENTINI BARROSO - Desembargador
Um país democrático cumpre leis – sobretudo, a Constituição Federal. Sabido que a atual Presidente da República tem relutado em cumprir diretriz expressa desta, ao deixar de proceder à reposição da inflação anual relativa à remuneração dos servidores públicos (artigo 37, X).
Especificamente quanto dos magistrados – trabalhadores como quaisquer outros, com a qualificação ínsita à missão de julgar –, existe o declarado propósito de não fazê-lo, deixando-os fora do orçamento da União, numa inequívoca demonstração de desrespeito à lei e a ferir a autonomia financeira e a independência do Poder Judiciário (artigos 99 e 2º da Constituição).
Por aí se vê, sem dúvida, da tipificação do chamado crime de responsabilidade da Presidente da República, ao atentar contra a Constituição Federal (cujo primado deve sobrepairar sobre o interesse e a conveniência das pessoas, sejam quais forem e venham donde vierem) e, especialmente, contra o livre exercício do Poder Judiciário, a lei orçamentária e o cumprimento das leis (art. 85, caput e II, VI e VII).
Qualquer um de nós, uma vez descumprida a lei, seríamos incursos nas “penas da lei” (aspas minhas). Porém, neste País, ao que parece, a par da ilusão de que se está em ambiente genuinamente democrático, há pessoas acima das leis e da Constituição Federal.
De fato, quando esta manda se faça algo e é descumprida, espera-se pague o infrator, seja quem for, nos termos da lei, pelo ilícito. É que, repita-se, a lei é feita para que todos a cumpram – irrestrita e indistintamente. Na medida em que o texto Constitucional é aviltado, e por quem mais e melhor lho haveria de observar, está-se num País sem Lei, em que a vontade pessoal dalguns sobrepõe-se aos reais interesses de muitos, coisa própria de ditaduras.
E não nos venha com o velho e surrado discurso do desculpismo político, que a nada justifica ou explica. Se claro o comando da Constituição Federal, só cabe cumpri-lo; senão, que se mude a Constituição. O que se não pode admitir é que uma ou algumas pessoas, ou partidos políticos, façam de conta – impunemente – que o Brasil lhes é propriedade particular, à disposição daquilo que bem queiram fazer. De fato, passou o tempo das capitanias hereditárias, dos feudos e particularismos tão em voga noutras eras.
No verdadeiro jogo democrático (e não num simulacro de democracia, como parece ser o caso do Brasil), hão de prevalecer regras de convivência que se imponham a todas as pessoas. Para que se use de ditado popular, “é o fim da picada” (aspas minhas) se bater no peito e dizer-se democrata quem, de forma bisonha, à vista de texto legal expresso, quanto claro, afirme lho vá descumprir. Só mesmo num país de gente despreparada; inclusive, para gerir seus destinos.
Mais grave, num desgoverno permeado por múltiplos escândalos de corrupção, verdadeiras “pontas de iceberg”, a denotarem desvio de dinheiro público, que, se corretamente usado, muito haveria de beneficiar o povo. Todavia, mais vale a retórica torta do conhecido “discurso pra boi dormir” (no jargão popular), a tudo apagar e chancelar o império da impunidade.
Lamentavelmente, sequer se pode falar em democracia sob risco, pelos sinais evidentes da inexistência da própria democracia – conceitualmente considerada. Muito difícil viver num País onde, no mais das vezes, fica o dito pelo não dito, mercê da manipulação populista dum povo massacrado pela falta de cultura e esclarecimento, vítima indefesa e inconsciente de manobras contra si realizadas.
Nesse contexto, cabe-nos fazer nossa parte – por menor o seja. Brademos, pois, pelo estrito cumprimento das leis. Gritemos, a longos haustos, pelo exercício pleno da cidadania, torcendo para que os homens de bom senso (pois também os há imersos nesse meio adverso), dos respectivos segmentos de Poder, lutem pela prevalência dos ditames Constitucionais, na realização futura do Brasil democrático com que sonhamos!