494 - Breves apontamentos acerca da efetividade processual da cidadania – Proporcionalidade apontamentos pertinentes no projeto de CPC
JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA – Juiz de Direito
Cuida-se de delicada tarefa, a de abordar o tema suscitado, eis que se trata de analisar (e opta-se por encetar o método analítico, separando os termos de forma isolada para depois concluir sobre seu conjunto) dois fenômenos poliédricos (figura de linguagem que se empresta da geometria para exprimir fenômenos complexos que apresentem mais de uma face, permitindo que se cheguem a variadas conclusões, dependendo do ângulo que se enfoque a questão).
Com efeito, e nisso residiria o caráter poliédrico apontado, cuida-se de duas realidades complexas, que podem ser abordadas sob variados enfoques (seja a partir do enfoque da ciência política, da ciência social, da geopolítica, sob um ponto de vista ideológico, numa discussão entre pessoas leigas, sem maior rigor formal, e, até mesmo, sob a ótica do direito, inclusive, do direito constitucional, eis que não afastadas outras possibilidades de enfoque dentro do campo do direito, como v.g., poder-se-ia dar em relação à filosofia do direito).
Acresça-se a isso o aspecto da delimitação espácio-temporal, vez que o presente trabalho não tem foro de universalidade e atemporalidade, mas, ao contrário, pretende-se tecer comentários a respeito do relacionamento entre proporcionalidade e cidadania, na atualidade, no Brasil (obviamente que se poderia discorrer a respeito da questão da cidadania na Grécia Antiga, ou na Europa atual, o que também ocasionaria outros problemas, como, por exemplo, no primeiro caso, a delimitação do que se poderia denominar mundo helênico, com suas disparidades, mormente se compararmos o "modus vivendi" ateniense e espartano, antes e após a Guerra do Peloponeso, com parâmetros de proporcionalidade radicalmente distintos).
Não é, portanto, objeto do presente estudo o esgotamento do tema referente às relações entre a Proporcionalidade e a Cidadania, mas seria conveniente, ao menos em sede de se situar a questão, traçar breves linhas a respeito de alguns limites conceituais.
Nestes termos, ou seja, partindo-se do pressuposto espácio-temporal retromencionado, a expressão "cidadania", que deriva da expressão latina "civitas", corrente na Roma Antiga, designando, originariamente, uma versão anterior da expressão nacionalidade (é, aliás, bastante controversa, a existência de um direito internacional em Roma, posto que, segundo copiosa doutrina, somente se poderia vir a falar em Estados Nacionais, séculos após, com o advento da chamada "Paz de Westphalia", mais precisamente em meados de 1.648, como forma de se por fim a uma revolta camponesa).
Mas, originariamente, o termo cidadania se fazia acompanhar desta carga internacionalista, eis que se aproximava da noção de nacionalidade, aplicando-se, originariamente aos cidadãos romanos, membros do patriciato, embora, paulatinamente, com o decorrer do tempo, passou a se estender aos outros povos (mais propriamente, com a extensão da influência do jus gentium em relação ao jus civilis ou direito quiritário).
Sobre o tema, aliás, interessante a opinião de Sílvio de Macedo, para quem cidadania seria: "conceito análogo ao de nacionalidade, no direito constitucional e no direito internacional público e privado".1
Aliás, Haroldo Valladão, traça um interessante ensaio histórico da utilização das expressões naturalidade e cidadania, em nosso direito pátrio, e, mesmo antes, no direito reinícola português (as Ordenações Filipinas já se utilizavam das expressões como sinônimas, gerando certa celeuma conceitual)2.
Mas, se num primeiro momento, tal confusão até poderia ter ocorrido, fruto de má técnica legislativa, ou, até mesmo, por não se haver evoluído a ciência constitucional da época, o fato é que, modernamente, autores renomados como Maria Helena Diniz, acabam por optar, mesmo na seara jurídica, pela utilização da expressão cidadania, na sua acepção emprestada da ciência política, por melhor abranger a idéia que se busca representar com o termo.
Não é por outra razão, que a douta civilista, em seu Dicionário Jurídico, já dedica um verbete ao assunto, definindo-a do seguinte modo: "Ciência Política. Qualidade ou estado de cidadão; vínculo político que gera para o nacional deveres e direitos políticos, uma vez que o liga ao Estado. É qualidade de cidadão relativa ao exercício de prerrogativas políticas outorgadas pela Constituição de um Estado Democrático."3
Observa-se, portanto, que, mesmo autores mais modernos, e adotando a acepção derivada da ciência política, apontam no sentido de que o vínculo de cidadania decorreria de uma ligação de um cidadão nacional para com um Estado.
De se verificar, portanto, a partir disso, como a questão pode ser articulada, diante de nosso sistema jurídico atual, ou seja, se nossa ordem constitucional também se preocupa, ou não, com a questão sob o tema analisado.
Num primeiro momento, e em confronto com tudo quanto exposto, pondera-se no sentido de que a Carta Política brasileira, com suas emendas, estendem várias destas garantias, não só aos cidadãos nacionais, mas a pessoas residentes e domiciliadas no país (ainda que não nacionais).
Daí resulta a primeira grande dificuldade do tema, concernente na aferição da garantia formal do Estado brasileiro, organizado nos termos preconizados pelo legislador constituinte como um Estado democrático de direito, garantindo direitos e garantias individuais não só a seus cidadãos (pessoas a quem se confere o atributo de cidadania), como também, por extensão analógica, a todos aqueles que se encontram domiciliados em território nacional (artigo 5° da Constituição Federal).
Com efeito, a cidadania implicaria, então, num feixe de direitos (e, portanto, de prerrogativas) típicos da condição de cidadão, numa acepção ampla (lato sensu), posto que, conforme é cediço, dentro de uma lógica rigorosa do ordenamento jurídico, cidadão seria somente o eleitor, ou pessoa dotada de poderes políticos, enquanto que nossa ordem constitucional vigente foi mais além, estendendo a proteção a pessoas residentes e domiciliadas no país.
Para a delimitação da cidadania, destarte, devemo-nos ater não só a este aspecto lógico-formal, vez que seria contrasenso acreditar-se que somente os eleitores estariam protegidos pelo texto constitucional.
Ao contrário, tem-se que não só o legislador pretendeu incluir os eleitores, mas também todo e qualquer brasileiro, eleitor ou não, como ainda, por analogia e extensão, todas as pessoas residentes e domiciliadas no território nacional ( ao menos é o que se permite defluir da norma contida no artigo 5°, "caput" da nossa atual Carta Política, ao traçar o rol dos direitos e garantias fundamentais, prerrogativas típicas da cidadania ).
E, se o constituinte assim deliberou, o foi em razão do fato de se pretender excluir toda e qualquer inclinação totalitária ou arbitrária que o governo da então chamada "Nova República", pudesse vir a ter.
Aliás, como assinala o eminente Celso Lafer, tecendo comentários sobre a obra de Hannah Arendt, uma das marcas predominantes de um governo totalitário, que, inclusive, o diferenciaria de um governo arbitrário, seria a redução dos limites de proteção aos direitos e garantias individuais, chegando, inclusive, a cometer uma das piores formas de abuso contra a dignidade da pessoa humana, que vai muito além da perda de sua cidadania, que seria a perda da sua nacionalidade, não mais se submetendo o indivíduo a qualquer regime político formal, dos países nacionais, ficando à margem do ordenamento jurídico e, portanto, da sua proteção.4
Justamente com essa preocupação, se buscou, na redação de nossa Carta Política, atentar para tal circunstância, estendendo-se a proteção do ordenamento jurídico, sobretudo, das conhecidas liberdades públicas (direitos e garantias fundamentais), corolário do arcabouço protetivo da cidadania (até porque, sob uma ótica formal, nosso Estado se organiza sob a forma de um Estado Democrático de Direito).
Deste modo percebe-se que o conceito tradicional de cidadania, que se adota da ciência política não esgota o feixe de pessoas abrangidas pela proteção que nosso texto constitucional pretende conferir à dignidade da pessoa humana, seja nacional ou estrangeira, o que impediria a caracterização de um regime totalitário de governo no nosso País (desde que, obviamente, o texto constitucional não padeça do vício da falta de efetividade).
Pontuada tal questão, sempre se deve ressaltar que, de acordo com o nosso ordenamento constitucional vigente, a proteção que se pretendeu dar à garantia das liberdades individuais (alcançando não só os cidadãos brasileiros, como também qualquer pessoa domiciliada no país), não se fez acompanhar da respectiva amplitude no que se refere à participação política.
Deste modo, não obstante as liberdades públicas não apresentarem tal discriminação (o que poderia, inclusive, desafiar um dos preceitos maiores mencionados no "caput" do artigo 5° da Carta Política, que seria o princípio da igualdade), o mesmo não ocorreu em relação ao princípio da representação política.
Walter Ceneviva, já abordava a questão da cidadania sob tal ótica, aduzindo que somente se adquiriria cidadania pelo nascimento (e aí variam os critérios em cada país, optando cada qual pelos critérios do "jus sanguinis" e do "jus soli", ou ambos conjuntamente), ou pela adoção da cidadania nos termos da norma contida no artigo 12 e seus consectários da Magna Carta (malgrado se possa perder todos ou alguns dos direitos inerentes à cidadania pela chamada "objeção de consciência" e pela própria naturalização, nos termos das normas contidas nos artigos 15, inc. IV e 12, inc. I, ambos da nossa Constituição Federal).
Aliás, por derradeiro, pediria vênia para destacar a opinião do eminente José Afonso da Silva, a respeito da eficácia dos direitos fundamentais, para que se tenha a exata dimensão da importância da questão concernente à necessidade de tutela das garantias constitucionais por uma ação declaratória de inconstitucionalidade (a congênere, declaratória da constitucionalidade, conforme é cediço, acaba por beneficiar o Estado em detrimento do cidadão, concentrando a decisão), posto que, neste sentido, como assevera o constitucionalista: "Finalmente, a garantia das garantias consiste na eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais. Os direitos, liberdades e prerrogativas consubstanciadas no título II, caracterizados como direitos fundamentais, só cumprem sua finalidade se as normas que os expressem tiverem efetividade."1
Assim, em linhas gerais, pode-se concluir que, malgrado ainda que historicamente, se tenha pretendido relacionar a proteção da cidadania a uma nacionalidade qualquer (a questão da vinculação do indivíduo a uma ordem jurídica, evitando-se apátridas destituídos de qualquer proteção – tal como evidenciado a grupos étnicos na Alemanha nazista), dependendo da extensão que queira dar à expressão cidadania, ter-se-á que nosso constituinte, até por influxo do clima "pós" Golpe Militar de 1.964 (malgrado alguns insistam em se referir à Revolução de 1.964 em alusão à tecnicidade do termo, emprestado da ciência política) optou por uma interpretação menos dogmática e mais efetiva no que se refere à proteção da dignidade humana, estendendo efeitos da cidadania a pessoas que não seriam tecnicamente cidadãs brasileiras.
Tudo isso, no entanto, como asseverado linhas acima, baseia-se numa idéia de que o sistema previsto funcione para a garantia dos direitos inerentes à essa tutela da cidadania, ou seja, pressupõe-se a efetividade.
Sob tal perspectiva seria impossível negar que o formalismo processual de décadas passadas deixou estigmas profundos na forma como o jurisdicionado passou a conceber o papel do Poder Judiciário na sociedade atual que, malgrado hercúleo esforço e exacerbado controle, tem que lidar com carga excessiva de trabalhos gerada por essa forma de pensar o direito.
Aliás, a evolução tecnológica uniu o mundo, o que ocorreu em velocidade recorde, fazendo com que o número de negociações, transações e contratações também crescesse nessa mesma proporção, e, por consequência, isso igualmente se verificou em relação ao número de demandas judiciais.
Basta que se verifique, por exemplo, que o Código Civil de 1916 falava em contratações por correspondência postal, com largos lapsos de aceitação e vinculação de propostas e contra-propostas, o que acaba por perder o sentido num mundo em que grande parte das pessoas já se comunica por e-mail, ou utiliza a linguagem www (fenômeno relativamente recente vez que tal linguagem surgiu na Suíça, em meados de 1.991 – nunca se esquecendo que o Código Civil de 1.916 esteve em plena vigência até janeiro de 2.003 para desespero dos operadores e usuários do sistema, diga-se en passant).
A par disso o acesso mais fácil e relativamente barato às informações (primeiro com o rádio, depois com a televisão e atualmente com a internet) propiciou, e vem propiciando, o desenvolvimento da educação, o que, obviamente, contribui para a formação de uma consciência mais crítica, mais apurada da população em geral, destinatária final dos serviços judiciais.
Tal fenômeno faz com que a sociedade se organize melhor, aumentando-se o rol dos direitos formalmente reconhecidos (conseqüências desta mesma democratização da informação), fazendo com que o número potencial de demandas também aumente, como reflexo do fenômeno de ampliação do acesso ao Poder Judiciário (a Constituição da República Federativa do Brasil, de 05.10.1.988, foi um dos exemplos práticos deste fenômeno).
Isso porque, quanto mais informada e educada for a população, mais ciente estará dos limites da atuação do Poder Público, que não poderá se opor, impunemente, à realização dos direitos previstos pelo ordenamento jurídico.
Podem ser destacados como exemplos de resultados desta democratização da informação, os questionamentos em relação ao direito de propriedade, e o acesso à mesma pela sua função social, o agravamento das limitações ao exercício desta mesma propriedade, para assegurar a preservação do meio ambiente e das relações de vizinhança, o surgimento de limitações à contratação (direitos nas relações de consumo e suas decorrências numa economia globalizada).
Esses, aliás, são fenômenos típicos da publicização do direito privado , paralelos à privatização do direito público (complexidades do mundo moderno, e que deverão ser analisadas no moderno pensamento científico, como se exporá linhas adiante).
Esse novo rol de direitos acabou sendo denominado por Fábio Konder Comparato, numa visão fundada em Norberto Bobbio, como direitos humanos de terceira geração, acabando por ter como característica básica, a sua transindividualidade.
José Eduardo Faria,[1] ademais, acaba por referir-se ao fenômeno, utilizando o critério segundo o qual, os direitos humanos de primeira geração seriam aqueles relativos à cidadania civil e política (vida, locomoção, pensamento, voto, iniciativa, propriedade e disposições de vontade).
Numa segunda geração estariam inseridos aqueles direitos referentes à uma cidadania social e econômica (a educação e a saúde, ambas enquanto direito individual, a segurança social e nas relações de capital e trabalho).
E, por fim, os ditos direitos humanos de terceira geração, qualificados pelo autor como aqueles referentes a uma cidadania pós-material (aqui se encontrariam os direitos à qualidade de vida, ao meio ambiente saudável, à tutela dos interesses difusos, ao reconhecimento da diferença, da singularidade e da subjetividade).
Não se pode esquecer ainda que todos esses direitos humanos, acabam por ser entendidos como direitos humanos fundamentais (os fundamental rights do direito anglo-saxão), englobando as liberdades públicas do artigo 5º e os direitos sociais dos artigos 6º e 7º e seus consectários, todos da Constituição Federal, e que, portanto, em tese, não poderiam ser alterados nem por proposta de Emenda à Constituição (artigo 60, parágrafo 4°, inciso IV da referida Carta Política).
Esses novos grupos de direitos acabam sendo vistos como pertencentes não mais ao indivíduo, mas são tratados como pertencentes a toda uma coletividade (são os direitos dos consumidores, ao meio ambiente hígido, à preservação de um patrimônio histórico, etc).
E toda essa nova situação deve ser assegurada, sob pena de que ocorra o que Cândido Rangel Dinamarco[2] denominou como vazio processual, ou seja, a impunidade em relação ao descumprimento ou violação desses novos direitos, situações sequer cogitadas no ambiente idealizador do assim chamado paradigma do direito natural.
A par de tudo isso, ainda contribuindo para a ocorrência do esgotamento desse paradigma do direito natural, deve ser destacada a existência de certas atividades que podem, momentaneamente, trazer prejuízos ao interesse de um número muito grande, e até indeterminado de pessoas.
Neste grupo de situações poderiam ser inseridas as questões referentes à exploração da energia nuclear, à formação de cartéis, monopólios e oligopólios (dentre inúmeras outras tidas como relações de massa, envolvendo valores monetários fabulosos, com milhões de transações diárias – v.g., fornecimento de serviços de telefonia, energia elétrica etc), pois são situações que levam à necessidade de reformulação dos conceitos básicos de direito material e, sobretudo, do direito processual, na sua visão instrumentalista.
E se o processo é a ferramenta básica de que se vale a jurisdição para a pacificação social, se o mesmo não evoluir na mesma velocidade em que evoluir o tecido social, pelo óbvio que a finalidade não poderá ser alcançada a contento, o que poderia explicar a situação vivida hoje pelo Poder Judiciário nacional.
Verifica-se, diante disso, a impossibilidade do paradigma jurídico vigente em resolver esses problemas típicos da formação de uma sociedade de massas, daí falar-se em esgotamento do paradigma, enquanto forma de se pensar o direito e sua efetividade, num mundo cheio de complexidades.
Não tem, portanto, passado despercebida aos operadores do direito a questão referente a um esgotamento paradigmático do sistema jurídico pátrio (aliás, esse seria um fenômeno global – malgrado disparidades de sua intensidade em várias partes do planeta, sendo um fenômeno integrativo dos próprios sistemas jurídicos coexistentes), muito disso se devendo à própria transformação da sociedade, malgrado a partir dessa chamada globalização.
E se a sociedade se transforma, alterando seus valores, a forma de pensar o direito, que não deixa de buscar uma normativização da sociedade, resta alterada na mesma medida, de sorte tal que as fõrmulas então aplicáveis à solução de conflitos não mais podem ser aplicadas se a sociedade se altera e se torna mais complexa, em fenômeno manifestamente dialético.
Tais idéias não são, insista-se, novas, podendo-se aduzir que seriam sintetizadas, por Edgar Morin[3], apontando como notas evidenciadoras do fenômeno, a busca pela interdisciplinariedade pela complexidade das relações humanas[4].
Daí a grande preocupação, mormente por parte das instituições de ensino superior, no sentido de conferir cada vez mais ênfase nas disciplinas não jurídicas, ou de cunho interdisciplinar, como modo de contribuir para a formação de profissionais com visão mais ampla e conscientes deste desafio inexorável.
Como é cediço, não adiantaria ao acadêmico ou a qualquer pessoa em qualquer parte do globo, recusar-se a participar do fenômeno em questão – globalização – nesses tempos de complexidade e interdisciplinariedade.
Não há, portanto, mais espaço para um tecnicismo puro e exacerbado, movimento cujo apogeu se deu entre os séculos XIX e XX, com teorias como a kelseniana que naquela época até poderiam ser tidas como dotadas de maior sentido (e, para prevenir polêmicas desnecessárias, o que se busca aduzir não seria o abandono da técnica jurídica ou do respeito à norma em si, muito ao contrário, e sim o abandono de uma técnica pura, destituída de preocupação com a compreensão dos outros fatores globais que possam vir a influenciá-la.
A distorção da técnica pela técnica é que acaba embasando sistemas totalitários, melhor servidos por ordenamentos destituídos de preocupações axiológicas, tal como, por exemplo, regimes como o nazista tenderiam a distorcer pensamentos como o de Hans Kelsen em sua conhecida teoria pura do direito.
Daí, por razões de tal ordem pragmática, se chamar a atenção dos operadores do direito para a questão da necessidade cada vez aparente, de se buscar a inserção, nas matérias técnicas, de tópicos de interesse, até então própriso, da filosofia do direito (ou seja, ao menos um tópico de filosofia ou sociologia do processo na teoria geral do processo, ou sociologia ou filosofia do direito civil e por aí vai, para que os operadores compreendam bem o porquê das interpretações que deles se esperam).
E se bem me recordo das aulas do 4º ano da Faculdade, enquanto ocupava os bancos acadêmicos nas aulas de Celso Lafer, toda ciência seria um desdobramento que partiria da análise de certos pressupostos, e toda discussão filosófica, justamente, uma crítica desses pressupostos[5].
Assim, asseverava tal professor no sentido de que a filosofia, enquanto crítica de pressupostos, seria o esforço de pensar no significado do que se conhece, com base em pressupostos de que se dispõe para se chegar a algumas situações que poderiam ser tidas como verdades, distinguindo-se, portanto, a ciência da filosofia, eis que aquela procuraria dar o conhecimento verdadeiro que se basearia em pressupostos, enquanto esta consistiria numa crítica desses pressupostos na busca do significado do próprio conhecimento.
Tudo isso, aliás, já poderia decorrer da dicotomia kantiana estabelecida entre o pensar e o conhecer, em que este se preocuparia com a busca da “verdade” (pensamento científico), enquanto que o pensar iria além do próprio conhecer, buscando dar significado às coisas (pensamento propriamente filosófico), sendo o conhecer, sob tal perspectiva, mais limitado eis que se contentaria com a resposta para estabelecer a verdade, enquanto que o pensar estaria na busca de um significado, muitas vezes difícil de atingir[6].
De todo modo, não se pretende se propor um cisma entre ciência e filosofia, mas esclarecer que, no âmbito da chamada “ciência do direito” (para aqueles, como Kelsen, que a entendem como tal, na medida em que seria uma ciência da norma jurídica), o simples conhecer não mais bastaria para a solução dos problemas concretos.
Aliás, ao contrário, tem-se que a relação entre o pensar e conhecer seria manifestamente dialética, eis que, quanto mais se conhece acerca de um dado objeto, mais seríamos tentados a uma busca do pensar a seu respeito[7].
E, em filosofia do direito, quando se fala em conhecimento, se fala em conhecimento da dogmática jurídica (e quando se fala em dogmática jurídica, se fala em normas, que são os pressupostos de teorias como as de índole kelseniana), sendo certo que, como pontuado por autores como Tércio Sampaio Ferraz Jr.[8], o dogma seria um ponto insofismável, uma propriedade incontestável[9], que advém de períodos em que a instituição Igreja, restava como detentora de suas verdades e do saber científico[10], visão completamente dissociada do momento vivido pela sociedade atual, com busca cada mais acentuada por espaços democráticos (não obstante a própria concepção de democracia seja variável no espaço e no tempo).
Tampouco não se poderia negar que tal visão apaixonada e isolada da dogmática não deixaria de ser perigosa, mormente em ciências como o direito, que lidam, diretamente, com o controle social (verbi gratia, tal como asseverado linhas acima, porque regimes totalitários tenderiam, sob tal perspectiva, por razões óbvias, a ter grande interesse nesse dogmatismo exacerbado em que não se poderia negar os princípios imutáveis – basta ver o que ocorre no mundo islâmico).
Sob tal perspectiva, parece ser preciso que o Brasil rompa, de vez, seus laços com um passado totalitário, revogando Códigos que coexistiram com o Estado Policial do AI-5, eis que há décadas se cuida de um Estado Democrático de Direito por expressa determinação constitucional.
Insisto, no entanto, que não se está a pregar a libertação da dogmática, mas, ao contrário, o que se tem é uma situação de necessidade de se atenuar rigorismos formais, sob a perspectiva da própria instrumentalidade do direito, neste ambiente de complexidades, o que poderá ser mitigado com outros recursos técnicos, de modo a que se possa alcançar a finalidade para a qual o ordenamento foi criado, numa visão antropológica do direito[11].
Tal se dá na medida em que, ao contrário do dogmatismo exacerbado, voltado para o conhecimento, a visão da filosofia do direito seria constituída de um pensamento mais crítico do direito, ou seja, o que se tem convencionado chamar de uma visão zetética do direito (zetética que viria do grego ZETEIM[12], no sentido de procurar, pesquisar e inquirir, com uma função de informar e especular).
E, obviamente, dependendo do enfoque que se permita conferir a esta ou àquela visão, ou seja, enfoque dogmático ou enfoque zetético, ter-se-á uma forma de pensar o direito, seja como ciência para aqueles que assim o entendem, seja como ordenamento jurídico, vindo daí os paradigmas, ou modelos de pensar o direito enquanto tal, não se podendo esquecer que a filosofia do direito se preocupe muito com a questão deste confronto paradigmático[13], e daí surgem os dois paradigmas principais (o chamado paradigma do direito natural, enquanto modelo dogmático, de matiz nitidamente diretiva[14] - a doutrina processualista italiana refere-se ao “oitocentismo” para identificá-lo; e o paradigma da filosofia do direito, enquanto modelo mais aberto ao pensar[15]).
Isso porque um paradigma, sob tal perspectiva, seria uma visão compartilhada que as pessoas da comunidade científica teriam a respeito de uma determinada questão científica (seria uma maneira de se organizar ou selecionar uma informação).
Nada impediria, portanto, para aqueles cultores da idéia de complexidade e interdisciplinariedade, ao estilo de Edgar Morin, a que se aludiu nos primeiros parágrafos deste artigo, passassem a buscar a criação de um paradigma de complexidade (idéias que se afigura como muito adequada, diga-se en passant).
Pelo óbvio que tais considerações já poderiam, mesmo, ser extraídas de Aristóteles, em cuja vasta obra se encontra uma distinção básica entre lei particular e lei comum, sendo que a primeira seria a lei que cada povo dá a si mesmo (escrita ou não), enquanto a segunda seria o direito natural, que se baseia na idéia de que existe algo que permita que se saiba o que seriam conceitos como certo ou errado, o justo e o injusto, etc ...[16]
E tudo isso se pondera para aduzir que o paradigma do direito natural parece partir da crença de que existe um direito natural que valorize o justo, mas que, no entanto, em tempos hodiernos, se revela como difícil de se delinear, eis que os valores do século XIX são muito diferentes dos valores de uma sociedade políticamente correta do século XXI.
Aliás, ainda me socorrendo de anotações de aulas de Celso Lafer, poder-se-ia aduzir, que, em síntese, tal paradigma (do direito natural), multissecular, possuiria 04 (quatro) noções básicas, a saber: imutabilidade (parte-se da noção de acordo com a qual certos conceitos e princípios seriam intertemporais, escapando à própria história – e o eurocentrismo, por exemplo, já demonstrou o risco de tais interpretações, com também o já mencionado geocentrismo contraposto ao heliocentrismo); universalidade (além de imutáveis, seriam universais escapando às lindes da própria geografia); revelação pela intuição (perigosíssima noção, sobretudo em tempos de totalitarismo, como parece óbvio), pela razão ou pela revelação (Deus) e qualificação de condutas de acordo com o que seria moral (o que não deixa de ser a busca por uma aproximação entre a moral com o direito, na busca do que seria justo ou injusto).
Ora, basta ver que a noção de justo é temporal, histórica e geográfica, ou seja, varia no tempo, na região e no momento histórico considerado (mesmo de pessoa para pessoa e desta pessoa considerada, em várias faces de sua vida sua visão de mundo restará alterada levando a oscilações individuais de tal noção em cada indivíduo em cada momento de seu desenvolvimento), sendo conceito dotado de grande carga ideológica, que se torna cada vez mais difuso num mundo complexo como este em que vivemos, mormente diante da disseminação e fomento técnico de meios de divulgação de valores (Internet, rádio, televisão, etc).
Para quem viveu na Alemanha da década de 1.930, submetido a toda propaganda hitlerista, com clima de histeria propugnado por Goebbels (obviamente não se nega que vozes de peso, dentro da mesma Alemanha se revoltaram contra isso, mas pagaram elevado preso, com prisões, exílios, assassinatos, etc...[17]), a supressão dos direitos de pessoas de etnia não ariana poderia parecer uma idéia justa (insista-se, ainda mais diante de tais prelados de propaganda institucional de massa).
Assim, parece conveniente que um paradigma esteja associado a algum feixe de valores, estando o paradigma de direito natural (PDN) associado ao conhecimento das verdades colocadas pela lei particular, estando preocupado com uma idéia de justiça e com o relacionamento do direito com a ética e do direito com a moral.
Tecidas tais considerações, a pergunta que o paradigma do direito natural coloca no conhecimento da verdade está ligada à ética e à moral, enquanto que o direito do final do século XX pareceria estar pensando mais na validade da norma e não na sua justiça, de sorte tal que o paradigma do direito moderno pensaria mais na idéia do controle de condutas, ou seja, a visão do direito como instrumento de poder (não mais visando aproximar direito da moral, como deveria ser posto que esta última deveria ser considerada como aspecto da Justiça), enquanto que o direito natural[18] teria uma visão de controle sobre a lei particular no sentido de que o que seja justo seja superior.
Ou seja, bastaria que se assegurasse, em sede particular, contratual, uma igualdade formal, para que a justiça enquanto ente superior e divino fosse alcançado (visão oitocentista de mundo), ou, bastaria que o Estado nomeasse um advogado qualquer, ainda que despreparado e mal remunerado[19] ao pobre, para que a paridade de representação estivesse atingida[20], já que se partia da idéia de que as pessoas seriam apenas formalmente iguais perante a lei (Jhering em sua Luta pelo Direito propunha a dominação dos fracos pelos fortes como algo natural dentro de um darwinismo social nessa época, como sabido).
Tudo isso evidenciando que a noção de Justiça buscada pelo paradigma do direito natural não mais poderia servir de base para a orientação do sistema jurídico como um todo, ainda mais em tempos de paradigma de complexidade, como assinalado linhas atrás.
Aliás, pela análise do disposto nos artigos 3º, 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, verifica-se que o entendimento do legislador pátrio afasta, num primeiro momento, a possibilidade de se optar pela solução justa, ao estabelecer um sistema de cumprimento de normas, demonstrando, assim, a franca preferência pela escolha de filiação do ordenamento pátrio ao sistema jurídico da Civil Law (o conhecido direito romano-canônico) e não ao ramo da Common Law (do direito anglo-saxão), baseado no seu case system e no stare decisis.
Ou seja, em primeiro lugar, se estabelece a obrigatoriedade de cumprimento da norma, a qual, presume-se de modo absoluto (presunção jure et de jure) ser de conhecimento de todos, presumindo-se, ainda, que todas as situações são passíveis de solução pela incidência de uma norma, e, em ocorrendo as pseudo-lacunas, todas seriam dirimidas pela norma com incidência de analogia e costumes, empregando-se em última instância, na ausência de outras situações, a incidência dos princípios gerais do direito, e, assim, a equitas.
O próprio artigo 127 do Código de Processo Civil estabelece que a equidade somente poderá ser utilizada se houver expressa autorização legal, sendo certo que a solução normativa se entende como imperativa, apenas e tão somente podendo o julgador utilizar a mens legislatones (enquanto fim buscado pelo legislador) ou as exigências do bem comum, também, em ultima ratio, quando se fizer necessário interpretar o conteúdo de uma norma, ou seja, quando a norma não for explícita por si só, ou seja, quando o sigilogismo puro e simples não for suficiente para a integração do conteúdo.
E tal orientação resta reiterada, inclusive, in totum, no artigo 120 do Projeto de Código de Processo Civil, em trâmite no Congresso Nacional, a evidenciar a perpetuação do raciocínio.
A idéia chega a parecer absurda no sentido de que a última coisa que o juiz poderia fazer no ordenamento jurídico pátrio seria a equidade ou justiça (ao contrário, por exemplo, de um árbitro, que por força de lei seria também juiz de direito mas que poderia julgar fora das normas, prolatando decisões irrecorríveis, se seguir cegamente as normas, sem qualquer preocupação axiológica, ou seja, de modo puramente dognmático e sem qualquer discussão zetética.
No entanto, não se poderia deixar de apontar que, de modo cada vez mais intenso, o legislador tenta normatizar uma sociedade complexa e, como seria de se esperar, não alcança os resultados que seriam de se esperar, eis que o número de situações que pode ocorrer na prática não pode ser previsto na mesma velocidade e intensidade que o trâmite legislativo parece percorrer.
Além das hipóteses de situações não previstas pelo legislador, outra dificuldade pareceria residir no grande número de normas colidentes entre si que essa intensa normatização parece produzir, ou seja, esse processo gera muitas antinomias, de um ponto de vista técnico, tudo isso exigindo, cada vez mais, a criatividade do juiz na pacificação da sociedade pela supressão de lides (visão carneluttiana do processo).
A idéia, no entanto, parece a de se permitir, em casos como tais, quais sejam, antinomias (enquanto situações em que a colidência de normas de mesma intensidade, mesma direção mas sentido contrário), a utilização da incidência do princípio da proporcionalidade.
Ademais, sob uma perspectiva histórica e antropológica, a proporcionalidade parece ter acompanhado o desenvolvimento da sociedade e do Estado, sempre estando presente, eis que da lógica do sistema uma certa manipulação das normas, num sentido positivo, visando eliminação dos conflitos, permitindo ao público julgar o desempenho dos julgadores[21].
Isso, aliás, frente tais ponderações antropológicas, nada mais parece ser do que um indício de que a proporcionalidade seja algo natural ao ato de julgar, sendo certo que o germe histórico desta mesma proporcionalidade parece ser tradicionalmente apontado como derivado da necessidade da limitação do poder de polícia da atividade estatal[22], noção, portanto, própria do direito administrativo que pelo projeto de CPC se agrega ao processo moderno acompanhando torrente jurisprudencial acerca do tema como revelado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Acerca da questio, de se ponderar sobre o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça que se pede vênia para destacar demonstrando a extensão da análise que magistrados devem estabelecer na exegese da proporcionalidade em suas decisões:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. SÚMULA N.º 13/STJ. ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DISCRICIONARIEDADE DO JULGADOR NA APLICAÇÃO DAS PENALIDADES. 1. “A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial” (Súmula n.º 13/STJ) 2. In casu, a controvérsia a ser dirimida cinge-se em definir se as penas acessórias do art. 12, da Lei n.° 8.429/92, inflingidas aos ex-vereadores, foram aplicadas de forma razoável e proporcional ao ato improbo praticado. 3. As sanções do art. 12, da Lei n.° 8.429/92, não são necessariamente cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria; aliás, como resta claro do parágrafo único do mesmo dispositivo. 4. No campo sancionatório, a interpretação deve conduzir à dosimetria relacionada à exemplariedade e à correlação da sanção, critérios que compõem a razoabilidade da punição, sempre prestigiada pela jurisprudência do E. STJ. (Precedentes: REsp 291.747, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 18/03/2002 e RESP 213.994/MG, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 27.09.1999) 5. Revela-se necessária a observância da lesividade e reprovabilidade da conduta do agente, do elemento volitivo da conduta e da consecução do interesse público, para efetivar a dosimetria da sanção por ato de improbidade, adequando-a à finalidade da norma. 6. Hipótese em que foi ajuizada ação de improbidade tendo em vista que o Presidente da Câmara Municipal, e os vereadores no Município de Guaíra-PR, no período de 1993/1996, perceberam indevidamente no mês de janeiro de 1995, respectivamente, à época da propositura da demanda, R$ 378,73 (trezentos de setenta e oito reais e setenta e três centavos), e R$ 252,49 (duzentos e cinqüenta e dois reais e quarenta e nove centavos) sendo certo que foram condenados ao ressarcimento integral do dano ao erário, bem como à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos por cinco ano, ao pagamento de multa civil, correspondente à metade do valor que deve ser ressarcido e à proibição de contratação com o Poder Público ou de recebimento de beneficios ou incentivos fiscais ou creditícios direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de cinco anos. 7. É cediço que a ausência de razoabilidade da sanção infirma a sua "legalidade", à luz do art. 12, da Lei n.° 8.429/92 e seu parágrafo único. É cediço em sede de cláusula doutrinária que: com efeito, reza o art. 5º, LIV/88 que ninguém será "privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Privação de liberdade há de ser interpretada, aqui, de modo mais amplo possível. Não se trata de pena privativa de liberdade. Uma restrição a direitos políticos não é pena privativa de liberdade, mas prova o agente do gozo de uma liberdade política, v.g., candidatar-se a cargos públicos, ou a cargos eletivos, ou de usufruir do direito-dever de voto. Uma sanção que proíbe alguém de contratar com a administração pública, ou dela receber benefícios fiscais ou creditícios, subvenções, por determinado período, atinge a sua liberdade de contratar e de participar da vida negocial. Ademais, privação dos bens também mercê ampla compreensão. Quando o Estado ajuíza uma ação civil pública visando a condenação do agente ao pagamento de multa civil, parece-me que há perspectiva de privação dos bens. Também um processo administrativo que tenha por finalidade imposição de multa pode atingir os bens dos indivíduos, dada a perspectiva executória de uma eventual decisão sancionatória. Essa locução não quer significar, em pobre dicção literal e pouco criativa, que somente aqueles que respondem a processos de execução, com patrimônio diretamente submetido ao risco de constrição, teriam o supremo direito ao devido processo legal. Outros, respondendo a ações indenizatórias, ainda na fase cognitiva, milionárias ou não, não teriam direito ao atendimento do art. 5º, LIV, da CF/88? Evidentemente que têm mais pessoas esse direito. Consta que o projeto original do art. 37, caput, da Carta de 1988 previa, expressamente, o princípio da razoabilidade, tendo sido banido do texto final. Nem por isso, todavia, deve ser desconsiderado. Anote-se que há um princípio da razoabilidade das leis, princípio que tem sido acolhido na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e na boa doutrina, condenando-se a discrepância entre o meio eleito pelo próprio legislador e o fim almejado . "A atribuição ao Judiciário do controle das leis mediante o juízo de valor da proporcionalidade e da razoabilidade da norma legal não pretende substituir a vontade do juiz. Antes, a este cabe pesquisar a fidelidade do ato legislativo aos efeitos essenciais da ordem jurídica, na busca da estabilidade entre o poder e a liberdade.Os Magistrados devem obediência ao princípio geral da razoabilidade de suas medidas e atos. Trata-se de um princípio com reflexos, portanto, processuais. Nenhuma medida judicial pode ser "desarrazoada", arbitrária, absurda (...) Ademais, a razoabilidade é um fundamental critério de apreciação da arbitrariedade legislativa, jurisdicional e administrativa, porque os tipos de condutas sancionadas devem atender a determinadas exigências decorrentes da razoabilidade que se espera dos Poderes Públicos. (...) Uma decisão condenatória dessarrazoada, por qualquer que seja o motivo, será nula de pleno direito, viciada em sua origens, seja fruto de órgãos judiciários, seja produto de deliberações administrativas ou mesmo legislativas, eis a importância de se compreender a presença do princípio da razoabilidade dentro da cláusula do devido processo legal (in Fábio Medina Osório, in Direito Administrativo Sancionador, Ed. Revista dos Tribunais). 8. Consectariamente, independentemente do reexame de matéria fático-probatória, insindicável, em sede de recurso especial, pelo E. STJ, ante a incidência do verbete sumular n.º 07/STJ, revela-se evidente a excessividade das penas aplicadas aos recorrentes, com notória infração ao art. 12, parágrafo único, da Lei 8.429/92. 9. Forçoso concluir que, nos casos em que a lei não fixa critério a ser obedecido na inflição da sanção, é defeso ao STJ invadir a discricionariedade judicial prevista em lei. Outrossim, erigido em critério legal e desobedecido o mesmo em face de error in judicando, vislumbra-se inequívoca a violação legal que embasa a irresignação recursal. 10. Recurso especial interposto por Heraldo Trento e Outro parcialmente conhecido e recurso especial de Paulo Celinski e Outros, integralmente conhecido e ambos providos para que sejam condenados, tão-somente, ao ressarcimento dos valores indevidamente recebidos, afastando-se as demais penalidades acessórias impostas aos recorrentes. REsp. 664856-PR, MIN LUIZ FUX 060406 DJU 020506 pag 253.
Tal tendência é ampla atingindo mesmo searas além do cível em sentido amplo, podendo-se, destacar, verbi gratia, no âmbito penal, do mesmo Areópago, o seguinte precedente acerca da razoabilidade ou proporcionalidade:
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. AUTORIZAÇÕES SUCESSIVAS. Trata-se de habeas corpus em que se pugna pela nulidade ab initio do processo penal, visto que sua instauração deu-se com base em provas ilícitas, ou seja, decorrentes de interceptação telefônica cuja autorização foi sucessivamente renovada e os investigados, ora pacientes, foram assim monitorados por um prazo superior a dois anos. A Turma entendeu que, no caso, houve sim violação do princípio da razoabilidade, uma vez que a Lei n. 9.296/1996, no seu art. 5º, prevê o prazo de 15 dias para a interceptação telefônica, renovável por mais 15, caso seja comprovada a indispensabilidade desse meio de prova. Assim, mesmo que fosse o caso de não haver explícita ou implícita violação desse dispositivo legal, não é razoável que a referida interceptação seja prorrogada por tanto tempo, isto é, por mais de dois anos. Ressaltou-se que, no caso da referida lei, embora não esteja clara a hipótese de ilimitadas prorrogações, cabe ao juiz interpretar tal possibilidade. Contudo, dada a natureza da norma que alude à restrição da liberdade, o que está ali previsto é uma exceção à regra. Se o texto legal parece estar indeterminado ou dúbio, cabe a esta Corte dar à norma interpretação estrita, face a sua natureza limitadora do direito à intimidade, de modo a atender ao verdadeiro espírito da lei. Com isso, concedeu-se a ordem de habeas corpus a fim de reputar ilícita a prova resultante de tantos dias de interceptações telefônicas e, conseqüentemente, declarar nulos os atos processuais pertinentes e retornar os autos ao juiz originário para determinações de direito. HC 76.686-PR, Rel Min. Nilson Naves, julgado em 9/9/2008.
Sob tal perspectiva a idéia nesse início de século supera as concepções oitocentistas (ottocentescas) do PDN, eis que não bastaria para a solução dos problemas do ordenamento jurídico que se conceba apenas uma justiça formal, um silogismo matemático, mas a idéia deve ser de uma justiça que pareça razoável ou proporcional ao senso comum da sociedade (a idéia de uma “lógica do razoável” ou logus del razonable[23]).
Neste sentido, inclusive abordando a questão da saúde, pontua João Batista Lopes:
Pelo princípio da proporcionalidade o juiz, ante conflito levado aos autos pelas partes, deve proceder à avaliação dos interesses em jogo e dar prevalência àquele que, segundo a ordem jurídica, ostentar maior relevo e expressão. Assim, por exemplo, o conflito entre os chamados direitos absolutos (direito à vida, à integridade física, etc ...) e os direitos patrimoniais deve ser resolvido em favor dos primeiros (v.g., pretensão de realização de cirurgia inadiável em confronto com interesse patrimonial de empresa prestadora de serviços médicos ...)[24]
Tal princípio, aliás, implícito na Constituição Federal pátria (em vários dispositivos), tem sido amplamente aceito em sede doutrinária e jurisprudencial, muitas vezes, ainda, tratado como princípio de razoabilidade (acepção da doutrina anglo-saxônica), implicando numa necessidade de adequação da norma ao ordenamento jurídico como um todo.
O próprio Projeto de Código de Processo Civil não deixa de se preocupar com todos esses fatores não deixando sua própria exposição de motivos de fazer alusão ao fato de que a busca seja pela concessão de plena efetividade aos direitos constitucionalmente assegurados.
Idéia essa que permite concluir pela própria necessidade do magistrado repensar o papel do legislador na aplicação do direito, não tendo a lei formal a eficácia suficiente para suplantar a direção, o sentido e o alcance do texto constitucional, cumprindo ao Poder Judiciário, no exercício de seu mister, igualmente imposto pelo texto constitucional, estabelecer os limites desta atuação, sob a perspectiva da proporcionalidade, mormente em situações de conflitos aparentes de normas ou princípios, ainda que no âmbito das relações jurídicas processuais[25].
Nesse sentido, parece conveniente destacar a seguinte assertiva em relação ao tema:
“A preocupação em não transformar uma injustiça arbitrária em “justiça sob a forma da lei” fez o Poder Judiciário repensar os esquemas de controle de constitucionalidade, reconhecendo novos limites ao poder legiferante, sobretudo na tarefa de conformação dos direitos e garantias fundamentais.[26]“
A idéia, no entanto, parece conformar-se com escopos de pragmaticidade maior, enquanto meio de se extinguir uma relação jurídica processual de modo completo e efetivo, em tempo razoável, no que parece se orientar as ponderações lançadas no artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII da Constituição Federal, como forma de obtenção de uma tutela jurisdicional efetiva.
Daí se relacionarem intimamente com tal princípio da proporcionalidade, enquanto parâmetros para obtenção de uma efetividade legítima, princípios como a simplicidade de formas, a instrumentalidade, a tempestividade, a harmonia e a economia processuais, posto que da referida lógica do razoável, que a instituição jurisdicional funcione para atingir as finalidades para as quais foi criada, ou seja, precipuamente, dirimir conflitos de interesse de modo imparcial, agora, neste século, exigindo-se ainda uma certa legitimação das decisões, ou seja, que a sociedade compreenda que um certo grau aceitável de justiça foi aplicado ao caso concreto.
Nesse sentido, a própria preocupação cada vez mais freqüente do mesmo Superior Tribunal de Justiça com a questão da proporcionalidade, superando óbices formais na busca de se conferir algum sentido pragmático às suas decisões, ressalvando-se o direito material invocado pela parte em detrimento do formalismo exacerado (no caso, contrariando precedentes da própria Corte, conferiu-se efeito infringente, ou modificativo, a recurso de embargos infringentes em nome da proporcionalidade para atender a finalidades instrumentais de direito violado em detrimento de pessoa idosa com noventa anos de idade, em medida que somente poderia ser apontada como digna de elogios).
Assim, o quanto consta do publicado no Informativo do Superior Tribunal de Justiça, em 30 de maio de 2008, no sentido de que:
O banco Nossa Caixa S/A terá de pagar a uma senhora de 90 anos de São Paulo a correção monetária de 42,72% incidentes, no mês de janeiro de 1989, sobre conta poupança mantida pela nonagenária na instituição, além de juros e correção monetária. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, afastar o rigor processual contido no artigo 535 do Código de Processo Civil e aplicar a tese da finalidade prática para impedir a nulidade da decisão que reconheceu o direito da poupadora. “Decretar a nulidade meramente para defender o rigor do processo civil, com a conseqüente repetição de todo o procedimento, implicaria desrespeitar o princípio da razoável duração do processo, da efetividade, da igualdade (manifestado na prioridade que devem ter as causas envolvendo pessoas idosas) e até mesmo da dignidade da pessoa humana”, afirmou a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, ao votar. O caso teve início com a ação de cobrança proposta por A. G. de S. Ela entrou na Justiça contra a Nossa Caixa requerendo a correção monetária de 42,72% incidentes sobre a poupança que mantinha no banco. Pediu, ainda, o pagamento de juros contratuais capitalizados de 6% ao ano, mais juros de mora e correção monetária. O pedido foi julgado procedente quanto ao principal, mas o juiz não se manifestou, inicialmente, sobre os juros e a correção monetária. A poupadora interpôs embargos de declaração apontando a omissão, e os embargos foram acolhidos para atender integralmente o pedido. Insatisfeito, o banco apelou, e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deu parcial provimento apenas para reconhecer a alegação de prescrição dos juros contratuais, no período anterior a cinco anos contados da data da propositura da ação. Novos embargos de declaração foram interpostos pela cliente, alegando que o STJ já pacificou o entendimento, adotando a prescrição vintenária também para os juros remuneratórios. Os embargos foram acolhidos, tendo a decisão conferido a eles efeitos modificativos. No recurso especial para o STJ, a Nossa Caixa alegou, entre outras coisas, que o Tribunal paulista não poderia conferir efeitos infringentes a embargos de declaração com fundamento na modificação da posição do relator quanto à matéria. Segundo o advogado, não compete ao TJSP promover uma revisão de mérito de suas próprias decisões, atribuição exclusiva do STJ. Ao votar, a ministra considerou a idade e a conseqüente prioridade na tramitação do processo da poupadora, além de os efeitos modificativos conferidos pelo Tribunal terem colocado o mérito da decisão em perfeita conformidade com a jurisprudência do STJ a respeito da prescrição vintenária. Apesar de reconhecer que os embargos de declaração realmente não se prestam à revisão de decisões de mérito pelo próprio relator, a ministra questionou a finalidade prática da decretação de nulidade do acórdão paulista, já que a poupadora voltaria depois com um recurso especial e acabaria mesmo vitoriosa, já que a questão está pacificada no STJ. “Ainda que não se tenha obedecido ao rigor processual consubstanciado na regra do artigo 535 do Código de Processo Civil, que vantagem teria o direito, a justiça e a sociedade?”. A ministra observou, ainda, que o excessivo rigor processual atua muitas vezes em desserviço da efetividade da justiça. “O processo tem de correr. O aparato judiciário é muito caro para a sociedade e cada processo representa um custo altíssimo. Anulá-lo, portanto, é medida de exceção”, concluiu Nancy Andrighi. Resp 970190-SP Min. Nancy Andrighi, j. 19.07.07.
Em inúmeros precedentes vem se manifestando o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mormente no cumprimento das cláusulas gerais do processo da execução das obrigações de fazer, ou seja, na fixação do montante das multas periódicas nos estritos termos preconizados pelo advento da norma contida no artigo 461 e seus consectários do Código de Processo Civil, instituto que expressamente admite a incidência legal da proporcionalidade no processo vigente.
Nesse sentido, destaca-se à guisa de mera exemplificação, o quanto decidido no Agravo de Instrumento nº 1046788620118260000; Taubaté - 25ª Câmara de Direito Privado - Relator Hugo Crepaldi Neto - 03/08/2011:
Ementa: ... - Multa diária no valor de dez mil reais, que melhor se adéqua às circunstancias fáticas - Concessão de prazo de quinze dias para cumprimento da ordem - Artigo 461, § 4º, do Código de Processo Civil - Recurso parcialmente provido para estes ...
MULTA DIÁRIA - Cominatória - Obrigação de não fazer cumulada com pedido de tutela antecipada - Direito de vizinhança - Casa Noturna - Perturbações ao sossego geradas pelo uso nocivo da propriedade - Deferimento de liminar para determinar a adoção das providências necessárias para o isolamento acústico do estabelecimento - Sanção pecuniária de cem mil reais por dia de descumprimento - "Astreinte" fixada em valor excessivo - Ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade - Necessidade de consideração o poder econômico das partes e a função desempenhada pelo instituto, de modo a não dar causa ao enriquecimento indevido do litigante favorecido - Multa diária no valor de dez mil reais, que melhor se adéqua às circunstancias fáticas - Concessão de prazo de quinze dias para cumprimento da ordem - Artigo 461, § 4º, do Código de Processo Civil - Recurso parcialmente provido para estes fins.
Portanto, embora a jurisprudência parece ser pródiga em precedentes autorizadores da incidência do princípio da proporcionalidade no direito pátrio, inclusive em seara processual civil, o Projeto de CPC pretende retirar o raciocínio da órbita da discricionariedade de magistrados prudentes, estendendo tal princípio como impositivo, ou seja, verdadeiro direito processual do jurisdicionado na seara cível, como desponta de modo claro e inequívoco da redação do seu artigo 6º, em alusão à razoabilidade enquanto princípio processual (o próprio Anteprojeto já apontava tal orientação em seu mesmo artigo 6º).
De tal sorte, não parece mais haver espaço para que magistrados busquem, em seus provimentos, incidências rígidas de fórmulas abstratas descompromissadas com a consecução da finalidade de assecuração da razoabilidade ou justiça no caso concreto, parecendo ser essa a mens legis, ou, como queiram, a mens legislationes, a que se refere a norma contida no artigo 5º LICC em relação ao aludido Projeto de lege ferenda.
A idéia central da inserção para se apegar à advertência lançada desde há muito, na obra de Piero Calamandrei, a qual, pela conveniência, peço vênia para destacar:
“Acontece frequentemente com o bibliófilo, que se diverte folheando religiosamente as páginas amareladas de algum precioso incunábulo, encontrar entre uma página e outra, grudados e quase absorvidos pelo papel, os restos agora transparentes de uma mariposa incauta, que há alguns séculos, buscando o sol, pousou viva naquele livro aberto, e quando o leitor subitamente o fechou ali ficou esmagada e ressecada para sempre. Essa imagem me vem à mente quando folheio as peças de algum velho processo, civil ou penal, que dura dezenas de anos. Os juízes que mantém com indiferença aqueles autos à espera em sua mesa parecem não se lembrar de que entre aquelas páginas se encontram, esmagados e ressecados, os restos de tantos pobres insetinhos humanos, que ficaram presos no pesado livro da Justiça”.[27]
Júlio César Ballerini Silva é magistrado, mestre em Direito Processual Civil (PUCCAMP) e professor de pós-graduação da (UNISAL e UNIFEOB).
Referências bibliográficas
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2VALLADÃO, Haroldo, op. Cit., pp. 338/339, v. 14.
3DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, p. 575, v. 1, São Paulo: 1.998, Ed. Saraiva.
4LAFER, Celso, A Reconstrução dos Direitos Humanos, São Paulo: 1.991, Ed. Companhia das Letras.
1SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 467, São Paulo, 2.000, Ed. Malheiros.
[1] FARIA, José Eduardo. O direito numa economia globalizada. São Paulo: Malheiros. 1.991.
[2] DINAMARCO, Cândido Rangel Apud MARINONI, Luiz Guilherme et alli. Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais. Brasil. 2000. p. 687.
[3] MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand, Brasil, 1.999.
[4] N.A.: Os próprios operadores do sistema (juízes, advogados, promotores, Delegados de Polícia, etc...) já tem percebido que um contingente cada vez maior de casos práticos não mais podem ser resolvidos apenas com apelo à técnica jurídica ou processual, mas exigem cada vez mais, discussão de pressupostos e prelados de outras ciências (vejam-se, por exemplo, questionamentos de bio-direito, ações versando sobre tecnologia, informática e telecomunicações, com sua complexa terminologia e necessidade de conhecimentos específicos para o próprio enquadramento da situação aos termos das normas jurídicas vigentes, etc....).
[5] Assim, a indução se basearia na probabilidade (por exemplo, o pressuposto da economia seria a indução, pois verificar-se-ia a reiteração de certas ocorrências – como por exemplo, o aumento do preço de um produto, em tempos de sua escassez), enquanto que a filosofia não partiria desses pressupostos, mas poderia ser tida como uma crítica desses pressupostos (por exemplo, seria ético ou justo, que tal sistema de elevação de preços ocorra ?).
[6] Inúmeros são os exemplos práticos que poderiam evidenciar e ilustrar tal raciocínio, eis que, por exemplo, poder-se-ia partir de alguma guerra qualquer (2ª Guerra Mundial, Guerra do Golfo, Invasão do Afeganistão, etc...) conhecendo-se alguns dados factuais concretos ou científicos (por exemplo, desastres ecológicos causados pela Guerra, as armas utilizadas com a destruição do patrimônio cultural, massacres de civis e pessoas inocentes etc...), tudo isso dentro de uma ordem de fatores que poderia ser tida como científica, mas estes fatos, como sói acontecer, podem exigir algo além destas verdades, sob a perspectiva do pensamento filosófico (verbi gratia, qual seria o sentido da Paz?; Qual o sentido da Guerra em si ?, etc....).
[7] Por exemplo, quando a ciência da computação surgiu, algumas indagações a seu respeito seriam possíveis (quais reflexos isso poderia ter sobre o mercado de trabalho ? isso reduziria o número de empregos ? etc...) e, com sua evolução, o número de questionamentos igualmente aumentou (com a complexidade gerada pela Internet e com o surgimento da conhecida linguagem “w.w.w” esses fenômenos se intensificaram ? a Internet tornou-se um meio de difusão de cultura ou um meio de difusão e especialização de criminalidade ? etc...). E o mesmo pode ser considerado, mutatis mutandi em relação a uma infinidade de fatores, como, por exemplo, a descoberta da energia nuclear, a descoberta de água em outros planetas e por aí adiante, não sendo diferente dos fatores que possam influenciar a ciência do direito.
[8] FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, Brasil 1.988.
[9] A palavra em questão, viria, como asseverado na obra mencionada na nota imediatamente anterior, do grego DÓKEIN, que siginifica ensinar e doutrinar, tendo, nessas condições, uma função de informar combinada com um certo sentido de orientação (teria, sob tal perscpectiva, uma certa função de informar e dirigir).
[10] não é preciso muita pesquisa para que se perceba que pensadores como Galileu Galilei vieram a sofrer sanções penais por desafiar constatações imutáveis, ou tais dogmas, negando, por exemplo que o Sol girasse em torno da Terra.
[11] SHIRLEY, Robert Weaver. Antropologia Jurídica, São Paulo: Saraiva, Brasil, 1987, p. 3.
[12] FERRAZ JR., Tércio Sampaio. op. cit.
[13] N.A. Se bem me recordo das aulas mencionadas acima, no longínquo ano de 1.991, se lançava a assertiva no sentido de que, quando se faz uma investigação dogmática procura-se uma resposta, mas quando se faz uma crítica voltada para o pensar, o que se coloca são perguntas (se mantém abertos pressupostos que levam à uma verdade jurídica que resta induzida), sendo certo que a filosofia do direito colocaria tais perguntas.
[14] O direito natural tem uma idéia pré-existente, ou seja, a de que o ser humano deva ser valorizado, bem como de que deva existir uma noção acerca do chamado “justo” (atribui-se um valor a um dado objeto, e este valor seria o “justo”).
[15] LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos, São Paulo: Companhia das Letras, 1.991.
[16] N.A.: Nas mesmas aulas aduzidas em outros trechos deste artigo, meu ilustre professor apontava o quanto ponderado Sócrates, por sua vez, na peça “Antígona” em que se fala do confronto havido entre Antígona e Creonte, no qual a mesma alegaria ter direito de enterrar seu irmão, enquanto aquele defende idéia contrária, na medida em que tal irmão teria sido condenado por crime que não lhe permitiria ser enterrado (não há margens para dúvidas no que tange à compreensão desta idéia de confronto entre direito formal e direito natural, eis que nesse caso, Antígona invoca a lei comum, ou seja, o direito que todos tem de ser enterrados, citando o qualificaria como “lei dos céus”, que seria o “pré-existente”, enquanto Creonte alega em sua defesa a lei particular).
[17] ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras, 2.005.
[18] Salienta-se que ainda a existência de diversas correntes existentes acerca do mesmo assunto (verbi gratia, defendendo-se a idéia de que somente seria direito aquilo que fosse comum em vários ordenamentos), sendo certo que o Brasil herdou a adesão ao PDN através da edição da chamada “Lei da Boa Razão”, que dizia respeito à interpretação (racional) das leis vigentes no território nacional, por obra dos esforços do Visconde de Cachoeira, que fazia alusão ao fato de que o direito natural seria a fonte de todo direito (seria o direito da razão) porque na razão se acham os princípios que regem o direito. Mencionado personagem pertencia ao Movimento da Ilustração, que era um movimento de idéias do século XVIII (“século das luzes e da razão”). E deve-se ter em mente que o Brasil foi, nessa época, uma expansão do universo cultural europeu, sendo que os homens que fizeram a independência do País estudaram na Europa, e tiveram, portanto, formação européia, o que fez com que a lei da boa razão fosse trazida para o Brasil.
[19] Os referidos autores apontam as críticas mundiais ao sistema judicare de assistência judiciária gratuita.
[20] CAPPELETTI, Mauro : GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Ed. Sérgio Fabris., p. 78.
[21] SHIRLEY, Robert Weaver, op. cit., p. 43.
[22] BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, Brasil, p. 48
[23] LAFER, Celso. op cit.
[24] LOPES, João Batista. Tutela Antecipada no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2.003, p. 83.
[25] WAMBIER, Luiz Rodrigues et alii. Curso Avançado de Processo Civil, Vol. 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.010, Brasil, p. 71.
[26] BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, Brasil, p. 25.
[27] CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado, São Paulo: Martins Fontes, Brasil, 1.988 p. 270/271.