500 - A alteração do polo passivo na execução fiscal: harmonizando a súmula 392 do STJ com o CTN


EURÍPEDES GOMES FAIM FILHO[1] - Juiz de Direito


Changing the tax payer originally designated in the tax collecting lawsuit: harmonizing Superior Justice Court decision number 392 with Brazilian Tax Code

Key words: tax collecting lawsuit; taxpayer; Superior Justice Court Decision number 392; Brazilian Tax Code

Palavras-chave: ação de execução fiscal; executado – contribuinte; Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça; Código Tributário Nacional

Sumário: 1. O título executivo na execução fiscal. 2. A súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Alteração ou mudança do sujeito passivo da execução. 4. Estaria a súmula revogando o Código Tributário Nacional? 5. Casos de aplicação mitigada da súmula. 5.1 Redirecionamento da execução no caso de pessoas jurídicas. 5.2 O redirecionamento para o espólio ou sucessores do falecido. 5.3 Alteração ou mudança do sujeito passivo da execução no caso dos tributos sobre a propriedade. 5.3.1 Alienação anterior à execução fiscal. 5.3.2 Alienação durante o curso da execução fiscal – possibilidade de redirecionamento da execução. 5.3.3 O caso do IPVA paulista.

Introdução

O presente estudo trata da questão suscitada pela súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça a qual impediria a alteração do polo passivo da execução fiscal, dando a impressão de não aplicação das regras pertinentes à sujeição passiva e responsabilidade tributária previstas no Código Tributário Nacional.

Para tanto analisamos a súmula e seu significado para em seguida tentar encontrar um ponto de harmonia que permita a aplicação da súmula sem que isso signifique tornar letra morta as regras previstas no Código Tributário Nacional.

1. O título executivo na execução fiscal

A execução, seja ela de que natureza for, tem como base um título executivo, o qual pode ser judicial, caso em que a execução é denominada de “fase de cumprimento de sentença”; ou extrajudicial.

Entre os títulos executivos extrajudiciais se encontra a Certidão de Dívida Ativa (CDA), como reza o Código de Processo Civil:

Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) [...]

VII - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). [...]

O título executivo não se confunde com o crédito que ele representa.

Na lição de Enrico Tullio Liebman o título executivo é um ato que a lei entende satisfazer aos rigores de certeza de forma a possibilitar a execução judicial, sem a prévia cognição, mas também sem impedir a defesa do executado, na forma da lei.[2]

Ressalta o mesmo mestre que a eficácia do título executivo se manifesta somente dentro do processo de execução, ensinando que essa situação de direito processual não se confunde e nem interfere com a situação de direito material existente entre as partes.[3]

Assim, no campo fiscal, a eventual irregularidade da CDA não significa irregularidade do crédito tributário, o qual permanece incólume, salvo se atingido por situações que como ele sejam também de direito material, exemplificando-se com a prescrição e a decadência.

Essa diferenciação é importante porque a questão que nos propomos tratar exige essa distinção para uma melhor interpretação do significado da súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça.

Contudo, a exegese deve ser feita tendo-se em mente o ensinamento de Cândido Rangel Dinamarco:

“[...] em primeiro lugar é indispensável que o sistema esteja preparado para produzir decisões que sejam capazes de propiciar a tutela mais ampla possível aos direitos reconhecidos [...]. Onde for possível produzir precisamente a mesma situação que existiria se a lei não fosse descumprida, que sejam proferidas decisões nesse sentido e não outras meramente paliativas.[4] (grifo nosso)

No caso da execução fiscal a situação que existiria se a lei não fosse descumprida seria a satisfação do credor público e isso deve estar na mente do julgador quando decide nessas situações.

2. A súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça

A importância da jurisprudência no Brasil tem crescido exponencialmente com cada vez maior vinculação das instâncias inferiores às decisões das superiores, o que nos tem aproximado do sistema de direito conhecido como “common law” e nos afastado do denominado sistema europeu continental, passando-se aqui a termos um sistema híbrido, o que já apontamos em outro estudo.[5]

Assim, mesmo a jurisprudência não sumulada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça hoje tem um forte caráter vinculante, pois a decisão que a contrariar está até sujeita a reclamação perante aqueles tribunais.

Portanto, a súmula não pode ser desconsiderada sob a alegação de que não seja vinculante e diz ela:

A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.

A súmula se divide em três partes:

1. Uma que permite a substituição da CDA, até a prolação da sentença de embargos;
2. Outra que limita essa permissão aos erros materiais ou formais; e
3. Outra que veda a modificação do sujeito passivo da execução. 

A questão que nos propomos a enfrentar é o significado dessa vedação.

3. Alteração ou mudança do sujeito passivo da execução

Como se pode observar a súmula veda alteração ou mudança no polo passivo da execução.

A regra é que só se pode executar aquele contra quem se tem um título executivo judicial ou extrajudicial, sendo a CDA título extrajudicial, como apontado acima e o objetivo da súmula é manter a higidez de tal título.

4. Estaria a súmula revogando o Código Tributário Nacional?

Pode-se alegar que a aplicação da súmula tornaria letra morta o disposto nos artigos que tratam de sucessão ou responsabilidade tributária no Código Tributário Nacional, mas tal não se dá.

Com efeito, o Código Tributário Nacional é norma de Direito Material e a súmula é regra de Direito Processual, pois trata apenas da CDA, como se viu acima.

O fato de na execução não se poder alterar o polo passivo não impede que, com base Código Tributário Nacional a Fazenda ofereça nova execução.

Para evitar a ocorrência da prescrição ou decadência se deve aprimorar os cadastros e mecanismos de lançamento e criação das CDAs, não se podendo responsabilizar a súmula por defeitos na área de administração tributária.

Contudo, há situações em que a súmula deve ser aplicada mitigadamente, como passamos a analisar.

5. Casos de aplicação mitigada da súmula

Podemos lembrar que a exclusão de um executado, com a permanência de outro previsto originalmente na CDA não é vedada, pois não significa alteração no título executivo, o qual permanece íntegro. Se tal exclusão significa remissão de dívida ou outra forma de extinção, mesmo que parcial, do crédito tributário não é objeto de discussão no momento.

Existe também a possibilidade de redirecionar a execução, sem que haja qualquer mudança no título executivo representado pela CDA, com total respeito à súmula, o que analisamos em seguida, sem pretensão de esgotar as possíveis hipóteses de aplicação mitigada da súmula.

Por redirecionamento se deve entender o reconhecimento da existência de litisconsórcio necessário com base no art. 47 do Código de Processo Civil c. c. o art. 598, do mesmo código e o art. 1º da Lei 6.830/1980, o qual dispõe:

Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.

Como se verá a seguir, a lei, no caso o Código Tributário Nacional, determina que a execução afete pessoas não prevista originalmente na CDA, assim, é aplicável esse artigo no caso.

Convém ressaltar, contudo, que é de capital importância, antes de qualquer providência, a citação daquele para quem a execução será redirecionada para que ele apresente a defesa que tiver, em obediência ao disposto no art. 5º, LV, da Constituição da República.

5.1 Redirecionamento da execução no caso de pessoas jurídicas

O redirecionamento para as pessoas dos sócios às vezes é possível porque aqui a executada, pessoa jurídica, fica inalterada, ocorrendo a desconsideração da personalidade jurídica, mas sem alteração no polo passivo da execução fiscal.

Tal desconsideração tem amparo no Código Civil de 2002 que diz:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Não olvidemos que no caso tributário se deve observar as regras também do Código Tributário Nacional.

5.2 O redirecionamento para o espólio ou sucessores do falecido.

No caso de falecimento antes da execução o Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de não permitir a alteração do polo passivo:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL PROPOSTA CONTRA DEVEDOR JÁ FALECIDO. CARÊNCIA DE AÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ALTERAÇÃO DO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO PARA CONSTAR O ESPÓLIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 392/STJ. [...] 3. Naturalmente, sendo o espólio responsável tributário na forma do art. 131, III, do CTN, a demanda originalmente ajuizada contra o devedor com citação válida pode a ele ser redirecionada quando a morte ocorre no curso do processo de execução, o que não é o caso dos autos onde a morte precedeu a execução. 4. Recurso especial não provido. (REsp 1222561/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 25/05/2011)[6] (grifo nosso)

Como se vê, no fim da decisão, se a morte ocorrer no curso da execução o redirecionamento é viável, tanto para o espólio quanto para os sucessores, considerando a regra denominada de direito de “saisine” e o disposto no art. 1.055 e seguintes do Código de Processo Civil c. c. o art. 1º da Lei 6.830/1980.

A argumentação de que o Fisco pode não ter como saber se a morte ocorreu antes da execução é razoável, pois a pessoa pode morrer em qualquer lugar do planeta e, assim o Fisco pode não ter mesmo como saber, mas se a informação estava disponível quando da propositura da execução no Cartório de Registro de Imóveis (CRI) ou no Cartório do Registro Civil, ambos do local da execução, a alegação de ignorância não pode ser acolhida devido ao princípio da publicidade dos registros públicos.

Para se acautelar, convém que o Fisco faça convênio com o registro civil e o registro de imóveis locais, não sendo, porém, razoável exigir que ele o faça com todos os registros existentes no país e muito menos fora dele.

Seja como for, a questão da razoabilidade dessa exigência deve ser conhecida e decidida caso a caso.

5.3 Alteração ou mudança do sujeito passivo da execução no caso dos tributos sobre a propriedade

Esse tipo de tributo pode gerar mais dúvidas por se entender que tenha natureza propter rem.

Em 2007, antes da súmula que é de 2009, o próprio Superior Tribunal de Justiça afirmou que o IPTU tem natureza propter rem, admitindo, por isso, a alteração no polo passivo da execução:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IPTU. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PROPTER REM. INCLUSÃO DO NOVEL PROPRIETÁRIO. SUBSTITUIÇÃO DA CDA. POSSIBILIDADE. 1. A obrigação tributária real é propter rem, por isso que o IPTU incide sobre o imóvel (art. 130 do CTN). 2. Deveras, ainda que alienada a coisa litigiosa, é lícita a substituição das partes (art. 42 do CPC), preceito que se aplica à execução fiscal, em cujo procedimento há regra expressa de alteração da inicial, qual a de que é lícito substituir a CDA antes do advento da sentença. 3. [...] 4. O IPTU tem como contribuinte o novel proprietário (art. 34 do CTN), porquanto consubstanciou-se a responsabilidade tributária por sucessão, em que a relação jurídico-tributária deslocou-se do predecessor ao adquirente do bem. Por isso que impedir a substituição da CDA pode ensejar que as partes dificultem o fisco, até a notícia da alienação, quanto à exigibilidade judicial do crédito sujeito à prescrição. 5. [...] 6. [...]. 8. Recurso Especial provido. (REsp 840.623/BA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/09/2007, DJ 15/10/2007, p. 237) (grifo nosso)

A natureza propter rem desses tributos, em especial do IPTU é reconhecida na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça,[7] mas, mesmo nesse caso, a posição do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de não permitir a alteração da CDA.[8]

A questão se divide em duas: quando a alienação inter vivos ocorre antes da execução fiscal e quando ocorre depois da sua propositura.

5.3.1 Alienação anterior à execução fiscal

Havendo a alienação antes da execução fiscal o contribuinte não é mais aquele elegido equivocadamente para ser o executado por eventuais defeitos de cadastro, mas sim o adquirente, havendo, por isso, ilegitimidade de parte passiva na execução proposta contra o alienante:

EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. ALIENAÇÃO DO IMÓVEL ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. REDIRECIONAMENTO DO FEITO EXECUTÓRIO CONTRA O ATUAL PROPRIETÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CDA NULA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. I - [...] A substituição da Certidão de Dívida Ativa é permitida até o momento em que for proferida decisão de primeira instância, somente quando se tratar de erro formal ou material, e não em casos que impliquem alteração do próprio lançamento. (REsp 705.793/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2007, DJe 07/08/2008) (grifo nosso)

Se essa alienação não constar no cartório de registro de imóveis, ou seja, se o executado que está na CDA original ainda consta como proprietário no CRI ele é parte legítima devido à regra de que a propriedade imóvel só se transmite pelo registro no CRI.

Todavia, o promitente-comprador pode figurar no polo passivo da execução fiscal, mas desde que junto com o proprietário e isso esteja assim desde a propositura da execução, mesmo que nada conste no Cartório de Registro de Imóveis:

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. LEGITIMIDADE PASSIVA DO PROMITENTE VENDEDOR. ART. 34 DO CTN. RECURSO REPETITIVO JULGADO. 1. Entendimento desta Corte no sentido de que o promitente comprador é legitimado para figurar no polo passivo conjuntamente com o proprietário, qual seja, aquele que tem a propriedade registrada no Cartório de Registro de Imóveis, em demandas relativas à cobrança do IPTU. [...] 2. Na espécie, não houve transcrição da alienação no Cartório de Registro de Imóveis competente, de forma que o promitente vendedor, proprietário do bem, também é legitimado para figurar no pólo passivo da execução fiscal. 3. [...] (AgRg no REsp 1125171/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 21/05/2010) (grifo nosso)

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que é dever do antigo proprietário informar a alienação ao Fisco, mas, se não o fizer, isso não autoriza a alteração do polo passivo se a alienação for anterior à execução, sem prejuízo de gerar multa por descumprimento de obrigação tributária acessória:

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. VENDA DE IMÓVEL. FALTA DE COMUNICAÇÃO ANTERIOR AO EXEQÜENTE. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. CONDENAÇÃO DO EXECUTADO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I - Esta Corte tem-se pronunciado no sentido de que deve ser afastada a condenação do exeqüente ao pagamento dos honorários advocatícios, em face do princípio da causalidade, devendo suportar os ônus sucumbenciais quem deu causa à instauração do processo. [...] II - Na hipótese, trata-se de execução fiscal em face de dívida de IPTU, ajuizada em 2003, em que houve a alienação do imóvel objeto da dívida em 1999, por parte do executado a terceiro. III - Em que pese ter havido o registro da venda do bem no Cartório Imobiliário, o executado deixou de comunicar ao Fisco, antes do ajuizamento da execução, acerca do citado negócio jurídico, o que só o fez por meio dos embargos à execução. IV - Deve, portanto, o executado arcar com os honorários advocatícios, em virtude da extinção da execução fiscal sem julgamento de mérito, por ilegitimidade passiva ad causam, pois foi quem deu causa ao ajuizamento da lide, em atenção ao princípio da causalidade. V - Recurso especial improvido. (REsp 1089701/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/10/2008, DJe 10/11/2008) (grifo nosso)

5.3.2 Alienação durante o curso da execução fiscal – possibilidade de redirecionamento da execução

Aqui vale o mesmo princípio supramencionado se não houve registro no registro de imóveis, devendo a execução prosseguir, sem alteração do polo passivo,[9] mas sendo passível de penhora o bem que deu origem à tributação e foi alienado.

Em se tratando de IPTU e ITR convém ressaltar que, como eles são tributos sobre a propriedade imóvel, pelo nosso sistema essa propriedade só se transfere com o registro no Registro de Imóveis, como já decidiu a jurisprudência:

TRIBUTÁRIO. IPTU. CONTRIBUINTE. POSSUIDOR. ARTS. 32 E 34 DO CTN. CONTRATO DE CESSÃO DE USO SUSPENSO POR FORÇA DE LIMINAR PROFERIDA EM SEDE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INOCORRÊNCIA DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DA EXAÇÃO. 1. [...] 6. O Eg STF, secundando a tese acima, decidiu que o IPTU é "inequivocamente um imposto real, porquanto ele tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado na zona urbana do município, sem levar em consideração a pessoa do proprietário, do titular do domínio útil ou do possuidor" (RE 204.827-5, de 12.12.1996). 7. Consequentemente, enquanto não desconstituído o domínio, o proprietário tem a obrigação ex lege, muito embora à luz do princípio do enriquecimento sem causa, possa reaver o que pagou, acaso declarada, com efeito ex tunc, a perda da propriedade e o reconhecimento da posse contínua de outrem. É que a capacidade contributiva é ex lege e não econômica, no sentido de que haja correlação entre quem paga e quem aufere benefícios (art. 126, II, do CTN). 8. [...] 9. [...] (REsp 863.396/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/02/2007, DJ 02/04/2007 p. 253)

Assim, se houver registro no registro de imóveis após o ajuizamento da execução se deve aplicar a mesma regra do redirecionamento da execução aplicada nos casos supramencionados, prosseguindo a execução, sem alteração do polo passivo, mas com possibilidade de penhora do bem alienado, lembrando-se o disposto no art. 123 do Código Tributário Nacional:

salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.”

Isso assim se dá aplicando-se o brocardo “ubi eadem ratio idem jus, ou, em vernáculo numa tradução livre: onde há a mesma razão, o mesmo deve ser o direito, pois o redirecionamento no caso das pessoas jurídicas, por exemplo, se dá, como se vê na lição original dos ingleses, pelo levantamento do véu jurídico de forma a ser alcançada a realidade fática por trás dele[10] o que é exatamente o mesmo que se está dizendo aqui.

Assim, seria possível o redirecionamento da execução para a pessoa do adquirente, sem alteração do polo passivo.

Contudo a penhora deve ocorrer apenas sobre o bem adquirido sem observância dos direitos do Fisco, regra amparada no Código Tributário Nacional que diz:

Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação. (grifo nosso)

A penhora de outros bens do adquirente não é viável, pois a responsabilidade dele evidentemente se limita apenas ao bem adquirido, o que não impede o Fisco de exigir o tributo com base em outros bens do executado original, se não houver impedimento legal para tanto no caso concreto. Isso se dá porque em sendo a tributação de natureza propter rem ela segue o bem em si e não todo o patrimônio do adquirente.

Tal redirecionamento é viável inclusive se houve alienação de alienação, com registro no CRI ou por meio da prática conhecida como “contrato de gaveta”, sob pena de os objetivos da execução fiscal se verem frustradas por manobras que burlam o Fisco.

Assim, seria respeitada a súmula, a qual tem sua razão de ser, como dito acima, bem como a lei complementar representada pelo Código Tributário Nacional, sem prejuízo de nenhuma das duas.

Tal redirecionamento não impediria também discussões de fraude à execução, mas a rigor essa discussão se tornaria desnecessária com a aplicação da regra do Código Tributário Nacional.

Também não há prejuízo se o Fisco optar por ingressar com uma nova execução, desistindo da anterior, ou prosseguir na original, pois a atitude do executado e de terceiros não o vincula.

5.3.3 O caso do IPVA paulista

Para esse caso há a Lei Paulista nº 6.606, de 20 de dezembro de 1989:

Artigo 4º - São responsáveis, solidariamente, pelo pagamento do imposto:

I - o adquirente, em relação ao veículo adquirido sem o pagamento do imposto do exercício ou exercícios anteriores;

II - o titular do domínio e/ou o possuidor a qualquer título;

III - o proprietário de veículo de qualquer espécie, que o alienar e não comunicar a ocorrência ao órgão público encarregado do registro e licenciamento, inscrição ou matrícula, na forma do artigo 18.

IV - o funcionário que autorizar ou efetuar o registro e licenciamento, inscrição ou matrícula de veículo de qualquer espécie, sem a prova de pagamento ou do reconhecimento de isenção ou imunidade do imposto.

Parágrafo único - A solidariedade prevista neste artigo não comporta benefício de ordem.

Como se vê, nesses casos a Fazenda tem opções de acionar várias pessoas, mas, feita a opção, não poderá alterar o polo passivo da execução, podendo, no máximo, pedir o redirecionamento da mesma, na forma supracitada.

Conclusões

Ao longo do presente estudo observamos que a súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça realmente veda a substituição da CDA para modificar o sujeito passivo da execução fiscal, porém isso não significa que não seja possível a exclusão de um dos executados originais, prosseguindo-se contra outro ou outros executados originais.

Da mesma forma, o redirecionamento da execução ou a troca da CDA para o espólio ou sucessores no caso de falecimento anterior à execução é a princípio vedado, salvo havendo razoável motivo para que o Fisco ignore a morte.

Também o redirecionamento da execução ou a troca da CDA no caso de alienação do bem sobre o qual recai a tributação anterior à execução é vedado, embora o promitente-comprador possa figurar na CDA ao lado do proprietário, desde que já conste seu nome na CDA original.

Contudo, em respeito ao disposto no Código Tributário Nacional, tal vedação não pode ser interpretada de forma a ter um caráter absoluto, sob pena de se revogar o código por súmula, o que não é possível.

Por isso, por exemplo, a desconsideração da personalidade jurídica com execução dos bens dos sócios para quem a execução é redirecionada é possível e corriqueiramente praticada.

Da mesma forma, existe a possibilidade de redirecionamento da execução para o espólio ou sucessores do falecido no caso de falecimento no curso da execução.

Finalmente, tal redirecionamento também se mostra possível quando feito para a pessoa do adquirente que adquiriu o bem objeto da tributação após a execução, sem alteração do polo passivo, mas para a penhora apenas do bem adquirido sem observância dos direitos do Fisco e não sobre outros bens do adquirente.

Caso a alienação do imóvel não esteja constando no cartório de registro de imóveis, ou seja, se o executado que consta na CDA ainda consta como proprietário no CRI ele continua sendo parte legítima devido à regra de que a propriedade imóvel só se transmite pelo registro no CRI.

Com tal interpretação sistemática e teleológica tanto da súmula quanto das regras processuais e do Código Tributário Nacional é possível fazer uma harmonização como a aqui proposta de maneira a dar integral cumprimento a todas essas regras sem prejuízo de nenhuma.



[1] Magistrado paulista desde 1989. Professor universitário com docência iniciada na UNESP em 1988, atualmente não em atividade. Doutorando e mestre pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo.

[2] Manuale di Diritto Processuale Civile. Quinta Edizione. Milano: Giuffrè, 1992, pág. 202

[3] Obra citada, págs. 202/203.

[4] A Instrumentalidade do Processo. 3ª Edição. São Paulo: Malheiros, 1993, pág. 297/298.

[5] Legitimidade e Responsabilidade do Judiciário em um Ambiente Democrático. Publicado na Revista da Academia Paulista de Magistrados, número 03, texto 20. Disponível em: http://www.apmbr.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=142:legitimidade-e-responsabilidade-&catid=62:edicao-3. Acesso dia 19.09.2011.

[6] Neste sentido: AgRg no REsp 1218068/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 08/04/2011; AgRg no REsp 1056606/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/04/2010, DJe 19/05/2010

[7] Vide: Supremo Tribunal Federal RE 204.827-5, de 12.12.1996; Superior Tribunal de Justiça AgRg no Ag 987.095/BA, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/05/2008, DJe 23/06/2008; REsp 863.396/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/02/2007, DJ 02/04/2007, p. 253; e REsp 684.392/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/10/2005, DJ 19/12/2005, p. 230.

[8] Vide, entre os precedentes da súmula: AGA 888479 BA 2007; RESP 829455 BA 2006; ERESP 823011 RS 2006; AGA 815732 BA 2006.

[9] Conforme: AgRg no REsp 838.380/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/03/2010, DJe 30/03/2010

[10] IVAMY, E. R. Hardy. "Topham and Ivamy's Company Law". 15th Edition. London: Butterworth  & Co. (Publishers), Shaw & Sons, 1974, págs. 8 a 12


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