544 - Os abusos das operações casadas


LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES – Desembargador


É impressionante ver como há empresários que se especializaram em burlar as leis de proteção ao consumidor com o único e exclusivo objetivo de auferir lucro, mas uma espécie de lucro exagerado, sem fim. A ganância é mesmo uma das bases do sistema capitalista contemporâneo. E, atualmente, os maiores violadores do sistema são exatamente aqueles que não precisariam fazê-lo, pois seus ganhos são por demais excessivos.

Lembro um caso que já tive oportunidade de contar e que atinge muita gente: o do zelador do prédio onde mora meu amigo Outrem Ego. Ele foi a uma agência bancária solicitar um empréstimo de apenas R$ 500,00. Pediram-lhe toda a documentação de praxe e ele a levou. Aprovado o empréstimo, trouxeram-lhe o contrato e também outro documento para assinar: tratava-se de um seguro residencial. O zelador, então, disse que nem casa ele tinha, pois morava com sua família no apartamento pertencente ao condomínio.

Não adiantou: o funcionário do banco disse que para receber o empréstimo ele tinha que fazer o seguro. E, olha, não foi pouca coisa. Para um empréstimo de apenas R$ 500,00 “enfiaram-lhe pela goela abaixo” (desculpe-me a expressão, mas ela é adequadíssima) R$ 64,20 ou o equivalente a 12,84% do total emprestado!

Esse episódio, tão corriqueiro como, infelizmente, qualquer assalto à mão armada em plena rua de uma cidade brasileira, nos joga na cara esse lado estranho da condição humana que criou a hipocrisia e mais ainda o cinismo. Lendo-se a apólice de seguro, percebe-se a farsa, a comédia e a tragédia. Nosso zelador-consumidor (assim como qualquer um de nós) vive oprimido pelo abuso que as grandes corporações do capitalismo dito neoliberal (descontrolado) lhes impingem. Ele, morador de um apartamento dentro do condomínio no qual trabalha, acabou fazendo seguro contra “queda de raio” com coberturas contra “vendaval e fumaça”!

Não gostaria de voltar ao assunto que considero por demais conhecido, que é o das sacolinhas plásticas que passaram a não ser mais entregues gratuitamente nos supermercados do Estado de São Paulo. Todavia, sou obrigado a voltar ao tema porque a prática é tipicamente uma operação casada, que é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor. Na realidade, o que se constata é que obrigar o consumidor a adquirir uma sacola, qualquer que seja ela, de plástico, papel ou tecido, para poder levar consigo os produtos que adquiriu no próprio estabelecimento comercial, é uma típica operação casada porque obriga o consumidor a comprar e pagar por algo que não queria comprar e muito menos pagar. E a regra estabelecida atualmente pelos empresários do setor é esta:  leva nos braços ou paga pela sacola. 

Faço aqui um parêntese para apresentar algumas colocações trazidas por Outrem Ego. Disse ele o seguinte: “Imagine que um consumidor vai a uma joalheria adquirir um par de brincos para sua namorada. Após escolher o produto, perguntar o preço e concordar em comprá-lo, ele diz: ‘vou pagar com cartão de crédito’. A vendedora então pergunta:’ o senhor vai levar os brincos na mão?’. Ele responde: ‘não, na caixinha’, ao que ela devolve: ‘bem, é que a caixinha para colocar os brincos custa R$ 10,00’... Imagine agora a consumidora que vai a uma loja de esportes adquirir um par de tênis. Ela compra os tênis, vai ao balcão, faz o pagamento e o vendedor lhe entrega o par solto na mão. Daí ela diz:’ eu gostaria de levar os tênis na caixa’ e o vendedor responde:’ são mais R$ 15,00’.”

Outrem Ego, com razão, mostrou que os exemplos poderiam multiplicar-se indefinidamente porque, claro, quando o consumidor compra qualquer produto, esse produto tem que ser entregue em condições nas quais ele possa levá-lo consigo. Não tem sentido comprar algo e ter de pagar pela embalagem. Isso seria operação casada, abusiva e ilegal, assim como também o é o da venda de sacolas pelos supermercados.

• A operação casada é proibida     

A chamada operação casada ou simplesmente venda casada é uma imposição feita pelo fornecedor ao consumidor. Ela se dá quando o vendedor exige do consumidor que para ele comprar um produto tem que obrigatoriamente adquirir outro (o mesmo se dá com os serviços).

Algumas dessas operações são bem conhecidas. Dentre elas estão certas imposições feitas por bancos para abrir conta ou oferecer crédito, como, por exemplo, somente dar empréstimos se o consumidor fechar algum tipo de seguro (residencial, como o do zelador ou seguro de vida). Outro exemplo é o do comerciante que só serve a bebida no bar se o consumidor comprar um prato de acompanhamento etc.

Alguns cinemas estão também operando ilegalmente quando deixam que o consumidor entre na sala de exposições com comidas compradas no próprio local (sacos de pipocas, refrigerantes etc), mas impedem que ele leve consigo o produto comprado fora do local ou que tenha levado de casa. O expositor pode até impedir que todos entrem com comida, mas se permite que ela seja consumida após adquirida ali mesmo, não pode impedir que o consumidor a traga de fora. É uma prática abusiva casada às avessas, pois quer forçar o consumidor a comprar os produtos vendidos no local.

Outrem Ego lembrou o caso das pizzarias. Há algumas que vendem pizzas de mais de um sabor, mas cobram pelo preço da mais cara. Por exemplo, se uma pizza de camarão custa R$ 70,00 e uma de mussarela custa R$ 30,00 e o consumidor pede meio a meio (meio de camarão, meio de mussarela) é cobrado R$ 70,00. Um absurdo. O preço somente pode ser de R$ 50,00, que corresponde à metade do preço de cada uma. Essa é também uma espécie de operação casada travestida, pois impõe o preço mais caro para o consumidor que quer comprar a pizza meio a meio.

Um setor que pratica bastante a operação casada é o de venda de automóveis e seus conhecidos opcionais. Muitas vezes o consumidor tem de comprar o veículo com o “opcional” na marra e, na maior parte dos casos, os preços anunciados não incluem os mais desejados. 

Isso e muito mais é simplesmente ilegal e abusivo e dependendo do tipo de operação, o consumidor pode aceitá-la no momento do fechamento do negócio para, em seguida, anular parte dele. Por exemplo, se for caso de banco que exige que seja feito um seguro para obter um empréstimo, o consumidor pode primeiro obter o empréstimo e, depois, cancelar o seguro, o que pode ser feito até de forma bem simples com o envio de uma carta/notificação tratando do abuso e exigindo o cancelamento.  

• Operação casada legítima

Só para não esquecermos: Apesar da proibição, existem exceções para algumas operações casadas.

É que certas exigências casadas são legítimas, dentro de critérios razoáveis. Assim, por exemplo, o comerciante pode se negar a vender apenas a calça do terno, por motivos óbvios. Da mesma maneira, o industrial pode embalar o sal em pacotes de 500g, mesmo que o consumidor queira adquirir apenas 200g etc.  

28/5/2012


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