571 - O porquê da falta de juízes
JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO – Desembargador
Fico perplexo com as desinformações atinentes ao Poder Judiciário, mormente quando leio os jornais de grande circulação deste país, dando conta de notícias completamente equivocadas a respeito da vida comezinha
e cotidiana dos tribunais de Justiça. Li, estupefato, no editorial de um prestigioso periódico que circulou em fevereiro, a assertiva de que seria conveniente a juízes e desembargadores o não preenchimento das vagas dos cargos de juízes substitutos. Os primeiros, porque estariam acumulando comarcas e, com esse agir, recebendo “adicionais e outras vantagens financeiras”.
Os segundos, porque estariam amealhando poder, na medida em que indicariam aqueles que acumulariam as comarcas e, por via de consequência, ganhariam as vantagens financeiras.
Com 37 anos de carreira, não conheço nenhum agente do Poder Judiciário que ficasse contente com o chamado acúmulo de comarcas, pelo simples fato de que as diárias (esta, sim, a rubrica correta) não compensam tal sacrifício. Ora, se é humanamente impossível dar conta do acervo de processos de uma só cidade, que dirá levar a cabo os processos distribuídos a duas ou mais varas, pois, felizmente, o jurisdicionado, parafraseando o ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda confia na Justiça pátria, tendo em vista o número crescente de demandas que diuturnamente são protocolizadas nos foros deste país de dimensão e população continentais (são 18 milhões de ações distribuídas anualmente), ao passo que aqueles incumbidos de entregar justiça, dando a cada um o que é seu com igualdade, não ultrapassam o patamar dos 17 mil juízes.
Ademais, os magistrados de primeiro grau – para quem tem um mínimo de conhecimento de como funciona um Tribunal de Justiça – não teriam o condão de influenciar na matéria em comento, a qual, aliás, é de competência exclusiva do presidente da Corte, sendo certo, ainda, que sequer seus pares opinam a respeito.
Retornando ao tema nuclear, a realização de novos concursos para a seleção de magistrados, ao contrário do que se tentou passar ao leitor, não fica ao bel talante do TJ, isso porqueopresidente da Corte não pode aumentar as despesas de custeio do tribunal, uma vez que deve estar balizado na Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabeleceodiminuto percentual de 6% para os gastos do Judiciário, sob pena de, se assim não agir, cometer improbidade administrativa.
É bom que se esclareça que, por vezes, o aumento de salário mencionado no aludido editorial diz respeito aos milhares de servidores públicos do Poder Judiciário que, não raro, almejam justo reajuste e, invariavelmente, se isso não ocorre, entram no estado de greve, prejudicando significativamente o bom andamento do serviço judiciário, que só não chega ao caos total em razão de abnegados funcionários que se prestam a trabalhar, nessas ocasiões, em processos efetivamente relevantes.
De mais a mais, é tarefa das mais difíceis escolher juízes, daí por que o rigor na seleção. Não se trata de preencher vagas em uma fábrica ou em uma construção.
A par dos conhecimentos técnico-jurídicos, o candidato tem que ostentar reputação ilibada, vocação para exercer o mister, caráter, personalidade destacada, determinação e, sobretudo, destemor em sentido lato, haja vista as constantes notícias de assassinatos de magistrados ou agressão aos seus parentes. Para tanto, os candidatos, às vezes sem saber, quando têm contato com a comissão do concurso, se submetem a uma bateria de exames de ordem social, comportamental, postura, tirocínio, encadeamento de raciocínio lógico, avaliação psicológica, atributos dos quais o magistrado não pode prescindir.
Poder-se-ia indagar: seria necessário tanto?! E a resposta é positiva, quando se sabe que as organizações criminosas têm pago estudos para os seus afiliados, a fim de infiltrar nos quadros dos três poderes pessoas que no futuro podem beneficiá-los. Além disso, a magistratura, em todo país político e democraticamente organizado, não se consubstancia num quadro de simples funcionário público, mas sim numa carreira de Estado, onde seus membros devem receber subsídios condignos ao cargo que representam (ao contrário do que erroneamente se divulga, porquanto os vencimentos se encontram em patamares muito aquém de um executivo de porte médio que trabalha na iniciativa privada).
Saliente-se que tais subsídios não se prestam para satisfazer interesses pessoais, mas sim para garantir os interesses dos jurisdicionados, visto que esses magistrados, ao julgar causas que envolvam milhões ou bilhões de reais, não se sintam tentados a desonrar a toga. Por mais que se faça essa triagem, como em toda atividade humana, o juiz também pode cometer pecadilhos, os quais, no estado de São Paulo, são prontamente apurados pela Corregedoria Geral de Justiça, sendo certo que o agente do Poder Judiciário, se for o caso, será julgado, garantindo-se-lhe o devido processo legal, como a todo e qualquer demandado. Como se vê, o concurso da magistratura, o do Instituto Rio Branco, o das Agulhas Negras, entre outros, devem voltar sua ótica não só para o conhecimento intelectual do candidato, mas sobretudo ao homem na acepção do termo. Não sei a quem interessa o descrédito do Poder Judiciário, mas estou cônscio de que as consequências serão funestas. Imagine-se um Judiciário débil, verdadeiramente fragilizado, ter que julgar questão envolvendo a estatização do papel da imprensa, numa forma indireta de bolorenta censura, como ocorreu na vizinha Argentina e, como ocorrerá em lei semelhante no Equador, que se encontra em fase de vacatio legis? É tempo de reflexão!
José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e presidente da Comissão do 183º concurso da magistratura de São Paulo.