586 - Vagas nos Tribunais: quando (não, “como”) preenchê-las – o desprestígio da Magistratura


VALTER ALEXANDRE MENA – Juiz de Direito em 2º Grau


Muito se discute a respeito de como preencher as vagas de Ministros dos Tribunais Superiores, especialmente do Supremo Tribunal Federal. Há quem critique a atual forma de escolha pelo Presidente da República e aprovação pelo Senado Federal.[1]

Vladimir Passos de Freitas, desembargador federal aposentado e ex-presidente do TRF-4, criticando essa forma de nomeação nos Tribunais Superiores e nos Regionais Federais, faz o repto: “quem se anima a enfrentar o problema, a auxiliar na solução?”[2]

Inscrevo-me, de forma singela, nessa batalha, reproduzindo, de forma ampliada e atualizada, a sugestão proposta em março de 2006 aos então Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do STF (encaminhada por e-mail), e entregue em mãos ao Ministro Sepúlveda Pertence quando de passagem por São Paulo. Sem nenhuma resposta.

 Não abordaremos, por ora, a forma de indicação/nomeação, mas o tempo (quando) isso deve ocorrer, de modo a não gerar desfalque na composição dos Tribunais em geral.

É da tradição de nosso sistema jurídico-político que o preenchimento de cargos de magistrado nos tribunais obedece a um procedimento complexo e demorado e que somente tem início após a abertura da vaga, o que não se justifica e contribui ainda mais para a criticada morosidade judicial. Afinal, após a Emenda Constitucional nº 45/2004 (Reforma do Judiciário), “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (Constituição, artigo 5º, LXXVIII).

É hora de romper com a tradição, a começar pelo Supremo Tribunal Federal, estendendo-se por todos os demais Tribunais, sabido que todos os juízes (e demais funcionários públicos) são compulsoriamente aposentados aos 70 anos de idade (i.é, sabe-se com bastante antecedência quando a vaga será aberta).

Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal compõe-se de 11 Ministros, escolhidos e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal. Cada uma de suas Turmas, com 5 Ministros, decide por maioria, e dentre as relevantes atribuições do Plenário, se insere a de apreciar matéria constitucional, exigente de quorum de instalação de 8 Ministros e decisão por no mínimo 6 votos.

Quer dizer: apesar de sua importância (balizando as decisões dos demais Tribunais e de todos os milhares de juízes do País), ou por isso mesmo, é uma Corte numericamente pequena, revelando a extrema importância de cada um de seus Membros. A ausência de um ou dois a uma Sessão (compromissos externos, inclusive acumulação de atribuições, v.g., no Tribunal Superior Eleitoral, no Conselho Nacional de Justiça, comparecimento a reuniões e congressos nacionais e internacionais) geralmente provoca o adiamento do julgamento. Serve de exemplo o caso do Mandado de Segurança n. 24.875/DF (teto constitucional), empatado em 5 a 5 na Sessão de 9/3/06, prejudicado o desfecho na sessão do dia 15 (por inexistência do 11º Ministro, empossado somente no dia seguinte, e julgado definitivamente na sessão de 11/5/2006 com o voto do novo Ministro, Ricardo Lewandowski).

Pois bem.

Aparentemente, os Poderes Executivo e Legislativo - e até mesmo o Judiciário - não demonstram preocupação com tal fato, provavelmente, como me responderam vários colegas, inclusive um Ministro aposentado do STF, porque seria “constrangedor” para o que está saindo a abertura do procedimento de escolha do seu sucessor. Ou então, que só pode haver escolha após a abertura de vaga.

Com a máxima vênia, entendo que inexistem tais impedimentos, não se podendo ignorar a prevalência do interesse público na questão.

Aliás, todos hão de lembrar-se (sessão transmitida pela TV Justiça) da “súplica” (com perdão do eufemismo) do então Presidente do Supremo, o saudoso Ministro Maurício Correa, ao Presidente da República, no sentido de que apressasse a nomeação dos sucessores dos Ministros José Carlos Moreira Alves, Sydney Sanches e Ilmar Galvão, aposentados compulsoriamente em 19/4, 25/4 e 03/5 de 2003, cujas vagas reduziam o Tribunal para 8 Ministros, dificultando o julgamento das questões constitucionais. Os sucessores, Ministros Joaquim Barbosa, Cézar Peluso e Carlos Britto tomaram posse somente em 25/6/2003, o que significa que os cargos ficaram vagos durante 66, 60 e 50 dias, respectivamente.

A história se repetiu: o Ministro Carlos Velloso se aposentou em 26 de janeiro de 2006 e o sucessor, Ministro Ricardo Lewandowski, tomou posse somente em 16 de março, ficando a vaga aberta durante 50 dias. O Ministro Nelson Jobim, que em março/2006 havia anunciado sua aposentadoria (efetivada em 29/3), foi substituído pela Ministra Carmen Lúcia somente em 21/6/2006 (80 dias depois). O Ministro Sepúlveda Pertence, que cairia na expulsória em 21/11, anunciou com antecedência sua aposentadoria, que ocorreu em 17/8/2007, sendo sucedido pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito em 05/9/2007 (18 dias), este falecido em 01/9/2009. Para sucedê-lo, o Ministro Dias Toffoli foi indicado em 17/9, aprovado pelo Senado no dia 30 e nomeado em 01/10/2009 (13 dias). Eros Grau anunciou em 17/6/2010 que se aposentaria voluntariamente em 02/8/2010 (cairia na compulsória no dia 19); foi sucedido pelo Ministro Luiz Fux, indicado em 01/2/2011, aprovado pela CCJ do Senado em 9/2 e nomeado em 10/02/2011 (mais de 7 meses depois do anúncio e mais de 6 depois de aberta a vaga).[3] e[4] A Ministra Ellen Gracie se aposentou voluntariamente em 08/8/2011, sendo sucedida por Rosa Weber, indicada em 8/11/2011 (90 dias), aprovada pela CCJ em 6/12 e nomeada em 15/12/2011 (127 dias).

Temos agora a vaga aberta com a aposentadoria compulsória do Ministro Cezar Peluso em 3/9/2012. No dia 10, o Ministro Teori Zavascki foi indicado para sucedê-lo e iniciada a sabatinado pela CCJ-Senado em 25/9, cuja continuação deverá ocorrer em 17 de outubro (após as eleições municipais) e a nomeação no final de outubro ou em novembro[5].

Já em 18/11/2012, domingo (de fato dia 14, em face do feriado do dia 15) será expulso o Ministro Carlos Aires Brito, e pelos precedentes, a nomeação deverá ocorrer somente em fevereiro de 2013 (recesso forense a partir de 20 de dezembro e recesso parlamentar em janeiro).

Quer dizer, a Suprema Corte, hoje com apenas 10 Ministros, corre o risco de ficar com somente 9 não se sabe por quanto tempo.

Ora, constrangedora é a “expulsória” etária atual, não a indicação, sabatina e nomeação do sucessor. Mais: se os Poderes da República são independentes e harmônicos (sem prevalência de um sobre os outros), por que somente no Executivo e no Legislativo inexiste o vácuo (os cargos são preenchidos imediatamente, sem solução de continuidade) aceito no Judiciário, cuja composição está sempre desfalcada?

O preenchimento dos cargos não é sempre “urgente” em todos os Poderes? Ou o é só no Legislativo e no Executivo?

Na sessão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, em 25/9/2012, destinada a sabatinar o Ministro Teori Zavascki, indicado para o Supremo, fomos surpreendidos com o requerimento (e respectiva justificativa) do senador Aloysio Nunes Ferreira no sentido de adiar o ato para 17 de outubro, em face das eleições municipais, afirmando “Não há nenhuma urgência nisso”; reclamou da pressa e comparou as sabatinas feitas pelo Senado brasileiro com as feitas nos Estados Unidos.

Nada mais absurdo e intolerável, partindo de um antigo defensor da democracia.[6]

O interesse público aponta em outra direção. Basta ver que nos Estados Unidos, recentemente (a referência é da nossa proposta de março de 2006), anunciada a aposentadoria de uma Juíza da Suprema Corte, não se aguardou a consumação do fato; pelo contrário, o Presidente da República iniciou os procedimentos de indicação e aprovação pelo Senado e a transição ocorreu sem qualquer trauma. Agora o juiz John Paul Stevens, de 89 anos (o cargo lá é realmente vitalício), já comunicou ao Presidente que se aposentará “depois do recesso de verão” (julho), e Obama afirmou que vai "agir rápido" para substituí-lo. “Aparentemente a Casa Branca já iniciou as consultas para encontrar seu substituto. Obama se reuniu com líderes democratas e republicanos do Senado e afirmou nesta quarta-feira que espera ter definido até o fim de maio o novo juiz para a Corte Suprema de Justiça, de forma que ele possa participar da próxima sessão da máxima instância judicial americana, prevista para outubro.”[7]

E assim foi: em 10 de maio, Obama indicou Elena Kagan para a Suprema Corte e já começou a fazer ligações para o Senado para informar sua escolha, enquanto a Casa Branca prepara uma campanha para promovê-la porque o nome de Elena é pouco conhecido no país (Revista Consultor Jurídico, 10/5/2010).

Poder-se-ia ilustrar, também, com a substituição do Presidente do Federal Reserv: anunciada com bastante antecedência sua exoneração, providencia-se, com a necessária cautela, a escolha de seu sucessor. Também aqui o Banco Central não fica acéfalo entre o término do mandato de um Presidente da República e a posse do sucessor: a providência de substituição é antecipada.

Para substituir a ministra Eliana Calmon na Corregedoria do CNJ, cujo mandato terminou em 06/9/2012, o Ministro Francisco Falcão, do STJ, foi sabatinado pela CCJ do Senado em 13/6, aprovado pelo Plenário em 26/6 e nomeado em 15/8, tomando posse exatamente no mesmo dia 6 de setembro.

Não se olvide que as eleições não só para os Cargos do Executivo e do Legislativo, mas também dos órgãos dirigentes dos Tribunais antecedem o término dos mandados. Sem constrangimentos.

A sugestão: sabendo-se com antecedência quando ocorrerá a abertura de vaga, seja compulsória, seja a voluntária (casos dos Ministros Jobim, Francisco Rezek, Sepúlveda Pertence, Eros Grau), tal fato será comunicado, digamos 90 dias antes, pelo Supremo ao Presidente da República, para que este inicie publicamente as consultas e faça a indicação, realizando-se a sabatina pelo Senado Federal. A nomeação e a posse se darão no mesmo dia ao da saída do Ministro que abriu a vaga. Sem traumas e sem danos para a Nação e para os jurisdicionados.

A única exceção: considerando que, pelo sistema atual, a indicação (âmbito federal) é privativa do Presidente da República, com forte conotação política (no alto sentido do termo), e suposto o prazo de 90 dias para a iniciativa do Supremo, se a vaga de Ministro for ocorrer já sob o mandato do novo Chefe de Estado, a este caberá a indicação, com a necessária e desejada presteza.

“A questão permanece atual” (dizia eu na referida sugestão feita em 2006): “o Ministro Eros Grau será afastado compulsoriamente em 19 de agosto p.f. (às vésperas das eleições gerais para Presidente da República, Governadores, Senadores e Deputados, quando o Senado estará esvaziado) - daí minha insistência no tema. O que impede que, desde já, se iniciem as providências oficiais para a substituição, evitando-se o “vácuo” na composição do Supremo?”.

É o que ocorre atualmente, com a vaga do Ministro Cezar Peluso: estamos às vésperas das eleições municipais e o indicado para suceder, Ministro Teori Zavascki, somente agora está sendo sabatinado pelo Senado, e a próxima vaga será aberta em 18/11 (Aires Brito), às vésperas do recesso judiciário e legislativo, o que prenuncia o esvaziamento do STF – a dano da sociedade.

A mesma situação ocorre nos demais Tribunais, e especialmente nos Regionais Federais e nos Tribunais de Justiça Estaduais, nos quais vigora o princípio do quinto constitucional (no Superior Tribunal de Justiça é o terço, e hoje 4 cargos estão vagos), reservado a advogados e Ministério Público, ocorrendo entrave na composição das listas dos indicados. Em 2005, o quinto provocou mais um terremoto entre advogados e juízes em São Paulo, em razão de o Tribunal de Justiça paulista ter rejeitado todos os nomes da lista sêxtupla da OAB na escolha dos candidatos às vagas. O caso foi parar no Supremo (cf. Reclamação nº 5.413; Revista Consultor Jurídico, 25/3/2010; MS 13.532-DF; RMS 27920-DF). Enquanto isso, a vaga ... permanece vaga.

O que se vê é que o TJSP nunca está com sua composição (360 Desembargadores) completa (hoje há 9 vagas). Somente este ano são certas 4 compulsórias, mais 13 durante 2013, 20 em 2014 e assim por diante, cujo preenchimento é lento.

Ora – repito -, por que esperar a vaga para somente depois dar início ao procedimento de escolha do novo ocupante? O que impede a quebra dessa tradição? Não há norma que o proíba, nem necessidade de norma que o preveja. Os concursos públicos em geral são abertos para as vagas existentes e para os cargos que vagarem durante o prazo de validade. Investidura é outra coisa (depende da vaga já aberta).

Entretanto, se se entender necessária previsão legal, a Proposta de Emenda Constitucional nº 434/2009 e a PEC 44/2012 (alteram a forma de investidura no Supremo Tribunal Federal) poderia acrescentar dispositivo que determine a antecipação do procedimento (em todos os níveis), propiciando, assim, maior celeridade da prestação jurisdicional.


Valter Alexandre Mena
é juiz de Direito em 2º Grau do TJSP. Bacharel (1970) e Mestre (1979) em Direito pela USP. 

28/9/2012, com atualização em 05/11/2012 (Nota de rodapé 5).


[1] Marco Antonio Villa,Supremo Tribunal, supremos problemas”, Folha de SP, 17/9/12 -  http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/49248-supremo-tribunal-supremos-problemas.shtml);  Joaquim Falcão, “Independência de ministro começa na indicação”, Folha de SP, 26/8/2012 -  http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/62812-independencia-de-ministro-comeca-na-indicacao.shtml; Rodrigo Haidar, “Ataque federal: Para Ajufe, Supremo é um tribunal de advogados” (Revista Consultor Jurídico, 24/7/2010); Maurício Cardoso, “Nomeação para STF pode virar ferramenta política” (Revista Consultor Jurídico, 11/12/2010); “Sistema atual de escolha dos Ministros do STF: posição contrária” (Jornal Carta Forense, 2/6/2011 -http://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=7122: “A escolha do Supremo: A minha democracia é melhor do que a dos outros (Rodrigo Haidar, Revista Consultor Jurídico, 9/2/2011). 

[2] “Segunda Leitura: Tribunais aguardam Executivo nomear magistrados” (Revista Consultor Jurídico, 4/3/2012). 

[3] Vaga na Corte: OAB pede agilidade na substituição de Eros Grau (Revista Consultor Jurídico, 10/8/2010).

[4] “Turma do STF dribla falta de quórum” (Geiza Martins, Revista Consultor Jurídico, 28/6/2010). 

[5] Aprovado pelo Senado em 30/9, nomeado em 01/11 e com posse marcada para 29/11/2012. Ou seja, começará a exercer as atividades no dia 03/12, exatamente 90 dias depois de aberta a vaga.

[6] Fui contemporâneo de Aloysio Nunes na Faculdade de Direito da USP em 1966, inclusive ajudando a elegê-lo presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto pela chapa Nova Dimensão.


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