589 - O art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro conforme a Lei n. 12.760, de 20-12-2012



RENATO MARCÃO - Promotor de Justiça



1. Introdução

Em sua redação original o art. 306, caput, do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97), assim dispunha: “Conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem” (negritei). As penas cominadas eram: detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Impulsionado pelas elevadas cifras de mortos e lesionados em acidentes de trânsito envolvendo embriaguez ao volante, a pretexto de endurecer a resposta penal para tais situações típicas, em 19 de junho de 2008 o legislador brindou a população brasileira com a Lei n. 11.705, que entre outras alterações impostas ao Código de Trânsito modificou seu art. 306, que a partir de então passou a ter a seguinte redação no caput: “Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”. Não houve qualquer alteração em relação às penas cominadas.


A modificação foi desastrosa e de efeito retroativo, bem ao contrário do propalado. Na mão diametralmente inversa da que se disse pretender com aquela que se convencionou denominar “Lei Seca”, as consequências de tal opção política irrefletida e irresponsável ainda são sentidas pela população já há algum tempo alarmada com as estatísticas negativas que só fazem crescer.


O maior problema determinado pela Lei n. 11.705/2008 foi a quantificação que optou por regular.

Passados mais de 4 (quatro) anos, visando corrigir o indesculpável erro grosseiro cometido por todos aqueles que atuaram na edição da nefasta lei de 2008, foi editada a Lei n. 12.760, de 20-12-2012, que dentre outras modificações impostas ao Código de Trânsito alterou a redação do art. 306, que agora assim dispõe:

Art. 306.  Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:


Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1o  As condutas previstas no caput serão constatadas por:

I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou

II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.

§ 2o  A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.

§ 3o  O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. (negritei).

Como se vê, foram modificadas as elementares do tipo fundamental (caput do art. 306); foram mantidas as penas combinadas; foram acrescidos: um § 1º que dispõe sobre a forma de constatação do delito; um § 2º, que indica a possibilidade de todos os meios de prova admitidos em direito para a demonstração da infração, e, por fim, um § 3º, a indicar a atribuição do Contran para dispor sobre a equivalência dos testes de alcoolemia.

A denominada “Nova Lei Seca” resolveu a questão da quantificação de álcool por litro de sangue, exigida na redação anterior do art. 306, caput, e com isso ampliou a possibilidade de responsabilização penal, o que é positivo. Por outro vértice, trouxe novas discussões jurídicas, todas evitáveis se o legislador fosse mesmo técnico e se preocupasse em ouvir e acolher, durante o processo legislativo, opiniões jurídicas realmente abalizadas.

A seguir, analisaremos o novo art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

2. Tipo objetivo

Conduzir, para os fins do dispositivo em comento, significa dirigir, colocar em movimento mediante acionamento dos mecanismos do veículo.

Veículo automotor: nos termos do Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro, considera-se veículo automotor “todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico)”.

Antes da Lei n. 12.760, de 20-12-2012, o crime de embriaguez ao volante só se configurava se a condução de veículo automotor ocorresse na via pública. A atual redação do art. 306 abandou tal critério, pois não contém referida elementar, de maneira que restará configurado o crime ainda que a condução do veículo, nas condições indicadas, se verifique em qualquer local público (não necessariamente via pública) ou no interior de propriedade privada (chácara, sítio ou fazenda, por exemplo), o que representa considerável ampliação no alcance da regra punitiva. Tal ajuste guarda coerência com a tipificação dos crimes de homicídio culposo (art. 302 do CTB) e lesão corporal culposa (art. 303 do CTB), em que não há referência à via pública.

É bem verdade que o art. 1º do CTB diz regular o trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, o que pode sugerir sua inaplicabilidade em relação a fato ocorrido em local que não se encaixe no conceito de via terrestre, no interior de propriedade privada, visto que o art. 2º do CTB diz que “são vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias”.

Tal forma de pensar, entretanto, é equivocada.

Com efeito, imagine-se o seguinte exemplo: o motorista de um veículo automotor destinado ao transporte de trabalhadores rurais passa a conduzi-lo no interior de uma propriedade privada, em meio a uma plantação de laranjas, imprimindo-lhe velocidade excessiva, incompatível para o local, e termina por atropelar e matar um dos braçais que já se encontrava trabalhando.

Embora o evento tenha ocorrido no interior de propriedade privada e em local não definido como via terrestre pelo art. 2º do CTB, no exemplo apontado o condutor do veículo deverá responder por homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor, conforme o art. 302 do CTB, porquanto identificadas as respectivas elementares na conduta apontada, o que está a demonstrar que as disposições dos arts. 1º e 2º não determinam limitação de alcance para fins de imputação penal. As expressões empregadas nos arts. 1º e 2º não configuram elementares dos tipos penais citados (arts. 302, 303 e 306), visto que neles não foram descritas.

Bem por isso poderá haver imputação lastreada no art. 306 do CTB quando a realização típica se verificar, em via terrestre ou não, no interior de propriedade privada, se presentes as elementares do tipo.

De ver, entretanto, que nada obstante se tenha por demonstrada a tipicidade formal, a condução de veículo no interior de propriedade privada, nas condições do art. 306 do CTB nem sempre justificará imputação de natureza penal, cumprindo que se analise, caso a caso, a possibilidade, ou não, de lesividade, indicativa da tipicidade material, pois a absoluta ausência desta impede a persecução.

Exemplo: imagine-se hipótese em que o agente, estando em sua fazenda, onde nenhuma outra pessoa reside, e sem pretender dela sair, após ingerir alguma quantidade de cerveja, com a intenção única de conferir as condições das cercas da propriedade, se coloca a conduzir seu veículo automotor nos limites do imóvel rural, trafegando somente nas pastagens, e em algum momento, por sentir-se mal, para o carro e telefona em busca de socorro médico, que é rapidamente prestado, quando então é constatado que se encontrava embriagado.

No caso indicado, não há sentido algum em instaurar persecução penal pelo crime de embriaguez ao volante, pois, embora formalmente configurado o delito, a total ausência de lesividade está por desautorizar providências de natureza penal.

Também por força das alterações introduzidas com a Lei n. 12.760, de 20-12-2012, para a realização do tipo descrito no art. 306, caput, do CTB, é preciso que o agente tenha sua capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.

Capacidade psicomotora é a que se refere à integração das funções motoras e psíquicas. São psicomotoras as partes do cérebro que presidem as relações com os movimentos dos músculos (http://aulete.uol.com.br/psicomotor).

“A área psicomotora compreende: a Coordenação Motora (utilização eficiente das partes do corpo), a Tonicidade (adequação de tensão para cada gesto ou atitude), a Organização Espacial e Percepção Visual (acuidade, atenção, percepção de imagens, figura fundo e coordenação viso-motora), a Organização Temporal e Percepção Auditiva (atenção, discriminação, memória de sons e coordenação auditiva-motora), a Atenção (capacidade de apreender o estímulo), Concentração (capacidade de se ater a apenas um estímulo por um período de tempo), Memória (capacidade de reter os estímulos e suas características), Desenvolvimento do Esquema Corporal (referência de si mesma) e a Linguagem” (http://www.bhonline.com.br/marta/psicomot.htm).

Para a configuração do crime não é necessário que a capacidade psicomotora tenha sido suprimida e por isso se encontre completamente ausente no momento da prática delitiva. Basta que esteja simplesmente alterada; entenda-se: fora da normalidade.

Mas não é só.

Deve ficar demonstrado que a alteração da capacidade decorre exatamente do consumo de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, física ou psíquica.

Se a alteração da capacidade psicomotora não decorrer do consumo de bebida alcoólica, mas de alguma substância que não cause dependência, e isso pode ser provado pelo interessado, não haverá crime.

A substância psicoativa pode ser lícita ou ilícita. Não é necessário seja droga proscrita, ensejadora de imputação com base na Lei n. 11.343, de 23-8-2006 (Lei de Drogas).

3. Crime de perigo abstrato

Na redação original do Código de Trânsito (Lei 9.503, de 23-9-1997), para a configuração do crime previsto no art. 306 exigia-se prova da ocorrência de perigo concreto, não sendo suficiente o perigo abstrato.

A Lei n. 11.705, de 19-6-2008, deu nova redação ao caput do art. 306 do CTB e deixou de exigir a ocorrência de perigo concreto, sendo certo que as alterações introduzidas com a Lei n. 12.760, de 20-12-2012, não modificaram esta realidade jurídica.

Conduzir veículo nas condições do art. 306, caput, do Código de Trânsito Brasileiro, é conduta que, por si, independentemente de qualquer outro acontecimento, gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de modo a justificar a imposição de pena criminal.

Não se exige um conduzir anormal, manobras perigosas que exponham a dano efetivo a incolumidade de outrem.

O crime é de perigo abstrato; presumido.

Necessário observar, por oportuno, que as disposições contidas no § 1º, I e II, do art. 306 não estão a indicar variantes da modalidade típica, mas tão somente formas pelas quais pode ser constatado o delito que está plenamente descrito no caput do mesmo art. 306. Isto está expresso no texto legal.

Disso decorre não ser acertado afirmar que o § 1º, II, do art. 306, – que se refere à presença de sinais que indiquem alteração da capacidade psicomotora – regula hipótese em que se exige prova de perigo concreto para que se tenha por realizada conduta típica.

São sinais que indicam a alteração da capacidade psicomotora: andar cambaleante; falta de equilíbrio; voz pastosa ou agressividade associada ao hálito com odor etílico, dentre outros.

Para melhor compreensão, imagine-se o seguinte exemplo: o agente não é visto por policiais de trânsito ou quem quer que seja realizando manobras perigosas com o veículo que conduz, mas ao ser abordado, em razão de embriaguez, sai cambaleando de seu automóvel e mal consegue se expressar logicamente, de modo a evidenciar considerável e perigoso estado etílico.

Na hipótese indicada, não nos animamos a sustentar que o delito do art. 306 do CTB não está configurado. É claro que o crime ocorreu, e por isso se apresentam inafastáveis as providências de natureza criminal contra seu autor.

4. Prova do crime

A Lei n. 11.705, de 19-6-2008, deu nova redação ao art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, e desde sua vigência, para a configuração do crime de embriaguez ao volante passou a ser imprescindível prova pericial indicativa de que o infrator possuía concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas na ocasião do evento, conforme entendimento que terminou por prevalecer no STJ, que acolheu expressamente nosso entendimento: REsp 1.111.566-DF, 3ª Seção, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, rel. p/ o acórdão Min. Adilson Vieira Macabu, j. 28-3-2012, DJe de 4-9-2012.

Bem por isso, advertimos à época que, em decorrência das mudanças introduzidas pela Lei n. 11.705/2008, apenas poderia ser chamado a prestar contas à Justiça Criminal por “embriaguez ao volante”, nos moldes do art. 306, caput, primeira parte, do CTB, a pessoa que assim desejasse ou aquela que fosse enleada ou mal informada a respeito de seus direitos, e por isso optasse por se submeter ou consentir em ser submetida a exames de alcoolemia ou teste do “bafômetro” tratados no art. 277 do mesmo Codex e, em decorrência disso, ficasse provada a presença da dosagem não permitida de álcool por litro de sangue, sabido que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo, conforme veremos na nota seguinte.

Por se tratar de norma penal benéfica, tal previsão teve efeito retroativo, de modo a alcançar condutas praticadas mesmo antes de sua vigência.

Esta irresponsabilidade legislativa (mais uma), perdurou por mais de 4 (quatro) anos, período em que vivemos verdadeiro “estado de impunidade” em relação ao crime ora tratado, e as estatísticas relacionadas a acidentes de trânsito só fizeram aumentar, drasticamente.

Com a vigência da Lei n. 12.760, de 20-12-2012, que é autoaplicável e não depende de qualquer regulamentação do Contran, a situação normativa mudou, e agora, embora seja possível, não se faz imprescindível prova técnica.

Diz o § 1º do artigo 306 que as condutas previstas no caput serão constatadas por:

I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou

II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.

Nos precisos termos do Anexo I da Lei n. 9.503, de 23-9-1997, considera-se: “ar alveolar” o ar expirado pela boca de um indivíduo, originário dos alvéolos pulmonares, e “etilômetro” o aparelho destinado à medição do teor alcoólico no ar alveolar. O Decreto n. 6.488, de 19-6-2008, regulamenta os arts. 276 e 306 do CTB, disciplinando a margem de tolerância de álcool no sangue e a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeitos de crime de trânsito.

Com efeito, na forma como está, o inc. I do § 1º pode levar à equivocada conclusão no sentido de que para a configuração do crime ainda é necessário constatar qualquer das quantidades de álcool indicadas – o que só se faz pericialmente e com concordância do investigado – pois a regra aparenta sugerir que não estaria com a capacidade psicomotora alterada aquele que não alcançasse ou ultrapassasse os limites estabelecidos, ainda que sob efeito de álcool se encontre.

Por sua vez, o inc. II do § 1º sugere que, fora das situações indicadas em resolução do Contran, não haverá situação em que se possa afirmar configurado o crime, de modo a impregnar ao art. 306 natureza de norma penal em branco.

Embora as discussões possam ser mais acirradas quanto aos efeitos do inc. II do § 1º, entendemos que tais reflexões perdem sentido quando se tem em vista o disposto no § 2º do art. 306, do qual se extrai que a verificação e, portanto, a prova da alteração da capacidade psicomotora em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.

Ademais, observada a ordem Constitucional vigente, não tem sentido lógico ou jurídico imaginar que o Contran ou outro órgão administrativo qualquer possa expedir, validamente, ato normativo que tenha por objeto disciplinar matéria relacionada à prova no processo penal. Falta competência para tanto àquele órgão.

Harmonizadas as disposições contidas nos §§ 1º e 2º, o que se extrai do atual regramento é que:

Inciso I: A alteração da capacidade psicomotora será presumida e restará provada para fins penais se, independentemente de qualquer conduzir anormal ou aparência do agente, for constatada em exame de dosagem concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar.

Neste caso, mesmo que em razão de sua particular condição física e capacidade de resistência aos efeitos do álcool o investigado não demonstre sinais visíveis de embriaguez, se for constatada a presença de concentração de álcool apontada no inc. I do § 1º deverá ser instaurada a persecução penal, tal como ocorria no período em que vigente a redação típica determinada pela Lei n. 11.705, de 19-6-2008.

Inciso II: Ainda que o investigado não se submeta a qualquer tipo de teste de alcoolemia, a alteração da capacidade psicomotora poderá ser demonstrada, para fins penais, mediante gravação de imagem em vídeo, exame clínico (visualmente feito por expert e depois documentado), prova testemunhal ou qualquer outro meio de prova lícita.

Neste caso, não se trata de provar que o agente tenha conduzido o veículo automotor de maneira anormal (fazendo zigue-zague ou outra manobra perigosa, por exemplo), pois o crime é de perigo abstrato e por isso desnecessária tal verificação, mas de provar que ao ser abordado demonstrou estar com a capacidade psicomotora alterada.

A propósito, são sinais de alteração da capacidade psicomotora por ingestão de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência: andar cambaleante; falta de equilíbrio; voz pastosa ou agressividade associada ao hálito permeado de odor etílico, dentre outros.

Por fim, calha observar, conforme bem apreendido por Francisco Sannini Neto e Eduardo Luiz Santos Cabette que, “sem embargo do disposto no §2°, do artigo 306, de acordo com o Código de Processo Penal, sempre que a infração deixar vestígios, é indispensável a realização de perícia” (Lei n. 12.760/2012: a Nova Lei Seca. Disponível na internet em: http://jus.com.br/revista/texto/23321/lei-no-12-760-2012-a-nova-lei-seca).

Disso decorre afirmar que a prova técnica consentida sempre deverá ser tentada via realização de exames de alcoolemia ou teste do bafômetro, e só em caso de recusa do suposto autor do delito em se submeter a tais exames, o que irá resultar na ausência de prova pericial por impossibilidade de sua realização, é que esta poderá ser suprida por qualquer outro tipo de prova lícita, conforme se extrai dos arts. 158 e 167 do CPP.

5. Irretroatividade do atual art. 306, por configurar “lei mais severa”

A Lei n. 11.705, de 19-6-2008, deu redação mais branda ao artigo 306 do CTB, pois nele incluiu elementar que resultou em obstáculo à persecução penal (concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas), daí sua retroatividade para alcançar fatos praticados antes de sua vigência.

Ao contrário, a Lei n. 12.760, de 20-12-2012, retirou a elementar anteriormente grafada no art. 306, consistente na quantificação da dosagem alcoólica por litro de sangue, e com isso ampliou consideravelmente a possibilidade de se impor punição.

Não bastasse, antes, só se perfazia o crime do art. 306 do CTB quando a condução do veículo automotor se verificasse na via pública, sendo certo que tal elementar também foi retirada pela Lei 12.760, o que terminou por aumentar ainda mais a possibilidade de configuração do crime em testilha.

Disso resulta que a atual redação do art. 306 do CTB é mais severa em relação à anterior, e por isso a regulamentação que dele decorre não retroage para alcançar fatos praticados antes de sua vigência, conforme determina o art. 5º, XL, da Constituição Federal.

Por igual razão, para a prova dos crimes praticados antes da Lei n. 12.760 continua a ser indispensável exame pericial, porquanto imprescindível prova técnica que demonstre a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas, conforme entendimento predominante no STJ: REsp 1.111.566-DF, 3ª Seção, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, rel. p/ o acórdão Min. Adilson Vieira Macabu, j. 28-3-2012, DJe de 4-9-2012.

6. Considerações finais

Como advertiu Cesare Beccaria “uma boa legislação não é mais do que a arte de propiciar aos homens a maior soma de bem-estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência”.

E arrematou o ilustre jusfilósofo: “Desejais prevenir os crimes? Fazei leis simples e evidentes” (Dos delitos e das penas. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo, Hemus, 1983. p. 92).

 

Renato Marcão é membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em diversas Escolas do Ministério Público e da Magistratura. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP). Autor dos livros: Tóxicos (Saraiva); Curso de Execução Penal (Saraiva), Lei de Execução Penal anotada (Saraiva); Estatuto do Desarmamento (Saraiva), Crimes de Trânsito (Saraiva); Crimes contra a Dignidade Sexual (Saraiva); Prisões Cautelares, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Restritivas (Saraiva), dentre outros.

 


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