594 - Maioridade penal: diminuir resolve?
ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES - Juiz de Direito
Recentemente, outra vítima, um jovem com apenas 19 anos, tombou diante de um brutal assassinato cometido por um “menor” que iria completar 18 anos três dias depois do crime. Compartilho a dor desses pais que irão enterrar um filho, um medo que carrego comigo, como pai, diante desse clima de violência social, porque acredito que os mais jovens devem suceder os mais velhos na existência. Admito que, diante de uma notícia desse naipe, leio o estritamente necessário, porque faz aflorar meus instintos mais primitivos...
Entretanto, instigado por um erudito leitor que gentilmente me solicitou uma opinião sobre o assunto, lanço aqui algumas reflexões. E que cada um faça seu exame de consciência depois. Para a turma “bem pensante”, digo que um menor desajustado socialmente não é um potencial revolucionário em fase embrionária ou um fruto da árvore podre de nossas culpas pela omissão social das famílias desses “menores”: é uma pessoa que nasceu e cresceu num ambiente predisponente, mas não determinante, ao crime.
Um “menor” que pega uma arma para roubar um celular da vítima, em regra, tem pleno entendimento do caráter ilícito de sua conduta e é perfeitamente capaz de agir – ou não – conforme esse entendimento. As estruturas sociais que pervertem a sobrevivência social das famílias desses “menores” não são capazes de retirar por completo o elemento anímico – a vontade de infringir ou não a lei – do agente.
Sempre haverá um momento, por mais fugaz que seja, em que nossa vontade será chamada a dizer “sim” ou “não” para fazer aquilo que temos em mente. Seja bom ou mau. Não preciso de complicadas teorias sociológicas, nem de pesados tratados metafísicos para enxergar uma realidade que anos de jurisdição na infância e juventude me ensinaram. E, de certa forma, diminuíram alguns anos de minha vida.
Mas convém distinguir para separar: os tratados metafísicos confirmam minha experiência e as teorias sociológicas, em sua maioria, não passam de um exercício bem rasteiro de puerocentrismo indulgente. Indulgente com o “menor”, reduzido à uma espécie de coitado social de vontade nula. Inclemente com a vítima, a engrossar as estatísticas criminais. E esse fenômeno afetou até mesmo o ambiente eclesial: existe uma pastoral dos presos, apesar de as vítimas serem numericamente maiores. Parece piada pronta...
Qualquer redução no limite da maioridade penal deve ser fruto de uma política criminal que dê um claro rumo e um propósito definido ao direito penal, algo que passa, necessariamente, pelas ideias de justiça e de bem comum. Não pode ser fruto de periódicos surtos de clamor social, ainda que tais surtos sejam muito importantes para o legislador acordar para uma consciência do problema. Além disso, o Estado deve atuar nas áreas em que está ausente e que justamente são mais sensíveis ao problema da criminalidade juvenil: educação, saúde e segurança.
Desde a faculdade, na questão da maioridade penal, sempre defendi uma posição, digamos, mais “judicial”, o que torna esse debate de idade – 18, 16 ou 14 anos – inútil para mim. Esse limite deveria ser extinto, competindo ao magistrado, no caso concreto e segundo as circunstâncias pessoais do infrator, avaliar, com mecanismos interdisciplinares de apoio, sua imputabilidade penal e, caso afirmativo, condená-lo e submetê-lo à uma justa dosimetria penal, a partir da pena-base para o crime praticado e com a devida observância de fatores agravantes ou atenuantes. Pouco importa se o autor da violação tem oito ou oitenta anos.
Creio ser uma proposta avançada demais para uma sociedade que ainda não está preparada para isso e que, cada vez mais, é marcada a fogo pelo cálculo egoísta, pela superficialidade e pela exaltação materialista. Um ambiente assim gera condições predisponentes para a delinquência juvenil. Façamos nosso mea culpa.
Contudo, também é direito da sociedade cobrar a responsabilidade penal de qualquer pessoa a partir da idade em que já tiver conhecimento potencial da ilicitude e puder se comportar de acordo com este entendimento. Do contrário, a prevalecer o panorama atual, continuaremos a enterrar nossos filhos e, talvez, nossas esperanças. No mesmo túmulo. E, na lápide, restarão apenas as lágrimas: de tristeza, por uma vida ceifada estupidamente, e de injustiça, como efeito dessa iniquidade legal chamada maioridade penal. Com respeito à divergência, é o que penso.
André Gonçalves Fernandes é professor do IICS-CEU Escola de Direito e coordenador do IFE-Campinas (agfernandes@tjsp.jus.br).