612 - Suspensão dos direitos políticos é auto-executável



 
JEFERSON MOREIRA DE CARVALHO - Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo

 

 

Nos bancos acadêmicos, quando se estuda Direito Constitucional, logo de inicio deve-se estudar a aplicabilidade das normas constitucionais, e por isso o professor ensina que na Constituição existem as denominadas “normas de eficácia plena” e normas “sem eficácia plena”.

 

Ensina-se e aprende-se outras denominações, mas em síntese, normas de eficácia plena são aquelas normas constitucionais que tão logo promulgada a Constituição irradiam seus efeitos no sistema jurídico, isto é, a eficácia surge no momento da promulgação, e norma sem eficácia plena são aquelas que mesmo promulgada a Constituição, e estando elas em plena vigência não produzem efeito. Exige-se a elaboração de uma norma infraconstitucional para que elas tenham eficácia, para que elas produzam efeito.

 

Para ilustrar e fortalecer nossa afirmação temos a lição de Gilmar Ferreira Mendes e outros no sentido de que “consideram-se auto-executáveis as disposições constitucionais bastantes em si, completas e suficientemente precisas na sua hipótese de incidência e na sua disposição, aquelas que ministram os meios pelos quais se possa exercer ou proteger o direito que conferem, ou cumprir o dever e desempenhar o encargo que elas impõem; não auto-aplicáveis, ao contrário, são as disposições constitucionais incompletas ou insuficientes, para cuja execução se faz indispensável à mediação do legislador editando normas infraconstitucionais regulamentadoras” (in Curso de Direito Constitucional. 4ªed. Saraiva/IDP. 2009. SP. p.49/50).

 

Extremamente lúcido o ensinamento.

 

Vamos a uma situação concreta.

 

Dispõe o art. 15, III da Constituição Federal: É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão ou só se dará nos casos de: I-..., II-..., III- condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

 

Parece-nos, datissima maxima venia, que aquele cidadão que seja condenado criminalmente com decisão transitada em julgado, tem seus direitos políticos suspensos, por um mandamento constitucional, não cabendo a um ou outro Poder da União precisar decidir sobre esta suspensão.

 

A suspensão surge como um efeito da condenação, não havendo necessidade de decisão estranha aos autos da condenação criminal para que se dê a suspensão dos direitos.

 

Leciona José Afonso da Silva que “Pelo art. 15 já é fácil concluir que dependem de decisão judicial a perda dos direitos políticos consequentemente o cancelamento da naturalização e a suspensão em virtude de incapacidade civil absoluta e de condenação criminal, porque em todos esses casos a medida é consequência de outro julgamento. Vem como um efeito secundário da sentença” (in Comentário Contextual à Constituição. 8ªed.Malheiros. 2012. SP. p.236).

 

A simples leitura mostra que a suspensão dos direitos políticos em razão de uma decisão judicial criminal transitada em julgado se apresenta como mero efeito secundário. Isto é, a decisão judicial que impõe condenação criminal tem como efeito imediato a suspensão dos direitos políticos. Não há mais o que discutir. Não há mais o que decidir. Cumpre-se o mandamento constitucional.

 

Ainda cabe a pergunta: A norma constitucional que determina a suspensão dos direitos políticos pelo transito em julgado de sentença penal condenatória tem aplicação imediata, é norma de eficácia plena, é auto-executável?

 

O estudioso Alexandre de Moraes responde a questão demonstrando decisões do Supremo Tribunal Federal, nossa Corte Constitucional, ao transcrever ementas que afirmam a auto-aplicabilidade do art. 15, III da Constituição Federal.

 

“A norma inscrita no art. 15, III da Constituição reveste-se de auto-aplicabilidade, independendo, para efeito de sua imediata incidência, de qualquer ato de intermediação legislativa... (STF-1ªT-Ag. Rg. em RMS nº 22.470-7- Rel. Min Celso de Melo. Informativo STF, nº46)”.

 

Demonstra ainda outras decisões no mesmo sentido e precedentes (in Constituição do Brasil Interpretada, 6ªed. Atlas, SP, 2006, p. 601).

 

Da ementa transcrita parcialmente é possível interpretar que havendo condenação criminal transitada em julgado o efeito imediato é a suspensão dos direitos políticos, não havendo necessidade de qualquer outra decisão posto que a norma é de eficácia plena, não exige regulamentação infraconstitucional.

 

É a supremacia da Constituição.

 

Ainda, Uadi Lamêgo Bulos escreve que a suspensão dos direitos políticos “é a privação temporária dos direitos políticos ativo (votar) e passivo (ser votado)”.

 

Em seguida, leciona que deve haver a comunicação ao juiz eleitoral, pelo que se interpreta (in Direito Constitucional ao alcance de todos, Saraiva, SP, 2009, p.359).

 

Também, Vladimir Oliveira da Silveira e Mônica Bonetti Couto, no sentido de que “A Constituição atual não menciona a necessidade de edição de lei regulamentadora no que diz respeito a semelhante previsão, reconhecendo-se, assim, sua eficácia plena e aplicabilidade imediata de seu comando”. (in Direito Eleitoral e Processual Eleitoral- Temas Fundamentais. RT. SP. 2012.p 140).

 

A vista disso, havendo alguma condenação criminal transitada em julgado pelo Supremo Tribunal Federal de qualquer ocupante de cargo eletivo, data maxima venia, cabe apenas a Corte comunicar o juízo eleitoral quanto à suspensão dos direito políticos, e este juízo comunicar ao Poder Legislativo ou Poder Executivo corresponde que o condenado está temporariamente com os direitos políticos suspensos, e por consequência, ocorreu e perda do mandato por ausência de uma das condições de elegibilidade que é o pleno exercício dos direitos políticos (art. 14, $3º, II da Constituição Federal).

 

Cabe afirmar, para finalizar, que não é Poder Judiciário que está decidindo pela suspensão dos direitos políticos, mas sim a suspensão ocorre por um mandamento constitucional que os poderes da União ou do Estado não podem se furtar a cumprir.

 

Não cabe ao Poder Judiciário ou ao Poder Legislativo decidir se havendo uma condenação criminal transitada em julgado o condenado perde o cargo eletivo que exerce, pois é a ordem constitucional, escrita pelo legítimo Poder Constituinte, que determina claramente que havendo a condenação criminal transitada em julgado há a suspensão dos direitos políticos.

 

Com direitos políticos suspensos não é possível ocupar cargo público eletivo, por consequência dá-se a perda do eventual cargo ocupado.

 

Sujeito a todas as criticas jurídicas e politicas é o pensamento.

 

Jeferson Moreira de Carvalho é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, professor da Escola Judiciária Eleitoral Paulista e coordenador da Área de Direito Eleitoral da Escola Paulista da Magistratura.


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