615 - Desmatamento, programa de desenvolvimento (in) sustentável e a responsabilidade civil do Estado[1]

 

PAULO ERNANI BERGAMO DOS SANTOS - Auditor fiscal de tributos [2] [3]

 

 

Cada planta tem centenas de substâncias e
uma delas pode ser mais importante do que uma
galáxia

 

Otto R. Gottlieb

 

 

Resumo

 

No artigo que se apresenta, focalizar-se-á a responsabilidade civil do Estado pelos danos ambientais resultantes do contínuo desmatamento de nossas florestas, como a Floresta Amazônica, e o consequente desaparecimento massivo da biodiversidade desses ricos ecossistemas, levando ao desequilíbrio do meio ambiente - bem difuso essencial à sadia qualidade de vida. O dano ambiental se “concretiza” pelo dano causado à integridade do bem difuso ao qual a norma jurídica determina proteção, e cujo impacto atinge áreas para além da região objeto da depredação[4], como é o caso de dano ambiental decorrente de desmatamento de florestas (como se verá). Pretende-se assim demonstrar que o não cumprimento pelo Estado de sua obrigação constitucional de “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais (...)” (art. 225, I, Constituição Federal - CF) e de “proteger a fauna e a flora” (art. 225, IV, CF), no contexto da defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, impinge-lhe uma responsabilidade civil por ação ou omissão violadora dos consagrados princípios da “prevenção” e da “precaução” de direito ambiental - trazendo sérias conseqüências não só para a geração atual, mas também para as gerações futuras (art. 225, “caput”, CF). Será considerado o dano ambiental tanto em sua dimensão “material” como em sua dimensão “extrapatrimonial”, em consonância com o princípio da reparação integral do dano, para o que desponta a nobre missão do Ministério Público em agir em nome da coletividade.

 

Palavras-chave

 

Meio ambiente natural; desmatamento; dano ambiental; responsabilidade civil; Estado.

 

 

I. Introdução

 

 

Anualmente, são divulgados dados oficiais alarmantes sobre o desmatamento das Florestas brasileiras, o que, se por um lado condiz com o atendimento ao princípio constitucional da publicidade, por outro, emite uma tendência sobre o cumprimento pelo Estado de sua responsabilidade, também constitucional, em proteger a Floresta Amazônica e outros patrimônios nacionais, “dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente” (art. 225, § 3º, CF).

A edição desses dados, nos termos do Decreto n. 6.321/2007, art. 1º c/c art. 2º, é instrumento para subsidiar as “ações relativas à proteção de áreas ameaçadas de degradação e à racionalização do uso do solo, de forma a prevenir, monitorar e controlar o desmatamento ilegal”.

 

O que causa surpresa é que os dados anuais disponibilizados caminham no sentido de que o Poder Público não vem cumprindo adequadamente com sua responsabilidade; e mais, que o próprio Estado passa a assumir a frente de obras direcionadas ao espaço amazônico nacional, como noticia a Folha de São Paulo, em sua primeira página da edição de 12/10/2011, sem que se tenha com clareza o alcance, em termos de degradação ambiental, das medidas que se pretende tomar: “Amazônia vira motor de desenvolvimento” – num pacote de R$ 212 bilhões, para a construção de usinas hidrelétricas, obras de transporte, mineração, para a instalação de indústrias e de um corredor de exportação que trespassará os Estados do Amazonas, Pará e Maranhão, segundo uma “malha logística integrada por rodovias, ferrovias e hidrovias que reduzirão o custo de exportação”.

 

É a ocupação desenvolvimentista da Amazônia, escorada no Decreto 6.321, art. 8º [5], sob um enfoque, porém de décadas atrás, quando ainda não se falava em desenvolvimento sustentável e a economia clássica – que desconsiderava em seus cálculos o meio ambiente como “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” – era verdade absoluta.

 

A busca do desenvolvimento econômico ou mesmo a erradicação da pobreza ou a redução das desigualdades sociais, por mais relevantes que sejam, por si só, não autorizam a violação do equilíbrio do meio ambiente (é princípio da ordem econômica a defesa do meio ambiente)[6].

 

Têm-se como princípios norteadores do Direito Ambiental, o “princípio da prevenção”, pelo qual se deve dar prioridade à prevenção do dano ambiental, quando há certeza científica de que determinada medida trará consequências danosas ao meio ambiente, e o “princípio da precaução”, pelo qual, em havendo ameaça de danos graves e irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta “não deverá ser utilizada como razão para postergar a adoção de medidas eficazes para impedir a degradação do meio ambiente”[7]; ou, como bem sintetizado por Paulo Affonso Leme Machado: “na dúvida, opta-se pela solução que proteja imediatamente o ser humano e conserve o meio ambiente”[8], e nesses casos, deve haver a inversão do ônus da prova ao autor da medida potencialmente danosa, para que comprove que sua ação não implicará degradação do meio ambiente.

 

Como bem destaca o eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Antônio Herman Benjamin[9]:

 

“Firmando-se a tese – inclusive no plano constitucional – de que há um dever genérico e abstrato de não degradação do meio ambiente, inverte-se, no campo dessas atividades, o regime de ilicitude, já que, nas novas bases jurídicas, esta se presume até prova em contrário”.

 

O desmatamento que vem solapando esses ecossistemas e afetando sua biodiversidade desencadeia algumas consequências cientificamente certas e outras, cuja certeza científica, apesar de ainda não absoluta, aponta para um grande desequilíbrio do meio ambiente - não só pontualmente, no local “direto” do dano, mas expansível para outras regiões -, cuja ilicitude é presumida, até prova em contrário.

 

Destaca-se, portanto, o papel central do conhecimento científico nesse contexto, tanto como suporte a políticas públicas adequadas aos comandos constitucionais, como agente revelador do dano ambiental. O que já se declarava na “Declaração de Estocolmo” (1972), em seu Princípio 18: “Como parte de sua contribuição ao desenvolvimento econômico e social, a ciência e a tecnologia devem ser utilizadas para descobrir, evitar e combater os riscos que ameaçam o meio ambiente, para solucionar os problemas ambientais e para o bem comum da humanidade”[10].

 

A seguir, se fará referência aos direitos e interesses difusos e coletivos e abordar-se-á alguns conceitos de ecologia e aspectos conhecidos de como o desequilíbrio de um determinado ecossistema pode afetar outro ecossistema (zonas de transição entre ecossistemas, conhecidas como ecótonos), com transcrição de alguns dados sobre o desmatamento, e de como descobertas científicas sobre a biodiversidade brasileira não são suficientemente consideradas pelo tomador de macrodecisões.

 

Feita a abordagem mencionada, discorrer-se-á sobre aspectos econômicos, sobre desenvolvimento sustentável, para, então, focalizar-se especificamente os aspectos jurídicos da responsabilização civil do Estado pelos danos ambientais.

 

 

II. Direitos e interesses difusos e coletivos

 

 

A Revolução Francesa de 1789, diferentemente da Estadunidense, tinha como “motor” a instauração de uma nova ordem político-social mundial, fundada no tripé - “liberdade, igualdade e fraternidade”.  Liberdades civis e políticas (direitos de primeira dimensão; direitos “negativos”, i.é, garantidos pelo “não fazer” do Estado), igualdade material entre os homens (direitos de segunda dimensão; direitos “positivos”, i.é, garantidos por um “fazer” do Estado - direitos sociais), fraternidade (solidariedade) entre os homens (direitos de terceira dimensão; direito à autodeterminação e à proteção do meio ambiente), que paulatinamente foram sendo incorporados à ordem jurídica internacional.

 

Os direitos e interesses difusos são direitos de terceira dimensão, ligados à “solidariedade”. Dentre eles se destaca o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com vistas a propiciar uma sadia qualidade de vida a todos.

 

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina[11].

 

São direitos que, ao lado dos direitos civis e políticos, sociais e culturais, tem na dignidade da pessoa humana seu valor-fonte e estão consignados em diversas declarações e tratados internacionais, numa rede internacional, regional e nacional de proteção aos direitos humanos, formada a partir do final da 2ª Guerra Mundial.

 

Com a Declaração Universal de 1948, após os horrores do nazismo, introduz-se a concepção contemporânea de direitos humanos, caracterizada pela sua natureza universal e indivisível. “Universal” no sentido de que todo ser humano, somente por ser pessoa, é sujeito de direitos (o que está expresso na Declaração de Viena de 1993, logo em seu artigo 1º, combinado com o artigo 5º); “indivisível”, tendo em vista que a garantia dos direitos civis e políticos dão substrato para a garantia dos direitos sociais, e ambos, aos direitos difusos e coletivos, e vice-versa, o que leva também a outra característica destes direitos: sua interdependência. É o que dispõe expressamente a Declaração de Viena de 1993, ao declarar em seu § 5º que todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados.

 

E no que concerne à efetividade dos direitos humanos fundamentais, a norma que prevalece, em caso de conflito entre o ordenamento jurídico interno dos Estados e as normas internacionais, é aquela mais favorável ao sujeito de direito. Como conseqüência, a soberania nacional se relativiza já que, sendo a proteção aos direitos humanos uma questão internacional, os Estados nacionais podem vir a sofrer intervenções internacionais em caso de desrespeito a estes direitos; ao mesmo tempo, se afigura a noção de que o ser humano é sujeito de direitos internacionalmente protegidos.


A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, § 1º, ao dispor que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, “constitui, na verdade, um plus agregado às normas definidoras de direitos fundamentais, que tem por finalidade justamente a de ressaltar sua aplicabilidade imediata independentemente de qualquer medida concretizadora”
[12], assegurando assim essa efetividade.

 

Importante ressaltar que o interesse do Estado e demais pessoas de direito público interno não corresponde necessariamente ao interesse público. O Estado desponta tanto como ‘a’ entidade garantidora dos interesses públicos, correspondentes à “dimensão pública dos interesses individuais”[13] ou ao “interesse da sociedade ou da coletividade como um todo”[14] (interesse primário), como pessoa jurídica em busca de seus interesses particulares (interesse secundário) que, neste caso, não se confundem com o interesse público. Ou seja, nem toda conduta do Estado é, por si só, reflexo do interesse público ou consentâneas com o interesse da coletividade, caso em que a ordem jurídica disponibiliza meios de tutelar o interesse público quando lesado pelo Estado. “A figura do Estado como empreendedor traz a lume o paradoxo da situação em que o Estado, simultaneamente, empreende atividades econômicas, ou de cunho social, mas potencialmente lesivas, pelo que é responsável pela situação de risco ambiental generalizada”[15].

 

No estudo pioneiro de Mauro Capeletti (década de 1970), fez-se crítica à bipolaridade entre “público” e “privado” que restringia o processo a duas partes e seus interesses individuais próprios, deixando de lado tanto a tutela de bens de titularidade indeterminada como a defesa dos interesses que, do ponto de vista individual, se afiguravam economicamente inviáveis. “A partir dessa fase passou a ser desenvolvida a doutrina que identificava a existência de interesses que se referem a uma categoria de pessoas consideradas em sua unidade, e não na fragmentação individual de seus componentes”[16].

 

São os denominados direitos coletivos lato sensu, que compreendem os direitos difusos, os direitos coletivos em sentido estrito e os direitos individuais homogêneos (ou acidentalmente coletivos).

 

Os direitos difusos são os direitos transindividuais (pertencentes a diversos indivíduos concomitantemente) de natureza “indivisível”, cujos titulares são indetermináveis e que se encontram unidos não por uma relação jurídica base, mas por uma relação de fato, ao passo que os direitos coletivos em sentido estrito, apesar de também transindividuais, tem seus titulares indeterminados, mas determináveis, além de ligados entre si (os sócios de uma sociedade empresária, por exemplo), ou com a parte contrária (os contribuintes de um mesmo imposto), por uma relação jurídica base – anterior à lesão. Os direitos individuais homogêneos são direitos individuais que tomam uma dimensão coletiva como conseqüência da lesão ou ameaça de lesão a esses direitos (a relação jurídica se configura após o fato lesivo).

 

A Constituição Federal de 1988 (CF), art. 225, “caput”, alçou o meio ambiente ecologicamente equilibrado a direito público subjetivo (bem de uso comum do povo), “exigível e exercitável em face do próprio Estado, que também tem a missão de protegê-lo”. Um bem “não suscetível de apropriação, disposição ou destruição, mas de uso comum do povo, de fruição difusa e essencial à sadia qualidade de vida”[17], que deve ser protegido para as presentes e futuras gerações, e para cuja proteção nosso ordenamento cuidou de disponibilizar uma série de instrumentos que cuidam de sua tutela judicial: a ação direta de inconstitucionalidade, o mandado de segurança coletivo, a ação popular e a ação civil pública, por exemplo.

Como explicita Edis Milaré[18]:

 

“[...] cria-se para o Poder Público um dever constitucional, geral e positivo, representado por verdadeiras obrigações de fazer, isto é, zelar pela defesa (defender) e preservação (preservar) do meio ambiente. Não mais tem o Poder Público uma mera faculdade na matéria, mas está atado por verdadeiro dever. Quanto à possibilidade de ação positiva de defesa e preservação, sua atuação transforma-se de discricionária em vinculada. Sai da esfera da conveniência e oportunidade para se ingressar num campo estritamente delimitado, o da imposição, onde só cabe um único, e nada mais que único, comportamento: defender e proteger o meio ambiente”.

 

 

III. Meio ambiente “natural”: bem difuso

 

 

Em termos genéricos, “ambiente” pode ser conceituado como “qualquer conjunto de coisas, forças ou condições em relação com algo que existe ou ocupa um lugar”[19]; “meio”, como sinônimo de “ambiente”[20].

 

No que toca, porém, a “meio ambiente” tal como inserto na Constituição brasileira de 1988, artigo 225, “caput”, algumas considerações apresentam relevo jurídico.

 

Há autores de nomeada que, diante da amplidão do conceito de meio ambiente, a ele se referem como um “conceito jurídico indeterminado”, propositalmente nessa condição colocado pelo legislador com a intenção de criar um espaço positivo de incidência da norma, pois “ao revés, se houvesse uma definição precisa do que seja meio ambiente, numerosas situações, que normalmente seriam inseridas na órbita atual do conceito de meio ambiente, poderiam deixar de sê-lo”[21].

 

Os conceitos jurídicos indeterminados são conceitos vagos, fluidos ou imprecisos, tais como “fim público”, “interesse público”, “tranqüilidade pública”, “desenvolvimento nacional”, “pluralismo político”; porém, não são abertos de forma ilimitada, e que, incluídos no texto da norma jurídica a ser aplicada, devem ser entendidos contextualmente, ou seja, em função, dentre outros fatores, “do plexo total de normas jurídicas, porque ninguém interpreta uma regra de Direito tomando-a como um segmento absolutamente isolado”[22].

 

Há norma a nível constitucional (art. 225, “caput”, Constituição Federal - CF), que de pronto remete “meio ambiente” a “bem de uso comum do povo”, “essencial à sadia qualidade de vida”, “direito de todos”, bem “ecologicamente equilibrado” e protegido e preservado “para as presentes e futuras gerações”. Isto é, meio ambiente é: (i) um bem que serve a todos os membros da sociedade; (ii) um bem essencial para proporcionar uma qualidade de vida saudável à coletividade; (iii) um bem cujo acesso é um direito de toda a coletividade de pessoas indefinidas; (iv) um bem que deve permanecer em equilíbrio ecológico; e (v) um bem que deve ser protegido e preservado para que os membros da geração presente e das gerações futuras possam usufruir de uma saudável qualidade de vida.

 

Sem precisar adentrar nos incisos do artigo 225 (CF), observa-se que dos aspectos apontados, dois sobressaem-se como “pontos-chave” que aclaram o conceito de “meio ambiente” e seu atributo de “bem” de natureza difusa: mantê-lo ecologicamente equilibrado e sua relevância para a “concretização” do direito à sadia qualidade de vida.

 

Apesar de haver certo antropocentrismo nos demais aspectos, esses dois pontos podem ser considerados como uma ponte para uma visão “holística” de meio ambiente.

 

Primeiro, por que ao se pretender um meio ambiente ecologicamente equilibrado, obriga-se a se tratar com conceitos não só econômicos, mas também com conceitos e funções ecológicas e de outras disciplinas relacionadas ao tema, tais como biologia, geografia, química, energia etc., num âmbito transdisciplinar.

 

Segundo, o vínculo dinâmico entre meio ambiente ecologicamente equilibrado e a garantia de uma sadia qualidade de vida se dirige não só à vida humana, mas à vida em geral.

 

Se há necessidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, isso inclui necessariamente o equilíbrio que contemple a flora, a fauna, as águas, a terra e o ar. Situação essa que se reflete também no conceito do que seja “desenvolvimento sustentável”, que será abordado mais à frente.


A expressão “meio ambiente”, para o eminente José Afonso da Silva, é definida como: “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas
[23]. Tal definição é um plus da definição de “ambiente”– entendido este como “um conjunto de elementos naturais e culturais” -, no sentido de que “meio ambiente” engloba também as interações dos elementos formadores do “ambiente”.

 

O “meio ambiente” seria então formado de aspectos “cultural” (patrimônio histórico, por exemplo), “artificial” (espaço urbano construído) e “natural” (solo, água, ar, flora, fauna) – este último, o foco deste trabalho.

 

A Lei 6.938/81, que dispõe sobre a “Política Nacional do Meio Ambiente”, em seu artigo 3º, define meio ambiente sob seu aspecto “natural”, como sendo o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. A degradação do meio ambiente “natural” corresponde à degradação ambiental, ou dano ambiental (desmatamento, poluição, degradação do solo), a ensejar a responsabilização em tela.

 

Conforme Marcelo Abelha[24]:

 

“Numa escalada, pode-se dizer que se protegem os elementos bióticos e abióticos e sua respectiva interação, para se alcançar a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, porque este bem é responsável pela conservação de todas as formas de vida. Possui importância fundamental a identificação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como sendo bem autônomo e juridicamente protegido, de fruição comum (dos elementos que o formam,) porque, em última análise, o dano ao meio ambiente é aquele que agride o equilíbrio ecológico, e uma eventual reparação deve ter em conta a recuperação desse mesmo equilíbrio ecológico”.

 

 

IV. Ecossistema - biodiversidade

 

 

O termo ecologia foi primeiramente cunhado pelo biólogo Ernst Heinrich Haeckel em 1866, tendo por substrato os radicais gregos oikos (casa) e logia/logos (estudo), tendo desde então sido usado em uma série de outras conotações, de maneira a “ganhar novos parâmetros científicos, em intercâmbio com outros saberes teóricos e práticos, de modo que hoje ela comporta especializações interdisciplinares”[25].

 

O estudo moderno da ecologia (“estudo da vida em casa”) está associado ao conceito de níveis de organização relativos à interação entre componentes vivos (bióticos) e não vivos (abióticos) em determinado espaço – do nível do organismo (genes -> células -> órgãos -> organismo) aos níveis ecológicos situados além do organismo (população -> comunidade -> ecossistema -> paisagem -> bioma -> ecosfera).

 

Numa análise top-down sistemática dos níveis de organização ecológica, parte-se do sistema ecológico de maior nível, que inclui todos os organismos vivos da Terra em sua interação com o meio físico como um todo (ecosfera), passando a um grande sistema regional ou subcontinental, em que uma determinada característica físico-estrutural prepondera, como, por exemplo, a vegetação (bioma), em seguida, a um conjunto de ecossistemas em interação (“paisagem”), para se chegar à primeira unidade dessa cadeia de organização que tem “todos os componentes (biológicos e físicos) necessários para sua sobrevivência”[26] (ecossistema). O conjunto de populações que ocupam determinada área é denominado “comunidade”; e um grupo de indivíduos, de qualquer tipo de organismo, forma uma “população”.

 

Termo proposto pela primeira vez pelo ecólogo Arthur Tansley (1935), ecossistema traz em seu bojo a idéia de um “sistema aberto” inserido num ambiente externo, com entradas e saídas, numa interação entre organismos e ambiente físico na forma: “comunidade - fluxo de energia e ciclagem de materiais”.

 

E “além dos fluxos de energia e dos ciclos de material (...) os ecossistemas são ricos em rede de informação, incluindo fluxos de comunicação físicas e químicas que ligam todas as partes e dirigem ou regulam o sistema como um todo”; vivem em processo de “preservação evolutiva” de alteração de seus ciclos de energia, de materiais e de retroalimentação, em homeorese (de homeo = “mesmo” e rhesis = “fluxo” ou “pulso”), diferentemente do modelo concebido por Norbert Wiener (1948), no qual o “sistema máquina” permanece em homeostase - “propriedade autorreguladora de um sistema ou organismo que permite manter o estado de equilíbrio de suas variáveis essenciais ou de seu meio ambiente”[27]. “O equilíbrio natural – lembra H. Friedel – não é como o de uma balança imóvel, carregada de pesos iguais repartidos entre os dois pratos. É antes o equilíbrio de um pêndulo, com oscilações regulares”

[28].


Por meio de desmatamento, modifica-se esse estado de homeorese dos ecossistemas, alterando-se o fluxo de energia, o ciclo de materiais (nutrientes) e a rede de informações, que terminam por serem “processados” de forma não consentânea com o fluxo de sua modificação “estável” ao longo do tempo. Essa alteração, porém, não fica restrita a esse sistema, mas repercute em outros ecossistemas por meio do ecótono, área que exerce uma função de conexão entre os canais subterrâneos que unem as plantas.

 

O ecótono está previsto na própria legislação ambiental brasileira, mais especificamente, na Resolução nº 12/1994 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que o define como:uma zona de contato ou transição entre duas formações vegetais com características distintas. É “criado pela justaposição de diferentes habitats ou tipos de ecossistemas. O conceito pressupõe a existência de interação ativa entre dois ou mais ecossistemas”[29].

 

Por meio de imagens de satélite, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) detectou em um estudo específico a existência de três ecótonos no país: o ecótono do Cerrado-Amazônia que representa 4,85 % do território brasileiro; o ecótono Caatinga-Amazônia, que corresponde a 1,7% de nosso território; e o ecótono Cerrado-Caatinga, que corresponde a 1,3% do território nacional[30].

 

Há grande riqueza biológica entre os biomas do Cerrado e da Amazônia, área conhecida como “corredor Ecótono Sul-Amazônico”. Nessa região incidem espécies endêmicas, entre elas os macacos Sagui. A região abrange o sul do Estado do Pará, sudeste do Amazonas, norte do Mato Grosso e trechos ao leste de Rondônia e oeste de Tocantins [31].

 

A área nuclear ou core do Cerrado está distribuída, principalmente, pelo Planalto Central Brasileiro, nos Estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, parte de Minas Gerais, Bahia e Distrito Federal, abrangendo 196.776.853 ha. Há outras áreas de Cerrado, chamadas periféricas ou ecótonos, que são transições com os biomas Amazônia, Mata Atlântica e Caatinga[32]. (grifo nosso)

 

Observa-se também que essa “zona de transição” entre biomas apresenta uma “grande variedade de diversidade”[33], reunindo espécies pertencentes a biomas diferentes: “(...) os ecótonos mantêm o ecossistema. Se essas áreas são invadidas, quem vai sofrer são os ecossistemas que os cercam. Iniciar atividades de agricultura e pecuária nessas regiões de turbulência é extremamente lastimável"[34].

 

Os desmatamentos para a criação de grandes latifúndios agropecuários substituiu a floresta por pastagens e empobreceu grandes extensões de solos. Projetos como Grande Carajás e Jari, a exploração mineral e hidrelétricas são fontes de grandes impactos ambientais de âmbito regional[35].

 

Esses desmatamentos destruíram grande contingente de espécies, cujo impacto atual e futuro é extremamente grave; em 2005, quase 3 bilhões de espécies vegetais foram devastadas na Amazônia, perda irreparável quando se considera que “apenas uma árvore pode abrigar duas mil espécies distintas de insetos”, por exemplo. Só para se ter uma pálida ideia das riquezas que estão sendo perdidas: “em cada hectare de floresta são encontradas três jararacas. Se o veneno delas for extraído e purificado, o lucro é 20 vezes maior do que a Amazônia consegue com a cultura de soja”[36].


O Brasil detém 30% da quantidade de florestas do mundo, concentrando de 10 a 20% de toda a riqueza biológica já catalogada no mundo, e, desse percentual, somente cerca de 1% “foi objeto de estudos quanto ao seu potencial enquanto recurso genético”
[37]. “Cada espécie é um depósito de uma imensa quantidade de informações genéticas. O número de gens vai de cerca de 1.000 nas bactérias e 10.000 em alguns fungos até 400.000 ou mais em muitas plantas com flores e alguns animais”[38].

 

As queimadas ocupam posição relevante nesse cenário de perdas, não só no que concerne à biodiversidade da Amazônia, mas também por representarem em torno de 74% das emissões brasileiras de gases estufa, contribuindo para o aquecimento global; ainda, alteram a ciclagem e deposição de nutrientes. “Negar, nessa altura, os malefícios dos bilhões de toneladas de gases de efeito estufa (com os custos associados), parece atitude despida de mínima cientificidade”[39].

 

No caso do Brasil, a principal fonte de emissão de CO2 é a destruição da vegetação natural, com destaque para o desmatamento na Amazônia e as queimadas no cerrado, englobadas na atividade “mudança no uso da terra e florestas”. Esta atividade responde por mais de 75% das emissões brasileiras de CO2, sendo a responsável por colocar o Brasil entre os dez maiores emissores de gases de efeito estufa para a atmosfera[40].

 

Um estudo por modelos computacionais realizado pelo geólogo brasileiro Britaldo Silveria Soares, e publicado na revista Nature, mostra que “se os processos de ocupação amazônica continuarem como são hoje, com asfaltamento, por exemplo, das rodovias que ligam Porto Velho a Manaus ou Cuiabá a Santarém, em 2050 teríamos o desmatamento de 50% da Floresta Amazônica com emissão de 33 pentagramas  de carbono” (na época em que o estudo foi publicado, 2005, a emissão de todos os processos por queima de combustíveis fósseis era de 6 a 7 pentagramas de carbono)[41]. Ainda, já se alertava, em 2008, que a pavimentação da rodovia Porto Velho-Manaus não seria uma solução benéfica em termos de redução dos custos de transporte de carga, e ainda deslocaria processos e atores do arco do desmatamento para a Amazônia Central[42]. Como se sabe, essas rodovias estão sendo pavimentadas, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

 

Hoje, o bioma Amazônia é o exemplo mais flagrante dessa tendência de desmatamento. (...) Na maior bacia hidrográfica e maior floresta tropical da Terra, a supressão de florestas concentra-se no chamado arco de desmatamento, área que abrange o sudeste do Maranhão, o norte do Tocantins, o sul do Pará, o norte do Mato Grosso, Rondônia, o sul do Amazonas e o sudeste do Acre. Nos últimos cinco anos a devastação acelerada aproxima-se dos índices alcançados nos anos de 1980, considerados a “década de fogo”, e já atinge 16% do bioma (INPE). Os motivos são muito claros: a pecuária, responsável por cerca de 80% da área desmatada na Amazônia Legal; a expansão de áreas agrícolas, principalmente a soja mecanizada, com crescimento de 57%; a indústria madeireira, que segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, em 2004 consumiu 24, 5 milhões de metros cúbicos em toras, ou o equivalente a 6,2 milhões de árvores, sem citar os grandes empreendimentos hidrelétricos[43].

 

Como foi colocado nos debates da 58ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)[44], “as queimadas a leste da floresta (Amazônica) podem alterar a estrutura das nuvens a oeste (...) as queimadas da Amazônia podem influir em regiões ainda mais distantes (...). As grandes nuvens de fumaça chegam a atravessar o oceano, provocando impacto na temperatura de regiões ainda mais remotas”. Em agosto de 2010, 80% dos focos de queimadas situavam-se na Amazônia Legal (Região Norte do Brasil, Mato Grosso e parte do Maranhão)[45].

 

 Nesse ponto, cabe registrar que, a despeito de haver controvérsia sobre o significado do termo “biodiversidade”, a Convenção Sobre a Diversidade Biológica a define como (definição equivalente na Lei 9.985/2000, art. 2º, III): “a variabilidade entre organismos vivos de qualquer origem, incluindo, entre outros, ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos, e os complexos ecológicos de que fazem parte; isto inclui diversidade dentro das espécies, entre espécies e de ecossistemas[46]. Ou, mais simplesmente, “vida”[47].

 

A diversidade dentro das espécies se refere à “variação encontrada entre diferentes indivíduos e populações dessa espécie”[48] (equivalente à diversidade genética entre os indivíduos). A diversidade entre espécies indica a variedade de espécies existente em um determinado ambiente. A diversidade entre ecossistemas tem sido “tratada como correlacionada com a diversidade de fisionomias de vegetação, de paisagens ou de biomas”[49].

 

O principal instrumento para o conhecimento da diversidade biológica é a “taxonomia”, cujo introdutor moderno foi Lineu (1735), e que tem como fonte de classificação a variação morfológica e geográfica da espécie.

 

O Cerrado brasileiro é reconhecido como a savana mais rica do mundo em biodiversidade com a presença de diversos ecossistemas, riquíssima flora com mais de 10.000 espécies de plantas, com 4.400 endêmicas (exclusivas) dessa área. A fauna apresenta 837 espécies de aves; 67 gêneros de mamíferos, abrangendo 161 espécies e dezenove endêmicas; 150 espécies de anfíbios, das quais 45 endêmicas; 120 espécies de répteis, das quais 45 endêmicas; apenas no Distrito Federal, há 90 espécies de cupins, mil espécies de borboletas e 500 espécies de abelhas e vespas. (...)[50].

 

Assim, o Cerrado, por exemplo, ocupa certo espaço geográfico, e as espécies de fauna e flora desse espaço são quantificadas de acordo com sua morfologia.

 

Ocorre que a classificação taxonômica usualmente utilizada, essencialmente descritiva, não considera um aspecto nuclear da biodiversidade: a química das plantas, estudada na disciplina “fitoquímica”, que teve como um de seus iniciadores o cientista brasileiro, Otto Richard Gottlieb, indicado para o Prêmio Nobel de Química de 1999 pelo desenvolvimento de um novo sistema de classificação das plantas, a partir de suas características químicas - a “taxonomia química” ou “quimiossistemática” -, o que enriqueceu sobremaneira o entendimento do que seja biodiversidade e que pode servir de importante instrumento para análise da extensão do dano ambiental advindo do desmatamento das florestas brasileiras.

 

“Se o naturalista sueco Carl von Lineu criou um método, ainda utilizado, para organizar as plantas a partir desses aspectos externos, Otto Gottlieb mostrou como identificar as plantas por dentro, diferenciando suas micromoléculas"[51]. Parece até intuitivo que a riqueza das plantas não se resume à sua forma, mas aos seus aspectos internos, integrando seu metabolismo à sua morfologia e à ecogeografia.

 

Sem adentrarmos com mais profundidade no método desenvolvido pelo respeitado cientista brasileiro, a “taxonomia química” permite constatar que até mesmo numa mesma espécie de planta são produzidas substâncias diferentes, dependendo do estágio de sua vida ou do ambiente em que está ela inserida, o que abre caminho a diversas possibilidades de aplicação, como, por exemplo: o mapeamento da composição química das plantas; a avaliação quantitativa do potencial químico de uma área; a possibilidade de medida da biodiversidade; a previsão da tendência de hábitos das plantas; e a quantificação da biodiversidade[52].

 

Gottlieb inventou um índice para medir a biodiversidade dos ecossistemas brasileiros, como a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica e o Cerrado. Descobriu ainda substâncias de grande importância para a medicina, como as neolignanas, que têm efeitos comprovados contra a doença de Chagas e propriedades anti-inflamatórias. Nesses anos de estudo, percorreu o Brasil de norte a sul, na maior parte das vezes em condições adversas, analisando a variedade de substâncias vegetais presentes na natureza. Apesar de tanto trabalho, ele ainda acha que há muito a fazer. "Só analisamos 0,4% das plantas floríferas, faltam mais de 99%"[53].

 

Quando eleito Membro da International Academy of Wood Scientist, sediada nos EUA, consta do parecer favorável a sua eleição, dentre outras passagens: “O Dr. Gottlieb é indubitavelmente um dos mais importantes, senão o mais importante dos químicos do mundo dedicados aos estudos dos produtos naturais” (...) “as suas pesquisas contribuíram extraordinariamente para o conhecimento químico das árvores, o seu desenvolvimento evolutivo e os caminhos bioquímicos da síntese de diferentes espécimes”[54].

 

Dentre os princípios da Política Nacional de Biodiversidade, expressos no Decreto 4.339/2002 - fundamentado nos compromissos assumidos pelo país ao assinar a Convenção sobre Diversidade Biológica, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) que foi promulgada pelo Decreto n. 2.519/1998 -, cita-se: “a diversidade biológica tem valor intrínseco, merecendo respeito independentemente de seu valor para o homem ou potencial para o ser humano” (2, I).

 

 

V. Economia e meio ambiente

 

 

Interessante notar que o vocábulo “economia” e o termo “ecologia” derivam ambos do grego oikos, que significa “casa”. Como nomia significa “gerenciamento”, economia é o “gerenciamento da casa”, enquanto ecologia é o “estudo da vida em casa”.

 

Há, portanto, uma ligação entre essas áreas de estudo, que não foi ainda suficientemente “amalgamada”, que é o se imagina pretender quando se fala em “desenvolvimento sustentável”.

 

A economia (neo) clássica não considera o meio ambiente em seus cálculos, se limitando aos aspectos econômicos e monetários, numa visão utilitarista de curto prazo e que não inclui aspectos sociais e ambientais – já que esses não são valorados em termos monetários. Deixa, portanto, de considerar aspectos científicos ligados à Natureza e fecha-se em si mesma, propugnando pelo crescimento econômico e pela lucratividade[55]. “É evidente que, embora o crescimento econômico conduza geralmente a danos ambientais (...), o melhor (...) caminho para que a maioria dos países venha a ter um ambiente decente é que estes se tornem ricos”[56].

 

É a “visão padrão” da questão ambiental, como observa David Harvey[57], em que o meio ambiente não pode ser obstáculo ao desenvolvimento econômico e o dano ambiental, caso venha a ocorrer, só deverá ser tratado a posteriori – o foco, portanto, recai na restauração do dano.

 

Num segundo momento, a economia passa a considerar algumas “externalidades” que surgem “sempre que a atividade econômica de indivíduos ou organizações gera um subproduto que afeta o bem-estar ou as possibilidades produtivas de outros agentes econômicos sem a devida compensação”. Isto é, permanece a prevalência dos aspectos econômico e monetarista, mas se passa a considerar, embora em segundo plano, algumas imperfeições do mercado, tais como os aspectos ambientais.

 

Não é a contenção da degradação do meio ambiente, por ele mesmo, que é priorizada, mas os efeitos “negativos” que essa degradação gera ao bem-estar dos indivíduos na forma de “doenças, ansiedade, stress, e à deterioração dos fatores de produção das firmas e também do meio ambiente”[58]. A degradação ambiental é tida como uma “externalidade negativa”, que tem como causa “o fato de o meio ambiente prover recursos, bens e serviços que são de propriedade comum”[59]; o enfoque (neo) clássico se amplia para “internalizar” o que antes lhe era externo, procurando atenuar os efeitos da degradação do meio ambiente por intermédio de estudos de impacto ambiental, licenciamento ambiental, sistema de cotas de extração de recursos naturais, tributação, venda de cotas de poluição etc.

 

É a denominada “economia ambiental” que:

 

Tem um enfoque majoritariamente reducionista e desconsidera o caráter dinâmico das interações ecossistêmicas e suas interfaces com o sistema econômico. Seu instrumental analítico se preocupa basicamente com o bem-estar dos indivíduos e com a alocação ótima dos recursos. Questões de sustentabilidade não são necessariamente satisfeitas e os conceitos de escala ótima e distribuição justa assumem um papel secundário em sua análise. O meio ambiente é visto como neutro e passivo e não representa um obstáculo ao crescimento econômico[60].

 

A “internalização” de custos ambientais está, inclusive, expressa no Decreto 4.339/2002, tanto no princípio do “poluidor-pagador” (Anexo, 2, IX), como na diretriz de que “os  ecossistemas devem ser entendidos e manejados em um contexto econômico, objetivando (...) internalizar custos e benefícios em um dado ecossistema o tanto quanto possível” (Anexo, 2, XVII, ‘c’), o que se choca frontalmente com o princípio do valor intrínseco da diversidade biológica anteriormente mencionado.

 

Se a poluição produz efeitos sobre a diversidade biológica, e se é aceitável o dano realizado sobre ela - desde que com a respectiva “compensação” financeira -, seu valor intrínseco está sendo relativizado como mera “externalidade” (positiva ou negativa); ou ainda, se os ecossistemas, compostos que são de diversidade biológica, devem servir ao contexto econômico, inverte-se o sentido de valores, de forma que o valor intrínseco da diversidade biológica fica refém do contexto (e valor) econômico. Segundo Stöhr[61]: “alguns ambientalistas usam o termo ‘valor intrínseco’ (...) para prescrever o valor que uma entidade possui em si (...) é então considerado como um fim em si mesmo, independentemente de sua possível utilidade para outras entidades”.

 

Eis aí uma das razões pela qual está a se discorrer também sobre aspectos econômicos. Algumas normas jurídico-ambientais da legislação pátria apresentam certas contradições de fundo, que se tornam mais claras quando sob cruzamento de elementos “geoquímico-biológicos”, econômicos e jurídicos, por exemplo.

 

A Natureza tem suas regras próprias, independentemente dos modelos abstratos da economia, e não se amolda à maneira como o modelo econômico (neo) clássico, e sua “variante” ambiental, a coloca.

 

A racionalidade utilitarista não guarda compromisso com a racionalidade subjacente à idéia de Sustentabilidade. Como decorrência, observa-se uma não-correspondência entre o “uso ótimo” (ótimo social intertemporal) determinado pela otimização neoclássica e o “uso sustentável”, os quais em última instância são categorias que atendem a critérios distintos: o de eficiência e o de equidade, respectivamente[62].

 

Nesse cenário, torna-se relevante, portanto, conhecer em mais profundidade o meio ambiente e seu funcionamento, ao invés de destruí-lo antes mesmo de conhecê-lo – donde o papel relevante da ciência nesse processo e, por conseqüência, na viabilização do “aproveitamento sustentável dos recursos”[63]. O homem “faz parte da natureza e está presente nos diferentes ecossistemas brasileiros há mais de dez mil anos, e todos estes ecossistemas foram e estão sendo alterados por ele em maior ou menor escala” (Decreto n. 4.339/2002, Anexo, 2, XI).

 

“Esto significa que por el momento se deberá mejorar la aplicación de los conceptos básicos de la teoría económica vigente incorporando seriamente la dimensión ambiental. En forma operativa significa mejorar la valorización de recursos naturales, aumentar fuertemente las inversiones en conocer cómo funcionan los sistemas naturales de producción, conocer mejor cuales son los recursos naturales disponibles, mejorar los sistemas de gestión de los recursos naturales renovables antes de intervenirlos, mejorar los sistemas de tratamiento de contaminantes y otros similares”[64].

 

No contexto da dimensão global que a preocupação com o meio ambiente tomou, tornou-se imperioso que também a economia acompanhasse as mudanças de pensamento que ocorreram a partir dos anos 1970, principalmente no que tange à utilização predatória do meio ambiente pelo ser humano; uma visão para além do ideário clássico, que permitisse uma relação mais estreita entre "economia", "economia ambiental" e "ecologia".

 

Essa urgência impeliu a um modo de pensar a economia como um subsistema aberto dentro de um ecossistema finito, no que se denominou “economia ecológica”. Tem ela natureza transdisciplinar: “a economia ecológica vai além de nossas conceituações normais das disciplinas científicas e tenta integrar e sintetizar muitas perspectivas disciplinares diferentes”[65].

 

“Sus principios éticos –equidad intergeneracional, justicia social y sustentabilidad– y fundamentos metodológicos –multidisciplinariedad, apertura histórica y pluralismo metodológico– (descritos con más detalle en la introducción a este número de Argumentos), requieren de una reorganización de la producción para que sea realizada bajo un manejo justo, tomando en cuenta las necesidades de las generaciones futuras, y una parsimonia en El aprovechamiento del conjunto de los recursos naturales de que depende el actual sistema de producción. Desde el planteamiento de la EE (Economía Ecológica) se busca gestionar los recursos naturales para que no se ponga en riesgo su disponibilidad para el goce y disfrute transitorio de las futuras generaciones”[66].

 

Dado esse breve panorama da economia e de como ela incorpora a questão ambiental, discorre-se a seguir sobre o “desenvolvimento sustentável”, expressão cujo significado está pendente de uma conceituação definitiva.

 

 

VI. Desenvolvimento sustentável

 

 

Ao se tratar de desenvolvimento sustentável, há que se averiguar, de plano, se essa expressão significa simplesmente a “soma” da definição de “desenvolvimento” e a de “sustentabilidade” – termos já por si “equívocos” -, ou se resulta num conceito mais alargado, multidimensional.

 

Como pontua José Eli da Veiga[67], existem três maneiras de se explicar o que vem a ser “desenvolvimento”.

 

A primeira delas, e mais freqüente, é a de considerar “desenvolvimento” como sinônimo de “crescimento econômico”; a outra considera “desenvolvimento” um mito e, portanto, nem haveria que se falar em “desenvolvimento sustentável”, já que se o “desenvolvimento” é uma quimera, muito mais seria o “desenvolvimento sustentável”.

 

Até a década de 1970, eram tidos como “desenvolvidos” aqueles países que atingiram elevados níveis de riqueza em função de seu elevado grau de industrialização. Pensava-se que os países “pobres” eram subdesenvolvidos em razão de sua tímida industrialização, bastando que fosse priorizado o crescimento econômico para que passassem a “desenvolvidos”.

 

A premissa aí contida é a de que para um país em desenvolvimento se transformar em país desenvolvido bastaria atingir os patamares-padrão de medida do PIB, de Renda per Capita e demais medidores de crescimento econômico; atingido o desenvolvimento econômico, nos padrões do Primeiro Mundo, esse país passaria a ser considerado desenvolvido.

 

Mas não foi o que se constatou. Países “pobres” que atravessaram um forte processo de crescimento econômico não apresentaram, porém, as resultantes esperadas de maior acesso da população a bens materiais e culturais.

 

O grande economista brasileiro, Celso Furtado[68], sob enfoque da distribuição de benefícios, assim explica a diferença entre “crescimento econômico” e “desenvolvimento”:

 

Para se tracejar uma tentativa de resposta, não é demais relembrar certas idéias elementares: o crescimento econômico, tal qual o conhecemos, vem se fundando na preservação dos privilégios das elites que satisfazem seu afã de modernização; já o desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente. Dispor de recursos para investir está longe de ser condição suficiente para preparar um melhor futuro para a massa da população. Mas quando o projeto social prioriza a efetiva melhoria das condições de vida dessa população, o crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento.

 

Por seu turno, o termo “sustentabilidade” pode ser visto de maneiras diferentes, dependendo da ótica de quem a interpreta.

 

Por exemplo, na ótica da “sustentabilidade fraca”, é da perspectiva do equilíbrio entre os ativos agregados, incluído aí o capital (ou ativo) natural, que se extrai a ideia de sustentabilidade; se houver uma diminuição do ativo artificial (estradas, máquinas, hidrelétricas etc.), deve haver uma compensação pelo acréscimo em outro ativo – o natural -, e vice-versa. O “conceito de sustentabilidade fraca está baseado na substituição perfeita entre as diferentes formas de capital”[69].

 

A proposta é de um crescimento econômico perpétuo, “também chamado – de forma totalmente imprópria – de ‘crescimento sustentável’. Um crescimento sem fim, desse naipe, perfeitamente possível na visão econômica convencional e na visão econômica do meio ambiente”[70].

 

Já na perspectiva da “sustentabilidade forte”, a variação do estoque de capital natural não pode servir de parâmetro para compensação da variação do estoque de capital artificial feito pelo homem. “Algumas das funções e dos serviços dos ecossistemas são essenciais para a sobrevivência humana, são serviços de apoio à vida (ciclo biogeoquímico) e não podem ser substituídos”[71].

 

A “terceira via” irrompeu com o indiano e prêmio Nobel de Economia de 1998, Amartya Sen[72], que concebeu o “desenvolvimento” de um país não somente sob o viés do desenvolvimento econômico, mas sim sob o prisma do “desenvolvimento abrangente” de “interconexão causal” entre os diversos domínios do desenvolvimento (econômico, político, social, por exemplo) - isto é, o processo de desenvolvimento entendido como um todo – e de “integridade conceitual” entre as esferas de desenvolvimento, de forma que os conceitos relativos à esfera jurídica se interligam com os conceitos da esfera econômica e assim por diante.

 

A concepção de “desenvolvimento sustentável”, portanto, não está limitada à soma dos conceitos de desenvolvimento e sustentabilidade, mas se reveste de um significado mais amplo. “Desenvolvimento democrático e sustentável, princípio que não nasceu pronto e acabado, mas que urge desenvolver, aperfeiçoar e implantar como a grande ideologia do século XXI. Dela e dos seus desdobramentos depende a qualidade de vida das gerações futuras”[73].

 

Em 1972, a Declaração de Estocolmo fazia menção, apesar de não literalmente, a desenvolvimento sustentável, em seu Princípio 13: “Com a finalidade de alcançar um gerenciamento mais racional de recursos e, assim, melhorar as condições ambientais, os Estados devem adotar um enfoque integrado e coordenado de planejamento do seu desenvolvimento, de modo a garantir que esse desenvolvimento seja compatível com a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente, em benefício de sua população”[74].

 

Já em 1987, o “Relatório Brundtland” assim definia “desenvolvimento sustentável”: é “aquele desenvolvimento que permite às gerações presentes satisfazerem suas necessidades sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias”[75].

 

E a Declaração do Rio, em 1992, Princípio 4: “Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste” [76]. Princípio 5: “Para todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável, irão cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, a fim de reduzir as disparidades de padrões de vida e melhor atender às necessidades da maioria da população do mundo”[77].

 

Uma leitura conjunta do trecho transcrito do artigo de Celso Furtado e dos princípios da Declaração de Estocolmo, do Relatório Brundtland e da Declaração do Rio – 92 faz emergir o seguinte tripé sobre o qual se assenta o entendimento sobre o que vem a ser “desenvolvimento sustentável”: desenvolvimento – equidade social – proteção/preservação do meio ambiente.

 

 

VII. Responsabilidade civil do estado por dano ambiental

 

 

Como pressuposto da responsabilidade civil, primeiramente há de ocorrer um dano, isto é, um prejuízo sofrido pelo lesado sobre bem juridicamente tutelado, em razão de um fato (lícito ou ilícito) causado por uma ação ou omissão imputada a uma determinada pessoa (natural ou jurídica), em que fique configurado o nexo causal – a relação de causa e efeito entre o fato e o dano. Só a partir da constatação do dano é que surge então a obrigação de reparação.

 

O dano ambiental é agressão ao meio ambiente, “aos componentes ambientais do ambiente natural, cultural e do trabalho, que lesa o direito da coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”[78]. É uma “lesão não autorizada”, que não se confunde com “atividade não autorizada”; uma atividade autorizada pode vir a ensejar um dano ambiental.

 

Ocorrendo uma lesão que afete os componentes ambientais configura-se, por conseqüência, a violação do direito a um meio ambiente sadio. Tem-se então como objeto da lesão o meio ambiente e como sujeito passivo dela toda a coletividade, titular do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, instrumento da sadia qualidade de vida de todos.

 

Mas da interpretação da legislação ambiental pátria, também se configura dano ambiental quando se “alterem adversamente a qualidade do ambiente, ainda que sem reflexos em outros interesses e direitos dos seres humanos”.

 

A Resolução CONAMA nº 01/1986 define impacto ambiental como “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota[79]; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais” (grifo nosso).

 

Além do dano ambiental, há os “danos por intermédio do meio ambiente” – ou danos ambientais por ricochete, que, porém, não serão considerados nesse estudo em razão de não conformarem uma agressão a “direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”[80].

 

Os danos ambientais podem, por seus efeitos, serem classificados em “patrimoniais” ou “extrapatrimoniais” (ou danos morais sociais). Os danos ambientais com efeitos “patrimoniais” são aqueles em que a lesão a um bem material (desmatamento de floresta, por exemplo) ou imaterial trazem perdas e danos econômicos ao titular do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto os danos ambientais com efeitos “extrapatrimoniais” são aqueles em que essa lesão implica num prejuízo imaterial difuso (demolição de um patrimônio histórico tombado).

 

Poluição Ambiental. Ação Civil Pública formulada pelo Município do Rio de Janeiro. Poluição consistente em supressão da vegetação do imóvel sem a devida autorização municipal. Cortes de árvores e início de construção não licenciada, ensejando multas e interdição do local. Dano à coletividade com a destruição do ecossistema, trazendo conseqüências nocivas ao meio ambiente, com infringência às leis ambientais, Lei Federal 4.771/65, Decreto Federal 750/93, artigo 2º, Decreto Federal 99.274/90, artigo 34 e inciso XI, e a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, artigo 477. Condenação a reparação de danos materiais consistentes no plantio de 2.800 árvores, e ao desfazimento das obras. Reforma da sentença para inclusão do dano moral perpetrado a coletividade. Quantificação do dano moral ambiental razoável e proporcional ao prejuízo coletivo. A impossibilidade de reposição do ambiente ao estado anterior justifica a condenação em dano moral pela degradação ambiental prejudicial à coletividade. Provimento do recurso[81].

 

Registre-se, portanto, que “a responsabilidade civil por dano ambiental possui uma função social que ultrapassa as finalidades punitiva, preventiva e reparatória, normalmente atribuídas ao instituto”[82].

 

Na esteira do artigo 225, §§2º e 3º da Constituição Federal, da súmula nº 37 do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[83] e do Código de Defesa do Consumidor, artigo 6º, VI[84] - aplicável ao caso em função do “diálogo das fontes” -, cabe tanto a reparação dos danos materiais como a dos danos extrapatrimoniais (ou “danos morais sociais”), no caso do dano ambiental.

 

Em matéria de dano ambiental, torna-se necessária a avaliação por equipe disciplinar para se obter uma visualização completa da situação do ambiente degradado, pois “a destruição de uma floresta não se resume a danos à flora. Há reflexos na fauna, no regime hidrológico, na geologia, e até mesmo no regime climático”[85].

 

Para Lorenzetti, a lesão ao meio ambiente fica patente se ficar constatado que a ação lesiva resultou na desorganização das leis da natureza, alterando o conjunto, e que essa desorganização repercutiu nos pressupostos do desenvolvimento da vida[86]. Ou segundo Lyra, que tenha havido uma “alteração adversa”, significando ruptura do equilíbrio ecológico[87].

 

Na configuração desse dano, “o estágio do conhecimento científico no momento em que a ação danosa é praticada desempenha um papel primordial, pois só esta permitirá ou não, prever as conseqüências nocivas de tais atos”. Considera-se aí a influência do fator “tempo” do dano, para o que se tornam relevantes os princípios da prevenção e da precaução.

 

Partimos da premissa de que o caput do art. 225 da Constituição Federal de 1988 institui um verdadeiro dever de incolumidade ambiental ao se preocupar com a qualidade de vida das gerações futuras, o que permite a atualização do instituto da responsabilidade civil, a fim de que exerça, a par de sua função reparatória tradicional, uma função inibitória [...][88].

 

Em síntese, podemos apontar os seguintes efeitos dos danos ambientais perpetrados continuamente, por exemplo, na Floresta amazônica: (i) danos materiais pela derrubada e contrabando de madeira; (ii) danos materiais pela perda de riqueza da biodiversidade conhecida cientificamente; (iii)  danos extrapatrimoniais relativos ao desequilíbrio flagrante dos ecossistemas da região e dos seus efeitos em outros ecossistemas. (iv) danos extrapatrimoniais pela “perda de uma chance” às gerações futuras.

 

E no caso do dano ambiental, a responsabilidade do agente infrator é objetiva, independente de culpa, tal qual determina a Constituição Federal, art. 225, § 3º, pelo que, “se o comando da Constituição Federal contido no artigo 225 não for cumprido, responderá direta e exclusivamente o Poder Público”[89]. Também responde o Estado por sua omissão em seu dever-poder de fiscalização[90].

 

Como esclarece Rui Stocco[91]:

 

Mesmo quando o particular polui rios, lagos, nascentes ou o ar que se respira, a mata etc., poderá ser responsabilizado o Poder Público por omissão, se comprovado não ter exercitado, como lhe cumpre, o poder fiscalizatório que a lei lhe comete e da qual não pode se distrair, por se traduzir esse poder em dever, que se exerce através de atos administrativo vinculados de fiscalização e eventual coibição e, portanto, obrigatórios. (grifo nosso)

 

Também responde o Estado por sua ação como agente comissivo do dano, de forma que cabível a propositura da ação civil pública correspondente, com a finalidade de obrigar o Estado – legitimado para figurar no pólo passivo - a “não fazer” obras que atravessam a Floresta Amazônica sem antes levantar minuciosamente, em bases científicas, os prós e contras para esta ou aquela obra, seguindo as diretrizes constitucionais já apontadas.

 

Mas a legislação de regência, além das sanções de natureza penal e administrativa, também estabelece sanção pecuniária ao agente causador do dano, sem prejuízo do dever de restaurar o que pode ser reconstituído (obrigação de fazer) ou de indenizar o valor correspondente (obrigação de dar), uma ou outra, evidentemente, e não ambas cumulativamente. A multa será destinada a um fundo especial e tem por objetivo reparar o prejuízo sofrido por terceiros [...][92].

 

 

VIII. Conclusão

 

 

Situou-se em passagem anterior, embora de forma sintética, a relevância dos danos que vêm sendo causados ao meio ambiente pelo desmatamento de florestas brasileiras, como a Amazônica, e de como parece não estarem sendo considerados os conhecimentos científicos que demonstram que esses danos atingem uma dimensão gigantesca, em prejuízo não só da presente, mas também das futuras gerações.

 

E tal qual mencionado na Introdução, o Estado brasileiro não está cumprindo adequadamente com sua responsabilidade de proteger, por exemplo, a Floresta Amazônica, como a Constituição determina, e ainda inclui em seu planejamento, ele próprio, impactar esse meio ambiente por intermédio da construção de usinas hidrelétricas, de obras de transporte, mineração, para viabilizar a instalação de indústrias na região.

 

Ninguém é contra o desenvolvimento do país e o reforço da infra-estrutura nacional, mas o que se coloca é até que ponto as implicações disso para os ecossistemas estão sendo suficientemente avaliadas em bases científicas.

 

Estando caracterizado o dano ambiental, tanto por omissão (contínuo desmatamento) como por ação do Estado (pacote de obras a serem executadas na área da Amazônia Legal), e caracterizados os elevados prejuízos à manutenção do equilíbrio do meio ambiente, com o conseqüente impacto negativo na garantia da sadia qualidade de vida da coletividade, abre-se a oportunidade de acionar o Estado judicialmente, a fim de tutelar o direito difuso ambiental.

 

O momento atual do direito ambiental é constituído por uma fase de concretização mais real desse direito, para o que não se pode deixar de destacar o papel do Ministério Público, por meio de ações civis públicas, que tem intentado em diversos pontos do país[93].

 

 

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[1] Artigo dedicado ao cientista brasileiro Otto Richard Gottlieb, falecido em junho de 2011.

[2] Bacharel em Direito e em Engenharia (POLI – USP), especialista em Direito Público (Escola Paulista da Magistratura), em Direito Tributário (EDESP GV) e em Administração Financeira (EAESP GV), Vice-Presidente da 3ª Câmara de Julgamento do Conselho Municipal de Tributos SP (biênio 2008 – 2010).

[3] Mestrando em História da Ciência pela Pontifícia Universidade Católica – PUC SP, sob orientação da Professora Dra. Ana Maria Alfonso-Goldfarb.

[4] O Reorganizador da Natureza. Pesquisa FAPESP. Edição n. 43 - Junho 1999. Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=662&bd=1&pg=1&lg=. Acesso em: 10/11/2011.

[5] Art. 8º. A restrição para a emissão de autorização de desmatamentos de que trata o art. 6º não será aplicada nos seguintes casos: (...) II – obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia.

[6] LYRA, Marcos Mendes. Dano Ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, ano 2, v. 8, p. 49-83, out/dez. 1997.

[7] GARCIA, Leonardo de Medeiros; THOMÉ, Romeu. Direito Ambiental. 2. ed. Salvador: Podivm, 2010, p. 33.

[8] In Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 57/58.

[9] Apud GARCIA, Leonardo de Medeiros; THOMÉ, Romeu. op. cit, p. 34.

[10] Principle 18 - Science and technology, as part of their contribution to economic and social development, must be applied to the identification, avoidance and control of environmental risks and the solution of environmental problems and for the common good of mankind.

[11] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade - ADI 3540 MC / DF - DISTRITO FEDERAL.

[12] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 271.

[13] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 65/66.

[14] MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 49.

[15] STEGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 41. 

[16] TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 880.

[17] ANDRADE, Fillipe Augusto Vieira de; BONILHA, José Carlos Mascari. Responsabilidade Civil Ambiental do Sistema Financeiro. Manual Prático da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente Vol. 1. São Paulo: Imprensa Oficial: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2005, p. 215.

[18] Direito do Ambiente. 4. ed. São Paulo: RT, 2005, p. 188.

[19] JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, vocábulo – “ambiente”.

[20] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Vocábulo – “meio”.

[21] FIORILLO, Celso Antonio; ABELHA RODRIGUES, Marcelo; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Direito Processual Ambiental Brasileiro. São Paulo: Max Limonad, 1996, p.31.

[22] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Judicial. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 30.

[23] In Direito Ambiental Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 20.

[24] In Instituições de Direito Ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2002, v.1 p. 58.

[25] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 6ª ed. São Paulo: RT, 2009, p. 110.

[26] ODUM, Eugene P.; BARRET, Gary W. Fundamentos de Ecologia. São Paulo: Cengage Learning, 2011, p. 18.

[27] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 4. ed. Curitiba: Positivo, 2009, vocábulo: homeostase.

[28] NEGRET, Rafael apud SILVA, José Afonso da. op. cit, p. 88.

[29] ODUM, Eugene P; BARRET, Gary W. Op. cit., p. 24.

[30] REBOUÇAS, Fernando. Ecótono. Infoescola: 09/02/2010. Disponível em:  http://www.infoescola.com/ecologia/ecotono/. Acesso em: 13/11/2011, 22h 51min.

[31] Ibidem.

[32] UNIÃO. Ministério do Meio Ambiente. IBAMA. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/ecossistemas/cerrado.htm. Acesso em: 14/11/2011, 10h 05 min.

[33] REBOUÇAS, Fernando. Op. cit. Acesso em: 13/11/2011, 22h 51min.

[34] GOTTLIEB, Otto Richrad apud http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=662&bd=1&pg=1&lg=. Acessado em: 14/11/2011, 10h 05 min.

[35] ROSS, Jurandyr L. Sanches (org). Geografia do Brasil. 4. Ed. São Paulo: EDUSP, 2001, p. 168.

[36] Cadernos SBPC – Meio Ambiente & Biodiversidade.  Nº 21, 2006, p. 18.

[37] RÊGO, Patrícia Amorim. Biodiversidade e Repartição de Benefícios. Curitiba: Juruá, 2010, p. 84.

[38] WILSON, E. O. apud RÊGO, Patrícia Amorim. Op cit, p. 82.

[39] FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: Direito ao Futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 26.

[40] UNIÃO. Ministério do Planejamento. IBGE. Indicadores de Desenvolvimento Sustentável. Estudo e Pesquisas – Informação Geográfica, n. 07, 2010.

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[41] Cadernos SBPC – Conhecer para Preservar.  Nº 29, 2007, p. 55.

[43] SÃO PAULO. ESTADO. Secretaria de Estado e Meio Ambiente. Coordenadoria de Planejamento Ambiental Estratégico e Educação Ambiental. Desmatamento e Recuperação Florestal. Texto: Rosely Sztibe. São Paulo: SMA/CPLEA, 2006.

[44] Cadernos SBPC – Meio Ambiente & Biodiversidade.  Nº 21, 2006, p. 12.

[45] UNIÃO. Ministério da Ciência e Tecnologia. INPE. Banco de Dados de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

[46] Apud LEWINSOHN, Thomas M.; PRADO, Paulo Inácio. Biodiversidade Brasileira. 2. Ed. São Paulo: Contexto, 2010, p. 18.

[47]UNIÃO. Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=146&idConteudo=9765.

Acesso em: 14/11/2011, 18h 00 min.

[48] MARTINS, Marcio; SANO, Paulo Takeo. Biodiversidade Tropical. São Paulo: UNESP, 2009, p. 16.

[49] LEWINSOHN, Thomas M.; PRADO, Paulo Inácio. Op cit, p.19.

[50] UNIÃO. Ministério do Meio Ambiente. IBAMA. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/ecossistemas/cerrado.htm. Acesso em: 14/11/2011, 10h 05 min.

[51] YOUNG, Maria Cláudia Marx apud  http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=662&bd=1&pg=1&lg=. Acessado em: 14/11/2011, 19h 25 min.

[52] GOTTLIEB, Otto Richard et al. Biodiversidade: o enfoque interdisciplinar brasileiro. Revista Ciência e Saúde Coletiva, 3 (2): 97-102, 1998.

[53] GIGLIOTTI, Marcelo. O cientista quase recompensado. Revista Época. 03/11/2010, 16h 56 min. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,ERT184536-15224-184536-3934,00.html. Acesso em: 16/10/2011, 13h18min.

[54] Revista Química Nova. 13(4) (1990). P. 237-239.

[55] ONU. Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL). Economía y Ecología: Dos Ciencias y Una Responsabilidad Frente a la Naturaleza. División de Recursos Naturales y Energía. “IV Simposio Internacional de Turismo, Ecología y Municipio”, Lima, Perú, 26 al 30 de septiembre de 1994.

[56] BECKERMAN, W. apud VIVIEN, Franck-Dominique. Economia Ecológica. São Paulo: Senac, 2011, p. 19.

[57] BERÉ, Claudia Maria. Direito à Moradia e Direito ao Meio Ambiente. In DISSINGER, Marisa Rocha Teixeira (coord.). Temas de Direito Urbanístico 5. São Paulo: Imprensa Oficial: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2007.

[58] ORTIZ, Ramon Arigoni; FERREIRA, Sandro de Freitas. O papel do governo na preservação do meio ambiente. In BIDERMAN, Ciro; ARVATE, Paulo (orgs). Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 34-35. 

[59] Ibidem.

[60] ANDRADE, Daniel Caixeta; ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Degradação Ambiental e Teoria Econômica: Algumas Reflexões sobre uma “Economia dos Ecossistemas”. Revista Economia, Brasília (DF), v.12, n.1, p.3–26, jan/abr 2011.

[61] STÖHR, A. Ética e ecologia: um levantamento sobre os fundamentos normativos da ética ambiental. In: NOBRE M.; AMAZONAS, M. de C. (Org.). Desenvolvimento sustentável: a institucionalização de um conceito. Brasília: Edições IBAMA, 2002. p. 107-146.

[62] AMAZONAS, Maurício de Carvalho. Valor ambiental em uma perspectiva heterodoxa institucional-ecológica. Revista Economia e Sociedade, Campinas, v. 18, n. 1 (35), p. 183-212, abril/2009.

[63] BECKER, Bertha K; STENNER, Claudio. Um futuro para a Amazônia. São Paulo: Oficina de textos, 2008, p. 39 (Série inventando o futuro).

[64] ONU. Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL). Op. cit, p. 24.

[65] COSTANZA, R. et al. Goals, agenda and policy recommendations for ecological economics. In: COSTAN ZA, R. (Org.) Ecological economics: the science and management of sustainability. New York: Columbia University Press, 1991. p.1-21.

[66] SALAZAR, Edith M. García. Economía Ecológica Frente a Economía Industrial. Nueva Época. Año 21, n. 56, enero-abril 2008, pp. 55-71.

[67] In Desenvolvimento Sustentável: O desafio do Século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2010, p. 83.

[68] FURTADO, Celso. “Os desafios da nova geração”. In: Revista de Economia Política. Vol. 24, n. 4, outubro-dezembro 2004, pp. 483-486.

[69] MORAES, Orozimbo José de. Economia Ambiental. São Paulo: Centauro, 2009, p. 30.

[70] CARVALHO, Clóvis. Concepções da economia ecológica: suas relações com a economia dominante e a economia ambiental. Instituto de Estudos Avançados. 24 (68), 2010.

[71] Ibidem.

[72] SEN, Amartya. Prefácio - Reforma Jurídica e Reforma judicial no processo de desenvolvimento. In BARRAL, Welber. (org.) Direito e Desenvolvimento: análise da ordem jurídica sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005, p. 13-30.

[73] NOGUEIRA-NETO, Paulo. Os Grandes Problemas Ambientais do Mundo. Instituto de Estados Avançados da Universidade de São Paulo. Disponível em: www.iea.usp.br/artigos. Acesso em: 17/11/2011, 15h 30min.

[74] Principle 13 - In order to achieve a more rational management of resources and thus to improve the environment, States should adopt an integrated and coordinated approach to their development planning so as to ensure that development is compatible with the need to protect and improve environment for the benefit of their population.

[75] BRUNDTLAND, G. H. (1987). Our common future. Report of the World Commission of Environment and Development – United Nations, p. 24.

[76]UNIÃO. Ministério do Meio Ambiente. Disponível em:

http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576. Acesso em: 23/11/2011, 17h 30 min.

[77] Ibidem.

[78] BECHARA, Erika. Licenciamento e Compensação Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009, p. 50.

[79] Biota: refere-se ao conjunto de fauna e flora (incluindo-se os microorganismos) de uma determinada região. FEDERAL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Museu Paraense Emílio Goeldi. Biodiversidade da Amazônia Online. Glossário. Disponível em: http://www.museu-goeldi.br/biodiversidade/glossario.asp. Acesso: 26/11/2011, 11h 30min.

[80] BECHARA, Érika. Op cit, p. 59.

[81] RIO DE JANEIRO. ESTADO. TJRJ, Apelação Cível nº 2001.001.14586 07/08/2002, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Maria Raimunda T. Azevedo, j. 24.09.2002.

[82] STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Op cit, p. 155.

[83] Súmula 37: São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

[84] Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

[85] STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Op cit, p. 109.

[86] Ibid, p. 110.

[87] Apud STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Op cit, p. 109.

[88] STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Op cit, p. 122.

[89] STOCCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 987.

[90] FREITAS, Gilberto Passos de (org.). A Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo em Matéria Ambiental – Tomo II. Campinas: Millennium, 2009, p.148.  Estado de São Paulo. TJ. AgI nº 521.738-5/5-00.

[91] Ibid, p. 986.

[92] STOCCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. Op cit, p. 991.

[93] MUKAI, Toshio; NAZO, Georgette Nacarato. O Direito Ambiental no Brasil: Evolução Histórica e a Relevância do Direito Internacional do Meio Ambiente. In RIBEIRO, Wagner Costa. Patrimônio Ambiental Brasileiro. São Paulo: EDUSP, 2003.


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