273 - Obrigação de meio em cirurgias plásticas

Obrigação de meio em cirurgias plásticas

 
THIAGO BALDANI GOMES DE FILIPPO – Juiz de Direito
 

 

Tradicionalmente, doutrina e jurisprudência amplamente majoritárias sempre entenderam que, em se tratando de cirurgias plásticas reparadoras ou estéticas, a responsabilidade dos profissionais seria de resultado, apesar de não existir lei expressa nesse sentido. Assim, Silvio de Salvo Venosa[*], por todos, sustenta que:

 

Dizem a doutrina e jurisprudência que a cirurgia plástica constitui obrigação de resultado. Deve o profissional, em princípio, garantir o resultado almejado. “Há, indiscutivelmente, na cirurgia estética, tendência generalizada a se presumir a culpa pela não obtenção do resultado. Isso diferencia a cirurgia estética da cirurgia geral” (Kfouri Neto, 1998: 165). Não resta dúvida de que a cirurgia estética ou meramente embelezadora trará em seu bojo uma relação contratual. Como nesse caso, na maioria das vezes, o paciente não sofrerá de moléstia nenhuma e a finalidade procurada é obter unicamente um resultado estético favorável, entendemos que se trata de obrigação de resultado.

                  

Nesse sentido, ainda, tem se manifestado o Superior Tribunal de Justiça:

 

Contratada a realização de cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado, sendo obrigado a indenizar pelo não cumprimento da finalidade, tanto pelo dano material, como pelo dano moral, decorrente de deformidades, salvo prova de força maior ou caso fortuito (STJ – RE 10.536/Rio de Janeiro, Rel. Min. Dias Trindade).

 

                  

Ocorre, porém, que há vozes autorizadas em sentido oposto que, na esteira dos ensinamentos da Prof. Hildegard Taggesell Giostri, defendem se tratar de responsabilidade de meio, devido às vicissitudes do organismo humano.

                  

Reproduzo o seguinte trecho de dissertação da Dra. Hildergard, apresentada na Cidade de Curitiba, em 1996, denominada “Obrigação de Meio e de Resultado na Responsabilidade Civil do Médico”:

 

Parece ter ficado patente que não só DEMOGUE, como todos os outros autores, especialmente os franceses – que se propuseram a comentar, estudar ou até criticar sua divisão – foram unânimes em afirmar que a obrigação de resultado era adequada para todos os casos com uma prestação determinada, mas onde o fator álea não estivesse presente (grifei).

Daí entender-se inadequado considerar como de resultado uma obrigação cujo cumprimento se desenrola numa zona tão aleatória quanto o organismo humano. Ele é previsível, sim, mas até um certo ponto, a partir daí é entrar-se no universo nebuloso da imprevisibilidade e da imponderabilidade

 

                  

De fato, conforme já se tem assinalado em nosso Direito, o fator “álea” não é compatível com as obrigações de resultado. Em outras palavras, como o infortúnio, a “sorte” pode pender para um lado ou para outro, nestes casos, não se pode, de antemão, assegurar um resultado certo, sem margem de erros.

                  

Assim, é forçoso reconhecer que, na contramão da doutrina e jurisprudência pátrias, não se pode reconhecer a responsabilidade de resultado em cirurgias plásticas, quer estéticas, quer reparadoras, máxime pela redação conferida ao parágrafo 4º do artigo 14, do CDC: A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa (grifei).

                  

Porém, duas observações devem ser feitas.

                  

A primeira delas consiste no seguinte: uma coisa é o reconhecimento de que cirurgias plásticas não podem ensejar obrigação de resultado. Outra coisa é o teor do que prometeu o médico ao paciente.

                  

É que, em certos casos, a fim de convencer o paciente do sucesso da cirurgia que pretende realizar, o cirurgião plástico, ao ser indagado sobre os riscos de insucesso, garante, por sua conta e risco, que não há chances de insucesso; que, invariavelmente, o resultado ficará como esperado.

                  

Nesses casos, a proposta vincula o fornecedor (art. 48, CDC), no caso, o cirurgião plástico.

                  

É que toda a sistemática do Código de Defesa do Consumidor, além do art. 422, do Código Civil, que também se aplica ao caso, pelo chamado “diálogo das fontes”, obrigam os contratantes a pautarem-se pela boa-fé. Esta não deve ser vista apenas sob o prisma eminentemente subjetivo, mas, também, sob o viés objetivo, assim entendido como um “padrão ético de conduta” que deve nortear os contratos em geral; padrão este iluminado por deveres instrumentais, como o de informação e o de assistência.

                  

Se o cirurgião plástico não prestou as informações necessárias, omitindo riscos que, pela experiência profissional, ela crível supor-se que existiriam e, fatalmente, ao final de todo o procedimento cirúrgico, compreendido todo o pós-operatório, com a fase de cicatrização, inclusive, o dano ocorreu, o médico deve responder pelas conseqüências de seus atos.

                  

A outra observação concerne ao ônus de prova. O art. 6º, VIII, CDC, inverte a regra veiculada pelo art. 333, CPC. Determina a inversão do ônus da prova desde que haja verossimilhança nas alegações do consumidor ou quando ele for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.

                  

Assim, presentes estas causas, mesmo se tratando de obrigação de meio, deve o fornecedor, no caso, o cirurgião plástico, provar que se valeu de todos os recursos possíveis e necessários existentes à sua disposição.

                  

Entretanto, ainda que cotejado com os dispositivos acima, o fato é que, como bem menciona a Prof. Hildegard, nos casos de cirurgia plástica estética ou reparadora, a responsabilidade do profissional deve ser de meio e nunca de resultado, pois o fator álea está presente nestes casos, invariavelmente, em face das diferentes respostas dadas pelo organismo humano a semelhantes situações.



 

Thiago Baldani Gomes De Filippo é Juiz de Direito no Estado de São Paulo; Aluno regular do Mestrado em Ciências Jurídicas da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro – Jacarezinho/PR.





[*] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol. IV. 4ª ed. Atlas: São Paulo, 2004, p. 121.


    


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