282 - Direito autoral. A escultura, gravura, litografia e demais obras passíveis de exemplares e a sua originalidade

 
LUIZ FERNANDO GAMA PELLEGRINI - Desembargador
 

 

Há quase três décadas escrevemos a respeito do tema, que mesmo com o passar do tempo não se exaure e continua atualizado, mesmo porque existe grande desconhecimento a respeito, acima de tudo no denominado mercado de artes, mas também nas instituições culturais, tais como museus, pinacotecas, fundações, etc.

 

A dificuldade encontrada nada mais é do que fruto do desconhecimento sobre essas manifestações artísticas e da própria lei autoral, em que na maioria das vezes a confusão se dá com as esculturas em bronze e gravuras.

 

Necessário se faz discorrer sobre essas obras que comportam a existência de mais de um exemplar, todas elas como obras originais, fixando-se de maneira clara quem é o titular para tanto, obviamente aí figurando o autor criador da obra e, como veremos, seus sucessores legitimados para tanto.

 

Naquela oportunidade fizemos consignar que:

 

“5.6. A RÉPLICA COMO OBRA PROTEGIDA

Diz a Lei n. 9.610/98, de mesma forma idêntica do que já dispunha a Lei n. 5.988/73, ora revogada, por seu art. 9º, verbis: “A cópia de obra de arte plástica feita pelo próprio autor é assegurada a mesma proteção de que goza o original”.

Este artigo, como outros tantos inseridos na lei, encontra-se totalmente deslocado, uma vez que existe um capítulo específico cuidando das obras de arte plástica. Mas o que seria a réplica nos termos propostos pelo legislador? A redação do artigo é sem dúvida imprecisa, não obstante deixar transparecer o seu objetivo. Proteger, da mesma forma que o original, os demais exemplares oriundos do corpus mechanicum, desde que feitos por quem tenha a titularidade dos direitos patrimoniais.

A redação do próprio projeto Barbosa-Chaves já era imprecisa, uma vez que pouco difere da consignada na lei, exceção feita à ressalva de que as variantes não gozam de qualquer proteção. Dispõe o art. 86: “Réplica – À cópia de uma obra original de arte feita pelo mesmo autor é assegurada a mesma proteção de que ao original, devendo constar tratar-se de réplica, não sendo consideradas as variantes de um mesmo tema”.

Mas copiar e reproduzir para os fins da lei teriam o mesmo sentido? O art. 4º, IV da Lei revogada, dizia que, considera-se reprodução: “a cópia de obra literária, científica ou artística bem como de fonograma”.

A lei vigente dispôs como vimos anteriormente de forma diversa, estabelecendo pelo seu art. 5º, VI: “reprodução – a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido”.

Não obstante a conceituação e a previsão serem precárias, repetindo o novo texto a mesma norma contida na lei revogada, o que se protege é a existência de outros exemplares da obra, que, por suas características extrínsecas, comporte a sua multiplicação, através de um processo mecânico, por meio de fixação material. Casos típicos são as esculturas fundidas em bronze ou material equivalente, bem como as xilogravuras, etc., onde partindo-se de um suporte básico (no caso da escultura a terracota e nos demais a estampa), são fabricados os exemplares. (grifo é nosso)

Desculpar-se-ia o legislador, admitindo-se estarem implícitos na redação do art. 9º, os demais titulares dos direitos patrimoniais, observado, no entanto, o disposto no art. 4º, ao dizer que “Interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre direitos autorais.”

Para JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENÇÃO, “Mas o sentido aparente do texto não pode ser aceite. A proteção não é atribuída aos exemplares, mas à obra, bem incorpóreo. Não tem por isso sentido referir uma proteção à cópia. O regime de toda a cópia é o mesmo, salvo a tutela contra a cópia ilícita. Tão-pouco tem qualquer relevância o fato de a cópia ser feita pelo autor.” (Direito autoral, 2ª Ed., refundida e ampliada, Renovar. P. 419)”. (01)

 

O saudoso professor ANTONIO CHAVES, quiçá a maior autoridade na área autoral em de nosso país, em um dos seus livros assim consignou ao analisar as obras de arte passíveis de exemplares: (02) “ Ao contrário da gravura, para ser encarada como obra de arte – observa Edla Van Steen – deve ser feita e reproduzida pelo próprio artista, ou pelo menos assistida por ele, durante a reprodução, e autenticada a s sua qualidade, a escultura sempre foi concebida para ser reproduzida pelos técnicos. Em geral o escultor faz o modelo em barros, gesso ou madeira e manda-o para o fundidor, que copiará em bronze, se este for o material escolhido. É norma escultura considerar-se como original uma peça que tenha no máximo nove cópias idênticas. Conclui Luiz Fernando Gama Pellegrini em estudo que publicou na Rev.dos Tribunais, vol. 531, 1980, págs. 20-26, apontando algumas providências práticas visando não apenas ao exercício do direito de autor em si, mas igualmente certas medidas de proteção. Fundamental é a preservação dos moldes (terracota, gesso ou outro material equivalente) e, mesmo, das formas, quando sejam levadas às fundições, exigindo, depois de fundida a escultura em bronze, que se retire da fundição não apenas o molde primitivo mas, também, a forma dele oriunda, eliminando-se que a própria fundição posse a fazer uso dos mesmos. Os titulares do direito devem adotar critérios de  controle sobre a escultura fundida em bronze, como p.ex., criação de dados identificadores outros elementos que se propiciem aos titulares a certeza de que aquele bronze não é objeto de contrafação. Não basta apenas o critério usualmente adotado, qual seja: gravar sobre o bronze as características 1/1,1/2.1/3, etc. pois essas são facilmente manipuladas por aquele que deseja violar o direito. Outra medida é documentar a venda, mediante a apresentação de um certificado, passado pelo escultor ou seus sucessores,  onde se faz consignar não apenas a origem da obra, bem como a explicitação de forma inequívoca, da proibição de reprodução, sob qualquer forma ou pretexto, sem a devida anuência.”(o grifo é nosso) (02)

 

A Convenção Universal sobre Direito de Autor, revista em Paris em 24.7.1971 e promulgada pelo Decreto nº 76.095, de 24.12.1975, da qual o Brasil é signatário, por seu artigo IV (bis) discorre e assegura os direitos patrimoniais do autor, em particular o direito exclusivo de autorizar a reprodução por qualquer meio, seja a que título for.

 

A Convenção Interamericana sobre os Direitos de Autor em obras artísticas da qual o Brasil é signatário prevê por seu Artigo V que serão protegidas como originais, sem prejuízo dos direitos do autor, as versões de obras artísticas.

 

Por sua vez, a Convenção de Berna aprovada pelo Decreto nº 75.699, de 06.5.1975, em seu Artigo 9, que igualmente o Brasil é signatário, estabelece que as obras de arte plástica gozam do direito exclusivo pelo autor de autorizar a sua reprodução, de qualquer modo ou sob qualquer forma que seja.

 

A nossa legislação pátria, através da Constituição Federal, que é o nascedouro do direito de autor, prevê em seu artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII, que aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo que a lei fixar, em que a abundância desses direitos contida nos verbos utilizar e reproduzir seria suficiente, independente mesmo das disposições contidas na lei ordinária.

 

Como se vê, a vigente Carta Maior, como as anteriores, seguiu na mesma linha das Convenções, até mesmo por uma questão de coerência com o tratamento dispensado pela maioria dos países de primeiro mundo, mormente da Europa, que constituem a base da nossa legislação ordinária.

 

Por outro lado, a alínea “b” do inciso XXVIII estabelece que o aproveitamento econômico das obras que criarem são assegurados em lei, como veremos adiante.

 

A vigente Lei Autoral nº 9610/98 é igualmente farta na proteção do direito de reprodução ou feitura de exemplares, em estrita obediência aos mandamentos constitucionais, como se vê do artigo 5º, inciso VI, ao conceituar o que se entende por reprodução, como sendo a feitura de um ou vários exemplares da obra.

 

Já o artigo 7º, inciso VIII, consigna que são obras protegidas a gravura, a escultura e a litografia, entre outros, sendo que o artigo 28, calcado na norma maior, estabelece que cabe ao autor – entenda-se também herdeiros e titulares de direitos – o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra artística, como bem entender, disposição essa ratificando, como dito, o mandamento constitucional e as convenções, sendo que o artigo 29 confirma que depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da sua obra, por quaisquer modalidades, aí prevendo a utilização direta ou indireta (inciso VIII),  e quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas (inciso X).

 

Por derradeiro, o artigo 41 da mesma disciplina o prazo de duração dos direitos patrimoniais do autor bem como prevê a sucessão para os herdeiros, ou seja, até quando os herdeiros podem utilizar, gozar e dispor dos direitos patrimoniais herdados, entre eles o de realizar a feitura de exemplares da obra.

 

Como se pode depreender pelas Convenções das quais o Brasil é signatário, da CF/88 e da própria Lei Autoral, não há qualquer disposição estabelecendo número ou números para a feitura de exemplares, o que salvo melhor juízo também inexiste nos países de primeiro mundo, mesmo porque, como visto, a CF/88 nada estabelece e as demais legislações infra-constitucionais não poderiam legislar a respeito em função da hierarquia das leis, mesmo porque seria um grande nonsense, contrariando a própria essência do direito de autor.

 

E assim o seria pelo simples fato de que as obras de arte existem não apenas pela sua essência artística/cultural, mas também e acima de tudo em decorrência da demanda, interesses público e privado, sendo que exemplos vivos são os exemplares feitos pelo Museu Rodin, quando há alguns anos foi realizada uma grande exposição na Pinacoteca do Estado de São Paulo, que, segundo consta, chegaram a fazer até 12 exemplares em bronze, em virtude da magnitude da obra e o interesse que a mesma desperta.

 

O mesmo se diga com relação a outro artista francês, Malliol, também exposto em São Paulo, que igualmente a fundação do artista reproduz exemplares, segundo consta, em até dez, pelas mesmas razões atribuídas ao seu colega citado, sendo que várias obras desses artistas foram vendidas com preços altíssimos e foram feitas para esse fim.

 

O mesmo se diga com as famosas “Bailarinas” em bronze de autoria do francês Degas, que se encontram em vários museus do mundo, como o nosso MASP.

 

E isso é perfeitamente compreensível, pois é da essência do ser humano ter acesso àquilo que para ele é um prazer e uma realização, aí figurando certamente as obras de arte plástica, que constituem igualmente uma afirmação e status social, figurando nos museus e demais estabelecimentos congêneres, agem da mesma maneira, valorizando o seu acervo, justificando-se a necessidade da existência de exemplares da obra sob pena de não atingir o seu objetivo.

 

Uma obra escondida ou que não permita a existência de exemplares, como a escultura, a gravura, etc. pode ter o seu alcance e grandeza prejudicados, pois essas obras, diferentemente do quadro, são por excelência reproduzíveis.

 

A história dessas obras, mormente as esculturas, foram e são desde o Egito e Roma uma realidade, plasmadas em grande parte em bronze e assim propiciando à humanidade o acesso a elas através de exemplares, o que é altamente saudável, como se vê nos museus do mundo.

 

Em realidade, a obra quando concebida tem e deve “circular”, ou seja, o autor ou seus herdeiros devem levá-la ao conhecimento público através de iniciativas culturais e igualmente comerciais, convivendo a obra igualmente com o mercado – marchands e galerias - que são, da mesma forma que as instituições culturais, operadores dessas obras.

 

IN SUMMA, o que vemos e o que o direito e a realidade nos mostram é que os exemplares realizados com bom senso são obras originais, gozando do mesmo interesse legal, cultural e comercial de um único exemplar, como bem apontou o professor JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENÇÃO acima invocado.

 

 

(01) Direito Autoral do Artista Plástico – De acordo com a Lei n. 9.610, de 19-2-1998, Oliveira Mendes, 1998, págs. 76/77).

 

(02) Direito de autor princípios fundamentais, Forense, 187, págs. 239/240.



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