284 - Direitos autorais. Obras de arte plástica. Cessão. Licença e autorização. Registro facultativo. Efeitos

LUIZ FERNANDO GAMA PELLEGRINI - Desembargador
 

 

A lei autoral vigente nº 9610/98 ao disciplinar as relações existentes entre o autor (artista plástico) ou titular de direitos no tocante ao direito patrimonial, - os direitos morais são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis (art.27) - ou seja, o aspecto negocial que gira em torno da obra, estabelece e disciplina situações em que os direitos autorais muitas vezes deixam de pertencer ao seu titular, definitivamente ou temporariamente, permitindo-se,  também, que o direito patrimonial seja exercido por terceiros mediante instrumentos, tais como a autorização, sem que ocorra a perda de direitos, para determinada situação e com fim específico.

 

Nesta oportunidade veremos quais os tipos existentes e como operam essas negociações.

 

A lei vigente prevê em seu artigo 49 a 52 a possibilidade de que os direitos patrimoniais poderão ser negociados, dispondo no artigo 49 que os direitos do autor poderão ser transferidos a terceiros mediante licenciamento, concessão ou cessão ou por outros meios admitidos em Direito.   

 

Primeiramente há que se atentar que esses dispositivos apenas fazem menção às cessões de direitos autorais, licenças e concessões, que são as formas mais comuns, mormente a cessão, seja total ou parcial.

 

Mas o que nos leva a perquirir é se a autorização concedida pelo artista plástico ou titular do direito insere-se também nesse mesmo capítulo e com o mesmo alcance daqueles institutos, pois os dispositivos que o compõem silenciam a respeito.

 

JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO registra que: “I - Mas não transmissões e onerações: há também licenças. A palavra é utilizada freqüentemente, mas na há consenso quanto ao seu significado. II – Tal como concluiremos para as onerações, nãomotivo para admitir um numerus clausus das licenças. As partes podem dar as autorizações que entenderem.” (01)

 

EDUARDO SALLES PIMENTA sobre o tema esclarece que: “A cessão implica na transferência de direitos,m a concessão no licenciamento (autorização) temporário ou permanente de luma das formas de utilização. o licenciamento é autorização para uma simples utilização.”(02)

 

Podemos desde já adiantar que a autorização que nada mais é o direito que tem o artista plástico ou o titular do direito de permitir que outrem possa utilizar sua obra nos expressos termos da autorização, que por suas características devem estabelecer condições específicas para o fim a que se destina.

 

Da leitura da lei autoral encontramos inúmeras menções às autorizações, v.g. nos artigos 29, 31, 68, 74, 75, 78, 79, parágrafo 2º, 81, 87, 90, 93, 95, a necessidade expressa de autorização, sendo que no campo das artes plásticas o artigo 29 da lei autoral estabelece que depende de prévia autorização do artista plástico ou titular do direito a utilização da sua obra por quaisquer modalidades, enumeradas em dez (10) incisos, sendo que o inciso X prevendo um futuro extremamente dinâmico estabeleceu que a necessidade de autorização se faz no caso de quaisquer outras modalidades existentes ou que venham a ser inventadas, e assim sendo  a utilização das mesmas depende de prévia autorização por escrito.

 

Chama atenção igualmente a disposição contida no artigo 77 da lei autoral no disciplinamento das relações do autor ou titular do direito no tocante às obras de arte plástica, em que  a autorização para reproduzir obras de arte plástica, por qualquer processo, deve se fazer por escrito e se presume onerosa.

 

Portanto, inequívoco se faz entender que a autorização é também uma das formas de utilização da obra de arte plástica por terceiros, de grande praticidade e que atende aos interesses do artista ou do titular do direito.

 

No tocante ao exercício desses instrumentos, a lei autoral em seu artigo 19 prevê ser facultativo o registro da cessão de direitos, total ou parcial, nos termos do artigo 50, silenciando sobre as demais formas de utilização da obra, registro esse que se dá nos termos do artigo 17 da Lei nº 5988/73, que está em pleno vigor, registro esse que é uma proteção para a obra, não fazendo menção, com tudo, como dito acima à autorização, muito embora como vimos acima essa ausência nada modifica o uso da autorização como forma negocial.

 

Note-se, que a cessão poderá também ser registrada no Registro de Títulos e Documentos (artigo 50, parágrafo 1º), o que efetivamente é muito prático e funcional.

 

Dispõe o referido artigo e parágrafos:

 

Artigo 50 – A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa.

 

Par. 1º - Poderá a cessão ser averbada à margem do registro a que se refere o art. 19 desta Lei, ou, não estando a obra registrada, poderá o instrumento ser registrado em Cartório de Títulos e Documentos. (o grifo é nosso).

 

Par. 2º - Constarão do instrumento de cessão como elementos essenciais seu objeto e as condições de exercício do direito quanto ao tempo, lugar e preço.

 

O silêncio da lei quanto às demais modalidades de utilização da obra de arte plástica não foge da disposição contida no citado artigo 50, parágrafo 1º, podendo (faculdade), pois  a autorização como a cessão de direitos, total ou parcial, bem como a licença pode ser registrada no Registro de Títulos e Documentos, consoante se vê dos artigos 18 e 19 da lei autoral, bem como o artigo 127 VII, da Lei nº 6015/73, que disciplina os Registros Públicos.

 

EDUARDO LYCURGO LEITE comentando a matéria assim se expressa: O registro , em que pese ser facultativo e declaratório, é recomendado,  vez que por constituir-se em presunção relativa de autoria e época de criação da obra (marco temporal do ato de criação da obra), se presta a reforçar o conjunto probatório que poderá fazer o autor acerca da autoria e da data de criação de sua obra, estabelecendo ainda a inversão do ônus das prova, vez que caberá sempre à parte contráraa  que não possuir o registro, independentemente de quem alegue a violação, provar a verdadeira autoria e anterioridade da criação da obra (aquele que alega possuir direitos sobre a obra intelectual supostamente criada pelo autor indicado no registro provar que é o autor de tal obra e que a exteriorizou/fixou em data anterior à do registro)”. Dessas forma, se considerarmos que a obra intelectual pode assumir forma de documentos, o seu registro será possível ao Registro de títulos e Documentos nos termos do art. 127, VII da Lei nº 6.015/73.”  (03)

 

 

EDUARDO SALLES PIMENTA ao discorrer sobre o assunto e mais especificamente sobre o artigo 18 da lei autoral que: “Ante ao que enfatiza o presente artigo, a obra intelectual não necessita de registro para gozar de proteção autoral. O registro é fator apenas de inversão de ônus da prova, numa postulação judicial civil, no qual a parte contrária deverá provar que o nome constante do registro não ser um fato constitutivo de direito.” (04)

 

Estabelece o citado artigo 127, VII, verbis:

 

Art. 127- No Registro de Títulos e Documentos será feita a transcrição:

VII – facultativo, de quaisquer documentos, para sua conservação. (o grifo é nosso).

 

Muito embora como visto seja facultativo o registro de documento tal como uma autorização, que tem fim específico devidamente esclarecido no seu bojo, esse registro para a utilização, por exemplo, da imagem de uma obra de arte plástica certamente gera uma presunção contra terceiros que eventualmente suscitem o mesmo direito autorizado.

 

Pensamos que a autorização em face das peculiaridades que envolvem as artes plásticas seja o melhor instrumento para desenvolver o efetivo gozo e fruição dos direitos patrimoniais que gozam o autor ou titular do direito – mormente os herdeiros -, pois a criação intelectual – quadro, escultura, desenho, gravura, etc – muito embora constitua patrimônio pessoal do artista, oriundo de sua criação intelectual, a efetivação da sua criação se dará por certo pela circulação comercial/cultural  da sua obra e pelos negócios que advierem da mesma.

 

Vemos com freqüência o uso de imagens em jornais, revistas, internet e demais formas de utilização, de monumentos em logradouros públicos, que gozam de proteção autoral como já tivemos oportunidade de consignar em trabalho específico (art. 29, inciso VIII, alpinea “j”), em que o poder público tem apenas a propriedade da obra, e em face da importância das mesmas as empresas procuram divulgar seu produto tomando como suporte monumentos como o do Ipiranga, Pedro Álvares Cabral, às Bandeiras, Duque de Caxias, etc, painéis de Di Cavalcanti na Cultura Artística e Clovis Graciano na 23 de Maio, que como tal valorizam o seu produto, sendo que para tanto o autor ou titular do direito simplesmente poderá autorizar a veiculação de imagem  para determinado fim, negociando a remuneração devida no pleno exercício dos seus direitos autorais e de nome e quiçá de imagem.

 

Grande parte da utilização dessas obras se dá diretamente por empresas de publicidade e indiretamente pelo interessado da publicidade, visando não apenas vincular o seu produto à determinada obra, bem como incentivos fiscais, o que é muito justo, sem que no entanto os direitos autorais e de nome e de imagem  devam e sejam devidamente respeitados, mesmo porque o fato de existir incentivos fiscais para aqueles que patrocinarem a arte, nem por isso sob o manto da cultura esses direitos poderão ser desrespeitados.

 

Os museus, fundações, galerias e demais estabelecimentos congêneres igualmente muitas vezes utilizam imagens das obras ali existentes sem a devida autorização, acobertados sob a finalidade a que se destinam, o que é lamentável, muito embora nos dias presentes já exista uma consciência nesse sentido, mesmo porque a inobservância dos preceitos legais que disciplinam os direitos autorais, de nome e imagem são muito rígidos colocando em cheque a própria cultura desenvolvida por essas entidades.

 

A propósito, a jurisprudência do STJ em voto do Ministro Sálvio Figueiredo, invocando o saudoso professor ANTONIO CHAVES e salientando que direitos não são meros favores e, por conseguinte devem ser respeitados e remunerados:

 

DIREITOS AUTORAIS. MUSICA EM ONIBUS. RETRANSMISSÃO. CONTRATO FIRMADO PELAS AGRAVANTES. CARACTERIZAÇÃO DO LUCRO DIRETO. ENUNCIADO NUM. 05 DA SÚMULA/STJ.

I - NA LIÇÃO AUTORIZADA DO PROF. ANTONIO CHAVES, ACOLHIDA EM PRECEDENTE DESTA CORTE (ERESP NUM. 983 - RJ), "NÃO INTERESSA, NA VERDADE, A EXISTENCIA DE UM RENDIMENTO DIRETO OU INDIRETO POR PARTE DE QUEM O EXECUTE OU DE OUTRO MODO TIRE PROVEITO DA OBRA ALHEIA. A GRATUIDADE NÃO E A RAZÃO PARA ISENTAR QUEM QUER QUE SEJA DO PAGAMENTO DEVIDO: ASSIM COMO NÃO HA LEI QUE OBRIGUE ALGUEM A FAZER CARIDADE, NÃO EXISTE DISPOSITIVO QUE FACULTE PRESTAR

II - A TURMA JULGADORA, ANTE O CONTRATO FIRMADO PELAS AGRAVANTES (RAPIDO ARAGUAIA LTDA E RADIO TERRA FM DE GOIANIA), ENTENDEU COMO CARACTERIZADO O LUCRO DIRETO DE AMBAS AS PARTES. ESTE FUNDAMENTO SE MOSTRA SUFICIENTE PARA REJEITAR A PRETENSÃO RECURSAL, UMA VEZ QUE, PARA DESCONSTITUI-LO, NECESSARIO SERIA O REEXAME EM CONCRETO DO CONTRATO, PROCEDIMENTO DEFESO NO AMBITO DESTA CORTE, A TEOR DO ENUNCIADO NUM. 05 DA SÚMULA/STJ.

POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMENTAL

(AgRg no Ag 112207 / GO ; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 1996/0031973-1, Relator MIN. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (1088), T4 - QUARTA TURMA, DJ 04.11.1996, p.42487, LEXSTJ vol. 91 p. 42).

 

Diga-se, ainda, que muito embora estejamos discorrendo sobre o exercício de direitos patrimoniais, deve o autor ou seus sucessores atentarem v.g. para a qualidade da imagem que será autorizada , sob as formas mais diversas, pois poderá ocorrer ofensa aos direitos morais como tal previstos nos artigos 24 e 27 da lei autoral , uma vez que dependendo da reprodução que se faça poderá atingir o autor na sua reputação ou honra, direito esse que é exercido pelo autor e igualmente por seus  herdeiros ( inciso IV).

 

Desta forma, podemos dizer que muito embora o registro da autorização e demais modalidades seja facultativo conforme previsto na lei autoral e no inciso VII, do art. 127 da Lei de Registros Públicos, o registro será sem dúvida alguma de grande valia, mormente para os sucessores que negociando entre si a exploração dos direitos patrimoniais evitem assim divergências sobre o poder ou não poder diante do que foi acordado entre eles, inclusive com relação a terceiros.

 

Igual cautela se aplica ao autor ao autorizar, e assim fazendo registrando suas autorizações certamente estará melhor amparado quando da negociação patrimonial de seus direitos,  cabendo acrescentar que o autor ou mesmo o titular do direito devem tomar muitas cautelas na hipótese de autorizar a utilização do corpus mechanicum, ou seja, a matriz da sua criação intelectual, - ai abrangendo gravuras e demais formas correlatas e esculturas - o que a nosso ver não deve ser feito.

 

E isso se justifica pelo fato de que tendo autorizado ou mesmo cedido o corpus mechanicum, perde o autor ou titular do direito a segurança sobre a obra, a qualidade do que se fará com o seu trabalho, especificamente quando se tratar de obras como dito reproduzíveis por sua essência, tais como a escultura, as gravuras das mais variadas, enfim, tudo aquilo que permita que exemplares sejam feitos, em estrito respeito aos direitos morais do criador da obra.

 

Entenda-se, que com relação ao quadro tal hipótese não ocorre, pois o quadro é o próprio corpus mechanicum o que não impede que o autor ou o titular do direito ao venderem o quadro façam ressalva expressa nos termos do artigo 77 da lei autoral, em que o proprietário tenha apenas a posse e propriedade obra, e nada mais, providência essa que deve ser feita inclusive com relação a museus e estabelecimentos correlatos, pois a utilização econômica do quadro gera exercício de direitos patrimoniais do autor ou titular do direito, ai compreendidos autorais e de nome (artigo 18 do Código Civil ).

 

O autor ou mesmo titular podem a nosso ver negociar a feitura de exemplar (gravuras, esculturas, etc.), mas mantendo sempre o corpus mechanicum na sua propriedade e posse, garantido assim não apenas a preservação a obra, mas igualmente a segurança do negócio que é de interesse de ambas as partes, mesmo na hipótese de ser negociado o corpus mechanicum poderá ocorrer por parte de terceiros a deformação da obra na sua consecução, ai então ocorrendo violação de direitos morais quando violada será a integridade da obra de tal forma que possa afetar a intimidade do seu criador.

 

A manutenção do corpus mechanicum é uma garantia não apenas do autor, mas também do titular do direito - na maioria das vezes os sucessores -, propiciando como dito seriedade na negociação e garantia de que a obra que será objeto de exemplares não seja deturpada e conseqüentemente atinja a intimidade do seu criador.

 

Esse corpus mechanicum no tocante à gravuras e obras conexas são as suas matrizes, de madeira, ferro ou outro material, que devem permanecer sempre com o autor ou o titular do direito na manutenção e preservação de seus direitos.

 

Há que se atentar contudo que, na hipótese de terceiro que não tenha sucedido ao artista por sua morte a autorização que verse sobre obras reproduzíveis – que possibilite a existência de exemplares, tais como a escultura, gravuras e demais modalidades – entendemos que esse terceiro que tem apenas a titularidade patrimonial sobre a obra não poderá o mesmo, ou se fizer, responder por danos morais perante o autor ou seus sucessores na hipótese do exemplar extraído da matriz apresentar defeitos ou desfiguração ou outra qualquer forma que venham prejudicar ou atingir o autor em sua reputação ou honra, ou mesmo seus sucessores nos termos do parágrafo 1º, do inciso IV, do artigo 24, da Lei Autoral.

 

Da mesma forma e no tocante apenas à eventual autorização para feitura de exemplares feita pelo autor, essa autorização concedida a terceiro poderá igualmente gerar violação de direitos morais, como o de modificar a obra (inciso V, do artigo 24) e conseqüentemente constituir afronta à reputação do autor e imagem.

 

Em outras palavras, o autor ou os seus sucessores não devem jamais permitir ou mesmo autorizar que o proprietário da obra que tem a posse do corpus mechanicum  possa reproduzi-la, ou seja, a feitura de exemplares do mesmo, podendo apenas autorizar o proprietário a expô-la, no âmbito familiar, mas em hipótese alguma a reprodução, sob qualquer forma ou pretexto da obra.





(01) JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Autoral, 2ª. Edição refundida e ampliada, Renovar, págs.308/309.

 

(02) EDUARDO SALLES PIMENTA, Código de Direitos Autorais e acordos internacionais, ed. Lejus, 1998, pág. 175.

 

(03) EDUARDO LYCURGO LEITE, Direito de Autor, Brasília Jurídica, 2004, pág. 98/99.

 

(04) EDUARDO SALLES PIMENTA, Código de Direitos Autorais e acordos internacionais, ed. Lejus, 1998, pág. 72.

 


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