289 - Direito de sequência. Titularidade dos herdeiros. Leading case junto ao Superior Tribunal de Justiça

 

LUIZ FERNANDO GAMA PELLEGRINI - Desembargador
 

 

O tema em questão não diz respeito apenas aos autoralistas, mas acima de tudo para o titular do direito de autor, bem como seus herdeiros, haja vista que a matéria vige em nosso país desde o advento da hoje revogada Lei nº 5988/73, que vigorou até o advento da vigente Lei nº 9610/98, que como veremos adiante manteve a mesma disposição contida na lei revogada, modificada minimamente em parte, mais especificamente quanto ao percentual incidente quando da cobrança da plus valia.

 

Muito embora o decisório que a seguir transcrevemos parcialmente seja, salvo melhor juízo, um leading case, o mesmo se notabiliza pela sua importância no seio das artes plásticas, dos autores e seus sucessores diante do mercado de arte e de iniciativas que muitas vezes tentam burlar a lei.

 

A matéria é de nosso conhecimento antes mesmo de 1979, quando publicamos nosso primeiro livro intitulado “Direito autoral e as Obras de Arte Plástica” hoje esgotado, muito embora nesses mais de 30 anos tenhamos escrito sobre temas autorais, sendo que em 1998, quando da edição da lei vigente, publicamos novo livro analisando a referida lei, dedicando um capítulo específico a respeito, quando assim nos manifestamos (01):

 

“A sistemática imposta pela lei constitui, efetivamente, uma conquista na defesa dos direitos de autor, uma vez que até então somente os comerciantes se beneficiavam com a manipulação de obras de arte, não tendo o autor qualquer participação na valorização de sua obra.

 

O projeto Barbosa-Chaves regulava a matéria de forma semelhante, não tendo a lei, no entanto se afastado da estrutura básica do instituto. Dispunha o art. 24 e §§ do referido projeto:

 

“Art. 24. Direito de seqüela – É o direito irrenunciável e inalienável que cabe ao autor de obra de arte plástica, gráfica ou semelhante, de haver da pessoa a que alienou a obra original e, posteriormente dos sucessivos adquirentes, uma participação sobre o maior valor das vendas feitas por meio de lances públicos ou com intuito especulativo.

 

§ 1º Essa participação será de 2% calculados sobre o produto de venda, quando não inferior ao montante de cinco salários vigorantes no Distrito Federal, e não terá lugar nos casos de obras de arquitetura e de artes aplicadas.

 

§ 2º Por morte do autor esse direito beneficiará o cônjuge e os herdeiros legítimos pelo prazo previsto no art. 34”.

 

Há alguns pontos que merecem um pouco de atenção, pois da maneira que a lei disciplinou  a matéria, e não obstante a boa vontade do legislador, cria dificuldades na aplicação prática da mesma.

 

Supondo-se que uma obra tenha sido adquirida graciosamente ou seja, tenha sido presenteada pelo artista. Posteriormente ela é vendida, não existindo neste caso um preço imediatamente anterior, para que se possa aplicar o percentual de 20%, observadas as restrições legais,

 

Diante de tal situação, de que maneira se poria em prática o art. 39?

 

Estaria o autor ou titular do direito desprotegido em tal circunstância?

 

A questão pode ser analisada sob dois prismas, visando no entanto um só fim, ou seja, transações entre particulares – e nesse aspecto o art. 39 não faz qualquer diferença entre as vendas através de lances públicos ou não, o que é louvável – e transações efetuadas pelos estabelecimentos especializados e os leilões.

 

Nas transações entre particulares, onde o controle é mais difícil, não obstante ser grande o movimento de vendas, mesmo porque muita gente não gosta de se identificar como adquirente, pode ocorrer a seguinte situação.

 

Visando se furtar ao pagamento a que tem direito o autor, o proprietário da obra pode alegar que ela foi adquirida graciosamente, elidindo desta forma a fixação do preço e a plus valia.

 

Neste caso, o titular do direito, sempre que souber deve exigir do vendedor a origem da obra, mediante a documentação competente – recibo – não sendo ela apresentada, exigir em juízo mediante a ação competente a origem da obra, onde inclusive a legislação do imposto sobre a renda tem grande interesse a respeito. Há jurisprudência, inclusive permitindo a juntada aos autos da declaração de rendimentos, para fins de comprovação da existência ou não de bens não arrolados na declaração do contribuinte.

 

Por outro lado, tratando-se de vendas efetuadas por galerias e através de leilões, fica bem mais fácil a comprovação do preço de venda  imediatamente anterior, uma vez que os estabelecimentos comerciais estão obrigados a escrituração e emissão de documentos fiscais.

 

Nos casos específicos dos leilões, sendo a atividade do leiloeiro devidamente regulada em lei, existe a obrigatoriedade de escrituração de livros, tais como o Diário de Entrada e Saída e Contas Correntes, onde a entrada e a saída de todas as obras de arte são cronologicamente escrituradas, e que através do balanço apurado entre os referidos livros, constatar-se-á a existência ou não das obras que integram aquele determinado leilão. Entretanto, se depois de tudo isso ficar comprovado que a obra de arte foi adquirida graciosamente, não há que se cogitar a aplicação do art. 39 e §§.

 

Exemplificamos exatamente algumas situações que podem criar alguma dificuldade para o autor ou o titular do direito mas, que, estando devidamente enquadradas nos parâmetros da lei, não apresentam qualquer óbice ao exercício de direito, pois quem assim agir estará contribuindo para o fortalecimento de uma situação jurídica plenamente consolidada em lei.

 

A problemática referente aos beneficiários do autor é bastante simples, não implicando em maiores considerações, uma vez que em princípio o instituto visa a proteção do autor, e posteriormente seus herdeiros ou legatários. O que se verifica, é que por morte do autor, seus herdeiros e legatário ou legatários e o cônjuge gozam igualmente do direito, sendo que para o cônjuge, filhos e pais, esse direito doravante é de 70 anos. Já no caso dos demais herdeiros e dos legatários, o prazo de duração desse direito será de igualmente de 70 anos, a contar do primeiro dia do ano seguinte ao da morte do autor.

 

Note-se, que, por ser irrenunciável e inalienável o direito do autor, visa com isso o instituto uma proteção ainda maior, no sentido de que não possa o autor abrir mão desse direito, ainda que fosse tentado por propostas vantajosas ou mesmo premiado pelas circunstâncias. Não cabe, por conseguinte, cessão desse direito.

 

Ele somente passará a ser dos herdeiros, cônjuge e legatários por sua morte, cujo gozo obedecerá aos prazos mencionados.

 

Visa portanto o instituto, basicamente, a proteção do autor, sendo que após a sua morte, os seus herdeiros ou legatários é que irão se beneficiar da mesma forma, até que ocorra a extinção do mesmo.

 

(...)

 

O que a Convenção de Berna assim como a lei vigente quiseram foi garantir não apenas ao autor mas igualmente aos seus herdeiros nos termos da lei, o direito de participar da mais-valia advinda da venda, como exercício de direito patrimonial. A citada Convenção fala em “...depois da primeira cessão efetuada pelo autor”, ao passo que o art. 41 fala em “...aumento do preço verificável em cada revenda”, o que a nosso ver apenas explicita a mecânica do direito de sequência, ou seja, ele somente poderá existir na revenda, pois a venda primitiva feita quer pelo autor quer pelos seus herdeiros não enseja o nascimento da obrigação de pagar por parte do vendedor da obra.

 

Obviamente que o art. 39 da lei revogada, assim como o art. 38, da presente lei e a Convenção de Berna utilizaram-se da palavra autor, uma vez que esses diplomas disciplinam o direito de autor e não de herdeiros, que somente existem no contexto da lei autoral caso exista um autor. Não podemos nos esquecer que é muito comum um artista falecer e deixar um acervo de suas obras, que em realidade nunca foram vendidas por circunstâncias das mais diversas, o que não ilide e nem impede que seus herdeiros as vendam e delas tirem o proveito econômico que desejarem, visto que são titulares dos direitos patrimoniais do autor, no caso dos filhos e dos pais, pelo prazo de 70 anos como visto anteriormente.

 

Ora, qualquer raciocínio em contrário constituiria restrição aos direitos patrimoniais outorgados quer pela lei ordinária quer pela Convenção de Berna, que tem igualmente força de lei ordinária, isso se possível fosse contrariar frontalmente a norma constitucional, nascedouro dos direito do autor, que outorga ao autor o direito de utilizar, publicar e reproduzir a sua obra, ou melhor, dispor da mesma maneira mais abrangente possível.

 

MARCO AURELIO DA SILVA VIANA igualmente compartilha de nosso entendimento, consignando que: “O gosto pela arte oferece público tanto para os autores antigos como para os modernos e não há que ser o direito de seqüência que irá prejudicar os últimos. Quanto à ausência de benefício para os autores e herdeiros, mesmo que fosse pequeno, seria maior do que nada. No entanto, as quantias arrecadadas podem ser grandes. Tanto o autor como herdeiros são beneficiados pela lei.” (ob., cit., PP. 326/327). In summa, o que se depreende é que tanto autor como seus herdeiros gozam desse mesmo direito patrimonial, observadas as respectivas peculiaridades, lamentando-se, apenas, que o instituto nos moldes disciplinado é de que quase nenhuma valia, mormente porque os artistas apresentam uma postura extremamente passível, o que se poderia entender mas não justificar em face das dificuldades que poderiam ocorrer diante do mercado de arte. Uma palavra ainda com referência a esse direito que, como visto é difícil execução, tanto assim que tivemos oportunidade ainda quando advogado em fornecer subsídios ao governo, como membro de uma comissão especialmente criada para tanto (Portaria n. 13, de 9.4.81, publicada no DOU, de 13.4.81), de iniciativa do então presidente do Conselho Nacional de Direito Autoral José Carlos Costa Manso, trabalho esse que no entanto se viu frustrado, visto que as portarias editadas foram simplesmente revogadas, onde se procurava viabilizar o instituto, muito embora a lei não dependesse de regulamentação. Como dito acima, trocou-se seis por meia dúzia, o que é lamentável para uma nova lei, que foi anunciada como sendo de primeiro mundo, não obstante essa lei de nova tem em verdade apenas uma roupagem nova, sem que no entanto o instituto pudesse sequer ser viabilizado conforme acima apontado. O tempo dirá.”(01)

 

EDUARDO LYCURGO LEITE em obra específica e discorrendo sobre a titularidade e transmissibilidade, assim fez consignar : “Com relação aos  titulares (beneficiários) dos direitos de seqüência, estes são, naturalmente, os próprios autores e, após a sua morte, os seus herdeiros (beneficiários post mortem), sendo que a regra de tal transmissibilidade causa mortis pode variar de país para país. Analisando a legislação francesa, conclui-se que, após a morte do autor, o direito de seqüência se transmite aos seus herdeiros pelo prazo de perdurarem os direitos patrimoniais, devendo o conceito de herdeiros ser interpretado restritivamente. Nesse mesmo sentido está a Diretiva 2001/84/CE do Parlamento Europeu, que coloca como beneficiário do direito de seqüência, inicialmente, o autor da obra e, após a morte deste, os seus legítimos sucessores (artigo 6°). Considerando a expressa inalienabilidade dos direitos de seqüência, disposta no parágrafo único do art. 38 da Lei nº 9.610/98, podemos concluir que a filosofia contida na norma permite-nos afirmar que os cessionários não são legitimados a exercer os direitos de seqüência, pois nem sequer podem recebê-los. Contudo, o mesmo não ocorre em relação à legitimidade do exercício dos direitos de seqüência atribuída aos herdeiros dos criadores, legitimidade essa que é admitida pela própria Convenção de  Berna (art. 14ter).” (02)

 

O RECURSO ESPECIAL nº 594.526-RJ, tendo como relator o Ministro Luis Felipe Salomão, que é o objeto deste artigo, cabendo lembrar que o autor da ação perdeu em primeira e segunda instâncias por total desconhecimento da lei, em que a sentença segundo consta que inexistiria direito de seqüência para os herdeiros, e o tribunal com a devida vênia complicou ainda mais o posicionamento do herdeiro.

 

Todavia, o STJ de maneira cristalina e discorrendo sobre a evolução do direito, suscitando inclusive convenções internacionais reconheceu o direito do herdeiro do artista, dando-lhe ganho de causa, sendo que para melhor vislumbrar o alcance da decisão passamos a transcrever os principais tópicos, a saber:

 

RECURSO ESPECIAL Nº 594.526 - RJ (2003/0172940-5)

 

EMENTA

 

CIVIL E PROCESSO CIVIL. DIREITO DE SEQÜÊNCIA (DROIT DE SUITE) DE HERDEIROS. POSSIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE, POR ESTA CORTE, DA SUPOSTA VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. DANOS MORAIS. REVISÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO.

 

1. O direito de seqüência, ou droit de suite, consiste no direito do autor da obra original, ou seus herdeiros, em caráter irrenunciável e inalienável, de participação na "mais valia" que advier das vendas subseqüentes dos objetos que decorrem de sua criação. Objetiva a proteção do criador intelectual e sua família em relação à exploração econômica da obra.

 

2. Os artigos 39 e 42 da Lei 5988/73 c/c artigo 14, ter, do Decreto 75.699/75 não afastam o direito de seqüência quando a peça original é alienada, pela primeira vez, por herdeiro do autor intelectual da obra, pois a própria norma define que, em caso de morte, os herdeiros gozarão do mesmo direito.

 

3. O direito de seqüência tem natureza jurídica patrimonial, e como tal passível de transmissão causa mortis aos herdeiros (art. 42, § 1º, da Lei 5.988/73).

 

4. É cabível, portanto, a indenização aos herdeiros decorrente da "mais valia" pela venda posterior da obra de arte, quando obtida vantagem econômica substancial pela exploração econômica da criação.

 

5. Em relação ao alegado dano moral, a revisão das conclusões realizadas com base no arcabouço fático-probatório delineado nas instâncias ordinárias é vedada em sede de recurso especial. Incidência da Súmula 7/STJ.

 

6. Não tendo o recorrente apontado nenhum dispositivo legal supostamente violado em relação à alegada preclusão da decisão saneadora que teria enfrentado a questão da decadência, incide as Súmulas 282 e 356/STF.

 

7. É vedada a esta Corte apreciar violação a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.

 

8. A não realização do necessário cotejo analítico dos acórdãos, com indicação das circunstâncias que identifiquem as semelhanças entres o aresto recorrido e os paradigmas implica o desatendimento de requisitos indispensáveis à comprovação do dissídio jurisprudencial.

 

9. Recurso especial conhecido em parte e, no ponto, provido.

 

VOTO

 

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

(...)

 

O direito de seqüência não é novo, foi criado na Europa no final do século XIX com o objetivo de restabelecer o equilíbrio econômico entre autores de obras literárias e artísticas e os intermediários que se beneficiavam das vendas sucessivas dos suportes físicos originais (SOUZA, Carlos Fernando Mathias. Direito Autoral: legislação básica. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 45-49; LEITE, Eduardo Licurgo. Direito de Autor. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. p. 133-135).

 

(...)

 

Assim, o reconhecimento do direito de seqüência visa proteger o criador intelectual e sua família, com freqüência explorados, permitindo que os autores, e após a sua morte, os seus herdeiros, possam de alguma forma beneficiar-se na exploração econômica da obra de arte criada.

 

3. O direito de seqüência foi introduzido em nossa legislação pela Lei 5988/73, alterada, posteriormente, pela Lei 9.610/1998, que o manteve (art. 38). Cabe ressaltar, contudo, que o Brasil já era signatário da Convenção de Berna desde 1922, tendo internalizado o referido Tratado, revisado pela Convenção de Paris de 1971, por intermédio do Decreto 75.699/1975.

 

O instituto jurídico ora tratado era, portanto, na época dos fatos, regido pelo art. 39 da Lei 5.988/73 combinado ao art. 14, ter, do Decreto 75.699/1975, os quais dispõe, respectivamente, que: Art. 39. O autor, que alienar obra de arte ou manuscrito, sendo originais ou direitos patrimoniais sobre obra intelectual, tem direito irrenunciável e inalienável a participar na mais-valia que a eles advierem, em benefício do vendedor, quando novamente alienados.

 

§ 1º Essa participação será de vinte por cento sobre o aumento de preço obtido em cada alienação, em face da imediatamente anterior.

 

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo quando o aumento do preço resultar apenas da desvalorização da moeda, ou quando o preço alcançado foi inferior a cinco vezes o valor do maior salário-mínimo vigente no País.

 

Artigo 14 ter

 

1) Quanto às obras de arte originais e aos manuscritos originais dos escritores e compositores, o autor - ou, depois da sua morte, as pessoas físicas ou jurídicas como tais qualificadas pela legislação nacional - goza de um direito inalienável de ser interessado, nas operações de venda de que a obra for objeto depois da primeira cessão efetuada pelo autor.

 

2) A proteção prevista no parágrafo anterior só é exigível em cada país unionista se a legislação do país a que pertence o autor admite essa proteção e na medida em que o permite a legislação do país onde tal proteção é reclamada.

 

I . As modalidades e as taxas da percepção são determinadas em cada legislação nacional.

 

O Tribunal de origem, ao analisar os citados artigos assim se manifestou: "A questão que se apresenta é se a referência ao autor, contida no aludido dispositivo legal, deve ser tomada literalmente para se concluir que tal direito beneficia exclusivamente ao autor da obra, excluindo seu filho ora Apelante, ou se beneficia também a este, por força da disposição do artigo 5º, inciso XVII, da Constituição Federal c.c o § 1º do artigo 42 da citada Lei nº 5.988/73, que à época dispunha que os filhos gozarão de vitaliciamente dos direitos patrimoniais do autor que se lhes forem transmitidos por sucessão mortis causa.

 

A resposta deve ser buscada através de interpretação sistemática, consultando-se a Convenção de Berna, para a proteção das obras literárias e artísticas, revista em Paris em 24-07-1971, em vigor no Brasil por força do Decreto nº 75699, de 06-05-1975, a qual estabelece princípios mínimos de proteção dos direitos autorais, aplicando-se, destarte, às relações jurídicas internas dos países signatários, regulando o direito de seqüência em seu artigo 14, ter, verbis: (...) Verifica-se da redação do referido dispositivo que o direito de seqüência somente tem lugar quando a primeira cessão da obra de arte original é efetuada pelo próprio autor e, neste caso, seu exercício se transmite aos seus herdeiros ou sucessores, que terão o direito de exercê-lo em todas as alienações posteriores, enquanto a obra não cair no domínio público, entretanto, se o autor não alienou o original em vida, como ocorre na presente hipótese, o direito caduca, não se aplicando às alienações posteriores feitas pelos herdeiros ou sucessores do autor."

 

4. Todavia, o reconhecimento do direito de seqüência não pode se limitar às operações de venda de que a obra for objeto depois da primeira cessão efetuada pelo autor da obra original e somente por ele.

 

O artigo 14, ter, do Decreto 75.699/1975, dispõe, em sua parte inicial, que goza do direito de seqüela "o autor - ou, depois da sua morte, as pessoas físicas ou jurídicas como tais qualificadas pela legislação nacional". Logo, o legislador, explicita, na primeira parte, que a expressão "autor", é equiparada às "pessoas físicas ou jurídicas como tais qualificadas pela legislação nacional", após a morte do criador intelectual.

 

Diante disso, quando o legislador se refere novamente à expressão "autor" na parte final do artigo, também o equipara aos herdeiros, ainda que não o especifique expressamente, tendo em vista que a repetição do seu significado é desnecessária.

 

Vejamos:

 

art. 14 ter: 1) Quanto às obras de arte originais e aos manuscritos originais dos escritores e compositores, o AUTOR - ou, depois da sua morte, as pessoas físicas ou jurídicas como tais qualificadas pela legislação nacional - goza de um direito inalienável de ser interessado, nas operações de venda de que a obra for objeto depois da primeira cessão efetuada pelo AUTOR.

 

(...)

 

Portanto, o artigo 14, ter, do Decreto 75.699/1975 não afasta o direito se seqüência quando a peça original é cedida pela primeira vez por herdeiro do autor intelectual da obra, pois a própria norma define que, em caso de morte, os herdeiros gozaram do mesmo direito.

 

5. Ademais, ressalta-se que o direito de seqüência tem natureza jurídica patrimonial, visto que se consubstancia no direito do autor, ou de seus herdeiros, de participar de um provento. E não se diga que, por força do art. 39 da Lei 5.988/73, que determina seu caráter irrenunciável e inalienável, não seja o direito de seqüência passível de transmissão causa mortis aos herdeiros (art. 42, § 1º, da Lei 5.988/73), pois a próprio objetivo do instituto é proteger, além do criador intelectual, sua família.

 

(...)

 

6. Portanto, e em conclusão, é cabível a indenização aos herdeiros decorrente da "mais valia" pela venda posterior da obra de arte, quando obtida vantagem econômica substancial pela exploração econômica da criação.

 

No caso em espécie, sendo o ora recorrente filho de Candido Portinari e seu único herdeiro, não existe qualquer óbice para que seja reconhecido seu direito à participação de 20% sobre a "mais valia" da alienação da obras originais realizadas pelo Branco do Brasil, ainda que os desenhos tenham sido alienados pela primeira vez após a morte do criador intelectual, restando malferidos, com a interpretação do Tribunal local, os arts. 39 c/c art. 42 da Lei 5.988/73”.

 

Estas, pois, as considerações pertinentes a tema da maior relevância, muito embora a doutrina, pode-se dizer, é unânime quanto ao direito em questão, quer por parte do seu autor (criador intelectual) quer por seus herdeiros dada a clareza tanto da lei revogada como da vigente, isso sem levar em conta que as convenções das quais o Brasil é signatário disciplinam a matéria sem qualquer margem de dúvida, mesmo porque tais convenções são anteriores às leis autorais, e que certamente servirão de parâmetro para o legislador ao disciplinar matéria tão importante, haja vista que se encontra inserida no capítulo dos direitos e garantias individuais (art. 5º, XXVII) da CF/88.

 

Diga-se, ainda a título de curiosidade que o direito de seqüência pode até mesmo apresentar natureza jurídica híbrida, ou seja, patrimonial e moral posto que inalienável e irrenunciável, mas, no entanto passível de sucessão, mas jamais de cessão.

 

 

(01) LUIZ FERNANDO GAMA PELLEGRINI, Direito Autoral do Artista Plástico, Oliveira Mendes, 1998, págs. 85, 87, 88, 89, 91, 92, 94.

 

(02) EDUARDO LYCURGO LEITE, Direito de Autor, Brasília Jurídica, 2004, págs. 150, 152.

 



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