291 - Proteção aos monumentos. Imóvel tombado. Acão civil pública procedente. Obrigação de fazer por parte do poder público.Obrigação de zelar e preservar

 

LUIZ FERNANDO GAMA PELLEGRINI - Desembargador
 

 

O tema em tela não é novo para nós, já que em 1983 publicamos trabalho na “Revista de Direito Civil nº 23, páginas 86/90”, quando na oportunidade analisamos a responsabilidade dos entes na proteção das obras de arte, mormente aquelas que se encontram em logradouros públicos, bem como nos reportamos às legislações infraconstitucionais aplicáveis à espécie.

 

Nesta oportunidade, dada a importância do tema em um país em que o respeito é um desrespeito, trazemos à baila julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que pensamos tratar-se de um leading case, ao julgar a Apelação nº 53.862-5/4 - recurso interposto pela municipalidade de São Paulo - improcedente o pleito recursal da municipalidade, por maioria de votos, mantendo-se assim a sentença de primeiro grau que acolheu o pedido vestibular ajuizado pelo Ministério Público, em decorrência de representação formulada.

 

Toda trama girou em torno do (MONUMENTO ÀS BANDEIRAS - 1920-1953), de autoria do falecido escultor patrício VICTOR BRECHERET (1894-1955) pertencente à municipalidade de São Paulo e que se encontra no Parque Ibirapuera, na Praça Armando de Salles Oliveira.

 

O acórdão, como dito, prestigiou a sentença recorrida, que impôs ao Município de São Paulo a obrigação de proteger o monumento, sendo que caso não ocorra tal proteção, responderá o Município por multa diária de R$ 10.000,00 em decorrência de obrigação de fazer.

 

O art. 23, inciso III da CF/88 estabelece que compete à União, aos Estados, Distrito Federal e Municípios, “proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos e as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.”.

 

Por sua vez, o inciso VII, do art. 24 prevê que é de competência da União, Estados e Distrito Federal legislar concorrentemente sobre “proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico.” Temos ainda no inciso IX, do artigo 30 a proteção à cultura, genericamente.

 

Por derradeiro o art. 216 e incisos prevêem que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material (monumentos), sendo que seus incisos I a IV estabelecem serem igualmente protegidos: a) as formas de expressão (escultura); b) os modos de criar (qualquer obra); c) as criações artísticas (monumentos) e as obras genericamente.

 

Seria desnecessário e desgastante invocar as legislações infraconstitucionais que protegem o patrimônio público, mesmo porque as normas constitucionais falam por si, como vemos v.g o disposto no inciso IX, do art. 30 do Texto Maior, verbis:

 

Art.30 – Compete aos Municípios:

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

 

JOSÉ AFONSO DA SILVA em comentários a esse dispositivo assim preleciona: “Lembre-se que o art. 23, II e IV, dá competência comum aos Municípios, a União e Estados, para proteger os bens de valor histórico e cultural, e o art. 216, como veremos, oferece o conteúdo e os modos de promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro, no qual se inclui também o patrimônio histórico-cultural local. Proteger esse patrimônio é incumbência municipal ( inciso IX).”  (01)

 

Adiante, o referido autor comentando o art. 216, parágrafo primeiro do mesmo mandamento constitucional faz consignar: “4.3 Tombamento. O tombamento para nós, é o ato do Poder Público que reconhecendo o valor cultural (histórico, arqueológico, etnográfico, artístico ou paisagístico) de um bem, mediante sua inscrição no Livro próprio subordina-o a regime jurídico especial, que lhe impõe vínculos de destinação, de imodificabilidade e de relativa inalienabilidade.” (02)

 

Assim passamos a transcrever parcialmente o acórdão mencionado.

 

“EMENTA: Ação Civil Pública promovida pelo "Parquet" contra a PMSP. Falta de preservação do Monumento às Bandeiras. Tombamento pela Resolução Municipal 05/91. Necessidade de sua proteção e conservação tal como criado. Obrigação de fazer a proteção de forma eficaz, pena de multa primária diária. Demanda procedente. Recursos improvidos.”

“Como se observa dos autos, pelo tombamento do Monumento às Bandeiras o Poder Público já declarou o valor especial preservável do bem e a necessidade de sua proteção e conservação tal como criado.

Nas circunstâncias apresentadas no feito, a r. sentença nada mais fez do que reconhecer que essa obrigação municipal não vem sendo cumprida a contento pela apelante.

Ressalte-se que a Constituição da República, no art. 30, IX, é taxativa de que compete ao Município "promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual". E a Carta Paulista, no art. 261, que "O Poder Público pesquisará, identificará, protegerá e valorizará o patrimônio cultural paulista, através do CONDEPHAAT, na forma que a lei estabelecer". Assim o CONDEPHAAT fez, o CONPRESP confirmou e à Prefeitura cabe mesmo preservar da melhor maneira possível a obra, que não só lhe pertence, mas também está inserida em Parque Municipal, portanto sem dúvida de sua maior responsabilidade.”

 

E para melhor compreensão e abrangência desse decisório, transcrevemos ainda parte da sentença que julgou procedente o pedido vestibular, nos seguintes termos:

 

Aliás, se nada for feito, não é preciso nenhum exercício de futurologia para prever o resultado óbvio, ou sejam: dentro de mais algum tempo estará a cidade de São Paulo privada da integridade de mais uma obra de seu acervo artístico e cultu­ral, pois o que se está fazendo nada mais representa do que expor e sujeitar também o Monumento às Bandeiras, à mesma sorte do Monu­mento a Duque Caxias, já parcialmente destruído por uma bomba, ou mais um exemplo, para que não se alegue pessimismo.” “Destarte, penso então que nada mais será preciso dizer, a não ser ressaltar que para que a decisão aqui profe­rida não se torne inócua, de rigor se mostra o estabelecimento de prazo para o cumprimento da obrigação, prazo este que fixo em 180 dias a contar do trânsito em julgado. Posto isso e considerando tudo mais que dos autos consta JULGO PROCEDENTE o pedido e condeno a ré a cumprir a obrigação de fazer, consistente em proteger de forma eficaz o denominado Monu­mento às Bandeiras, sito no Porque do Ibirapuera, para o que concedo­-lhe o prazo de 180 dias, a contar da confirmação desta decisão. Para a hipótese de descumprimento desta obrigação, ficará a requerida sujeita ao pagamento de uma multa pecuniária diária de dez mil reais (R$ 10.000,00)” (cf. Direito Autoral do Artista Plástico, de acordo com a Lei nº 9.610 de 19/2/98, pág. 29/30, LUIZ FERNANDO GAMA PELLEGRINI)

 

Ainda com relação ao mencionado acórdão, tomamos a liberdade de uma consideração, no sentido de que não apenas as obras tombadas são protegidas, mas toda e qualquer obra de arte, indistintamente, v.g. o painel de autoria do falecido pintor Clovis Graciano, que se encontra na Av. Rubem Berta, o painel de Di Cavalcanti na Cultura artística  e outros mais, pois o que a Constituição assegura é a proteção do patrimônio público, e não se aquele determinado bem esteja ou não tombado, como condição para tal, muito embora o tombamento cria e agrava  a posição do poder público na guarda e preservação do patrimônio.



A matéria objeto da ação civil teve como suporte jurídico o artigo 24, inciso IV da lei autoral vigente nº 9610/98, que manteve a redação da Lei nº 5988/73 revogada no sentido de que são direitos morais do autor – e dos sucessores por força do parágrafo primeiro desse mesmo dispositivo.



A matéria dada a sua riqueza comportaria muito mais, mas de qualquer forma entendemos que o que ora se consignou é suficiente para entendermos que o poder público está obrigado a zelar pelo patrimônio público, e tal obrigação não constitui favor, muito pelo contrário.

 

Entendemos oportuna a uma nova visão desse julgado de grande importância, pois o conhecimento sobre o fato e o posicionamento do Poder Judiciário alcança um número mínimo de pessoas, muito embora, como visto seja a matéria da maior relevância.

 

Outrossim, muito embora esse monumento venha recebendo presentemente um tratamento condigno, exceção feita à falta de fiscalização nos fins de semana e feriados em que dezenas de pessoas “o cavalgam”, neste particular cabe ao Poder Judiciário fazer cumprir a sua decisão e ao Ministério Público, autor da ação a igual obrigação de exigir da municipalidade o que ficou determinado por ordem judicial, bem como responsabilizar a municipalidade na eventualidade de uma fatalidade, pois certamente uma queda será fatal.

 

Em outras palavras, muito embora o monumento encontre-se bem cuidado presentemente, pois já foi alvo de dezenas de pichações, o mesmo não se pode dizer quanto à fiscalização por parte da municipalidade, que simplesmente inexiste, o que é lamentável, primeiramente pelo fato de que a iniciativa judicial se deu por parte do Ministério Público e com a agravante de que a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não é cumprida, o que pode ensejar desobediência. 

 



(01)      Comentários Contextual à Constituição, Malheiros, 2008, 5a. Ed., pág. 311

(02)      Idem, pág. 812


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