250 - Inventário e partilha: a nova ordem da vocação hereditária

 
EUCLIDES DE OLIVEIRA – Advogado
 

 

Para que se lavre uma escritura de inventário e partilha, nos termos da Lei n. 11.441/07, não basta a observância dos requisitos básicos atinentes à qualidade das partes (maiores e capazes), ao consenso na partilha e à inexistência de testamento.

 

Mais que isso, é preciso que o tabelião conheça as regras do ordenamento civil sobre a vocação hereditária e a ordem em que se processa. Por outras palavras, é essencial verificar quem são os herdeiros e quais as frações da herança devidas a cada um.

 

Sob esse aspecto, o Código Civil de 2002 trouxe significativas mudanças em relação ao que dispunha o Código revogado. Pode afirmar-se que temos, hoje, um novo direito sucessório porque modificada substancialmente a ordem da vocação hereditária.

 

Essa ordem de chamamento à herança é preferencial: começa pelos descendentes, em possível concorrência com o cônjuge ou o companheiro, passa aos ascendentes, também com possível concorrência com o cônjuge ou o companheiro,  depois ao cônjuge ou ao companheiro (este, em concorrência, se houver outros herdeiros) e se encerra com os colaterais até o quarto grau. Assim dispõe o artigo 1.829 do Código Civil, com grave omissão por não mencionar o companheiro sobrevivente de união estável. Não obstante, os direitos de participação do companheiro são assegurados no art. 1.790 do mesmo Código, em condições próprias, diversas daquelas estabelecidas para o cônjuge.

 

Como se vê, o chamamento dos herdeiros obedece a classes distintas, em ordem sequencial. São grupos diferenciados de herdeiros, entre si excludentes, conforme a prioridade de chamamento estabelecida na lei. A convocação para a percepção da herança é sucessiva, mas também pode entrelaçar-se nos casos de concorrência entre o cônjuge ou o companheiro e certos parentes sucessíveis.

 

Esse sistema de concorrência constitui importante inovação, que coloca o cônjuge no primeiro plano da vocação hereditária, junto com os descendentes, quando não tenha sido casado no regime da comunhão universal, no da separação obrigatória de bens ou, havendo bens particulares, também no regime da comunhão parcial. É o que se extrai do artigo 1.829 do Código Civil. A atribuição da quota do cônjuge, nessas hipóteses, é regulada no artigo 1.832, com fixação em valor igual ao do herdeiro descendente, mas garantindo ao cônjuge a quarta parte da herança se os filhos forem comuns, isto é, havidos da união conjugal.

 

Conforme a disposição do mencionado artigo 1.790, o companheiro sobrevivente também participa da herança, mas somente sobre os bens havidos onerosamente durante a convivência, não importa o regime de bens. Tem direito uma quota igual à dos filhos comuns e a meia-quota quando os filhos forem exclusivos do falecido.

 

Séria dúvida surge na hipótese de existirem filhos comuns e também filhos exclusivos do falecido, na concorrência com cônjuge ou com companheiro. A lei não esclarece o modo de cálculo da quota, nessa situação. Diversas as soluções possíveis, parecendo predominar a de que se observe o benefício maior ao cônjuge ou ao companheiro apenas quando todos os filhos sejam comuns. Mas se houver acordo das partes, nada impede atribuição diferente, mesmo porque é da essência do inventário judicial que a partilha seja amigável.

 

Verifica-se importante modificação na escala de preferência dos herdeiros. Restou valorizada a posição do cônjuge e também a do companheiro, em vista do mencionando direito de concorrência. Com relação ao cônjuge, não havendo herdeiros descendentes, é garantida a concorrência com os ascendentes, em quotas iguais, qualquer que seja o regime de bens do casamento. Quanto ao companheiro, sua participação em conjunto com os ascendentes ou, na falta deste, com os colaterais, corresponde a um terço da herança.

 

Outro aspecto importante, embora não constitua novidade, é o  direito de representação de herdeiro pré-morto, fazendo com que os seus descendentes recebam a mesma quota que caberia ao falecido (sucessão por estirpe). A regra aplica-se aos descendentes, quando houver outros herdeiros da mesma classe e grau que o pré-morto. Na classe dos ascendentes não cabe o direito de representação. E sua aplicação aos colaterais restringe-se aos filhos de irmão pré-morto, quando concorrerem com outros irmãos do autor da herança.

 

Outro detalhe, por finalizar: não confundir herança com meação. Primeiro, apura-se o direito de meação do cônjuge sobrevivente, conforme o regime de bens adotado no casamento. O que resta é a herança atribuível aos herdeiros, na forma acima analisada. 

 

Em suma, alerta-se para a indispensável formação técnico-jurídica do encarregado de lavrar uma escritura de inventário para que a partilha se faça na exata correspondência do que determina a lei, seja quanto à ordem de chamamento dos herdeiros, seja quanto ao quinhão da herança atribuível a cada um.

 

 

São Paulo, verão chuvoso de 2008.




O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP