249 - Quais os direitos que nascem da relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo?

 

FERNANDO ANTÔNIO DE LIMA – Juiz de Direito
 

 

Tempos atrás, assisti ao belo filme “Chocolate”. A chocolateira, personagem principal, perguntou ao cigano, que, como todo cigano, não tinha um paradeiro definitivo: “Nunca pensou em pertencer a algum lugar”? Ao que respondeu o viajante: “Não. O preço é alto demais. Os moradores do lugar sempre esperam algo de você. Prefiro estar sempre recriando um lar, do zero”.

 

Isso aponta para a constatação de que todo ser humano tem a sua diferença, a mesma diferença que todos devem respeitar.    

 

Aliás, é no respeito à própria diferença que a pessoa atinge a sua felicidade: “Toda criatura humana é diferente da outra e só pode ser plenamente feliz na concreta experimentação de suas diferenças” (Carlos Ayres Britto, Ministro do Supremo Tribunal Federal).

 

Como, então, os Juízes brasileiros vêm encarando a temática “direitos decorrentes da relação entre pessoas do mesmo sexo”? O respeito à diferença está sendo observado nas decisões judiciais?

 

Há mais ou menos um mês e meio, um primo meu chegou à última fase (3ª) de um concurso para o provimento de cargos para Juiz Federal. Perguntaram para ele: no que a leitura do escritor russo Dostoievski pode contribuir para a humanização dos Juízes?

 

Da pergunta se nota que os examinadores não queriam apenas um Juiz legalista, um Juiz apegado ao texto da lei, mas alheio aos problemas humanos.

 

O Juiz moderno, pois, é aquele que aspira os ventos que correm chacoalhando as árvores da sociedade, um Juiz que se atente não apenas para o papel, para o processo. Um Juiz, enfim, que sinta as dores humanas, e, como humano, enxergue as humanas aflições presentes nos litígios humanos.

 

O Poder Judiciário, às vezes muito criticado por sua morosidade, está inovando, e muito, no que diz respeito aos direitos nascidos das relações entre pessoas do mesmo sexo.

 

No direito previdenciário, Juízes Federais vêm concedendo pensão por morte, no caso do falecimento de um dos companheiros, desde que a relação homoafetiva tenha sido pública, contínua, duradoura e com a intenção de formar família.

 

O fundamento utilizado por esses Juízes reside no princípio da dignidade humana (todos têm direito à felicidade), na isonomia (não é possível discriminar alguém valendo-se da opção sexual), no repúdio ao preconceito e às discriminações injustas.

 

A adoção por pessoas do mesmo sexo, por outro lado, não é um assunto pacífico. Muitos juízes a vedam, sob o argumento de que a lei não a permite.

 

Eis mais um erro. No Brasil, a formação dos Juízes, Promotores e Advogados é extremamente legalista. Em outras palavras, ensina-se o que dispõe a lei, mas se esquece de explicar o que determina a Constituição. Mas a Constituição é muito mais poderosa que a lei, e a lei, quando conflitar com a Constituição, deve ceder espaço para a Constituição.

 

É a Constituição, portanto, que impõe deveres à comunidade e ao Estado, no que toca aos direitos das crianças e adolescentes. É a Constituição que proíbe qualquer atentado à vida, à liberdade, à dignidade das crianças e adolescentes. É, enfim, a Constituição que impede serem vítimas de abuso, opressão e negligência as crianças e os adolescentes.

 

Ora, por que, então, negar a adoção, se as pessoas do mesmo sexo ostentam uma relação duradoura, com objetivo de constituir família?  Estudos há, inclusive, que demonstram não haver nenhuma interferência negativa na vida dessas pessoas em formação o fato de serem criadas por pessoas do mesmo sexo (vide Rob Tielman, Prof. Da universidade de Utrecht). Seria melhor deixar um pobrezinho de 5 anos de idade mendigando na rua, sendo vítima de violência e exploração sexual, ou permitir a integração numa família, ainda que tal família seja formada com base numa relação homoafetiva?

 

Uma outra questão: se, por exemplo, duas mulheres viveram por alguns anos juntas, com o objetivo de constituir família, e uma vem a falecer, a outra tem direitos sucessórios, como herança?

 

A maioria dos Tribunais entende que não, sob o argumento de que a nossa lei só tratou da união estável entre pessoas de sexo diferente. Essa maioria vem reconhecendo, apenas, direitos no campo obrigacional. Por exemplo: para ter direito a uma casa, o companheiro sobrevivente tem de comprovar que adquiriu em sociedade esse imóvel. Se houvesse direito sucessório, bastaria demonstrar a convivência, dispensando a prova da aquisição conjunta do bem.

 

Não obstante, há decisões, ainda isoladas, reconhecendo esse direito. A tendência, no meu ponto de vista, é a de que, mesmo no campo sucessório e do direito de família, os Tribunais mudem o seu posicionamento, vindo a conferir, às pessoas do mesmo sexo, os mesmos direitos decorrentes da união estável entre pessoas de sexo diferente.

 

Em resumo, no campo previdenciário (pensão por morte, por exemplo), o Judiciário vem reconhecendo direitos nas relações homoafetivas, o que não vem ocorrendo no campo do direito de família (ex.: adoção) e do direito sucessório (ex.: herança). A tendência, porém, é que, num futuro próximo, os direitos sejam conferidos nos três ramos do Direito mencionados.

 

É preciso, pois, que aprendamos que do respeito à diferença brota a tolerância; da tolerância nasce a possibilidade de convivência pacífica em sociedade; e da convivência pacífica em sociedade surge a felicidade. A mesma felicidade que, de mãos dadas com o respeito à diferença, faz com que o ser humano possa desenvolver, em toda a plenitude, as próprias potencialidades, mas não quaisquer potencialidades, e sim as potencialidades para o bem, para a ética, para a virtude e, acima de tudo, para o respeito.

 

 

Artigo escrito no dia 23 de janeiro de 2007.


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